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Estudo do idioma pirahã desafiou teoria

consagrada da linguística
         

Publicado em 11/12/2014 - 10:55 Por Vitor Abdala - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

O idioma pirahã, falado por cerca de 400 indígenas que vivem às margens do Rio Maici, no sul do Amazonas, talvez fosse apenas mais uma das
dezenas de línguas brasileiras ameaçadas pela extinção não fosse pelo estudo de um linguista americano. As pesquisas conduzidas por Daniel Everett,
entre o final da década de 1970 e o início deste século, levaram-no a questionar um conceito consagrado no mundo da linguística: o da gramática
universal, do também norte-americano Noam Chomsky.

Everett chegou aos pirahã como missionário cristão do Instituto de Linguística Summer (SIL). Seu objetivo era decifrar a língua desse povo que, até
então, tinha pouco contato com os homens brancos, para convertê-los ao cristianismo. A convivência com esses indígenas levou Everett a questionar
sua fé, abandonar o trabalho de missionário e virar ateu.

Os resultados da pesquisa de Everett, hoje reitor do Centro de Artes e Ciências da Universidade de Bentley, em Massachusetts (EUA), ganharam o
mundo há cerca de dez anos, quando ele usou a língua pirahã para questionar os preceitos da gramática universal, de que as estruturas básicas da
linguagem nascem com o ser humano sem ser aprendidas.

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A teoria de Everett é que a gramática pirahã não contém um conceito básico da gramática universal: a possibilidade de recursividade, ou seja, inserir
frases dentro de outras frases indefinidamente como no exemplo “João disse que Maria disse que Pedro disse que Joana comprou uma casa”.

“Quando você escuta um discurso ou uma história pirahã, você não encontra recursividade em orações individuais. Eles até têm recursividade
cognitiva, mas eles não tem recursividade na sintaxe”, explica.

Na hipótese de Everett, a gramática não é algo biológico, mas uma ferramenta aprendida culturalmente, com base nas necessidades de cada
sociedade. “A linguagem é um processo de resolver o problema da comunicação e cada cultura tem respostas diferentes. Não vejo nenhuma
necessidade de propor uma gramática inata”, diz. A teoria de Everett encontrou várias críticas no ambiente acadêmico, inclusive do próprio Noam
Chomsky.

Mas as singularidades do pirahã não param por aí. No idioma, não há palavras para cores ou números. Os objetos são contados em palavras como
poucos ou muitos. “Os pirahãs não têm números simplesmente pela sua falta de utilidade nas aldeias. Eles não precisam dos números. Pessoas dizem
que números são inatos, mas eles mostram que o ser humano não é tão previsível”, conta Everett.

Os pirahãs também são capazes de formar frases inteiras apenas com assobios, um recurso usado durante as caçadas, para evitar afugentar os animais.
“Os assobios fazem parte da língua pirahã. É como se eles estivessem mudando de canal. Quando eles assobiam, é simplesmente os tons,
alongamento de sílabas e acentuações que você encontraria na fala comum. Não é uma língua diferente, é apenas uma parte especial da língua”,
conta.

Segundo Everett, independentemente da polêmica envolvendo seu questionamento à teoria de Chomsky, aprender a língua pirahã e conviver com
aquele povo foi uma experiência que mudou sua vida. “Eu aprendi muito com os pirahãs, através das palavras deles, a apreciar o mundo em que eu
vivo”, diz.

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