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09/06/2020 A democracia é possível?


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A democracia é possível?
Renato Noguera 
5 de novembro de 2018

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O filósofo camaronês Achille Mbembe (Reprodução/ The European Graduate School EGS)

Sem dúvida, Achille Mbembe (https://revistacult.uol.com.br/home/tag/achille-


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Fanon (https://revistacult.uol.com.br/home/tag/frantz-fanon), leitor de Michel
Foucault (https://revistacult.uol.com.br/home/tag/michel-foucault/) e de Gilles
Deleuze (https://revistacult.uol.com.br/home/dialogos-entre-filosofia-e-arte/), o
filósofo camaronês traz uma tese original: o neoliberalismo é uma reedição da
escravização negra moderna. Essa formulação pode até soar inquietante. Mas uma das
teses mais interessantes de Mbembe está numa argumentação que situa radicalmente
a escravização dos povos africanos como a condição de possibilidade do capitalismo
moderno (liberalismo) e o advento do capitalismo contemporâneo (neoliberalismo)
como um projeto de revitalização da própria escravização. Se no capitalismo moderno
tínhamos dois tipos de pessoas: donas do meio de produção e trabalhadoras, no
capitalismo contemporâneo existe um terceiro tipo: especuladoras do sistema
financeiro (rentistas). Ora, para que esse tipo de personagem do sistema capitalista
exista é preciso usar e explorar as pessoas trabalhadoras tal como se escravas fossem.
Conforme Mbembe, o neoliberalismo é um momento da história da humanidade em
que todos os acontecimentos passam a ter valor de mercado. Uma época em que o
tempo, por mais curto que seja, passa se converter em força reprodutiva da forma-
dinheiro.

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Mbembe argumenta que no contexto neoliberal o sujeito “está aprisionado no seu


desejo”. Pois bem, trata-se daquilo que podemos denominar de um sujeito
neuroeconômico, isto é, uma pessoa que precisa publicar sua vida íntima como moeda
de troca no mercado da “felicidade” – o que explicaria o fenômeno das redes sociais
em que as fotos estão repletas de sorrisos. Outro modo de entendermos o sujeito
neuroeconômico é associando-o à figura da pessoa negra escravizada. Eis a hipótese:
o sujeito neuroeconômico do neoliberalismo é uma reedição da mão de obra negra que
possibilitou que a Europa acumulasse excedente descomunal e fez com que as elites
eurodescendentes da América concentrassem o capital. Tal como a pessoa escravizada,
o sujeito neuroeconômico vive entre dois mundos: animalidade e coisificação. Por um
lado, busca realizar seus desejos primários de alimentação, excreção, sono e sexo; por
outro, a sua transformação consentida em ferramenta de um sistema. Não é de
estranhar que uma forma de entender melhor o sujeito da neuroeconomia esteja
justamente em sua dupla injunção de coisa e animal. Sem dúvida, o racismo e a
escravização criaram as condições suficientes para a implantação da raça negra como
sinônimo de elo perdido da evolução humana. O darwinismo em suas primeiras
versões intensificou a ideologia da África como território dos quase humanos. O que,
em termos políticos e econômicos, significou dizer: corpo-moeda, corpo-mercadoria e
corpo-ferramenta. Essas três caracterizações foram assumidas pelo neoliberalismo
como a oportunidade de implantação radical da liberdade de mercado. Em certa
medida, uma imitação, ou melhor, adaptação do sistema escravocrata racista que
vigorou nos países da América até o século 19. O projeto de dominação europeu-
branco (ou branco-europeu) produziu o racismo moderno como um discurso para
justificar a exploração da população negra como mão de obra, o extermínio dos povos
indígenas da América o quanto fosse possível e a ocupação “redentora” do novo
mundo como modelo de gente. Ora, o racismo contemporâneo do contexto neoliberal
está dizendo que a população negra não é suficiente para o trabalho. O racismo
continua; mas sua extensão parece de curto alcance para garantir a especulação do
mercado financeiro.

A partir dessas considerações podemos entrar num aspecto do pensamento


mbembiano que merece destaque neste artigo: a democracia e o neoliberalismo são
inconciliáveis. A democracia só é viável se o racismo for combatido radicalmente. Daí,
o título-pergunta: “a democracia é possível?”. Nossa conjectura mbembiana, a
democracia só será possível com o fim do racismo. Mas, como o racismo não é um
sistema que se elimina com “boa consciência”, “boa vontade” ou “boas intenções”,
numa análise de conjuntura mundial podemos especular que o racismo deve ser
aprofundado, expandido e cada vez mais criativo em novos códigos e formas novas.
Portanto, o maior obstáculo à democracia é o racismo.

Vale a pena situar o que entendemos por democracia


(https://revistacult.uol.com.br/home/o-avesso-da-democracia/). A história da
democracia remontaria à Grécia antiga e sua consolidação estaria na modernidade no
contexto de emergência do Iluminismo. Em termos gerais, um regime político que se
opõe ao autoritarismo. Vale a pena mencionar o historiador africano do tronco
linguístico bantu, o angolano Patrício Batsîkama, que publicou Lûmbu: a democracia no
antigo Kôngo (2014). Os estudos de Batsîkama apresentam o Lûmbu como a instituição
máxima da antiga Confederação do Reino do Congo, que se subdividia, já no século 5º
antes da Era Comum, em quatro órgãos. Pois bem, o Lûmbu previa uma assembleia
consultiva para execução do poder. Em certa medida, a antiga Confederação do Congo
– mais conhecida como o Reino do Congo – e a Grécia antiga convergem na
postulação de um princípio formal da cidadania – elemento fiador da democracia.
Democracia seria justamente o exercício do poder sem que os grupos políticos e
instituições fossem constituídos por raças. A partir desse ponto de vista, o racismo é o

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rival estrutural da democracia. O discurso racial e suas implicações corroem e


destroem a possibilidade do regime democrático. Em poucas palavras, a democracia e
o racismo são incompatíveis.

Conforme Mbembe, a identificação da ideia moderna de democracia com o próprio


liberalismo traz uma inconveniente aproximação do projeto de globalização comercial
que precisa produzir e manter centros e periferias, sem perder de vista o modelo
escravocrata em que a racialização da humanidade é indispensável para o sucesso do
projeto. A insuperável contradição imposta à democracia é justamente a importação de
elementos que a desestabilizam. E esses elementos são os aspectos que constituem o
racismo. Por isso, consideramos importante criticar a tomada da razão mercantilista
como lógica da democracia. Afinal, no contexto dessa racionalidade o mundo seria
uma superfície para livre concorrência e competição.

Pois bem, a partir das contribuições mbembianas, conjecturamos que a democracia só


é possível com um combate ao racismo em todas as suas frentes. Vale ressaltar que
Mbembe é herdeiro de Fanon. Os “condenados da terra” continuam existindo e são
indispensáveis para a manutenção dessa versão “democracia” que se traduz como
neoliberalismo. Diante do controversíssimo projeto de civilizar o mundo perpetrado
pela Europa e das relações assimétricas de poder entre elites europeias e africanas, o
pensador camaronês está sugerindo que a população negra mundial, assim como os
povos indígenas, abandone o estatuto da vítima (o que não podemos confundir com
vitimização) e a população branca deixe de negar os privilégios e a responsabilidade
histórica. Ainda que a formulação de Mbembe possa parecer bastante sutil, nossa
hipótese é de que a democracia só é viável no enfrentamento do racismo. Daí, as
reflexões mbembianas trazerem duas categorias analíticas para a cena da democracia:
reparação e restituição. Em outros termos, a democracia só é possível mediante os
esforços de reparar e restituir. A liberdade não é uma lei natural contra o mercado e a
humanidade tal como princípios sobrenaturais; a liberdade, no contexto democrático,
só é possível superando o racismo num exercício profundo e generoso de restituir e
reparar as condições de bem-viver para todas as populações que têm sido
historicamente animalizadas. Sem dúvida, é preciso reconhecer o grande desafio
contemporâneo das novas faces do fascismo, todos os seus rostos camuflam a
ditadura do mercado – arquirrival da democracia – como se fosse o sinônimo mais
bem elaborado da democracia. Porém, o verdadeiro nome desse fenômeno é racismo.
Contudo, somente a reparação e a restituição são elementos políticos necessários e
suficientes para produção de um projeto democrático de mundo.

Renato Noguera é doutor em Filosofia pela UFRJ, professor da UFRJ e coordenador do


grupo de pesquisa Afroperspectivas, Saberes e Interseções.

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