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Organização

André Gravatá

Projeto gráfico
e ilustração
Serena Labate

Revisão
Elidia Novaes
Façamos deste livro
um pretexto para
inúmeros encontros

“Uma obra de arte é boa quando nasceu por


necessidade”, diz o poeta Rainer Maria Rilke no li-
vro Cartas a um jovem poeta.
Este livro nasceu de algumas necessidades. Da
necessidade que partiu de uma jovem que encontrei
em 2015, numa escola ocupada por secundaristas. En-
Cartas a jovens educadores/as / Helena Singer ... [et al.] ;
organização André Gravatá - 1. ed. - São Paulo: 2019
tre assembleias, refeições coletivas e planejamentos
de atos que aconteceriam em seguida, ela me pergun-
160 p. tou: o que você sugere para eu ler sobre educação?
ISBN: 978-65-81291-00-6
Este livro surge da necessidade de provocar
1. Educação mais e mais jovens a se envolverem com a área da
CDD 370
educação, por meio de vozes que apontam senti-
dos, encantamentos, fôlegos – e fazem isso com a
Fonte Calvert MT
Papel Pólen Bold coragem de quem afirma a vida, mesmo no tem-
400 exemplares de distribuição gratuita / venda proibida po da brutalidade e do embrutecimento. É um livro
que nasce da necessidade de aproximar diferen-
tes perspectivas em diálogo, de afirmar: é hora de
criar mais intimidade com o Brasil e com nossos
Você tem o direito de: vizinhos latino-americanos.
Compartilhar: copiar e redistribuir o material em qualquer
Porque a tragédia que atravessa nosso povo
suporte ou formato.
Adaptar: remixar, transformar e criar a partir do material. tem dimensões incalculáveis. E em resposta a um
O licenciante não pode revogar estes direitos, desde que você abandono tão violento, nossa força precisa se levantar
respeite os termos da licença.
com uma intensidade à altura. Diante de uma tragédia absurdo valor de R$0,01. Então eu, garoto da pe-
enorme, de um país em que a crise da educação é uma riferia de São Paulo, chegava nos Correios com 1
doença crônica que move a estrutura da desigualda- real e voltava para casa me sentindo um impera-
de, precisamos olhar para o que é essencial – e o mais dor, com selos suficientes para me comunicar com
importante está nas pessoas. Prestemos atenção nas o Brasil inteiro. Recebi muitas respostas. Inúmeras
pessoas ao nosso redor e em como vivem num tempo cartas provavelmente se perderam. Outras com
de tanta morte, como inventam, como descolonizam o certeza causaram muito estranhamento.
Brasil, muitas vezes sem nem usar essa palavra. O ponto aqui é dizer o que aprendi: as cartas
Os textos neste livro foram reunidos com são convites à intimidade. Convites para que a gen-
a confiança de que precisamos prestar atenção te escute uma pessoa se revelar na nossa frente.
nas pessoas. E aqui estão vinte e cinco cartas com Convites para que a gente confie na outra pessoa.
histórias e pontos de vista que vêm do Amazonas, Confie nas palavras dela, que foram escritas com
Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, tempo e reflexão. Então convido os(as) jovens edu-
Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo. cadores(as) a viverem estas cartas como um ato
E também da Argentina e Colômbia. Palavras sem- político e poético. Um ato político na medida em
pre acompanhadas de ilustrações da artista Sere- que cada carta aqui é alimento para imaginarmos
na Labate, que cuidou com um carinho imenso do outro Brasil por meio da educação. Um ato poéti-
projeto gráfico deste livro. co na medida em que dá para sentir uma pessoa
E por que a ideia de fazer um livro de cartas se desenhar na sua frente por meio de palavras.
em 2019? Apenas para renovar a proposta do livro E tudo isso sem que você precise nem mesmo do
do poeta Rilke? Essa resposta vem com uma his- selo de um centavo.
tória: quando eu era adolescente, já nos anos dois Ainda no livro Cartas a um jovem poeta, o Rilke
mil, procurava endereços de pessoas desconheci- diz assim: “As coisas estão longe de ser todas tangí-
das para enviar cartas inesperadas. Tinha uma se- veis e dizíveis (...); a maior parte dos acontecimentos
ção numa revista em quadrinhos com endereços é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhu-
de leitores e estava sempre de olho lá. Achava en- ma palavra nunca pisou”. Assim como Rilke, sabe-
dereços até em pedaços de papel na rua. Enviava mos os limites das palavras. Sabemos os limites de
cartas para desconhecidos com uma pergunta em um livro. Um livro é apenas um acumulado de papel
especial: me conta um pouco da sua vida? E só en- se não costurarmos a ele os sentidos que o tornem
viava essas várias cartas também porque na época valente, agudo, fervente. Aqui há vozes diversas de
descobri um selo chamado “social” que custava o um Brasil em chamas, e todas elas têm muito a dizer
sobre a educação que os(as) jovens brasileiros(as) CARTAS
poderiam afirmar para fazer jus às suas raízes e à
potência que existe no nosso território. Façamos des- De Helena Singer 10
te livro um pretexto para inúmeros encontros. Para De Bel Santos Mayer 16
que as palavras em forma de cartas encontrem mais
De Chiqui González 22
gente. Mais rua. Mais vida. Outras perspectivas que
ainda não estejam aqui. Pois este livro, com sede de De Rodrigo Hübner Mendes 30
diversidade, é essencialmente um ponto de encontro. De Rosângela Magda Souza 34
Para que este livro seja um jeito de nos lem- De Tião Rocha 40
brar: a tragédia que atravessa nosso povo tem di- De Moroni Felippe 46
mensões incalculáveis e, em resposta à barbárie, De Coletivo Quilombelas 50
nossa força, nossa educação, nossa poesia e nossa
De Rachel Martins 56
vontade de nos aproximarmos precisam se levan-
tar com uma intensidade à altura. De Pilar Lacerda 62
André Gravatá De Maria Teresa Mantoan 66
De Odalícia Conceição 72
De German Doin 78
De Jamira Alvez Muniz 84
De Stela Barbieri 90
De Katia Tavares e Severino Antônio 96
De Francisco Cruz do Nascimento 104
De Lia Diskin 108
De Carlúcia Alves Ferreira 114
De Patrícia Santana 118
De Lúcia Santos 124
De Carol Pasquali 132
De Abdalaziz de Moura 138
De Javier Naranjo 144
De Marciana Santiago e educandos(as) 152
Caro(a) jovem educador(a),
Inicio com uma frase do poeta tcheco Rainer
Maria Rilke, em carta a um jovem poeta: “Ninguém
pode dar-lhe conselhos nem ajudá-lo, ninguém! Só
existe um caminho: penetre em si mesmo”.
Veja então que esta carta não é para acon-
selhar. Aprendi com meu pai que nós, mais velhos,
temos sempre muito a aprender com as crianças e
os jovens. Por isso, escrevo uma carta ao(à) jovem
com quem quero compartilhar ideias. Em tempos
de tantos aplicativos para trocas imediatas, o velho
formato da carta não parece ser o mais adequado.
Mas pode ser muito interessante se a perenidade
deste livro, em que esta e as outras cartas estão pu-
blicadas, puder sempre inspirar novos(as) jovens
educadores(as) a trocarem conosco.
A inspiração deste livro é o movimento de
ocupação das escolas públicas que se iniciou em
2015 em São Paulo, quando o governo do Estado
decidiu fechar mais de noventa escolas sem con-
sultar estudantes, professores ou famílias. A força
do movimento conseguiu impedir este descalabro
e, na sequência, passou a inspirar movimentos se-
melhantes no Rio de Janeiro, em Goiás, Mato Gros-
so, Rio Grande do Sul, Paraná, Ceará... movimentos
que reivindicam melhor estrutura e maior partici-
pação nas escolas. Aderi imediatamente porque te-
nho grande admiração por este movimento.
Pergunto-me se, entre os jovens que partici-
De Helena Singer pam do movimento, há aqueles que têm vontade de
se tornar educadores(as) ou se já estão se reconhe-
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cendo como educadores(as) desde que tomaram escolhido. Deixei de querer ser professora, jamais
as escolas em suas mãos, passaram a participar da daria aulas! Hoje, atuando há quase vinte anos no
elaboração das regras para a gestão do espaço e campo da educação, posso dizer que não traí mi-
do tempo, responsabilizar-se coletivamente pelas nha adolescente, jamais dei aulas.
tarefas, definir temas para debate, escolher as ati- Entrei para a educação como pesquisadora.
vidades a serem oferecidas. E então descobriram Fui investigar escolas que eram geridas por estudan-
que ser educador(a) não é dar aulas. tes, educadores e funcionários, juntos. Escolas onde
Educar é trocar, aprender junto. Tem outra fra- os estudantes decidem o que pesquisar, quais pro-
se, esta do nosso Paulo Freire, já famosa: “Ninguém jetos desenvolver, constroem seus currículos. Encon-
educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os ho- trei primeiro estas experiências em outros países e
mens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. em outros momentos da história, e passei a espalhar
É por isso que escolho o ato de trocar, de estar a notícia: isso acontece, é possível e dá certo!
juntos no mundo. O melhor jeito de iniciar um proces- Logo que o Brasil voltou à democracia, uma
so de troca, de nos educarmos entre nós, é nos apre- nova lei, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação,
sentando, contando um pouco de nossas histórias. permitiu que escolas fossem organizadas desta
Quando eu era pequena, queria ser profes- forma, sem que os estudantes precisassem ser se-
sora. Colocava todas as bonecas na minha frente parados em séries, sem provas, sem notas, sem pu-
e passava horas dando broncas nelas. As mais im- nições. Tive a oportunidade de acompanhar a cria-
pertinentes ficavam de castigo atrás da cortina. Mi- ção de algumas delas. Depois, comecei a receber
nha professora não era assim, mas recentemente notícias de outras que estavam se organizando em
ouvi de uma psicóloga que, quando a criança faz outras partes do país.
isso, não está reproduzindo a professora e, sim, a Quando este movimento começou por aqui,
estrutura da escola, que ensina que a criança tem trouxe um elemento novo: além de ser geridas pelo
que ficar quieta, ouvir mais do que falar, falar ou coletivo e de os estudantes terem liberdade de
levantar só quando o professor deixa. escolher o que estudar, as escolas precisam tam-
Mas, na adolescência, fui para uma escola bém fazer diferença no lugar em que estão. Para
bem mais autoritária. Era o final do período da di- isso, elas precisam conhecer esse lugar, conhecer
tadura militar, eu já estava com ideias bem claras a as pessoas, mestres da comunidade, aqueles que
favor da democracia e me causava revolta aquele aprenderam na luta a se organizar para conquistar
tipo de relacionamento em que os adultos falavam direitos; aqueles que conhecem a história do lugar,
durante 50 minutos sobre assuntos que eles haviam as danças, músicas, as poesias dali; os que sabem
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usar as plantas para curar doenças, que sabem
construir casas agradáveis para o clima da região,
que sabem produzir sem destruir o ambiente. Co-
nheci, assim, grandes mestres. Aprendi com eles
que, muitas vezes, mesmo quem não foi à escola
tem muito a ensinar para pessoas como eu, que fi-
caram anos dentro dela.
E assim fui seguindo, trocando, aprenden-
do. Tenho aprendido com crianças, jovens, outros
educadores, com mestres das comunidades. A vida
do educador que aprende é uma vida muito feliz,
plena de realizações, de descobertas, de oportuni-
dades. A gente percebe que faz diferença, vê os re-
sultados do nosso trabalho imediatamente, em nós
mesmos, nos outros, no mundo.
Isto é um pouco da minha história. Agora, eu
queria saber da tua, de quais são seus sonhos, suas
inquietações. Se você quiser me contar, aqui está
meu email – hsinger67@gmail.com.
Abraço,
Helena

HELENA SINGER
Vice-presidente da Ashoka América Latina,
membro do Conselho Municipal de Educação
de São Paulo (CME-SP) e do Instituto de Estudos
Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-
USP). Doutora em Sociologia pela USP, com
pós-doutorado pela Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP). É autora do livro
República de Crianças: Sobre Experiências
Escolares de Resistência, entre outros.
14 15
Se você algum dia brincou de escolinha e
pensou em levar essa brincadeira a sério; se você,
mesmo sem ter um(a) educador(a) na família, de-
sejou escolher essa profissão... é possível que esta
carta lhe interesse.
Comecei a escrever estas palavras dentro de
um avião. Despedia-me da cidade de Monterey (Mé-
xico), após me apresentar em um evento literário, o
que tenho feito nos últimos anos para (trans)formar
leitores e leitoras. O avião decola. Laptop aberto, de-
dos parados sobre o teclado, olhar fixo na janela.
Enquanto as casas e as ruas ficam cada vez mais
distantes, pergunto-me: como a menina negra, pe-
riférica, filha de nordestinos veio parar aqui? Quais
palavras a enfeitiçaram, para que acreditasse que
poderia voar? O que a mulher madura de hoje diria
àquela menina que achava que poderia fazer mais
que encontrar um emprego para manter a vida bá-
sica herdada? O que eu poderia dizer a meninas e
meninos em situação equivalente à minha?
O pensamento levou-me para uma tarde de
domingo no final dos anos 1970. Morávamos (pai,
mãe, três irmãs, uma sobrinha e eu) no extremo da
Zona Leste de São Paulo e fomos visitar a tia Cida e
o tio Domingos, que eram caseiros em um colégio
particular na Vila Mariana. Meu pai tinha recém-ad-
quirido o primeiro carro da família, uma perua-kom-
bi da Volkswagen, o que fazia com que os lugares da
frente fossem disputadíssimos, obrigando-nos a or-
De Bel Santos Mayer ganizar uma planilha para garantir justiça. Naquele
domingo era a minha vez. Na despedida, posiciono-
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me à frente, próxima à janela, direitinho, ereta, com tos(as) Alebrijes me ajudaram a sonhar e a prote-
cinto e tudo. A tia olha a menina e ri: “Que elegância ger e criar raízes e asas para os sonhos.
de professora! Já estou vendo você entrando aqui Antes dos 15 anos, desci o morro e fui ser
na escola com esse pescocinho em pé e os alunos alfabetizadora em uma das favelas do bairro. Antes
te acompanhando. Você vai ser professora, né?”. Eu dos 20 anos, terminaria o magistério e ingressaria
não soube responder. Era a primeira vez que um de- na Rede Municipal de Educação de São Paulo como
sejo daqueles ocupava a nossa casa. Ninguém tinha professora efetiva de Educação Infantil e de Ensino
feito mais que a 8ª série. Eu tinha apenas 10 anos. A Fundamental I. Segui, sempre, com um time de Ale-
partir daquela pergunta, passei a brincar de escoli- brijes ensinando-me a ser educadora, protegendo
nha, a “andar como professora” a caminho do espe- o meu desejo de “aprender a ler para ensinar meus
lho. Atravessei o espelho. Já agradeci publicamente e minhas camaradas”.
à tia Cida, que, aos 73 anos, conseguiu formar-se em
E o que aprendi a ler? O que eu li? Come-
Serviço Social. Ela não tinha ideia do impacto de
cei pelos olhos das pessoas, pelas histórias dos(as)
suas palavras em mim.
que vieram antes de mim (minha avó e as avós e
É certo que no meio do caminho houve pe- avôs do bairro), pelas explicações das crianças e
dras, como a adolescência e juventude vividas em suas famílias. Diariamente, o cabeçalho que fazía-
um bairro pobre com alto índice de mortes violen- mos no início da aula para registro do nome da es-
tas, os anos passados em uma escola que separava cola, data, nome pessoal e clima incluía um ditado
os estudantes no pátio pela quantidade de barro popular levado por cada criança. Era um jeito de
nos sapatos, aumentando a vergonha, a inseguran- os saberes populares entrarem nos cadernos e ga-
ça e o medo de estar no mundo. De mãos dadas nharem importância.
com “seres fantásticos”, pulei todos esses obstácu-
Vivíamos tempos ditos “duros”. Em um con-
los e implodi, um a um.
texto de proibições, algumas leituras e músicas fi-
Passeando pela avenida principal aqui da zeram muito por mim: a Pedagogia do oprimido de
Cidade do México, me deparei com uma exposição Paulo Freire reforçou que a educação não poderia
de Alebrijes. De acordo com as lendas e crenças lo- ser neutra – há um lugar a ser ocupado no mundo
cais, os Alebrijes, às vezes traduzidos como mons- e na escola. A paixão de conhecer o mundo, de Ma-
tros por sua composição de partes de diferentes dalena Freire, ensinou-me a escutar e observar a
animais físicos e imaginários, são “seres fantásti- criança para aprender com ela. As veias abertas da
cos”, capazes de espantar os pesadelos, proteger América Latina, de Eduardo Galeano, abriu meus
os sonhos e trazer sorte. No meu caminho, mui- olhos para o nosso país. Os poemas de Solano Trin-
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dade colocaram mais melanina em minha boca, cação. Os corpos que ativam os territórios não me-
deram-me voz. Li e ouvi o que “os meus” ouviam: recem ser ignorados.
sambas de Martinho da Vila, Clara Nunes e Bezerra Duvide sempre de quem diz que há lugares
da Silva; e tinha o que contar e cantar com eles(as). de pessoas perigosas, onde só acontecem coisas
Li e ouvi o que outros(as) jovens ouviam e fiz coro ruins. O que teria acontecido comigo se só tivesse
com eles(as) para cantar Cálice e Construção de acreditado nestas profecias?
Chico Buarque, Travessia de Milton Nascimento,
Estudantes, como no passado ditatorial, são
entre tantas outras.
estimulados a denunciar educadores(as) que abor-
As palavras me formaram. Assim, digo a vo- dam “temas proibidos”. Um(a) educador(a) não
cês, tenham por perto (do lado da cama, na mochi- pode aceitar educar com medo. Converse sobre
la, na bolsa, no celular) pensamentos, textos, livros o medo. Converse sobre as proibições. Contribua
de autores que inspiram, mas não se esqueçam de para que a escola seja um ambiente democrático.
ler/ouvir o que a sua gente lê/ouve. Nem sempre
Por mais nobre que seja o gesto, não ame as
estas palavras coincidem de uma geração para ou-
crianças como se fossem todas iguais. Elas não
tra. Ainda hoje carrego comigo aqueles(as) que me
são. Cada criança precisa ser amada em sua di-
ajudaram a iniciar uma trajetória teórica; porém,
versidade, em sua particularidade, sua identidade,
minha família literária cresceu muito; incluí muitos
sem qualquer prejuízo para a sua humanidade.
outros autores de ficção, mulheres, autores e auto-
ras das bordas do mundo. Vieram para perto: bel Esta carta está ficando grande demais e não
hooks, Mia Couto, Angela Davis, Valter Hugo Mãe, sei direito como terminá-la. Talvez dizendo que sa-
Cidinha da Silva, Cuti. ber que este sonho segue vivo em outros(as) jovens
aqueceu meu coração. Que a gente se encontre.
No meio do caminho, encontrei “seres fan-
tásticos” em versão infantil e adolescente que, na
forma de estudantes, ofereceram-me aprendiza-
gens fundamentais à docência, as quais ouso com-
BEL SANTOS MAYER
partilhar com você em forma de dicas: Cursou magistério, duas graduações (Ciências/
Na sala de aula, por menor que seja, cabe um Matemática e Turismo) e especialização em
mundo. Pode ser o lugar para aprender a conviver Pedagogia Social na Itália. Coordena o Instituto
com divergências. Não dá para aprender só em casa. Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário
(IBEAC) e é co-gestora da Rede de Bibliotecas
A vida não começa nem termina na escola: o
Comunitárias LiteraSampa.
bairro e a cidade fazem parte do processo de edu-
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Queridos professores(as), educadores(as), guias,
apaixonados(as) que acompanham outras pessoas
de todas as idades na aventura de aprender.
Para começar, quero contar a vocês que não
fui feliz, nem na escola nem na universidade. Os es-
paços educativos me davam medo e passava as ho-
ras olhando pelas janelas para ver se alguém estava
vindo me buscar. Não suportava o sistema, as maté-
rias cindidas, a rotina temporal, os recreios caóticos,
a espera, a disciplina. Decidi assumir o sistema com
boas notas e reconhecimento, assim consegui ficar
mais sozinha com minha imaginação e minha po-
bre poesia rabiscada em papéis que não mostrava e
que, claro, se perderam nas mudanças.
Com cinco anos, minha professora me acu-
sou de “demasiado imaginativa”, o que, lido de for-
ma clara e sem dissimulações, significava “é uma
menina que mente”. Minha mãe me ensinou uma
lição nesse dia: disse que eu era uma menina “in-
ventora”, e não mentirosa. Que esse título ninguém
poderia me roubar, e que eu devia fazer da inven-
ção uma prática para toda a vida.
Cresci, claro, e sempre estive em fricção com
o sistema educativo, um sistema com um núcleo
duro proveniente do século 19, que, apesar de cria-
tividades e rachaduras, ninguém pôde rompê-lo.
Encontrei na aprendizagem e no ensino de
teatro uma forma de recuperar meu corpo e a cria-
ção grupal que é um verdadeiro presente da vida.
De Chiqui González Por aquelas épocas, havia terminado duas carrei-
ras universitárias e ensinava atuação à noite e Di-
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reito Penal I durante manhãs e tardes. Uma conjun- de nestes anos do planeta, do nosso continente,
ção inesquecível entre a pena, o direito de defesa e dos nossos países. Temos que fazer com que o sul
a iminência do corpo, os processos emocionais, os do mundo fale, herdeiros que somos de Freire, Vy-
momentos maravilhosos da cena. gotsky, Bruner, Piaget, Foucault etc.
Em plena ditadura argentina, fui professora É imprescindível entender que os tópicos e
e ensinei em todos os espaços de que tenho recor- temas que ensinamos, as orientações e especializa-
dações: as favelas, as escolas, as igrejas, a rua, os ções são o enorme detalhe de uma educação que, na
sindicatos etc. realidade, deveria fazer outra coisa: substituir a es-
Dizer que ensinei é dizer, por sua vez, que pera por esperança, reconstruir o “entre nós”, lutar
aprendi a viver. Todavia, ainda sigo cheia de medos contra a desigualdade, criar uma nova fraternidade
e incertezas. recorrendo à organização da própria comunidade.
Mas, sobretudo, devemos defender os sistemas de
As perguntas circulam ao redor da minha
representação e de simbolização, a multiplicidade
cabeça como pássaros insistentes que cantam:
de linguagens que nos dá possibilidades de apare-
cer diante dos olhos dos outros e não ser invisíveis
Para que aprendemos e ensinamos? Para no meio da especulação e da corrupção.
chamar de “conhecimento” os conteúdos curricu- Já disse Wim Wenders: se a humanidade per-
lares, despojados da sua forma em um catálogo de a narração, o pensamento poético e a memória,
anacrônico e inviolável? terá perdido a sua infância.
Para encontrar uma maneira de “viver jun- Não imagino uma vida sem infância, e me
tos” em sociedades violentas e individualistas? aterroriza a possibilidade de uma sociedade sem ela.
Para ensinar-nos a “ser uma pluralidade Ainda que eu volte para um diagnóstico co-
de identidades” e para “fazer pensar” o aluno com nhecido, o paradigma do século 19 deve terminar
todo o corpo transformando a matéria? com as separações entre corpo e mente, forma e
Para ensinar-nos a aprender, ou seja, a buscar conteúdo, objeto e sujeito, teoria e prática e tantas
o que sabemos, o que não sabemos e todas as infor- outras. Esses campos divididos em e por matérias
mações atravessadas por nossas subjetividades? limitaram a “forma” à educação artística e o corpo
à educação física, dissolveram a força da ação, do
Lutamos para compreender a condição hu- movimento, da transformação e se enamoraram do
mana e a arte de viver. É uma iminente necessida- conteúdo, do argumento, da lógica formal, do signi-
ficado e da razão, sobrepondo-se a toda a integra-
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lidade das pessoas que educamos. Segundo Edgar O espaço público ao qual pertence o sistema
Morin, também fazemos o elogio da simplificação e de escolas é um lugar para aparecer diante dos ou-
qualificamos o que é normal e o que não é, enquan- tros e não para desaparecer, ser ignorado. Um lugar
to dizemos, em sussurros, que o erro é um fracasso para fazer e não ter. Um espaço para revelar-se (dar-
e não uma forma de aprendizagem. se a conhecer) e rebelar-se (dizer que não, lutar e
Por isso Morin fala de uma complexidade organizar protestos para ampliar nossos direitos).
que é global, transversal, multicultural, integrado- Recordemos, a favor da potência do nosso
ra, articuladora e sonhadora. Não existe o pensa- corpo integral, que existe um campo de sensações
mento nem a ação complexa sem uma forte rede (ligado à experiência humana com as coisas e os
conceitual nutrida pela poética (uma visão dife- elementos). Existe um campo de percepções (atra-
rente, distante e verdadeira sobre a justificação do vessado pela cultura e pela memória da sensação),
mundo). Relatos, mitos, poesia, memória, saberes um enorme campo de afetos e emoções, um campo
tradicionais e imaginários sociais constituem o co- de imagens internas de amor e autoestima, e um
ração da complexidade da qual o sistema educati- último campo: o conceito. Todas essas dimensões
vo sempre desconfiou. trabalham para variadas relações sociais e pes-
Somos cidadãos do mundo e, ao mesmo soais que nos constituem e são vinculadas com o
tempo, da pequena aldeia, da cosmovisão e orga- amor, a criação, a imaginação, e não são só antece-
nização dos povos originários e da extensão e pro- dentes à construção do conceito.
fundidade tecnológica em nossas vidas. Sempre trabalhei com crianças de todas as
Somos seres donos de uma existência cor- idades, mas em especial os menores, porque foram
poral e inventamos formas de não perder os cole- peixes nas barrigas de suas mães, criaram-se ter-
tivos, as redes de ajuda mútua, a transferência de restres (não sem dor), mas sempre quiseram ser
palavras, bens, saberes, tecnologias e inovações. pássaros. Porque vêm da espécie com o mandato
da ação e do movimento, e isso deveria ser muito
Temos que estar à altura desses desafios.
sério para nós. Porque o jogo é a aprendizagem in-
Os edifícios onde se aprende devem mudar, tornar-
terna dos métodos para a transformação criativa
se mágicos, extra-cotidianos, integrando praças e
(como disse Gadamer), porque vivem no presente e
ruas, porque o espaço público é de todos e todas
não no cronos da sequência. Porque não conhecem
e significa: bem comum, território de encontros,
as separações corpo e alma, sujeito e objeto, forma
aprendizagens, saúde, escola de democracia, meio
e conteúdo, teoria e prática e, em consequência,
ambiente, comunicação, história e norma legal.
a forma, o relato e a ação do jogo nos enchem de
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sentido. Não educamos as pessoas de amanhã, os
adultos devem a suas infâncias o que são em luz e Teríamos que dar um salto
infortúnio e o que fizeram para manter ou mudar o mas qualquer salto
drama de viver. volta a nos instalar em outra parte
Por isso, jovens educadores e educadoras, a na realidade teríamos que SER um salto
grande demanda É O SENTIDO (formaconteúdo), o Roberto Juarroz
sentido de cada vida, a fábrica imaginária de todas
as perspectivas, o plural, o distinto, o prismático, a Nesta difícil primavera para a América Latina,
distribuição social de bens, saberes e afetos. abraço vocês, confio em vocês.
Sem esquecermos de lutar pela resistência
Confiem em mim.
do mundo mágico e pela poesia, pela metáfora e
pela metonímia, pois a literalidade significa violên- Da alma,
cia e pobreza simbólica. Chiqui
Amo cada um(a) de vocês e desejo que pro-
voquem a palavra dos seus alunos e que busquem
vocês mesmos(as), porque ninguém nos ensinou
esta forma de ensinar. Recomendo a vocês que jo-
guem, que inovem e tenham memória, que amem e
se comprometam com aqueles que estão perdendo
direitos, que convertam a arte em arte de viver e
que sejam protagonistas de um dos vínculos mais
sagrados da humanidade: educar-nos uns aos ou-
tros com alegria e engenhosidade, com valor e
energia, com afeto permanente.
Amo e respeito vocês e estou confiante que MARÍA DE LOS ÁNGELES“CHIQUI”GONZÁLEZ
devemos amar e mudar as práticas educativas, es- Nasceu em 1948, atualmente é Ministra de
Inovação e Cultura da Província de Santa
tar juntos e juntas em distintos lugares do plane-
Fé, na Argentina. Criadora do Tríptico
ta para seguir caminhos que se cruzam e também
das Infâncias, em Rosário, e do Tríptico
se bifurcam. A existência é uma viagem belíssima. da Imaginação de Santa Fé. Advogada,
Então tentemos realizar a aventura maravilhosa de educadora, com extensa produção teatral
interromper cadeias de vidas infelizes. como atriz, diretora e dramaturga.
28 29
Versos para um jovem educador

Emoções pulsam-lhe no peito


quando brota da memória
o tanto que já foi feito
na linda breve trajetória.

Relembre seu início


aqueles que o tocaram
recorde o traço do percurso
entenda por que o inspiraram.

Memória que assesta o rumo


anima cada alvorada
agulha que aponta o norte
e reconduz à jornada.

Mestres que o rodearam


falam dentro de você
consulte-os pelo caminho
conte-lhes tudo o que vê.

Abrace mudanças imprevistas


o poder da insatisfação
aproveite-as para conquistas
educar reluz transformação.

Acolha seus pupilos


escolha tê-los por perto
priorize o vínculo
De Rodrigo Hübner Mendes o que move é o afeto.

31
Diversifique formatos
o criar é sua potência
multiplique estratégias
sem perder o que é essência.

Somos finitos na forma


infinitos na memória
podemos legar uma reforma
rastros a deixar na história.

Escreve aqui um cúmplice


no ideal e na vontade
uma legião de amigos
outros jovens na verdade.

RODRIGO HÜBNER MENDES


Dedica sua vida para garantir que toda pessoa
com deficiência tenha acesso à educação
de qualidade na escola comum. É professor
e pesquisador sobre educação inclusiva,
membro da rede de empreendedores
sociais Ashoka e do Young Global Leaders
do Fórum Econômico Mundial. Há 25 anos,
fundou o Instituto Rodrigo Mendes, que
realiza pesquisas, consultoria e programas de
formação em diversas partes do mundo.
32 33
Caro jovem educador! Cara jovem educadora!
O dia está à minha frente... esperando para
ser o que eu quiser... O futuro está intimamente
atrelado ao que faço com o meu “presente”... Não
espero por esperar... Espero fazendo...
Amanhã será quinze de outubro, dia reser-
vado para homenagear o professor... a professora...
Mas o que é ser professor? Ser educador é
ser professor? Ser professor é ser educador? Talvez
o professor se preocupe mais com conteúdos acadê-
micos, mas precisa preocupar-se com alunos e alu-
nas por inteiro. Então será um professor-educador?
Educador é quem educa, quem ajuda a desenvolver,
afinar, aperfeiçoar. Uma certeza: todos nós somos
educandos (aprendentes) e educadores (ensinantes)
todo o tempo. Vamos trocando os papéis de acordo
com nosso conhecimento e experiência acerca do
assunto do momento.
Tudo com base no amor!
Sou filha de uma educadora/professora que
experimentou todas as funções dentro da esco-
la. Segui seu exemplo e também já experimentei.
Quando realizamos uma tarefa de forma conscien-
te, temos autoridade para escolher entre continu-
ar e mudar de função. Dá para saber a razão de
querer ou não tal tarefa. Sempre se desempenha
melhor um papel desejado.
É delirante participar das descobertas do
ser humano! Além de ser social e preferir viver
De Rosângela Magda Souza em grupo, aprender faz parte do nosso cotidiano.
35
Os olhos brilham de satisfação a cada conquista! A escola é um local privilegiado para se
A paixão, o desejo, a alegria contagiam! Há imen- aprender a conviver, a exercitar ruídos e silêncios,
surável prazer em aprender! E “quem ensina, de a viver a liberdade, humanização, compreensão, dis-
repente aprende”. Toda vez que pensamos estar ciplina, dignidade, autonomia, coletividade, iniciativa,
ensinando, na verdade estamos reforçando o que deliberação, democracia, a ser um indivíduo. Princi-
aprendemos... É gratificante! palmente na construção da consciência de si, a inter-
Existem aspectos que não podem faltar no venção planejada sobre necessidades observadas
nosso dia a dia. Brincadeiras, movimento, música, vai potencializando e ampliando o aprender real.
poesia, aritmética, ciências, a busca incansável da Estamos nesta vida para ser felizes! Que se-
verdade. Tudo vai equilibrando nosso corpo, nossa jamos ativos, dinâmicos, inseridos nos múltiplos
mente, e construindo nosso caráter. Somos o resul- contextos sociais e culturais. Clamamos por ativida-
tado de nossa ancestralidade, somado ao que nos des lúdicas que auxiliem, valorizando sem exagero
cerca, em desenvolvimento e transformação cons- o registro de cada aprendizagem conquistada.
tante. Sempre posso ser melhor do que já fui. Cons- Tudo depende do grupo, do histórico de
truo meus conhecimentos a partir da pesquisa, da conhecimentos e habilidades, das relações e das
observação, da experiência, da reflexão e da nova necessidades para alcançar momentos felizes co-
ação. O diálogo ajuda a desvendar mistérios e es- letivamente. Aprender exige certo esforço, mas não
clarecer conflitos. O que compreendo posso inter- tem nada a ver com tortura. Boas ideias não nos
nalizar e praticar com mais segurança. Se um(a) faltam... Compartilhá-las é nosso dever!
aprendente ainda não entendeu, é papel do(a) en-
Tudo isso serve de base para cada atitude
sinante tentar de outra forma, em outro tempo, com
minha nestes quarenta e cinco anos de docência.
mais clareza, de acordo com as dúvidas expostas.
Motivar outras pessoas é difícil, dizem que é im-
Só não pode se conformar e desistir.
possível! Mas, minha meta é empolgar o outro para
A família fornece informações importantíssi- aprender o que seja essencial para ele, com sua
mas para conhecimento da criança. Então, precisa- intervenção consciente e do meio em que está in-
mos de uma relação saudável para seguir em frente. serido. Peço ajuda na avaliação dos caminhos es-
Conhecer e criar laços afetivos verdadeiros, sem hi- colhidos e vamos adaptando-os às necessidades
pocrisia, é muito aconselhável! Crianças têm ideias do momento. Escutar é muito importante! Ajuda a
e interesses próprios, mas o meio pode ensiná-las atingir objetivos reais.
inclusive a manipular pessoas e situações. Verdade
Quando mais jovem eu quis aprender Mate-
e respeito precisam prevalecer.
mática. Saí do segundo grau direto para uma uni-
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versidade pública, a fim de estudar esse assunto com bastante garra e boa vontade. Nunca gostei de
que assusta tanta gente... Contudo, fui chamada desperdiçar meu tempo. Sempre me permiti partici-
para trabalhar com crianças menores e fiquei mui- par por inteiro e descobrir para depois avaliar. Co-
to encantada! Pedagogia virou prioridade! Ainda nheci tanta gente e aprendi com todas elas. Sou res-
penso que se as pessoas estudassem Pedagogia peitada por muitos e nunca impus minha presença.
antes de outras escolhas, a vida em geral seria me- Acredito que só a educação fará deste mun-
lhor! Entender como eu aprendo e ter noções de do um lugar bom de se viver e evoluir! As pessoas
como o outro pode aprender é um desafio cons- precisam de coragem, força de vontade, conheci-
tante no meu fazer. Tenho convicção do valor de mento, respeito, verdade e amor! Tudo para ser feli-
minha interferência na vida do outro. zes coletivamente!
É claro que não sou perfeita! Sou humana. Seguimos assim...
Pertenço ao grupo de trabalhadores da educação
Carinhosamente,
que dão tudo de si, cansam... param... que depois
de um breve descanso já renovam esperanças e Tia Rô.
ideias para recomeçar e ir mais além!
Certa vez, cheguei para uma aula sem nada
nas mãos. Ouvi um diálogo:
- Será que é ela que vai dar aula agora?
- Não, ela não trouxe nada...
- Eh, você está por fora... Ela não precisa.
Aposto que a gente vai se divertir, aprender e nem
vai ver o tempo passar...
ROSÂNGELA MAGDA DE OLIVEIRA SOUZA
Nunca fiquei tão feliz com a definição de um Mineira de Belo Horizonte conhecida como
momento significativo de aprendizagem. Se temos Tia Rô, cursou graduação em Pedagogia na
conhecimento e objetivos claros, tudo se ajeita e Universidade Estadual de Goiás, com pós-
acontece. Com as perguntas acertadas, os mate- graduação em Melhoramento da Qualidade
riais à disposição vão sendo usados e o principal é em Educação Básica e em Educação Infantil.
o material humano inteligente de que somos feitos. Coordenadora/diretora da Escola Pluricultural
Odé Kayodê e professora da rede estadual de
Muitas influências me tornaram mais rica.
educação de Goiás, na sala de leitura do Centro
Sempre estudei, participei de cursos variadíssimos, de Ensino em Período Integral Dom Abel.
38 39
Acredito que a história que lhe apresento,
logo a seguir, sintetiza o que eu gostaria de lhe dizer
sobre a função do ser educador ou ser educadora.
Trata-se de um pequeno “causo”, de um pa-
rágrafo coletado por Eduardo Galeano em suas an-
danças pela América Latina, e que ele reuniu num
livro único que todos deveriam ler.

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Ko-


vadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do ou-
tro lado das dunas altas, esperando. Quando
o menino e o pai enfim alcançaram aquelas
alturas de areia, depois de muito caminhar, o
mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta
a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o
menino ficou mudo de beleza. E quando final-
mente conseguiu falar, tremendo, gaguejando,
pediu ao pai: -Me ajuda a olhar!

O escritor uruguaio Eduardo Galeano deno-


mina este texto primoroso de “A função da arte/1”,
publicado em seu O Livro dos Abraços.
Poderia ser também, ao nosso ver, chamado
de “A função do educador”. O educador não é aquele
que ensina ao aluno como é o mar, mas o que, junto
com o aluno, leva-o a descobrir e a se apropriar do(s)
mar(es) e do mundo que ele vê com os olhos, sente
com o coração, deseja com a alma, constrói com a
De Tião Rocha cabeça, pega com as mãos e sonha com seus sonhos.

41
Por isso, quando um aluno diz “me ajuda a Esta é, segundo nosso entendimento e nos-
olhar!”, ele não está perguntando, mas afirman- sa prática, a única possibilidade de construir uma
do, reconhecendo a sua necessidade e desejo de relação efetiva entre educador-e-aluno. Só assim
ser ajudado a olhar e ver mais e mais longe, mais um educador pode garantir que não vai perder ne-
profundo, mais intenso, mais humano, e também nhum, nenhum ficará para trás, nenhum a menos!
homenageando seu educador, reconhecendo nele Educação é o outro nome que se dá a esta
alguém que possa, de fato, ajudá-lo nesta busca, relação entre diferentes, que só existe e teima em
confiando no saber, na coerência, na amizade, na se realizar no plural. É impossível existir Educação
parceria do seu educador. no singular. Poderá haver outra coisa, instrução ou
Acontece que, na maioria das vezes, este pedi- ensino, mas nunca Educação.
do não vem explícito, mas através de pequenos sinais, E se é alguma coisa plural, a função da es-
às vezes microscópicos, piscadelas e piscadelas. cola deve (e deveria) ser sempre o “locus” privile-
Se um educador escuta um “me ajuda a giado da prática educativa, onde professor-e-aluno,
olhar!”, seja através da fala, dos olhos, das mãos, sejam, ao mesmo tempo, sujeitos e objetos desta
do corpo, do sonho, do choro, da dor, da alegria, ele construção. Uma relação entre pessoas diferen-
deveria sempre responder com um “me ensina o tes - adultos e crianças - mas uma “relação entre
que você viu!” iguais”, respeitosa, solidária, afetuosa e enriquece-
Aprender a fazer leituras densas, profundas dora para ambos.
e significativas destes pequenos “nadas”, microscó- - Isto é possível?
picos, é, na minha opinião, o maior desafio e a bus- - Claro que é!
ca incessante de todos os educadores e dos que
Mas para que esta educação se realize em
querem ser educadores: aprender profundamente o
toda sua plenitude, é necessário que o educador
outro, o diferente, seu aluno. De forma genuína e res-
tome a iniciativa de levar o aluno a “descobrir o
peitosa, pois são as diferenças que nos completam.
mar”, a superar, juntos, as “dunas altas” e as “altu-
Este é, sem dúvida “o ponto do doce” entre vir a ras de areia”.
ser ou não ser um educador, um aprendiz permanente!
Ao fazer isto, o educador estará re-desco-
Só assim haverá uma verdadeira educação, brindo o mar pelo olhar do aluno. Este descobrir/
isto é, uma relação plural e igualitária entre dife- redescobrir o mar juntos significa reinventá-lo, re-
rentes (mas nunca desiguais), de cumplicidade, ciclá-lo, reapropriá-lo, renascê-lo. E, acreditamos
conluio, apaixonadamente verdadeira. que todo dia é dia de navegar nos mares da vida e
42 43
de passar este mundo a limpo para que todos nós
- professores e alunos - sejamos, diuturnamente,
educadores e educandos do mistério e da mágica
que é o viver.
Por outro lado, o “me ajuda a olhar!” tem sig-
nificado, a cada dia que passa, o nosso compromis-
so de não deixar que nossa geração de herdeiros
- filhos e alunos - vagueie perdida, abandonada e
vitimada por um mundo cada vez menos seu.
Este pedido, se pode ser um abraço, também
tem sido um sinal de alerta, um aviso, um tapa na cara.
Voltemos a Eduardo Galeano, agora em sua
“Celebração das contradições/2”: “... Somos, en-
fim, o que fazemos para transformar o que somos.
A identidade não é uma peça de museu, quietinha
na vitrine, mas a sempre assombrosa síntese das
contradições nossas de cada dia. Nessa fé, fugitiva,
eu creio. Para mim, é a única fé digna de confian-
ça, porque é parecida com o bicho humano, fodido
mas sagrado, e a louca aventura de viver no mun-
do” (no O Livro dos Abraços).
Por isso, temos que ser sempre educado-
res, sejamos pais, sejamos filhos, sejamos profes-
sores, sejamos alunos, porque “cada promessa é
TIÃO ROCHA
uma ameaça; cada perda, um encontro. Dos medos
Antropólogo (por formação acadêmica),
nascem as coragens; e das dúvidas, as certezas. Os educador popular (por opção política),
sonhos anunciam outra realidade possível e os de- folclorista (por necessidade), mineiro (por
lírios, outra razão”. sorte) e atleticano (por sina). Idealizador
- Me ajuda a olhar! e diretor-presidente do Centro Popular de
Cultura e Desenvolvimento (CPCD), criado em
- Me ensina o que você viu!
1984, em Belo Horizonte, Minas Gerais.
44 45
Eu tenho um sonho
Na verdade, nós temos um sonho
De que em cada casa tenha uma biblioteca
Cheia de livros, de filosofia até matemática
Passando pelo livro da sua própria vida
Aquele em que você coloca os seus dias
Seu riso mais brilhante até a mais lenta lágrima
Neste livro, cada momento vai se tornar poesia

Eu tenho um sonho
E esse eu acho que é só meu
De um dia virar professor
E pros meus alunos abrir um chão
Para conhecerem o céu
Sabe, é que eu gosto desse tipo de coisa
Desse tipo de devolver o brilho aos olhos
De quem nasceu sem o direito de ter esperança
Eu não sei, talvez esse meu desejo
Ainda só seja um desejo da minha infância
Mas é que quando eu aprendo e ensino
Eu me sinto feliz igual a quando criança

A brincadeira vai mudar


se eu conseguir me formar
Antes o jogo era roubar bandeira
E quando eu virar professor
Vou voltar e dessa vez roubar
A vontade dos meus alunos
De parar de estudar

De Moroni Felippe Gosto de pensar que desistir


não é uma opção
47
Mas, e se fosse?
Acho que eu não estaria aqui
acho não, tenho certeza de que não estaria

Imagina se o professor Glauber


não tivesse puxado a nossa orelha
nunca iríamos estudar numa escola técnica

Pensa se a professora Mônica


não tivesse ouvido nossas dúvidas

E como a gente conseguiu melhorar tanto


a nossa escrita?
Com a Vilani que me acompanhou
no caminho da poesia
e sem ela não existiria o nosso livro

É que desistir
realmente
nunca foi uma opção

Deu pra perceber também que nossos professores


foram a parte mais importante na caminhada

Não podemos desistir


MORONI FELIPPE
E quando se é professor Escreve desde os 7 e hoje tem 17 anos. É
essa frase tem o triplo do peso apaixonado pela arte e está no final do ensino
médio na Escola Técnica Estadual (Etec)
Se um professor desiste Heliópolis, em São Paulo. Tem o sonho de se
É como se mais mil pessoas desistissem tornar professor e,sobre sua paixão pela escrita,
agradece por tudo que aprendeu no Centro de
Arte e Promoção Social (CAPS), no Grajaú.
48 49
Nos seus sonhos de professora,
onde estão os alunos negros?

Sora! Posso escrever pra você? Escrever o


que estou sentindo, pra você? Posso? Eu quero es-
crever. Sim! A resposta é sim? Então tá…
Me chamo Zacimba Gaba e tenho 13 anos.
Como todos estranham esse nome, já vou dizendo
que ele foi escolhido pela minha mãe, em homena-
gem a uma princesa de Angola, capturada e escra-
vizada no Brasil. Ela era uma guerreira e passou
a vida libertando o seu povo e atacando os na-
vios negreiros! Que forte, né!? Minha vó que contou
essa história para a minha mãe e ela nunca esque-
ceu, tanto que colocou esse nome em mim.
Estudo aqui desde os 6 anos... Hoje, todos
me conhecem. Faço parte do grupo de teatro da Es-
cola e uma vez por semana, organizo rodas de con-
versa com a professora do SOE* e minhas manas
pretas. A gente fala sobre nossa beleza, cuidados
com o cabelo e até sobre PPI. Ah, PPI são Pessoas
Pretas Importantes!
Mas não foi sempre assim, sabe Sora. No iní-
cio, foi muito difícil a adaptação. Acho que o que
mais estranhei era não ter ninguém como eu e
minha família. Muito “cabelo amarelo, escorrido” e
peles brancas... rsrsrs. Nada lembrava a minha casa
– muito colorida, com quadros e máscaras africanas –,
nem a comida da mãe! Sem falar na “profe” Cida, que
De Coletivo Quilombelas todo dia, antes de começar a aula, fazia a gente re-
51
zar o Pai Nosso, dizendo que Jesus era a salvação. Sabe o que significa nunca ter sido sonhada por
Lá na Vila, nosso Deus é Oxalá! Sabe, demorou para alguém, Sora?
eu encontrar o meu lugar aqui. Ainda bem que, no Procura aí nos seus sonhos de professora
ano seguinte, fiquei na sala da Sora Dandara. No onde estão os alunos negros. Já sei, vai olhar no
primeiro dia de aula, ela já explicou para a turma Google, nas estatísticas, nos livros ou na tevê, mas
porque tinha nome de guerreira, e falou sobre a im- estamos aqui, Sora! E você também está aqui, no
portância de África na formação do Brasil. Fiquei jeito que analiso, no jeito que escrevo. Hoje me sin-
feliz e orgulhosa em escutar a história do nome da to capaz de, junto com os meus, mudar esta histó-
Sora Dandara. Agora não era somente eu a “carre- ria, contar as partes que nos foram sonegadas, en-
gar” o nome de uma guerreira africana na escola. tender um pouco mais de mim.
Quando te vi chegar, percebi que era uma A coisa tá meio embaçada, mas muitas polí-
professora nova, pelo jeito de olhar para os alunos ticas públicas já foram implementadas, e outras a
e o sorriso no rosto. Sabe… quando eles estão há gente é que vai construir.
muito tempo dando aula perdem um pouco desse
Quando vejo a senhora com aquelas outras
brilho… desse sorriso… tem uns que nem riem mais.
professoras eu me sinto forte.
Então torci para que fosse você a dar aula para nos-
sa turma, estamos desde abril sem professor. Quando estou com minhas manas pretas
nas rodas de conversa também me sinto assim.
Mas também, você está chegando agora.
Ainda tem o gás, os ombros olhando pra frente e Quando estou com minha família, ou no ter-
não pro chão, uma força que os ergue constan- reiro, tem uma força que me guia, uma força cole-
temente. Talvez seja porque você caminha com tiva, pois sozinhas não vamos longe. Lembrei da-
aquelas outras professoras negras da escola, né? quele provérbio africano que a senhora ensinou!
Acho que o mundo seria bem melhor se as pessoas
Sinto um calafrio vindo não sei de onde…
vivessem conforme a filosofia do povo africano –
talvez seja da opacidade dos não-sorrisos hoje
onde o bom caráter é fundamental.
distribuídos pelos professores. Digo hoje, nos dias
de hoje. Nesse tempo em que não pensar, não sor- Hoje tenho muitas colegas negras! Não me
rir, não escutar, não se reunir é ter uma melhor sinto mais sozinha! Estamos juntas, discutimos vá-
educação. Eu não entendo a lógica dessa frase. Dá rios assuntos e não é fácil expor nossas fragilida-
um desânimo de estudar… Mais fácil não vir. Fi- des... Entre nós, rola cumplicidade, algumas tretas
car em casa... fazendo nada. Sinto nestes dias que e muitos desafios.
a sociedade e a educação nunca me sonharam. Inspiradas em você, na Sora Dandara e em
52 53
todas as outras professoras pretas da escola, te-
mos um coletivo!
Sora, escrevi estas linhas pra te dizer que,
mesmo sendo difícil, uma professora eu quero ser.
É preciso sorriso e luta, muitas de nós lá no
topo, pro nosso povo avançar.

Eu, Zacimba Gaba Santos da


Silva, um dia chegarei lá!

COLETIVO QUILOMBELAS
Coletivo independente formado por professoras negras que
atuam na EMEF Senador Alberto Pasqualini, na Restinga, zona
sul de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Inicialmente com
a intenção de criar dispositivos de intervenção nos espaços
e tempos da escola, a partir de discussões da negritude e
seus atravessamentos políticos, subjetivos e identitários (Lei
10639/3). Hoje, o Coletivo atua também fora da escola, com
foco no aquilombamento e na formação de educadores(as).
Formado por Ana Karolina dos Santos, Cristina Centeno Paim,
* SOE: Serviço de Orientação Educacional.
Helena Soares Meireles, Janaína Barbosa da Silva e Vanessa
Félix dos Santos. A Zacimba Gaba Santos da Silva nasceu de
um pouquinho de cada uma delas.
54 55
Caro(a) jovem educador(a),
Tenho o desejo de fazer você sentir o quanto
ser educador vai além das rotinas e práticas peda-
gógicas. A gente envolve e se envolve num mundo
no coração do Amazonas.
Sou educadora há 9 anos, me chamo Elaine
Rachel Martins, resido em Boa Vista do Ramos, a
272 km de Manaus, no Amazonas, onde os únicos
meios de transporte são: barcos, voadeiras, cano-
as e rabetas, o que torna difícil o acesso ao nosso
município e aos municípios vizinhos, assim como
a saída para outros estados. Isso também dificulta
a chegada de informações até aqui. Em um mun-
do voltado totalmente para as tecnologias, é grati-
ficante saber que aqui ainda vivemos em contato
um com o outro, e as cartas ainda são escritas e
lidas como meio de comunicação. Quando recebi o
convite para escrever uma carta a você, pensei que
seria maravilhoso compartilhar nossa história com
jovens educadores(as), e como ficariam impacta-
dos pelo desejo intenso do educar. Seria impor-
tante também ouvi-los(as) e trocar ideias e, quem
sabe, recebê-los(as) aqui para vivenciar esse con-
tato direto com a natureza e as perspectivas que
nossa cultura provoca.
Aos 7 anos decidi ser professora. Esse de-
sejo pulsava em meu coração quando via minha
mãe, professora, retornar todos os meses de bajara
(rabetão coberto de palha) cada vez que ia receber
De Rachel Martins seu salário. Ela me contava as experiências vividas
com os olhos cheios de ideias, depois levava minha
57
irmãzinha pela mão para a Comunidade do Espírito O que dizer a você, jovem educador(a), hoje
Santo, no interior do estado, onde trabalhava e residia. atravessado(a) por tanta brutalidade e retrocesso
Eu estudava no município de Maués, no de tempos obscuros?
Amazonas, pois ela acreditava que estudar na ci- Em minha adolescência e juventude, per-
dade seria o melhor para mim. O que ela não sabia cebi o que meus pais queriam: que eu escolhesse
é que a escola que me inspirava e despertava o uma profissão entre as que eles não tinham tido
desejo de estudar era a dela, sem energia, confor- a oportunidade de realizar ou, ao menos, sonhar.
to, privilégios, uma escola de palha e chão batido, Sabemos das muitas dificuldades que enfrentamos,
porém cheia de afetos, descobertas e valores, com sabemos que algumas políticas públicas, assim
a ânsia intensa pela aprendizagem que me tocava como alguns programas do governo federal, ain-
todas as vezes que ia visitá-la. A escola com que eu da não chegaram ao município, o que nos instiga,
sonhava não residia na estrutura de prédio ou no como professores, a lutar por dias melhores.
nível de avanço tecnológico da educação, mas na Como diz nosso grande educador Paulo Frei-
espontaneidade do estudo sem peso ou cobrança re:“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
por parte da escola, dos pais ou da sociedade, pro- as possibilidades para a sua própria produção”.
movendo a liberdade de expressar e ser ouvido.
Diante disto, a Escola Municipal em que
Acompanhando a rotina das crianças do Ma- trabalho tem transformado a vida de muitos, com
tupá, comunidade próxima à cidade de Boa Vista do poucos recursos e muitos desafios. Através do in-
Ramos-AM, lembro daquela infância e de quanto é tercâmbio entre as escolas municipais da zona ur-
difícil para elas chegar à escola. Ao mesmo tempo, bana e rural, nossos professores e crianças apro-
penso como é gratificante ver seu desejo sólido pela fundam a riqueza oferecida pela natureza; dessa
aprendizagem. Em tempos de cheia, acordam às 4 forma, pensamos no coletivo e na vontade intensa
da manhã, se arrumam e se encontram na margem de transformar. Estamos sendo vistos pela socie-
perto de suas casas para seguirem uma viagem de dade como uma escola inovadora, ressaltando que
uma hora de canoa, remando até chegar à estrada a visão de prédio, idades e salas de aula tem se
por onde caminham mais 30 minutos. Daí atraves- estendido ao território educador, o que está geran-
sam uma ponte para tomar o ônibus escolar. Esse do uma educação voltada para todos com inclusão,
processo inteiro casa-escola-casa dura 9 horas por permanência e formação dos estudantes, desen-
dia - cansadas, elas chegam de volta a suas casas às volvendo competências e habilidades de acordo
13 horas. Pois saiba que, no nosso Amazonas, muitas com as transformações sociais, incentivando a va-
crianças fazem esse trajeto todos os dias. lorização dos profissionais da educação.
58 59
Antes, quando perguntávamos “qual profis-
são desejam seguir?”, muitos respondiam “médico,
enfermeiro, advogado, dentista”. Hoje, a maioria
das crianças, jovens e adultos, com a experiência e
convivência, se inspiram no professor. Apesar de a
nossa região ter um grande índice de analfabetis-
mo, vamos avançando aos poucos.
E você jovem, qual é a sua inspiração? Pen-
sa em contribuir com suas ideias, provocações e
até mesmo fazer parte da nossa história?
Gostaríamos de estender o convite nesta
carta ao diálogo. Esta é a nossa história e quere-
mos compartilhar ideias.
Meu email é elainerachel18@gmail.com.
Abraço,
Rachel

RACHEL MARTINS
Professora e educadora, gestora da Escola
Municipal de Educação Infantil Casulo Menino
Jesus na cidade de Boa Vista do Ramos, no
Amazonas (AM). Natural de Maués (AM),
graduada em pedagogia e pós-graduada em
psicopedagogia e educação infantil.
60 61
Querida educadora,
Fiquei emocionada quando soube da sua
opção pelo magistério.
Vieram as memórias de como eu “me tornei”
professora, quase por acaso, meio sem saber direito
o que significava. Era agosto de 1976 (você nem ti-
nha nascido), eu tinha 20 anos e estudava História.
Estava sem trabalho e aceitei umas aulas de substi-
tuição de uma professora grávida. Era imatura, mi-
nha formação em pedagogia nem tinha começado,
mas alguma coisa me chamou, me fez aceitar o con-
vite. Os estudantes eram adolescentes cursando o
que, à época, se chamava “Segundo Grau”, hoje En-
sino Médio. Eram estudantes de um bairro de clas-
se média baixa da cidade de Belo Horizonte, em Mi-
nas Gerais. Quando o ano letivo se encerrou, quatro
meses depois, eu era paraninfa de todas as turmas,
estava encantada com aquele encontro na sala de
aula. Vivíamos numa ditadura militar, quando livros,
práticas, músicas, manifestações, tudo era vigiado,
proibido, perigoso, passível de repressão.
Mas o que eu senti e me fez optar pelo ma-
gistério, naquele segundo semestre de 1976, foi en-
tender que ser professora era poder abrir janelas
para aqueles jovens. Abrir muitas janelas, infinitas
paisagens, e eles escolheriam as que quisessem.
Porque o conhecimento liberta, a cultura nos une e
tudo isto acontece dentro da escola.
De Pilar Lacerda Fui demitida dessa primeira escola em mar-
ço de 1980, resultado das primeiras greves de pro-
63
fessores (e de operários da construção civil, de me- 5. Entender as dificuldades da nossa profis-
talúrgicos, de motoristas) após o golpe militar de são como inerentes a ela, ou seja, barulho, conflitos,
1964. De lá para cá, trabalhei em escolas privadas choros, risadas, tudo isso faz parte do ambiente que
e, a partir de 1986, somente na rede pública. mestres e mestras enfrentarão. Quanto mais você es-
tudar, refletir e trabalhar em grupo, mais capacida-
E por que conto tudo isso? Porque passados
de terá de entender que aquilo tudo faz parte da sua
43 anos, eu sinto como foi acertada aquela escolha
profissão, do seu ambiente de trabalho.
profissional de ser educadora, que não se limita à
sala de aula, pois fui professora, vice-diretora, e di- Você está escolhendo uma profissão em que
rigi o centro de formação da rede municipal a que lidará com pessoas todo o tempo, e precisará aliar
eu pertencia. Ainda fui secretária de educação mu- seu saber acadêmico à delicadeza, afetividade,
nicipal e depois fui para o MEC, coordenar a edu- curiosidade.
cação básica do país. Essa caminhada foi forma-
O ofício de mestra tem um significado es-
dora. Comecei como uma professora conteudista,
pecial: garantir que as novas gerações conheçam,
transmissivista e fui me formando, até me transfor-
aprendam e deem sentido a tudo aquilo que fize-
mar na educadora que sou hoje.
ram os que chegaram antes. E será nesse caminho
Quando escrevo esta carta para uma jovem do aprender a ser, a saber e a fazer que as crianças
que está se tornando educadora, penso em pontos e adolescentes entenderão o mundo e se entende-
importantes que contribuíram para minha formação: rão no mundo. Eles trilharão este caminho da sabe-
doria, da compreensão, da criatividade muito bem
1. Participar de grupos de estudo na escola
acompanhados, por você!
em que trabalhava;

2. Entender que formação continuada signi-
fica, principalmente, refletir sobre a prática; PILAR LACERDA
Graduou-se em História, na Universidade
3. Reconhecer quando tinha dificuldades e con- Federal de Minas Gerais.Atuou como professora
tar com um grupo de colegas que me apoiavam e não de história, secretária municipal de educação
me julgavam antes de saber das minhas dificuldades; da prefeitura de Belo Horizonte, presidente
nacional da União Nacional dos Dirigentes
4. Conhecer meus alunos e alunas, mas co-
Municipais de Educação (Undime) e secretária
nhecer mesmo: onde moram? Com quem? Quem
de educação básica do Ministério da Educação
cuida deles? Trabalham? Trabalho doméstico ou de 2007 a 2012. Atualmente é diretora da
externo? Como é o ambiente da casa de cada um? Fundação SM Brasil.
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Caros colegas, caras colegas,
Nunca fui tentada a escrever uma carta so-
bre o meu modo de ensinar e sobre como fui e sou,
como professora. Esses assuntos sempre estiveram
presentes nos meus textos, mas misturados a ou-
tras questões educacionais que me afetam e que
me fazem pensar. Não sei se é bem essa a razão,
mas é a que me ocorre no momento.
No entanto, considero meu percurso profis-
sional muito particular e determinante para que eu
ainda me encante com meu trabalho, ensinando
gerações de estudantes, do ensino básico ao supe-
rior. Além, é claro, de me tocar como pessoa.
Ao me lembrar dos primeiros passos des-
sa caminhada, me vejo professora recém-formada.
Comecei a lecionar porque tive uma oportunidade,
mas sem ter bem claro o que de mim se esperava.
Foi assim: no primeiro dia de aula, ao descer
do ônibus, os alunos já me esperavam. Eram me-
ninos e meninas de todos os tamanhos e idades e,
radiantes, traziam caderno e lápis nas mãos. Não
me esqueço da alegria com que me receberam ao
ser apresentada como a nova professora!
Os pequenos me abraçaram e os maiores
continuaram no canto, intimidados. De repente, eu
estava ali, diante de todas aquelas crianças, sem
saber o que dizer. Onde estariam a escola, o diretor,
as outras professoras?
Um senhor de certa idade veio ao meu en-
De Maria Teresa Mantoan contro e se apresentou como o zelador da casa pa-
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roquial. A escola, reafirmou, era ali mesmo, naquela uma roda. Cantamos. Tomamos água na torneira do
casa antiga. O diretor não aparecia por lá há um bom esguicho e voltamos para o salão.
tempo e eu seria a única professora do bairro. Levou- A aula precisava começar. Ou já tinha começado?
me até um salão e, em breves palavras, explicou-me
As crianças se conheciam, conversavam en-
as condições em que exerceria minhas funções na-
tre si e estavam todas prontas para a lição. Elas pa-
quele espaço: horários, arrumação e limpeza.
reciam saber o que queriam. Já eu não sabia o que
O salão pareceu-me grande. E nós, bem pou- fazer diante de tanta expectativa e satisfação da-
cos para preenchê-lo. Não havia carteiras nem ar- queles meninos e meninas, tão simples, tão felizes.
mários. Cavaletes e alguns bancos empilhados en-
Penso que meu posicionamento em favor
chiam um canto do salão. Uma mesa, daquelas de
da inclusão escolar vem desse princípio de minha
doação, estava encostada à parede e parecia bem
caminhada, mesmo que, naquela época, eu ainda
pesada. Muitas janelas. O sol entrava por todos os
não soubesse. Ter vivido essa experiência de pro-
cantos. Chão que rangia ao pisar.
fessora de uma classe multisseriada me levou a en-
Uma senhora que também cuidava da casa tender que inclusão escolar é aquilo que acontece
apresentou-se e, além do salão, mostrou-me o quin- quando ninguém precisa ser um aluno padrão para
tal cheio árvores, chão de terra, bancos toscos, uma aproveitar o máximo da escola, explorando e de-
pequena cozinha e um banheiro menor ainda. senvolvendo suas capacidades. Hoje percebo que
A escola era ali, e nem nome tinha. Quando foi lá que entendi que uma escola só é boa quando
ela se afastou, ficamos sós, as crianças e eu. é de todos. Quando considera a diferença de cada
Estas imagens sempre me voltam à lembran- um, não só de alguns. E para isso não há receitas.
ça por razões diversas, quando menos espero. Devo Agora, algumas décadas de magistério me
muito a quem me convidou para iniciar a carreira separam daqueles primeiros tempos de professora.
de professora em um lugar tão distante, diferente, Segui em frente. Dei aulas em todas as etapas do
como este de minha primeira escola, tão longe de ensino básico e cheguei ao superior.
minha casa. Minha maneira de ensinar, resguardados os
Tudo estava lá para ser vivido e criado. Não sa- diferentes encontros que se engendram em cada
bíamos, as crianças e eu, por onde começar. Onde nos aula, está sendo aprendida e renovada desde as
sentar? Como fazer acontecer aquele primeiro dia? primeiras experiências vividas por mim e meus pri-
Saímos para o quintal e colhemos carambo- meiros alunos. Em cada aula, em cada curso, tudo
las das árvores. As crianças corriam. Eu inventei está por acontecer. É essa sensação que me motiva

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e me sustenta, sempre. Ela me faz encarar o inespe- O tempo passou, e passa. Uma sensação de
rado, o que acontece quando a aula começa. bem-estar ainda me invade, toda vez que me revejo
Tenho como certo que o meu trabalho é en- diante daquelas crianças, naquela escola onde co-
sinar - um ofício que não admite a aprendizagem mecei. Não é saudosismo, mas um sentimento que
como contrapartida. Estranho, né? Explico: quem se renova, e que vai me compondo como professora.
busca tal compensação não entendeu que o en- Continuo me tornando professora, certa de
sinar não tem preço! Afinal, a aprendizagem não que não tenho o domínio do ofício que o tempo da
é reprodução do que se ensina! Constranger o experiência (não) poderia me dar. Ainda bem!
aprendiz pelo poder de um conhecimento maior e Para vocês, jovens colegas, o que tenho a
de uma explicação infalível desmerece o ensinar. dizer sobre o meu modo de ensinar é que ensino
Isso porque aprender é criar, recriar, interpretar, e aprendendo em minhas aulas e com meus alunos.
nada tem a ver com a mera repetição do ensinado. Eles estão lá me esperando e eu, chegando, entrando
O pensar/aprender é livre. na sala para começarmos, sempre, uma “nova” aula.
Gosto muito dos nomes ensinante e apren- Essa sensação de estar prestes a iniciar um momen-
dente para designar professor e aluno. Eles os de- to educacional inédito e imprevisível é que me man-
finem muito bem, por passarem a ideia de continui- tém ensinando. Tudo está por acontecer, e nada se
dade do processo educativo. Tal processo envolve repete. A não ser, é claro, a disposição de viver o novo.
as duas partes e não hierarquiza inteligências; não Tenho e terei um apreço sem fim por todos
tem pretensões de centrar no professor a figura de os que me ensinam a ensinar, entre os quais se so-
quem sabe e pode mais; tampouco centra no aluno bressaem meus alunos de todos os tempos.
a figura de quem recebe, depende, arremeda um Com carinho,
mestre, já que pouco ou nada sabe.
Maria
Tive encontros com muitos educadores, com
autores que me encantaram. E estou sempre bus- MARIA TERESA MANTOAN
cando por outros, para entender o que se passa Pedagoga, mestra e doutora em educação.
comigo nas escolhas que faço para ensinar. Como Professora do Programa de Pós-graduação
não se inventa nada do nada, alguns se tornaram em Educação da Faculdade de Educação da
meus grandes inspiradores: os professores Céles- Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
tin Freinet e Joseph Jacotot. Eles me revelaram o em São Paulo. Coordenadora do Laboratório
que eu fazia por pura intuição. de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença
(LEPED) da Faculdade de Educação da UNICAMP.
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Vou falar um pouco sobre minha trajetória
de vida e profissão. Sou mineira, mas conheço bem
mais o Pará. Minha família veio para o norte na dé-
cada de 1970. Cresci em Conceição do Araguaia,
cidade na divisa entre Pará e Tocantins. Minha pri-
meira professora foi a senhora Maria Ulisses. Doce,
mas exigente, com sua voz firme e aguda, sempre
olhando dentro dos nossos olhos enquanto falava.
A segunda professora a marcar as memó-
rias da minha infância lecionava na 4ª série. Era
de uma sabedoria única, pois no dia das crianças
preparou bonecas brancas e negras, e nos pre-
senteou com elas. Essa ação foi marcante porque
às meninas brancas ela deu bonecas negras e às
meninas negras, as bonecas brancas. Ao seu modo,
essa professora lidava com a questão racial bem
antes da lei 10.639/2003 (que estabelece diretrizes
e bases da educação nacional, para incluir no cur-
rículo a temática “História e Cultura Afro-Brasilei-
ra”). Também merecem ser lembrados os(as) pro-
fessores(as): Sônia, Nidal, Neiva, Omezinda, Carlos,
Pedro Sá, Amaral, Neivaldo, Zélia Amador, Marco
Antônio, Kabenguele Munanga...
Com isso, desejo destacar o papel essencial
dos professores. Como professora, tenho certeza de
que somos fundamentais dentro da escola e que a
relevância de nossa atuação se reflete em toda a
sociedade, pois somos agentes ativos na formação
do cidadão crítico, participativo e consciente de
seus direitos e deveres. Além de sermos educado-
De Odalícia Conceição
res(as) atuantes como gestores de ensino e apren-
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dizagem, nós professores(as) temos por propósito dar e renovar a cada dia, pois só assim será capaz
e competência orientar e motivar alunos e alunas de aprimorar seus planejamentos, metodologias, e
desde o primeiro contato até a formação acadêmi- o seu entendimento do contexto no qual está inse-
ca, em todas as profissões. rido(a). Esse(a) professor(a) poderá compreender
Marcamos nossos(as) alunos(as) por toda seus alunos e, principalmente, será capaz de provo-
vida. Muitos certamente ficam guardados em nos- cá-los a serem questionadores por terem aprendi-
sa memória. Sugiro, neste ponto, a você, jovem edu- do bem mais do que apenas ouvir e obter respostas
cador(a), que constantemente questione sua atua- prontas e acabadas, como se a realidade fosse imó-
ção: Sou o(a) professor(a) que eu gostaria de ter? vel, cristalizada, apenas um fim e não um começo.
O que faço tornará meu aluno melhor ou pior? O Ele saberá ser necessário sair da zona de conforto,
que posso fazer? O que gostaria de fazer de espe- da inércia. Compreenderá que fazer a diferença re-
cial? Assim, aconselho: Não tenha medo de fazer quer tempo, estudo, disponibilidade e, principalmen-
diferente. Todos os nossos bons professores não te, o aproveitamento de oportunidades. Para esse(a)
tiveram medo de fazer, de tentar. Seja uma estrela bom(boa) professor(a), o tempo é agora, pois sabe
brilhante, guia, grave suas ações na eternidade da que o amanhã poderá não chegar ou ser tarde de-
história de alguém. mais. Ele(a) usará suas habilidades e competências
certo de que as tem em abundância e podem multi-
Retomo minha história para registrar que o
plicar-se a cada momento.
magistério não foi minha escolha. Durante a adoles-
cência, na minha escola havia apenas contabilida- Não somos os donos das verdades e conhe-
de e magistério como opções após o ensino funda- cimentos. Todos os dias aprendemos e ensinamos.
mental. Quando fui fazer minha matrícula, não havia Podemos cometer erros, mas nunca permanecer
vaga para contabilidade. Chorei alguns dias. Mas no erro. Sou professora de matemática, militante
a professora Neiva me falou o seguinte: onde quer do movimento negro e também do movimento das
que estejamos, devemos fazer o melhor e com amor. mulheres negras e dos(as) professores(as) que, em
A partir desse momento mudei meu pensar. Busco suas práticas, ultrapassam os livros didáticos e os
sempre dar o melhor de mim para dar oportunidade muros da escola.
aos(às) meus(minhas) alunos(as) de vivenciar ex- Em minha graduação, recebi uma revista so-
periências únicas que valorizam cada pessoa como bre etnomatemática de um dos bons professores
indivíduo importante. para a minha formação. Ao me presentear, ele dis-
Um(a) bom(boa) professor(a) precisa ter se: “Professora Odalícia, não permita que a mate-
uma prática reflexiva, não ter medo de tentar, de mu- mática pura e aplicada destrua suas buscas com o
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objetivo de trabalhar a realidade dos alunos, ensi-
nando-os para a vida”.
Essa era mais uma chave que abria possi-
bilidades. Mostrava outro olhar para o continente
africano, para uma África de culturas, cores, sa-
beres, valores, religiões, sabores. Falar de África é
compreender o seu papel na construção da socie-
dade. Mas infelizmente os meios de comunicação
reproduzem uma única história negativa. A revista
que ganhei valoriza aquele continente. Mostra sua
complexidade e diversidade cultural. Demonstra
que falar da geometria sem lembrar da África, das
pirâmides, do Rio Nilo, das divisões de terras, da
cheia e da seca assemelha-se a tomar uma xíca-
ra de café sem lembrar sua origem. Por exemplo, a
leitura nos convida a reflexões: como falar de uma
árvore nativa do continente africano, ou até mesmo
da escravidão, de navios negreiros, sem citar a ár-
vore da vida ou do esquecimento?
São tantas perguntas sem respostas, com
meias-respostas ou com respostas inverídicas! Não
é fácil desconstruir inverdades. Igualmente não é
menos complicado construir novos olhares, pois é
caminhar um passo de cada vez. E nesse momen- ODALÍCIA OLIVEIRA NEVES CONCEIÇÃO
to entra o(a) professor(a) transformador(a), que se Professora especialista na implementação da
pergunta “Sou o(a) professor(a) que eu gostaria de lei 10.639/2003. Sempre gostou de trabalhar
ter?” e aproxima novos olhares e pessoas. com jogos. Elaborou um projeto que envolveu
alunos(as) da Educação de Jovens e Adultos
(EJA) do ensino médio e recebeu o Prêmio
Educar para Igualdade Racial e de Gênero do
Centro de Estudos das Relações de Trabalho e
Desigualdades (CEERT).
76 77
Queridxs jovens educadorxs,
Eu vivo grande parte do meu tempo com
educadorxs. Observo, investigo, compartilho mi-
nhas reflexões, dou aulas e a maior parte do públi-
co do meu trabalho é de educadorxs. Cresci com
educadorxs desde muito pequeno, sempre com um
pouco de admiração e uma pitada de raiva: por que
uma pessoa tão inteligente e sábia, às vezes, tem
ações tão terríveis?
Lembro-me com amor e um pouco de amar-
gura dxs educadorxs da minha infância que, em si-
tuações extremas, disseram palavras horríveis para
seus alunxs; embora também outras vezes com
poucas palavras pudessem levar luz e esperança
para vidas cheias de trevas.
Dedico minha vida a procurar educadorxs
que sabem o que fazem, que buscam ensinar com
um sentido, que se comprometem a sempre transfor-
mar o local em que vivemos, um pouco mais todos os
dias. Encontrei muitxs delxs, embora a maioria tenha
se fossilizado, como diria um amigo professor, ao se
referir a educadorxs que viram pedras e aderem às
paredes da escola.
A imagem de educadores que se tornam fós-
seis me provoca, porque aponta para o processo de
alguém que, num momento, ainda tem uma vitali-
dade, e em outro se torna pedra. Esses dinossauros
alguma vez estiveram vivos, cheios de potencial, de
vontade de mudar a realidade, e perderam isso, re-
De German Doin lativamente rápido.

79
O que se passou com essas pessoas? Acre- Foi o primeiro aprendizado com um educador que
dito que um meteorito de violência e opressão atin- me nomeou educador, mesmo ainda aos 21 anos de
giu todos os vínculos e relações sociais, caiu len- idade e com muito mais perguntas do que certe-
tamente na mochila destxs educadorxs e ficou ali zas no meu bolso. Eu, que não tinha passado pelos
para sempre. São meteoritos cheios de feridas, com claustros da formação de professorxs e pelas uni-
uma atmosfera tão terrível que é impossível seguir versidades que monopolizam o saber, ouvi de um
respirando com a mesma vontade e espírito revolu- homem com 60 anos de profissão docente que eu
cionário da adolescência. era um educador.
Assim como vi educadorxs fossilizados, vi Antes que os artistas, xs educadorxs que
educadorxs que transformam. São elxs que estão transformam são aquelxs que estão na vanguar-
na memória dxs estudantes, são elxs que aparecem da, porque estão dando ar para as novas gerações
quando alguém pensa em boas práticas docentes; de artistas, criadores e ativistas sociais. Não existe
são elxs também que não costumam estar nos car- Simón Bolivar sem o seu professor Simón Rodri-
gos políticos, mas sim em aulas pelo território, no guez. Por isso, é tarefa dxs educadorxs que transfor-
ato de semear espíritos de liberdade. mam o ato de correr os limites do possível, inventar,
Estxs educadorxs estão ali, fazendo seu tra- mover-se do espaço estabelecido, sair da sala de
balho diariamente, despertando paixões, curando aula, planejar todos os dias um novo desafio.
feridas, acompanhando processos, criando liber- São educadorxs que transformam: aquelxs
dade e abrindo consciências. Nem sempre se mos- que amam aprender. Muitas vezes não se consi-
tram, porque nem sempre são conscientes de quem deram educadorxs porque não deixaram (e nunca
são. Uma mirada compassiva, uma reação diante de deixarão) de ser aprendizes. Estão fascinados por
um fato injusto ou mesmo um simples comentário seguir descobrindo, conhecendo, interpretando o
reflexivo nos permite ver seus rostos. São pessoas mundo. São educadorxs que transformam: aquelxs
que se permitem respirar profundamente e guardar que estão atentxs ao que acontece no mundo, sen-
debaixo de chaves a vontade que os levou ao acom- síveis às mudanças do contexto familiar e local, do
panhamento de outras pessoas como profissão. território nacional e do planeta. Permanecer em es-
Como um insolente antropólogo amador, me tado de atenção também implica em ser conscien-
disponho a compartilhar alguns fenômenos co- tes da inter-relação entre as violências intrafamilia-
muns que presenciei com educadorxs que trans- res e o saque dos recursos naturais na Cordilheira
formam. São educadorxs que transformam: aquelxs dos Andes, por exemplo.
que compreendem que educadorxs somos todxs. Educadorxs que transformam sabem que
80 81
sua ação é inerentemente política, assim como todo transformam são aquelxs que, tendo já crescido,
relacionamento é político e, portanto, afeta o mun- ainda são crianças.
do. Os educadores que se transformam procuram Nós, educadorxs latino-americanxs, temos a
mudar a realidade dxs alunxs, pois assim mudam responsabilidade de criar uma educação para as
toda a realidade. São educadorxs que transformam: novas gerações que não repita os vícios do pensa-
aquelxs que observam sua prática e nunca deixam mento eurocêntrico. É disto que se trata: descons-
de pesquisar outros caminhos, aquelxs conscien- truir e desarmar os padrões que aprendemos, para
tes de que o trabalho com eles mesmos é o prin- construir maneiras próprias. Mais que desejável, é
cípio do trabalho como educador. Além de olhar necessária uma proposta educativa latino-ameri-
para fora, olhar para dentro. E é claro que não são cana para sustentar um processo de descoloniza-
iludidos para acreditar que tudo termina nesse en- ção, que não somente vai nos levar a identificar e
contro com seus medos, sombras e barreiras, mas valorizar nossas culturas, mas também a formar os
suspeitam que esse é o melhor lugar para começar. sujeitos do futuro político, social e econômico dos
E acreditam assim porque veem que a atmosfera nossos territórios.
viciada do patriarcado não está apenas fora, mas
já invadiu os pulmões e o sangue; e somente quem
está ciente disso e se dedica a começar a limpar(se)
pode esperar algum dia remover a atmosfera de dentro.
Educadorxs que transformam não preten-
dem fazer o trabalho sozinhxs. Procuram compa-
nheirxs de viagem, conectam mundos possíveis,
vinculam realidades opostas, fazem juntxs.
São educadores que transformam aqueles
que crescem sem crescer totalmente: podem ser GERMAN DOIN
preenchidos com experiências, conhecimentos, po- Argentino, diretor do documentário A Educação
dem sustentar grandes escolas e projetos gigan- Proibida. Viajou e conheceu centenas de
tescos, mas nunca perdem a rebeldia, curiosidade, espaços educacionais alternativos na América
Latina e em outras partes do mundo. Co-
olhar compassivo, vontade de rir. Isso me leva a
fundador da Reevo, uma rede de educação
evidenciar uma necessidade coletiva; precisamos
alternativa. Fundador e coordenador do Projeto
urgentemente cuidar de nossxs educadorxs trans- C, um espaço aberto e gratuito de aprendizado
formadorxs, porque, antes de tudo, educadorxs que e desenvolvimento em Buenos Aires.
82 83
Nossas vidas começam a terminar no dia
em que permanecemos em silêncio sobre as
coisas que importam.
Martin Luther King

Minha querida educadora, meu querido educador,


Em primeiro lugar, quero agradecer pela
vontade que você tem de ser educadora, educador.
Sabemos que “Sonho que se sonha só é um sonho
que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é
realidade”, como disse Raul Seixas. Todos o chama-
vam de louco, assim como chamam aqueles que lu-
tam por um ideal, munidos de determinação e foco.
Educadores e professores são loucos porque
têm sonhos! Sonhos políticos, resilientes, humanistas
e solidários. Meu querido, minha querida, não deve-
mos acreditar que a “maioria” está vencendo. O que
é importante prevalecer é o sentimento de pertenci-
mento naquilo que acreditamos.
Às vezes penso que não vou aguentar, mas
basta lembrar quem eu sou e o que quero, e eu me
levanto, olho para a frente e me revigoro, disposta a
pegar na terra para sentir as energias boas de nos-
sos irmãos indígenas, ciganos e negros. Sinto nas
veias a energia desses povos que me fazem levan-
tar voos e não desistir. Entende o porquê? Somos a
história do povo brasileiro. Continuaremos a fazer
história na educação. Os grandes militantes do mo-
vimento social que passaram pela minha vida me
De Jamira Alvez Muniz fazem ter certeza que faço parte dessa história de
transformação e diversidade.
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Hoje continuo com o trabalho de formiguinha, Neste documentário, elas contam como nas-
num tempo em que o atual governo não nos represen- ceram a Associação Santa Luzia e a Escola Comuni-
ta. Todos que se libertaram de governos e sistemas tária. O mais interessante nisso tudo foi juntar mais
segregadores deixaram histórias que ainda contamos. pessoas para continuar a história. Em toda minha
Amar o que fazemos nos liberta, serei eternamente vida, o que me faz feliz é poder construir com mui-
grata aos que deixaram livros e ensinamentos. tas mãos esse lugar chamado Escola Comunitária
Pensei, pensei... Mas ainda preciso escrever Luiza Mahin, que traz em seu nome a forte repre-
o que é ser educadora. Para mim, isso não é tão re- sentação e valorização da cultura afro-brasileira.
levante. O que realmente importa é abrir o coração Luiza Mahin – negra, africana livre da Costa da
para aprender e reaprender. O mestre Paulo Freire Mina, mãe do poeta Luiz Gama – é idealizada e re-
nos ensina que ser educadora é encontrar o seu fa- verenciada por segmentos da sociedade brasileira
zer no outro, com o outro, pois não bastam equipa- associados aos movimentos negros e à valorização
mentos tecnológicos, espaço físico, mobiliário, e sim da história e cultura afro-brasileiras. Uma mulher
docentes capacitados para fazer o seu trabalho, em insubordinada, que se tornou símbolo de luta e re-
ação coletiva com os educandos, compreendendo o sistência negra. E foi com essa bandeira que fomos
seu estar no mundo, o seu fazer, fazendo-se. levantando as lajes e oportunidades, dando prota-
gonismo a este território de aproximadamente 43
Lembrei de tanto aprendizado, lembrei da
mil habitantes, segundo o IBGE, em dados de 2010.
minha participação no documentário Mulheres da
Para entender melhor, Itapagipe consiste em uma
Laje, disponível na internet, uma obra tão significa-
península no Rio Grande, dividida em 14 bairros,
tiva e necessária, pois mostra como o empenho e a
e a escola está situada no bairro do Uruguai, mais
dedicação podem tornar o mundo um lugar melhor
conhecido pelo nome de Alagados – região mais
e mais solidário para se viver. Conto a história: a
populosa de Itapagipe.
Escola Comunitária Luiza Mahin só tinha o andar
térreo. Ao percebermos a enorme demanda por va- Sempre tive o desejo de ser educadora. Ao
gas para as crianças da comunidade, começamos a longo de 10 anos, fui desenhando o que significava
pensar que não podíamos parar naquela estrutura. unir teoria e prática, e retornei à proposta político
Surgia um sonho e, com outros parceiros, as mulhe- -pedagógica da Escola Luiza Mahin. Após um bom
res da laje começaram a expandir o terreno, a bater tempo de atuação, fui me preparando para sair em
mais lajes. Engraçado que, a cada laje, o número de busca de uma nova missão. Para atender o meu so-
mulheres crescia, o de crianças atendidas também, nho, acreditando que já tinha dado minha contri-
e era isso que unia e motivava todos nessa ação. buição à escola comunitária, entreguei a coorde-
86 87
nação pedagógica a outras professoras – Luciene
Trindade do Nascimento e Jandayra Neuza Bom-
fim. Desde então, acompanho a escola bem de per-
tinho através da Rede de Protagonistas em Ação
de Itapagipe (REPROTAI), que reúne adolescentes
e jovens da Península de Itapagipe. Foi fundada em
4 de agosto de 2004 por adolescentes e jovens da
Associação de Moradores do Conjunto Santa Luzia.
Hoje, continuamos promovendo as formações e ati-
vidades, estimulando os jovens a sonhar e realizar
sonhos junto com esse coletivo.
A REPROTAI fez 15 anos em 2019. A cada ano
a rede vai se renovando, seja no modo de agir ou
na rotatividade de seus membros. Algumas dessas
pessoas acabam encontrando sua essência como
educador/ativista social e permanecem no grupo
para poder contribuir nas ações da REPROTAI, que
procuram realizar sonhos individuais e coletivos.
Sinto falta de uma universidade que acom-
panhe e respeite as limitações das pessoas que se
encantam pelo simples ato de educar.
Aqui termino minha apresentação. Continuo
educadora e vou morrer educadora.
JAMIRA ALVES MUNIZ
Abraços!
Educadora social com especialização em Gestão
Jamira do Terceiro Setor. Mora há 50 anos no bairro do
Uruguai, onde foi coordenadora pedagógica
durante 10 anos na Escola Comunitária Luíza
Mahin, em Salvador, na Bahia, e atualmente
coordena o Espaço Cultural Alagados. Participa
de redes atuantes no Território da Península de
Itapagipe, em Salvador.
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A distância que o ignorante precisa transpor
não é o abismo entre sua ignorância e o
saber do mestre. É simplesmente o caminho
que vai daquilo que ele já sabe àquilo que
ele ainda ignora, mas pode aprender como
aprendeu o resto.
Jacques Rancière, no livro Mestre Ignorante

Uma cena
A menina pega a fruta na fruteira, ainda não
sabe falar, emite alguns sons, mas com toda calma
e concentração descasca a banana com a serie-
dade de quem está diante de um misterioso acon-
tecimento, tira seus fiozinhos e saboreia a doçura,
a consistência pastosa, comendo devagar e perce-
bendo o sabor ao mastigar.
O processo tem uma duração longa, propor-
cional à intensidade do acontecimento, que conta
com a presença absoluta da menina.
Quanto tempo leva? O tempo da experiên-
cia, a duração da atenção e do envolvimento da
menina pesquisando uma fruta com autonomia.
Uma menina chamada Nina, com um ano de
idade, nos conta das riquezas do cotidiano, e nos
convida, com seu silêncio e sua calma, a acompa-
nharmos suas descobertas.

Relações
Ser educador em qualquer tempo ou lugar
De Stela Barbieri nos põe em relação – com nossos mundos, com as
91
pessoas, com as coisas... Relações que nos tomam, Em muitos espaços hoje, há a experiência
geram encontros, nos tiram o fôlego, o sono, o chão, de educação como lugar de uma aprendizagem
nos confrontam num movimento desafiador de pragmática para um certo futuro. E uma aprendi-
contínuo aprendizado. zagem que não é para todos: para o que não tem
Percebo a necessidade de compromisso e dinheiro, para o distraído, para aquele que aprende
rigor com o que nos propomos. Escolher ser edu- cantando, aquele que aprende com o corpo inquie-
cador é para gerar vitalidade, potência e libertação to, em movimento, aquele que aprende falando, que
no convívio entre pessoas, num ambiente que tem aprende jogando. Assim, na maioria das escolas vi-
a intenção de dinamizar movimentos, deslocamen- ve-se uma educação sem sentido diário.
tos e furos na normalidade, para que toda uma co- Acredito em uma educação que imanta nossa
munidade possa aprender em relação. vida de interesse (a vida do próprio educador), curio-
O que nos convoca em nossas escolhas? sidade e entusiasmo em estudar aquilo que nos move.
Em nossos territórios de experiência e em
Um sonho
nossa necessidade de estar junto com os outros,
trocar e dar sentido ao que se vive, ocupar-se de Nunca fui boa nem em humanas nem em
estar presente, nos instiga a viver o projeto de nos- exatas, a minha maior potência sempre foi a de so-
sas aulas como algo que nos toma, que é funda- nhar. Hoje sonho histórias, meus trabalhos de arte
mental para nossas vidas. e as aulas. Preparar, figurar e planejar, lendo, estu-
dando em livros e conversando nos prepara, nos dá
O desdobrar da memória hoje intimidade com a matéria estudada e nos põe em
movimento, faz um caldo para nossas invenções.
O desafio de escrever uma carta para você,
jovem professor(a), é o mesmo de vasculhar minha Na escola, eu “era do mundo da lua” na vi-
trajetória, me ocupar de perceber os momentos de são dos professores. Para mim, eu era concentrada
catalisação e virada no caminho de ser educador. em outras ideias. Ainda bem pequena, já gostava
de fazer poesia e o lugar que mais me mobilizou a
O que mais me intriga na vida de educadora
aprender foi a Biblioteca Municipal de Araraquara.
é perceber que ainda hoje, no século 21, mesmo
com tantos inventos humanos extraordinários, es- Virei educadora por acaso, numa escola na
tudos sobre a natureza, o céu, as profundezas do área rural de Campinas, um espaço onde experi-
mar, ainda existe no mundo – e na escola – pouca mentávamos maneiras alternativas de inventar o
disponibilidade para as singularidades. lugar de aprender.

92 93
Aos 17 anos iniciei minha trajetória de edu- Recentemente, fiz um trabalho chamado Ba-
cadora, como professora de treze crianças de 3 nho de Canto – uma instalação de ferro com ins-
anos. Brincar com eles, estar com as crianças, es- trumentos pendurados, onde uma pessoa senta-se
cutá-los, cuidar deles foi o grande aprendizado. numa cadeira de balanço no centro e as outras
Busquei, então, me ocupar das relações de cantam e tocam, rodando em círculo em volta dela.
aprendizagem com invenção, me ocupar de obser- Os banhos de canto são para todas as idades,
var, perceber reverberando em mim a matéria viva e as crianças gostam muito. Anunciei várias vezes na
de meu trabalho, movimento pulsante de relações, internet para as pessoas participarem, e muita gente
os conceitos prementes de nossas investigações – conhecida e desconhecida – apareceu, instalando
cotidianas, as urgências necessárias de nossa um novo ritual cada vez que a obra era ativada.
vida, o que nos alimenta, fenômenos, acontecimen- É o imponderável e ainda estou investigan-
tos cheios de indagações: como nascem os cabe- do como isso se dá. Há dias em que as pessoas
los? De onde eles vêm? Por que o céu é azul? entram em sintonia e há mais energia; em outros,
Acredito que o grande desafio do educador acontece uma coisa mais desencontrada, ruidosa,
é lidar com as tensões da contemporaneidade – dar que causa estranhamento.
lugar ao que se apresenta como indagação nos pro- Assim também se dá a vida na sala de aula,
cessos cotidianos e criar contextos de aprendizagem, nos preparamos para ela, inventamos, mas o impon-
pensando sobre o espaço, a materialidade e o tempo derável sempre está por vir. E, dessa maneira, se ma-
como vozes do educador em seus focos de trabalho, terializa o sonho em movimento, em transformação.
como dispositivos de pesquisa, ignição da cognição.
Sinto a necessidade de inventar todos os
dias, as aulas, os encontros, as reuniões, como se
preparasse uma celebração e, para isso, penso que
é necessário ficar imersa no universo de investi- STELA BARBIERI
gação, povoada pela percepção, a imaginação, os Artista, educadora, contadora de histórias,
autora e consultora nas áreas de educação e
afetos. O processo – a decisão de mergulhar em um
artes. Dirige o Binah Espaço de Artes, um lugar
assunto que gere aprendizagens singulares para
vivo, com experiências transdisciplinares,
as crianças, as etapas do caminho até ela aconte- festivais, grupos de estudos e ateliês. Foi
cer – é algo que nos prepara, acende em nós pos- curadora educacional da Bienal de Artes
sibilidades para pensar os territórios escolhidos de São Paulo (2009-14) e diretora da Ação
como foco de pesquisa. Educativa do Instituto Tomie Ohtake (2002-14).
94 95
A Educação pode ajudar a nos
tornarmos melhores, talvez mais felizes,
e a assumirmos a dimensão prática
e a dimensão poética de nossas vidas.
Edgar Morin

Neste instante, estamos imaginando o livro


em suas mãos, você que escolheu o trabalho pri-
mordial de educar e educar-se.
Desejamos que esta conversa possa ser
uma dessas que não têm começo nem fim, porque
a sua matéria é a vida a ser criada e recriada, cada
dia, dentro e fora das salas de aula.
Temos procurado viver a educação como
formação humana. Encontro humano.
Um trabalho de existência inteira, com duas
faces inseparáveis, como a etimologia ensina: de
um lado, conduzir a criança, o adolescente, o jovem
De Katia Tavares e Severino Antônio para sua convivência na sociedade, na história, na
cultura, de que vão ser ao mesmo tempo criaturas
Lei do destino: que todos se aprendam. e criadores; de outro lado, conduzir de dentro para
Hölderlin fora, extrair, desenvolver potencialidades humanas
latentes em cada sujeito humano. Nas duas faces, a
A criança necessita de movimento, de ar, de luz certa. escuta e o diálogo são primordiais.
Mas ainda algo mais. Um olhar no espaço, Para esse nosso encontro, compusemos uma
o sentimento de liberdade – uma janela aberta. tessitura de vozes e narrativas, que nos chamam
Janusz Korczak para pensar, para sentir, para viver. Essas vozes e
narrativas são acompanhadas de indagações que
Criança de 5 anos à professora Lea: nos são muito significativas.
“Já sei o que é cor-de-rosa. A menina Maria chegava da escola, ia para o
É vermelho devagarinho.” quintal brincar de faz-de-conta: dava aula para
Tarcísio Bregalda os passarinhos. Assim, imitava criativamente suas

97
professoras e professores, os seus modos de en- Ao final do 9º ano, um aluno deixou um bilhete
sinar e aprender. para sua professora:
Quantas crianças irão imitar você, sua voz, Salete, adorei o livro que você me empres-
seus gestos, seu olhar, como você conversará com tou. Encontrei nele mais do que conhecimento,
elas, que valores representará para elas? encontrei a mim. (...) Quero lhe agradecer não só
Um ex-aluno encontrou o professor José Geraldo e por indicar um ótimo livro, mas porque me mos-
relembrou as histórias que eram contadas nas au- trou que sou capaz de muitas coisas. Espero que
las — trinta anos atrás. Lembrava-se de todas, dos um dia você possa ler um livro redigido por mim.
detalhes mais singulares e significativos. Se algum dia me acontecer tal felicidade, coloca-
rei o nome da minha mestra no livro.
Na última aula do 7º ano, os alunos fizeram uma Lucas Rana
mirada retrospectiva. Um deles escreveu:
Para mim, nesses dois anos em que estou É possível despertar o desejo de uma leitura
tendo aula de Relações Humanas e Ética, as coi- amorosa,como experiência de liberdade e criação,como
sas mais importantes foram as histórias que ouvi- forma de conhecimento – de si, de outros, do mundo.
mos. Elas me proporcionaram fortes emoções de Que leituras você vai fazer com suas alunas
felicidade, suspense, tristeza, entre outras. Ajuda- e alunos ? De que modo vai cultivar o gosto de sen-
vam-me a relaxar e diminuir o grande peso das tir, de pensar, de imaginar? Você tem contado histó-
matérias escolares. (...) Aprendi a esperar minha rias? Você tem lido histórias para os alunos?
vez na hora de falar e a exercitar minha inspira- No último semestre do curso de Pedagogia,
ção escrevendo pequenos poemas chamados hai- a aluna-professora nos entregou um cartão:
cais e, graças a isso, comecei a ter o hábito de A meu mestre
escrever. Escrevo pequenas histórias e digo nelas Ter um mestre é voltar a ser criança, é aprender
os meus sonhos, quereres e desejos. a aprender, é voltar a contemplar o infinito. Só as-
João Pedro Galvão Bargo sim eu compreendo o incompreendido.
Obrigada,
Somos feitos de histórias, elas nos formam. Marissol
O que você vai contar para seus alunos e
alunas? O que contará sobre você, sua trajetória Que textos você vai receber, que palavras
de vida, suas escolhas e seus sonhos? Quais são as amigas? Que existências vai inspirar? Você já es-
histórias mais queridas, que permanecem em sua creveu para um educador que admira? O que es-
memória, em seu corpo, em suas palavras? creveria agora, depois de tantos anos, para um
98 99
professor ou professora de sua infância? Ou ainda, A escrita: seu início – o olho d’água.
quais palavras escolheria e como estariam com- Sua travessia – rios a serem navegados.
postas em seu texto para que nelas estivesse a sua
voz, sua autoria? Acreditamos na importância da Quando olhamos um rio, suas águas correndo tran-
palavra, na força da palavra viva, da palavra poéti- quilas entre as margens, quase nunca pensamos que ele
ca, que faz criar e recriar sentido. nasceu de um olho d’água e que este guarda no subsolo o
Hoje vivemos tempos difíceis, em que muitas “invisível” caminho que a água percorre até ele. O início da
vezes as palavras se perdem em um emaranhado escrita parece também percorrer este caminho “invisível” por
de frases sem sentido, frases feitas, slogans. Além meio dos desenhos e traços, na maioria das vezes indecifrá-
disso, vemos nas redes sociais, de maneira geral, veis para aqueles que há tempos já sabem ler e escrever.
uma perda de sentido da palavra, da escuta e de Estamos convidando todos os pais dos primeiros
diálogos genuínos e fecundos. anos para conversarmos sobre o período de transição en-
Nestes dias de pouca autoria, rara escuta tre o 1° e o 2° ano. É um tempo muito importante no desen-
e frágeis diálogos, torna-se muito mais necessário volvimento infantil, no que se refere, principalmente, ao de-
preservar e cultivar a nossa palavra própria, en- senvolvimento intelectual/afetivo. Assim, acreditamos ser
quanto educadores(as): que seja expressiva, que necessário iniciar um processo de diálogo mais específico,
faça sentido, que seja terapêutica no acolhimento para conhecermos melhor as expectativas, as dúvidas e as
do outro, e que possa ser significativa para alunos, ansiedades naturais deste período. Com isso, esperamos
famílias e nós mesmos(as). esclarecer, compartilhar nossos conhecimentos e também
Sabemos que há a palavra bem dita e a pala- acalmar os pais, se necessário, quanto ao momento de tran-
vra mal dita. Nós, educadores(as), precisamos bem sição que as crianças vivenciarão no próximo ano.
dizer, precisamos redescobrir a energia da palavra, Um terno abraço, Katia
precisamos redescobrir a nossa palavra, aquela
que nos faz autores da nossa voz, assim como pre- Uma das cartas que escrevemos aos alunos:
cisamos redescobrir a voz do outro.
No convite para uma reunião de pais de uma esco- Voo do aprender
la, proposta como encontro de escuta e de diálogo,
intitulado “A transição do 1° para o 2° ano – O nas- Aprender
cimento e o desenvolvimento da escrita da criança”, estar atento a cada voo
abordamos assim, começando com uma epígrafe: olhar a dança no espaço
Escrevendo, descubro sempre um das linhas invisíveis
novo pedaço do infinito. que vão mapeando a nossa memória
Guimarães Rosa
100 101
numa geografia outra destino – de todos nós – de educar e educar-se, com
elaborando uma história reverência pela vida e alegria de conviver.
que vai além das ciências exatas
atravessa todas as sombras Minha vida, nossas vidas
e chega, no mais comum dos dias, formam um só diamante.
ao humano e feliz sentimento Aprendi novas palavras
da autoria de pensamento. e tornei outras mais belas.
Aprender
deixar-se levar pelas cores Eu preparo uma canção
do arco íris de ideias que faça acordar os homens
que brotam e adormecer as crianças.
do desejo de conhecer,
do esforço, quase mágico,
para descobrir, para desvendar o
novo.
A cada voo
uma outra luz nasce.
KATIA TAVARES
Em cada cor
Mestra em Educação pela PUC-Campinas,
uma margem guarda, pedagoga, psicopedagoga, professora. Foi
secretamente, docente de pós–graduação, graduação e
nova luminosidade. cursos livres em diversas instituições. Autora
Katia de A poética da infância, Uma pedagogia
poética para as crianças e O quase, todos em
Como será a sua escuta,como será o seu diálogo? parceria com Severino.
Que textos vai enviar para aqueles que fa-
rão parte da sua travessia de educar e educar-se? SEVERINO ANTÔNIO
Que mensagem você escreveria no pórtico da sua Doutor em Educação. Conselheiro do Instituto
sala de aula? Alana e do Instituto Rubem Alves. Alguns dos
Nossa conversa continua, mas o texto tem de seus livros: Constelações – uma escuta poética
acabar. Em seu início, trouxe quatro epígrafes. Agora, da infância, Nascentes, Infâncias, entre outros.
em seu término, traz palavras de Carlos Drummond Junto com Katia Tavares, aprofunda a escuta
de Andrade, que também traduzem e interpretam o poética da infância.

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Prezados(as) jovens educadores(as),
Tudo pode parecer fora de moda, mas escrever
uma carta em dias de tantos avanços tecnológicos é,
sem dúvida, um retorno necessário aos tempos de es-
peranças vivas, não necessariamente românticas.
Eu sou o professor Francisco Cruz do Nasci-
mento, Taata Kabondu Magonleji. Em 2019 comple-
to trinta e sete anos de serviço público na Bahia.
Escrever uma carta para jovens educado-
res(as) do Brasil é retornar à minha própria mo-
tivação no início da carreira, é lembrar que vocês
terão uma tarefa difícil a enfrentar, porque a reno-
vação das vontades políticas e o zelo na constru-
ção de uma educação eficaz para humanidades, no
projeto permanente da diversidade, é tarefa difícil
que precisa ser produzida coletivamente.
Aqui, o meu papel é de externar o pensa-
mento provocador de que desejos só se tornam re-
alidade se eles são revisados dia após dia. Tenham
fé e muita dedicação naquilo em que acreditam.
Um mundo melhor para atender e respeitar todas
as diferenças pode ser construído a partir de práti-
cas que não se paralisam nos túmulos dos discur-
sos da individualidade.
Uma das experiências mais marcantes da
minha vida profissional aconteceu no Colégio Es-
tadual Paulo César da Nova Almeida, localizado no
município de Ibirapitanga – BA, porque envolveu
De Francisco Cruz do Nascimento a interdisciplinaridade de professores das áreas
105
de Linguagens, Humanas e Ciências da Natureza Portanto, ser um jovem educador respon-
através dos componentes Arte, Filosofia, Geografia sável é se comprometer com a educação antirra-
e Biologia no projeto Diálogos da Diversidade. cista, com a equidade, planejar e aplicar projetos
educacionais que contribuam para a construção
Diálogos da Diversidade é um projeto escri-
de justiça social, que acolham os diferentes, que se
to e aplicado por muitas mãos. Ele nasceu da neces-
alinhem com a educação transgressora, visando à
sidade de inserir o tema diversidade no currículo
emancipação de pessoas oprimidas.
escolar, contextualizando a vida das pessoas que
fazem a escola, discutindo as questões de gênero, Precisamos reverter o extermínio sociocultu-
a violência contra a mulher e contra a comunida- ral, isso é possível implantando uma educação que
de LGBTQI. Era um momento de efervescência no siga na contramão do fracasso, uma educação que
município de Ibirapitanga, no Baixo sul da Bahia, encontre no protagonismo da juventude ecos con-
duas mulheres tinham sido mortas e a escola não tra o sexismo, o machismo, capaz de pensar pessoas
podia silenciar; resolvemos debater o feminicídio e diferentes convivendo de forma respeitosa e ética.
realizar manifestações em praça pública, nas ruas
O meu desejo é que vocês, jovens educado-
e nas escolas da Rede Estadual e Municipal. En-
res(as) do Brasil, não desistam de lutar, não se en-
gajamos professores, estudantes e familiares, mon-
treguem diante das adversidades, não deixem que
tamos espetáculos de teatro e nos posicionamos
outras pessoas definam os seus limites, lembrem-
politicamente. No mesmo ano, sentimos os efeitos
se que as trincheiras da resistência são construí-
dessas ações: os estudantes e seus familiares tive-
das sobre os terrenos da consciência orgânica de
ram maior participação nos projetos escolares, a
gente que acredita em gente.
evasão escolar teve redução de mais de 30%, hou-
ve elevação da aprendizagem e autoestima dos es-
tudantes, constatou-se o protagonismo da juventu-
de pela liderança de Crislane Santos, estudante do FRANCISCO CRUZ DO NASCIMENTO
segundo ano vespertino que promovia encontros Arte-educador da rede pública estadual da
comunitários aos sábados, das 18 às 21 horas no Bahia, mestre em ensino e relações étnico-raciais,
Assentamento Paulo Jackson. Eu era o responsável embaixador da diversidade do Baixo Sul da Bahia,
pelas oficinas artísticas de Teatro e Produção Tex- membro do Nzo Caxuté, conselheiro educacional
tual, foram 16 encontros dialógicos que serviram do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e
Desigualdades (CEERT) e do Teatro Escola Jorge
para ampliar o alcance da escola além muros.
Amado. Recebeu, entre outros, o Prêmio Educar
para Igualdade Racial e de Gênero do CEERT.
106 107
Jovem educador(a) — colega de coração,
Certa vez perguntaram a Tales de Mileto,
considerado um dos sete sábios da Grécia Clássi-
ca, que coisa é mais fácil de fazer. Ele disse: “Dar
conselho a outros”. E o que seria mais difícil, conti-
nuou indagando seu interlocutor. “Viver os conse-
lhos dados a outros”, respondeu Tales.
É temerário ignorar a experiência de um
sábio; entretanto, arrisco partilhar nestas linhas al-
gumas palavra-conceito que podem ser úteis para
navegar nas águas inquietas e inquietantes que se
oferecem cotidianamente a cada um de nós. Águas
que carregam legiões de ofertas e demandas, de
informações e sensações que competem entre si
para serem atendidas e consumidas com a pro-
messa de satisfação imediata.
Apenas com duas mãos – e não temos ou-
tras – sentimo-nos malabaristas amadores tentan-
do manter suspensa no ar a maior quantidade de
bolas. Algumas caem mas, esforçados que somos,
sempre queremos incluir mais uma.
A voracidade por experimentar tudo; ter opi-
nião sobre tudo; assistir a todos os lançamentos de
filmes, livros, jogos; instalar todos os aplicativos no-
vos que o mercado sugere; curtir todas as baladas,
festas e viradas para as quais somos convidados (e
não convidados); conhecer todos os roteiros exóticos
e de aventuras que as companhias de turismo anun-
ciam... Nos tempos que vivemos o slogan é sempre o
De Lia Diskin mesmo. Não importa qual produto esteja sendo ofe-
recido: “O céu é o limite”. Inquestionável; habitamos
109
um universo infinito. Mas nós somos finitos. Portanto, suas aulas, escritos e palestras mundo afora, con-
talvez seja razoável lembrar de um outro sábio que clamando cidadãos e autoridades governamentais
disse: “Nada é o bastante para quem considera pou- a enxergar as consequências irreversíveis do con-
co o que é suficiente”. Ele foi Confúcio, que não co- sumo irresponsável. “Vivemos em um planeta que é
nheceu Tales, e sua voz ainda ecoa na China. único. O maior problema que temos é a ignorância.
E não apenas nós somos finitos, sabemos que Temos muita gente que não sabe nada das mudan-
os recursos naturais deste planeta também são fini- ças climáticas. Este fenômeno é geralmente apre-
tos. E aqui vai a primeira palavra-conceito que dese- sentado com dados complicados. Muitos chefes de
jo partilhar com vocês, Jovens Educadores(as). Tra- Estado não se convencem de que devem intervir”
ta-se de mottainai, termo de origem japonesa que (Trecho de uma entrevista coletiva concedida por
conheci lendo Wangari Maathai, Prêmio Nobel da ela na Itália, após receber o Prêmio Nobel da Paz).
Paz, nascida no Quênia, onde criou um dos primei- Wangari Maathai faleceu em 25 de setem-
ros movimentos ecológicos bem-sucedidos do mun- bro de 2011, mas nos passou o bastão do mottainai,
do, chamado Cinturão Verde. De criança, assistiu a convidando-nos a não tirar a dignidade das coisas
destruição da biodiversidade em seu país, quando ao encurtar sua vida útil, criando desperdício e
as lavouras comerciais derrubaram florestas intei- lixo, empobrecendo o futuro de milhões de criatu-
ras e, com elas, as fontes de água indispensáveis ras que terão por pátria esta Terra, única e singular
para a subsistência da agricultura comunitária. na sua diversidade de vida.
Doutora em Ciências Biológicas, participou Outra palavra-conceito que gostaria de par-
como palestrante no encontro mundial de ambien- tilhar é satyagraha, expressão cunhada por Gandhi
talistas reunidos no Japão para redigir o Protoco- durante sua estada na África do Sul, onde lutou con-
lo de Kyoto, que assentou as bases do desenvolvi- tra a opressão sobre os indianos por parte dos bran-
mento sustentável. Ao finalizar sua apresentação, cos que para lá haviam migrado no final do século
aproximou-se dela um jornalista japonês e lhe dis- 19. O sucesso da estratégia o encorajou e, após seu
se: “Nós temos em nossa língua ancestral um termo retorno à Índia natal, aplicou-a em grande escala
que resume o que a senhora acaba de expor, é mot- para combater a ocupação britânica no seu país.
tainai, que podemos traduzir por ‘não desperdício; Satya significa “verdade” e agraha “firmeza”
evitar descartar as coisas antes de aproveitar o seu ou “força”, sendo assim, satyagraha pode ser tradu-
potencial intrínseco’.” A Dra. Maathai agradeceu zida por “força ou “firmeza da verdade”; para Gan-
o presente da palavra e se comprometeu a fazer dhi é a defesa da verdade sem infligir sofrimento
dela o mantra do século XXI. O que de fato fez nas ao adversário, sem recorrer à violência — seja fí-
110 111
sica ou moral. O método revolucionário fica claro Seja qual for a causa em que estivermos enga-
no texto que foi enviado pelo Congresso Nacional jados — combate ao racismo, à xenofobia; em defesa
Indiano para o Raj britânico: do desarmamento; direitos de animais; contra os agro-
“Sustentamos ser um crime contra o homem e tóxicos — talvez estas duas palavras-conceito possam
contra Deus submeter-nos por mais tempo a um domí- ser bússolas a orientar nossa ação pedagógica, par-
nio que tem causado tanto sofrimento ao nosso país. tindo do princípio de que todo conhecimento substan-
Contudo, reconhecemos que a maneira mais eficaz de tivo tem o poder de transformar comportamentos.
conquistar nossa liberdade não é mediante a violência. Parcerias, comunidades aprendentes, ges-
Portanto, nos prepararemos, na medida em que puder- tão participativa, liderança compartilhada, são ex-
mos, através da recusa de toda ligação voluntária com o pressões recentes em nosso vocabulário — não têm
governo britânico, e nos prepararemos para a desobedi- mais de 15 ou 20 anos. Intelectualmente, sabemos
ência civil, incluindo o não pagamento de impostos.” o que significam, mas no dia a dia desafiam nossos
A base do satyagraha é não cooperar com o padrões de comportamento há muito adquiridos. É
que é ignominioso, com o que provoca humilhação, como estar com um pé no passado e outro no futuro,
desumanidade e avilta os princípios fundamentais o que provoca instabilidade, insegurança e desalen-
da existência humana. E não cooperar significa de- to. Talvez até inadequação. Esses sentimentos são
sobedecer, isto é, recusar-se a ser cúmplice do que próprios de toda aprendizagem, e teremos de con-
causa dano, exclusão, coerção, intimidação. viver com eles, apesar do desconforto que possam
provocar, porque o potencial de saúde interior, justi-
“Sem a não violência”, afirma Gandhi –“não
ça social e convivência fecunda que essa mudança
é possível procurar e encontrar a verdade. A não
carrega justifica amplamente todo o nosso esforço.
violência e a verdade encontram-se tão estrita-
mente entrelaçadas que é impossível distinguir e
separar uma da outra. Contudo, a não violência é o
meio, e a verdade é o fim”. LIA DISKIN
Gandhi foi quem deu a mais significativa con- Cofundadora da Associação Palas Athena e
criadora de dezenas de programas culturais e
tribuição pessoal à história do método não violento
socioeducativos. Articulista e editora, é também
de provocar transformações políticas profundas. E no
autora de:Cultura de Paz – Redes de Convivência,
horizonte que ele abriu tivemos novas contribuições, Vamos Ubuntar – um convite para cultivar a
notadamente Martin Luther King e Nelson Mandela, paz, entre outros. Integra o Conselho Gestor
que souberam inovar e explorar formas não violentas do Sarvodaya International Trust, dedicado à
de ação em favor de populações oprimidas. difusão dos valores gandhianos no mundo.
112 113
Jovem educadora, jovem educador,
Sou de uma comunidade quilombola na ci-
dade de Candiba, na Bahia. Há quase 3 anos criei
ali um grupo de dança composto por crianças e
adolescentes!
Tudo começou antes, com o convite feito
pelo Centro de Referência de Assistência Social
(CRAS) da minha cidade para que eu montasse
uma coreografia com algumas crianças. De início
pensei em recusar, por achar que não daria conta.
Nem eu mesma acreditei que soubesse o suficiente
ou entendesse de dança.
Porém aceitei o convite.
Foi muita correria, mas conseguimos fazer a
apresentação. E percebi uma resposta positiva das
crianças, da plateia, das famílias e do público em
geral... Então comecei a analisar a possibilidade de
criar um grupo de dança. Como eu poderia ajudar
minha gente por meio da dança?
Analisando minha comunidade, percebi que
nas bordas dela havia grandes índices de crimina-
lidade e as drogas estavam bem próximas. E nos-
sas crianças e adolescentes em situação bastante
vulnerável.
Chamei algumas famílias para compartilhar
minha ideia, e as crianças que se interessaram em
participar acabaram aderindo ao grupo. No início
foi muito difícil, várias delas tinham um histórico
conturbado.
De Carlúcia Alves Ferreira

115
Um dos meninos toda hora fugia de casa, não entrou mais em contato, eu corria atrás, e a pessoa
queria saber de nada, vivia perdendo o ano na es- fingia não saber de nada. As crianças ficaram sem
cola. Hoje ele é um dos exemplares no grupo! Todo dançar, algumas até choraram. Entrei em desespe-
mundo gosta dele e ele cuida muito das crianças. ro. Algumas crianças do grupo me disseram: Este é
Tem a história de uma garota que ficava em o primeiro não de muitos que ainda vamos receber.
casa o tempo inteiro, sedentária, e hoje se expres- Ali eu me senti como aluna, senti que eles estavam
sa, pratica exercícios. ensinando muito para mim. Sempre estou apren-
dendo com eles.
Cada criança do grupo tem uma história, e
fico muito feliz em ver que a vida delas e das famí- A vocês, jovens educadores e educadoras,
lias mudou depois que o grupo nasceu. desejo que já agora se coloquem no lugar dos seus
professores e professoras e se perguntem: O que
Uma das minhas professoras do Ensino Mé-
um(a) professor(a) sente?
dio me inspirou muito no projeto. Admiro bastante
essa professora pela sua garra. É a Claudinha, que,
apesar de todas as barreiras, de todas as discrimi-
nações, acreditou em mim e fez com que eu acredi-
tasse mais ainda no meu projeto.
Com o grupo de dança, eu me vi professora,
pude parar um pouco e refletir. Aprendi a me colo-
car no lugar das professoras. Aprendi a lidar com
jovens, com crianças, aprendi a ouvi-los, a ver que
eles precisam de espaço. Sempre me emociono
com os relatos de cada uma das crianças e jovens!
Como educadora, descobri o que uma professora CARLÚCIA ALVES FERREIRA
Cursa enfermagem na Universidade do Estado
sente. Então, quando eu voltava para a escola como
da Bahia. Está com 19 anos e afirma que morar
aluna, conseguia perceber melhor o que minhas
em um quilombo é um dos motivos da sua
professoras experimentavam. força. Fundou o Grupo de Dança Quilombo dos
Logo no princípio, convidaram a gente para Anjos, que contribuiu muito para sua formação
participar de um evento importante. As crianças fi- e foi finalista no Desafio Criativos da Escola.
caram muito animadas! Ensaiamos muito! A pessoa Estudou no Colégio Estadual Antônio Batista,
que nos convidou parou de falar com a gente, não onde conheceu a professora Claudia Oliveira,
que tanto a inspira.
116 117
Queridos e queridas jovens educadoras(es),
Inicio essa carta transbordando de alegria
por saber que a educação ainda apaixona muitas
pessoas a ponto de alimentar o sonho de se torna-
rem professoras(es).
Volto no tempo e procuro pelo desejo que
havia em mim ainda criança. Cresci num bairro
operário, com forte presença da cultura negra, num
tempo em que professoras humilhavam e batiam
nas crianças e que o racismo ora velado, ora explí-
cito nos marcava pelo resto da vida. Sempre estu-
dei em escolas públicas e tive poucos colegas de
sala negros. Quando criança e adolescente, minha
estratégia para não sofrer humilhações, xingamen-
tos e discriminações era o silêncio. Calada eu me
tornava invisível para colegas e professoras. Invi-
sível eu não me expunha, acreditando que assim
não sofreria. Mal sabia que o racismo já tinha me
deixado invisível. Todos os dias pensava “quero ser
professora para tratar bem as alunas e os alunos”.
Na minha caminhada, me tornei militante do
movimento negro. Com meus e minhas malungas
fui desvelando um Brasil profundamente desigual
e estruturalmente racista. Escolhi fazer o curso de
História. Ao contrário de meus colegas de faculda-
de que queriam ser bacharéis, eu sempre quis fazer
licenciatura porque queria dar aulas, alimentava o
sonho de realizar pequenas revoluções no espaço
da sala de aula. Quando fui fazer o estágio obri-
De Patrícia Santana gatório, escolhi o período noturno em uma escola
num bairro periférico de Belo Horizonte. Fui ques-
119
tionada novamente pelos colegas, que insistiam cipação e respeito à diversidade. Nossos estudan-
que não precisava fazer estágio “de verdade”, ou tes estão nos forçando a agir e a pensar em outras
que poderia escolher um lugar “melhor”. Eu queria, formas de educar, uma escola que não desperdice
desde o início, ser professora de escola pública; eu potencialidades. Eles e elas estão buscando mo-
queria estar onde os meus e as minhas estavam. dos diferentes de encantamento, dando autoria aos
Foi uma experiência marcante. seus processos, aprendendo a divergir, a transgre-
Oriunda de uma família negra, eu mulher ne- dir, a expressar sua identidade.
gra, mãe, professora, militante, continuo seguindo o Precisamos estar atentas(os) a isso, “colar”
legado de minha mãe, meu pai e meus avós, con- nos meninos e meninas, indo ao encontro da radi-
fiando que a educação pode mudar nossas vidas. calidade e do respeito incondicional aos nossos e
Não uma mudança de cunho meramente material, às nossas estudantes. Aprender com nossos cole-
mas algo que nos impulsione a sonhar com uma gas que chegaram antes, nos inspirar nos mestres
sociedade mais justa a partir de nossas perspec- e mestras que sonharam e sonham com uma edu-
tivas. Parafraseando professoras indígenas de Mi- cação emancipatória: Paulo Freire, Célestin Freinet,
nas Gerais, que dizem estar “com um pé na aldeia e Azoilda Loretto da Trindade, Petronilha Beatriz Gon-
um pé no mundo”, estou com um pé na comunida- çalves e Silva, bell hooks, e tantos outros e outras
de escolar e um pé no meu país. Esse país que nos anônimas(os), que fazem da profissão uma promes-
últimos tempos vem se deparando com perversida- sa de amor, resistência, compromisso e mudança.
des, retrocessos e atitudes fascistas de toda ordem. Hoje com trinta e dois anos dedicados à
Os projetos da “escola sem partido”, as dis- educação, transitando pela regência, coordenação,
cussões em torno de uma proclamada “ideologia direção de escola, ainda me emociono com a digni-
de gênero”, a disseminação da LGTBfobia, a into- dade da profissão que escolhi. Profissão digna por-
lerância e violência contra as religiões de matriz que carregada de afetos e atravessada pelo com-
africana e indígena têm nos assustado cotidiana- promisso da mudança, do querer fazer a diferença.
mente. Conflitos e enfrentamentos tornam-se roti- Uma profissão plena de humanidade.
na, principalmente naquelas escolas que aceitam Nunca foi uma tarefa fácil alimentar o sonho
o compromisso ético de trabalhar contra todas as da transformação e fazer do chão da escola um es-
formas de discriminação. paço de vida, de pensamento crítico, desnaturali-
A escola é palco e cenário do que está na so- zação das opressões, produção de conhecimentos,
ciedade. Está tudo dentro da sociedade, está tudo cumplicidade com as pessoas ali. Como muitos já
dentro da escola. Retrocesso e moralismo, eman- disseram, o tornar-se professora é um exercício di-
120 121
ário, um aprendizado que dura uma vida inteira. E
hoje somos desafiadas a continuar fazendo da edu-
cação nossa esperança nos dizeres de bell hooks
“devemos aprender uns com os outros, comparti-
lhando ideias e estratégias pedagógicas”.

PATRÍCIA SANTANA
Nasceu em Belo Horizonte, em Minas Gerais,
e é professora e escritora. Graduada em
História, mestra e doutora em educação pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Possui longa trajetória como docente da
educação básica. Pesquisadora das relações
raciais e educação, educação quilombola e
infância quilombola. É militante do movimento
de mulheres negras. Recebeu o Prêmio Educar
para a Igualdade Racial e de Gênero do CEERT.
122 123
Caro(a) colega educador(a),
Sou Lúcia Cristina Cortez de Barros Santos,
nasci nos anos 60, interior do Rio Grande do Norte,
na cidade de São José de Mipibu, filha de Geral-
do Cortez, motorista de caminhão de uma usina de
cana de açúcar, e de Lindalva Bezerra Cavalcan-
te, costureira. Infelizmente só convivi com meu pai
até os dois anos de idade, pois eles se divorciaram.
A partir daí experimentei o drama escolar de uma
criança sem pai nas festas comemorativas. Um
trauma nunca superado.
Tive oportunidade e privilégio de iniciar
meus estudos numa escola pública, a Escola Esta-
dual Barão de Mipibu. Aprendi a ler e a escrever,
diferente da maioria de meus vizinhos e amigos,
que trabalhavam desde pequenos para ajudar nas
despesas da casa. Eu convivia e brincava com tra-
balhadores do campo, cortadores de cana de açú-
car, quase todos analfabetos e boias-frias.
Lembro que, nesse período, estava no primá-
rio. Com muita dificuldade, minha mãe trabalhava e
sustentava a casa sozinha. O dinheiro só dava para
a comida. Não tinha material escolar e usava pa-
pel de embrulho para escrever. Naquela época, não
havia doação de materiais pelo governo. Trago na
memória a cena de uma professora, dona Marlu-
ce, que me presenteou com um caderno de arame.
Foi o dia mais feliz da minha vida. Que emocionan-
te essa demonstração de carinho numa época em
De Lúcia Santos que era permitido bater nos(as) alunos(as).
Esse cenário de opressão e escuridão me
125
entristecia. Não aceitava que meus amigos conti- para pessoas humanas, adultas, e com muita vonta-
nuassem cegos para as letras, sendo pobre e apai- de de aprender a escrever seu nome. Comecei com
xonada pelos livros. Fui apresentada à literatura meu vizinho Beto, depois vieram outros e mais ou-
por um primo mais velho que morava na capital, tros procurando minha sala de aula improvisada e
João Maria Valença. Ele sempre me incentivava a precária na cozinha, sem material escolar. Escreví-
ler, me emprestava livros e depois discutíamos os amos no papel de embrulho das mercearias. Recor-
textos. Sou eternamente grata a ele por tanta gene- távamos, furávamos e prendíamos com barbante.
rosidade, pois me abriu novos horizontes na vida Usava criatividade para ensinar. O mais importante
pessoal e profissional. é que fomos construindo juntos o processo de en-
Não poderia me conformar e cruzar os bra- sino e aprendizagem. E fomos aprendendo melhor
ços diante da triste realidade de analfabetismo em e com autonomia, entre crianças.
minha cidade. Tomei uma decisão: iria ensiná-los a Em 1984, ainda estudante do ensino médio,
ler e a escrever de graça na minha casa. Eu não era apenas 18 anos, fui convidada para ser professora
professora formada, cursava apenas o antigo pri- auxiliar numa sala de educação infantil da escola
mário, mas sabia ler e escrever. Para mim era tudo em que estudava. Minha mãe argumentou que eu
de que precisava para iniciar seu processo de al- devia continuar a cuidar da casa, dos afazeres do-
fabetização. Portanto poderia ensinar aos meus co- mésticos, mas me tornar professora, com carteira de
legas mais velhos o que havia aprendido. Eles, que trabalho e salário, era a realização do meu sonho.
não sabiam assinar o próprio nome. Assim vivi a Aos 23 anos de idade, ingressei no curso de
prática de Paulo Freire, mesmo sem ter ouvido falar licenciatura em letras/língua portuguesa na cida-
nele: ninguém educa ninguém; ninguém se educa de do Recife-PE, pois não consegui ser aprovada
sozinho; aprendemos todos e todas em comunhão. no vestibular em Natal-RN. Uma grande alegria e
Assim começou minha brincadeira favori- motivo de orgulho para mim e toda a família, pois
ta de criança: dar aula. Não tinha bonecas por ser era a única dentre cinco irmãos a entrar na facul-
muito pobre; então brincava com garrafas de bebi- dade, principalmente vindo do interior.
da. Eu fazia de conta que eram minhas bonecas/ Iniciei a faculdade e trabalhava como alfa-
alunos(as) e ficava horas ensinando sozinha no betizadora numa escola da região metropolitana do
quintal de casa. Não tinha lousa, nem giz. Escrevia Recife. Tomava três ônibus para chegar ao trabalho,
com pedras no piso ou varetas no chão batido. numa maratona que começava às 5 da manhã. Ape-
A partir dali, comecei a ter alunos reais, saí sar das dificuldades, nunca pensei em desistir.
do mundo da imaginação, das bonecas de vidro Ao sair da universidade, eu era uma profes-
126 127
sora conteudista e com disciplina rígida. Perdi a Seria um longo caminho para eu aprender
sensibilidade e afetividade do início do magistério. a aprender. Exercitar a escuta. Propiciar o diálogo.
Ensinava literatura no ensino médio noturno e só Momento de aprender a fazer algo diferente, com
repassava conhecimentos, preocupada com notas. sentido coletivo. Comecei a lutar por uma mudança
Batia recordes em reprovação. Não procurava co- na minha postura como educadora.
nhecer meus alunos, saber de onde vinham, o que Após vários estudos e pesquisas, descobri
queriam. Não exercia a prática da escuta ou empa- experiências inovadoras em São Paulo. Fui para lá
tia. Eram salas lotadas com mais de sessenta alu- em férias para conhecê-las. Falei dessa nova em-
nos que vinham direto do trabalho, cansados, com preitada para meus(minhas) companheiros(as)
sono e fome. Eu os massacrava, obrigando-os a ler de trabalho. Surgiram vários candidatos para me
os grandes clássicos da literatura. Dava aula até o acompanhar: 22 pessoas de três escolas munici-
último minuto, todos os dias. Tinha que cumprir o pais, Waldir Garcia, Hermann Gmeiner e Maria das
currículo na íntegra, sem me preocupar se apren- Graças, além de duas assessoras da secretaria de
deram ou não. Era uma tortura física e mental para educação. Nós bancamos nossas despesas pesso-
os trabalhadores do Distrito Industrial. ais com passagem aérea e hospedagem. O Coletivo
Hoje sinto vergonha dessa prática bancária Escola e Família do Amazonas (CEFA) promoveu
e opressora que exerci no magistério, perdi a opor- uma vaquinha na internet e custeou nossos deslo-
tunidade de fazer grandes amigos e de estimulá-los camentos na capital paulista. Também foi respon-
a gostar da leitura; de criar vínculos, apresentar os sável por articular contatos e visitas aos espaços
grandes escritores da literatura amazonense e bra- de ensino que queríamos conhecer. Conhecemos a
sileira. Poderia ter formado bons leitores, mas sei Campos Sales, Amorim Lima, Âncora, Viver, Gabriel
que promovi o sentimento inverso. Deixei marcas Prestes, Nelson Mandela e, no Rio de Janeiro, visita-
negativas em meus alunos, cicatrizes que ficarão mos a Escola do Sesc em Jacarepaguá.
na vida deles. Essa viagem foi um divisor de águas; agora
Após refletir sobre minha má postura e prática era certo que queríamos mudar nossa prática edu-
como profissional da educação, de analisar os resul- cativa. Todas as escolas que conhecemos nos inspi-
tados pífios alcançados no final do ano, como evasão raram muito. Voltamos renovadas para Manaus, de-
escolar e altos índices de reprovação, reconheci que terminadas a transformar nossa realidade escolar.
tinha que mudar minha conduta profissional. Não Começamos a conhecer e viver a Educação Integral.
dava mais para manter a mesma prática pedagógica A escola adotou uma nova proposta apoiada pela so-
adquirida no passado e reproduzida no presente. ciedade civil, pelo CEFA e Secretaria de Educação.
128 129
A partir daí, extinguimos as filas, a hora cívi- das as suas dimensões: intelectual, física, emocio-
ca, o toque da campainha estridente foi substituí- nal, social e cultural.
do por música, trocamos o mobiliário, substituímos Não podemos desistir dos sonhos por qua-
as carteiras por mesas redondas. Incentivamos a lificação e valorização profissional dos trabalha-
autonomia e a cidadania, não só dos alunos, mas dores de educação. Precisamos viver e amar a
de todos os funcionários, famílias e comunidade. educação plenamente todos os dias da nossa vida.
Garantimos o que assegura o artigo 205 da Cons- Tenhamos orgulho de ser educadores!
tituição: “A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao ple-
no desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação”.
Temos clareza do nosso foco, a escola é um
espaço privilegiado na formação cidadã das pesso-
as. As crianças precisam interagir com o que está à
sua volta. Somos mediadoras nesta interação.
Iniciei minha carta contando a minha tra-
jetória de professora e gestora para mostrar que
é possível que a escola seja um espaço de trans-
formação de vidas. Temos que ocupar os prédios
escolares e abrir espaços para ouvir as vozes de
todo mundo na escola. Temos que acreditar que o
caminho para mudanças na educação é através da
gestão democrática e participativa.
Mesmo em processo de aposentadoria, me
LÚCIA SANTOS
recuso a vestir o pijama e desistir de lutar por au-
Cursou Letras/Língua Portuguesa, com pós-
tonomia administrativa, financeira e pedagógica. A graduação em Gestão Escolar pela Universidade
escola faz parte da minha vida, preciso dela para Federal do Amazonas. Atualmente dirige uma
viver. Acredito que tenho muito a ensinar e apren- escola de educação integral,a Escola Municipal
der. Quero continuar lutando por uma educação de Professor Waldir Garcia, em Manaus (AM). É
qualidade e integral, que respeite o sujeito em to- colunista da revista Nova Escola.
130 131
Olá, tudo bem?
Há quanto tempo eu não escrevo uma carta?
Puxa, nem sei. Tempo demais. Para um desconheci-
do então... Aí é quase tempo de uma vida. Talvez
a sua vida, não sei. Quantos anos será que você
tem? Isso é estranho: escrever para alguém sobre
quem eu não sei nada. De qualquer forma, a gen-
te nunca sabe muito sobre aqueles que acabamos
de conhecer... A gente não sabe nada, na verdade.
Mesmo quando conhecemos pessoalmente, o que,
claro, não é o nosso caso. Bom, mas se fosse, o que
eu saberia de você em poucos minutos de conver-
sa? Você poderia estar sorrindo, mas triste triste
por dentro. Ou poderia me dizer aquelas formali-
dades de quem começa uma conversa quando, na
verdade, sua cabeça estaria looooonge dali. Quem
nunca, né? Nesse sentido, escrever uma carta para
alguém que eu não conheço é até melhor. Você lê
quando estiver a fim, não precisa disfarçar nada,
e se achar chato pode parar e pular pra próxima...
Quem sabe, dada a distância entre nós, essa carta
faça mais por mim e por você. Quem sabe, desar-
mados que estamos, a gente consiga acessar o que
realmente importa.

Tenho pensado muito naquilo que realmen-


te importa. Naquilo que é essencial para cada um
de nós. E você, sabe o que é essencial pra você?
Pelo que me contaram, te imagino jovem, e alguém
De Carol Pasquali que quer ser educador(a). Confere? Se sim, essas
duas informações já me dão coragem pra arriscar
133
mais... Porque elas me contam um pouco do que
realmente importa na sua vida. Acho que os outros Sempre fiquei triste quando via as estatís-
importam, não é? Um educador, essencialmente, se ticas que mostram que ser professor é uma das
importa muito com os outros. Alguns se esquecem carreiras menos desejadas pelos estudantes ao se
disso pelo caminho, mas como você é jovem tenho formar. Achava tão simbólico, e tão vazio. Mas aí me
certeza que ainda não esqueceu. Não se esqueça. lembrei que eu mesma, apesar de ser filha e neta
Alimente-se de pequenos momentos diários de “va- de professoras, não quis ser uma. Foram necessá-
le-a-pena-eu-me-importar-com-os-outros”. Algumas rios mais de dez anos de carreira como jornalista
ideias: converse com alguém, aleatoriamente na rua. pra eu voltar a pensar em educação. E aí, em vez de
Mas comece a conversa sorrindo, porque conversa ficar triste, eu fiquei curiosa: por que será que aos
que começa sorrindo costuma alimentar esses sen- 17 anos isso nem me passou pela cabeça? Me en-
timentos bons. Elogie alguém. Elogie as pessoas por tender melhor é uma das coisas que eu considero
suas posturas, por suas ações, pela coerência na essenciais hoje em dia, então fiquei buscando essa
vida, por serem leves, enfim, varie os elogios. Aliás, resposta dentro de mim. E eu acho que encontrei...
preste atenção em quantos elogios você ouve. Se Apesar de amar acompanhar minha mãe até a es-
são muitos, sorte a sua. Saiba que muitos, muitos jo- cola – mais ainda quando eu podia sair da sala dos
vens mesmo, chegam à idade adulta sem nunca ter professores e ficar com os alunos, pois na minha
ouvido uma palavra de incentivo de ninguém. Nin- memória de criança eles eram ruidosos, divertidos
guém acolheu suas ideias, ninguém levou a sério e bagunceiros! – eu conseguia SENTIR o desampa-
seus projetos, seus anseios, suas dúvidas. Ninguém ro. Eu via a minha mãe e seus colegas sozinhos e
os ajudou a construir seus sonhos, a se imaginar cansados, tentando compartilhar com aqueles es-
em lugares grandes e importantes, ou pequenos e tudantes o que eles mesmos não recebiam no seu
essenciais. Ninguém, até hoje. Quem sabe esses jo- exercício profissional: acolhimento, cumplicidade,
vens vão cruzar o seu caminho, não é? Então, eu te apoio. Me lembro da minha mãe, que era professora
diria para manter os olhos e os ouvidos atentos pra de educação física, às vezes não ter material para
compartilhar esse pequeno poder, o de já ter ido trabalhar, e comprar com seu próprio dinheiro. Me
mais longe, com todos aqueles que estão à sua volta. lembro das muitas greves, da truculência com que
Uma das coisas que a gente faz de mais importante eram tratados nessas ocasiões pelas “autoridades”.
na vida é espalhar poderes. É uma corrente podero- Me lembro, em especial, quando durante uma greve,
sa essa, de gente que acredita em si e nos outros e o então governador autorizou que policiais a cava-
que espalha por aí esse poder. lo fossem para cima dos professores. E me lembro
134 135
da minha mãe inconformada, profundamente tris- Que bom escrever esta carta pra você. E que
te, repetindo: “mas eles estavam em cavalos, super bom seria ter você pensando comigo. Quer me es-
perigoso, indo em cima de professores... professo- crever uma carta?
res...” Me lembro também dos muitos desafios im- Um abraço,
postos pelos alunos e da falta de apoio para lidar
Carol
com eles. Alunos que desapareciam, que paravam
de frequentar a escola, outros que vinham de fa-
mílias desestruturadas, às vezes vítimas de violên-
cia... Eram muitos os problemas e quase nenhuma
estrutura. Eu não quis. Naquela época, ao me for-
mar no ensino médio, não me passou pela cabeça
escolher trabalhar com educação. Pouco mais de
dez anos depois, no entanto, isso mudou. A vida me
fez enxergar a potência nessa relação constante
entre o ensinar e o aprender. E eu, também, quis a
oportunidade de contribuir.
Meu caminho para a educação foi outro – e,
desde então, vivo me perguntando como a gente
faz pra criar um ambiente acolhedor, seguro, de
apoio e de conexão, que permita a aprendizagem
verdadeira e significativa. No caminho que escolhi
traçar, ouvi muitas vezes, muitas mais do que gos-
taria, jovens de 15, 16 ou 17 anos dizendo que, por CAROL PASQUALI
meio do nosso projeto, pela primeira vez, tinham se Jornalista, Carolina atuou por mais de uma
sentido capazes e valorizados. Que encontravam década em redações no Brasil, na Espanha e
ali um novo ânimo para seguir, acreditando que, nos EUA. Quando sua primeira filha nasceu,
talvez, pudessem ser aquilo que já não vislumbra- mergulhou em uma revisão de seus objetivos e
vam mais possível... Como deixamos isso aconte- deixou as redações para desenolver o projeto
cer? Que sociedade é essa que tira dos adolescen- Design for Change no Brasil, hoje denominado
tes o direito de sonhar? Criativos da Escola. Essa jornada a aproximou
do Instituto Alana, em São Paulo, onde atua

como diretora executiva.
136 137
Carta para um(a) jovem educador(a)
Se me pedes uma sugestão sobre a tua ini-
ciação na atividade profissional de educador(a),
começo pela etimologia de duas palavras que fo-
ram deturpadas na tradição racionalista da escola.
Aprender de cor vem do latim, e originalmente sig-
nifica aprender de coração. A palavra latina COR
equivale em português a CORAÇÃO. Fazer algo
DE COR é fazer DE CORAÇÃO, com o coração, com
sentimento e emoção, carinho, ternura e afeto.
Nossa tradição escolar deturpou o sentido
original da palavra e criou um outro termo com sen-
tido ainda mais pejorativo – DECOREBA. Decorar
passou a significar memorizar as informações para
um teste, uma prova. Algo que as pessoas fazem
de forma mecânica, racional, sem cor, sem cheiro,
sem sentimento. Os resultados foram graves. Com o
domínio absoluto do racional, as emoções, os sen-
timentos, a arte, o belo, o carinho ficaram fora de
nossas escolas.
DE + COR + AR = decorar é preparar um am-
biente com o coração, arrumá-lo de tal forma que
agrade as pessoas que nesse ambiente se encon-
trem, preparar de tal forma que as pessoas se sin-
tam bem com o coração, com prazer e satisfação.
O objetivo da decoração é a satisfação, o bem-es-
tar de quem vai frequentar um ambiente. Esse é o
sentido original do termo. O que fez nossa tradi-
ção escolar racionalista? Escondeu as dimensões
De Abdalaziz de Moura da subjetividade, da beleza, da alegria, do coração,
do sentimento em nossas escolas. E como essas
139
dimensões fazem falta! Que transformações seriam O desenvolvimento das pessoas e instituições só é
capazes de fazer em nós e nos alunos se estives- possível se alcançamos essas dimensões que não
sem presentes? Que clima recriariam nos nossos aparecem, que estão em potencialidade, que se es-
ambientes escolares? Que atitudes novas provoca- condem aos olhares superficiais.
riam se o coração tivesse vez? Os gregos e latinos O educador que pretende fazer a diferença
perceberam a importância da música, da ginástica, aponta essas dimensões escondidas, essas poten-
da criação de um clima para a aprendizagem. cialidades latentes nas pessoas, coisas e institui-
As religiões fizeram florescer o belo nos seus ções. Nesse sentido, o educador partilha da ca-
templos para agradar aos seus fiéis. A televisão e o pacidade do artista. E nossos educandos(as) têm
cinema tentam criar clima para os seus espetáculos; potencialidades nem sempre expostas a vistas ou
e a escola, o que tenta? Uma das funções dos(as) a olhares desatentos.
educadores(as) é trazer de volta para o processo A escola é tanto mais eficiente quanto é ca-
educativo o que as pessoas perderam ao longo de paz de descobrir potencialidade nos seus educan-
sua vida, ou que estão presentes de maneira fragi- dos(as) e nas circunstâncias em que vivem. Se não
lizada: a autoestima, a autoconfiança, o respeito, o descobre nada, é porque só percebe mesmo o fe-
sentimento do belo, do sentir-se bem consigo. nômeno, o que está superficial, o repasse dos con-
Uma observação sobre as inúmeras experi- teúdos, as informações, as lições da aula. Mas se
ências de pessoas que se reencontraram e recria- descobre a essência, descobre as potencialidades,
ram sua vida depois de uma vivência artística ser- a autoestima, o amor por si mesmo nas pessoas.
ve de prova do quanto a escola teria a ganhar se A arte é a grande ferramenta que abre o co-
levasse em conta a arte na educação. A arte vislum- ração, os sentimentos e as emoções das pessoas,
bra o futuro, anuncia as possibilidades de deter- para aprenderem de cor, para fazerem o que só
minado objeto ou situação. Onde pessoas comuns podem realizar se houver coração, se houver ale-
veem somente pedra, pedaço de pau, lixo, tinta e gria, paixão, criatividade. “A arte transforma restos
cores, sons e palavras, os(as) artistas veem obra de humanos em verdadeiros homens.” Esse é o depoi-
arte, o belo, o agradável aos olhos e ao coração. mento de Nélisson França, artista de Glória do Goi-
Veem o futuro, a possibilidade de ser diferente. tá–PE sobre o que a arte fez com ele depois de ter
Artistas nos ensinam que a realidade e a po- perdido sua autoestima diante dos reveses da vida.
tencialidade das coisas e das pessoas não se esgo- Ele faz isso com a recuperação das coisas que
tam naquilo que é visto, no “fenômeno” ou aparên- encontra no lixo. Onde nós enxergamos só lixo, ele
cia. Existe outra dimensão escondida na “essência”. enxerga potencialidade e transforma em arte. O que
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nós jogamos fora, ele recupera. O(A) educador(a) é
esse(a) artista que enxerga mais profundo, escuta,
abre o coração, abraça, transmite afeto, carinho e
atenção. Enxerga a essência.
Não falamos de arte nas escolas como uma
nova disciplina, e sim como um novo ambiente. O
português, a matemática, a história, a geografia,
como qualquer outra disciplina ou área do conhe-
cimento, precisam ser ensinadas com sentimento,
com emoção, com carinho, com o COR. Nos espa-
ços e lugares pedagógicos, as oportunidades de
ensino-aprendizagem são muito mais amplas.
Você pode se perguntar se isso é possível.
Eu conheço e indico inúmeros(as) educadores(as)
que vivenciaram estas atitudes e se descobriram.
Se você quiser conhecer, têm nome e endereço.
Procure o site do Serta www.serta.org.br e conhe-
ça o Programa Educacional de Apoio ao Desenvol-
vimento Sustentável (Peads). Ou entre em contato
comigo por meio do e-mail moura@serta.org.br.

ABDALAZIZ DE MOURA
Educador popular, um dos fundadores do
Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta),
localizado em Gloria do Goitá, em Pernambuco.
Filósofo, nos últimos anos tem se dedicado à
formação de professores(as) do campo, jovens
do campo e agricultores(as) familiares.
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De Javier Naranjo

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JAVIER NARANJO
Nasceu em Medellín, na Colômbia. Foi
professor e promotor de leitura. Entre seus
livros de poesia estão: Orvalho, Silabario e
Lugar de cuerpo ciego, entre outros. O livro
Casa das Estrelas, que reúne falas de crianças,
está publicado no Brasil. Coordenador de
vários projetos de leitura e escrita na Colômbia
e em outros países, e de algumas versões da
Escola de Poesia no Festival Internacional de
Poesia de Medellín.
150 151
De Marciana Santiago e educandos(as)

153
MARCIANA SANTIAGO DE OLIVEIRA
Graduada em Licenciatura Plena em História pela
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,com
mestrado pela Universidade Federal da Grande
Dourados. Foi professora substituta na UFMS e
coordenadora de oficinas na rede municipal de
Brasilândia, no MS, na qual atua como professora
efetiva em História. O projeto “Dicionário Indígena
Ilustrado: Resgatando a Língua Ofaié e Guarani”,
desenvolvido com seus alunos(as), foi premiado
no Desafio Criativos da Escola.
154 155
Agradecimento imenso a cada pessoa que acei-
tou o convite para participar do livro: Abdalaziz Moura,
Bel Santos Mayer, Carlúcia Alves Ferreira, Carol Pasqua-
li, Chiqui González, Coletivo Quilombelas (Ana Karolina
dos Santos, Cristina Centeno Paim, Helena Soares, Jana-
ína Barbosa da Silva e Vanessa Félix dos Santos), Fran-
cisco Cruz do Nascimento, German Doin, Helena Singer,
Jamira Alves Muniz, Javier Naranjo, Katia Tavares, Lia
Diskin, Lúcia Santos, Marciana Santiago de Oliveira, Ma-
ria Teresa Mantoan, Moroni Felippe, Odalícia Conceição,
Patrícia Santana, Pilar Lacerda, Rachel Martins, Rodrigo
Hübner Mendes, Rosângela Magda Souza, Severino An-
tônio, Stela Barbieri e Tião Rocha.Vocês se compartilha-
ram com tanta generosidade!
Serena Labate, agradeço por você mergulhar
nesse projeto com todo o amor, pela parceria na vida
e pelas incríveis e vibrantes ilustrações. Elidia Novaes,
agradeço pela amizade incansável e revisão cuidadosa.
Instituto Alana, Severino Antônio, Katia Tavares
e Regina Datti, agradeço por apoiarem na impressão dos
400 exemplares desta primeira edição do livro. Todos os
exemplares serão distribuídos gratuitamente, especial-
mente em escolas, bibliotecas e universidades públicas.
Centro de Formação do SESC-SP, por meio do
Gustavo Torrezan e da Ane Rocha, agradeço por acolher
o ritual de lançamento e confiar na nossa iniciativa.
Daniel Teixeira, do Centro de Estudos das Rela-
ções de Trabalho e Desigualdades (CEERT), e Raquel
Franzim, do programa Escolas Transformadoras, agra-
deço por vocês me aproximarem de pessoas tão ins-
piradoras. Carla Antunes e Paulo Cesar, obrigado pela
atenção. Anita Krepp, agradeço pela tradução da carta
do Javier Naranjo. E agradecimento a vocês que vão ler
e ecoar essas cartas no agitado mar do nosso tempo.
Quem inventou este livro
ANDRÉ GRAVATÁ
Organizador do Cartas a jovens educadores/as.
Poeta e educador, coautor do livro Volta ao
mundo em 13 escolas. Com Serena, criou o
jornal das miudezas e outras publicações –
Sorver Versos é o nome que inventaram para
suas criações em dupla.

SERENA LABATE
Ilustradora e responsável pelo projeto gráfico
do Cartas a jovens educadores/as. Artista
visual e educadora, tem aprofundado sua
prática artística com a criação de gravuras.
Desenvolve pesquisas sobre o tema da cor e
também a relação entre corpo, educação e arte.

ELIDIA NOVAES
Revisora do Cartas a jovens educadores/
as. Escritora, tradutora inglês-português e
revisora de textos nos dois idiomas. Bacharel
e licenciada em Geografia, especialista
em Comunicação e em Terceiro Setor/
Responsabilidade Social.

Se você quiser responder a alguma das cartas,


entre em contato com prosa@sorverversos.com e
encaminharemos para o(a) destinatário(a).

Versão digital do livro disponível em www.sorverversos.com


Abdalaziz de Moura Lúcia Santos
Bel Santos Mayer Marciana Santiago
Carlúcia Alves Ferreira Maria Teresa Mantoan
Carol Pasquali Moroni Felippe
Chiqui González Odalícia Conceição
Coletivo Quilombelas Patrícia Santana
Francisco do Nascimento Pilar Lacerda
German Doin Rachel Martins
Helena Singer Rodrigo Hübner Mendes
Jamira Alvez Muniz Rosângela Magda Souza
Javier Naranjo Severino Antônio
Katia Tavares Stela Barbieri
Lia Diskin Tião Rocha

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