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Estatuto Do Conhecimento Científico

O Senso Comum
O senso comum é um saber que nasce da experiência quotidiana, da vida que os
homens levam em sociedade. Um saber acerca dos elementos da realidade em que
vivemos; um saber sobre os hábitos, os costumes, as práticas, as tradições, as regras
de conduta, enfim, sobre tudo o que necessitamos para podermos orientar-nos no
nosso dia-a-dia.
O senso comum adquire-se quase sem se dar conta, desde a mais tenra infância e,
apesar das suas limitações, é um saber fundamental, sem o qual não nos
conseguiríamos orientar na nossa vida quotidiana; mas, sendo imprescindível, o senso
comum não é suficiente para nos compreendermos a nós próprios e ao mundo em que
vivemos, pois facilmente caímos na ilusão de que as coisas são exatamente aquilo que
parecem, nunca nos chegando a aperceber que existe uma radical diferença entre a
aparência e a realidade. Contudo essas certezas são questionáveis, pois baseiam-se em
aparências; há muitas aparências que se nos impõem com uma força quase irresistível,
por exemplo: aparentemente o Sol move-se no céu (não é verdade que esta foi uma
convicção aceite, durante muitos séculos, pela comunidade científica?). Podemos
mesmo aprender a medir o tempo a partir desse movimento aparente. Mas, na
realidade, esse movimento aparente do Sol é gerado pelo movimento de rotação da
terra; mas esta distinção entre aparência e realidade, da qual não nos podemos
libertar por causa da nossa natureza (ou melhor, da constituição dos nossos órgãos
sensoriais e do nosso sistema nervoso), está dependente da diferença que existe entre
o conhecimento sensível e o conhecimento racional.

Características do senso comum


1. Caráter empírico – o senso comum é um saber que deriva diretamente da
experiência quotidiana, não necessitando, por isso de uma elaboração racional
dos dados recolhidos através dessa experiência;
2. Caráter acrítico – não necessitando de uma elaboração racional, o senso
comum não procede a uma crítica dos seus elementos, é um conhecimento
passivo, em que o indivíduo não se interroga sobre os dados da experiência,
nem se preocupa com a possibilidade de existirem erros no seu conhecimento
da realidade;
3. Caráter assistemático – o senso comum não é estruturado racionalmente, tanto
ao nível da sua aquisição, como ao nível da sua construção, não existe um
plano ou um projeto racional que lhe dê coerência;
4. Caráter ametódico – o senso comum não tem método, ou seja, é um saber que
não segue nenhum conjunto de regras formais. Os indivíduos adquirem-no sem
esforço e sem estudo;
O senso comum é um saber que nasce da sedimentação casual da experiência captada
ao nível da experiência quotidiana (por isso diz-se que o senso comum é sincrético).
5. Caráter aparente ou ilusório – Como não há a preocupação de procurar erros, o
senso comum é um conhecimento que se contenta com as aparências,
formando por isso, uma representação ilusória, deturpada e falsa, da realidade;
6. Caráter coletivo – O senso comum é um saber partilhado pelos membros de
uma comunidade, permitindo que os indivíduos possam cooperar nas tarefas
essenciais à vida social;
7. Caráter subjetivo – O senso comum é subjetivo, porque não é objetivo: cada
indivíduo vê o mundo à sua maneira, formando as suas opiniões, sem a
preocupação de as testar ou de as fundamentar num exame isento e crítico da
realidade;
8. Caráter superficial – O senso comum não aprofunda o seu conhecimento da
realidade, fica-se pela superfície, não procurando descobrir as causas dos
acontecimentos, ou seja, a sua razão de ser que, por sua vez, permitiria explicá-
los racionalmente;
9. Caráter particular – o senso comum não é um saber universal, uma vez que se
fica pela aquisição de informações muito incompletas sobre a realidade (por
isso também se diz que ele é fragmentário), não podendo, assim, fazer
generalizações fundamentadas.
10. Caráter prático e utilitário – O senso comum nasce da prática quotidiana e está
totalmente orientado para o desempenho das tarefas da vida quotidiana, por
isso as informações que o compõem são o mais simples e diretas possível.

O Senso Comum:

 É um saber informal, que se adquire de uma forma natural (espontâneo),


através do nosso contacto com os outros, com as situações e com os objetos
que nos rodeiam;
 É um saber muito simples e superficial, que não exige grandes esforços, ao
contrário dos saberes formais (tais como as ciências) que requerem um longo
processo de aprendizagem escolar;

Senso Comum Ligado ao processo de socialização

Saber imediato
Atitude Científica
As opiniões quotidianas:
1. O sol é menor que a terra;
2. Ou o sol move-se entorno da terra;
3. As cores existem em si mesmas;
4. A família é uma realidade natural;
5. A raça é uma realidade natural ou biológica produzida pelas diferenças dos
climas, da alimentação, da geografia e da reprodução sexual;
6. Certezas como essas formam as nossas vidas cotidianas e o senso comum de
nossa sociedade, transmitido de geração em geração, tornam-se doutrinas
inquestionáveis;
7. Na realidade: a astronomia demonstrou que o sol é maior que a terra;
8. A ótica, demonstrou que as cores são ondas luminosas, obtidas pela refração e
reflexão ou decomposição da luz branca;
9. A biologia demonstrou que os gêneros e as espécies de animais se formaram
lentamente;
10. Historiadores e antropólogos demonstraram que família (pai, mãe, filhos;
esposa, marido, irmãos) é uma instituição social recentíssima XV, própria da
sociedade europeia Ocidental. Não existiu nem na antiguidade, nem na
sociedade africana, asiáticas e pré-colombianas;
11. Foi mostrado por sociólogos e antropólogos que a ideia de raça também é
recente – séc.XVIII. Sendo usada por pensadores que procuravam uma
explicação para as diferenças físicas e culturais entre os europeus e os outros
povos que estavam sendo encontrados pelos europeus;
12. Tudo isso para dizer que há uma grande diferença entre as certezas quotidianas
e o conhecimento científico.

Características da Ciência
 O que distingue a atitude científica da atitude costumeira ou do senso comum?
Antes de qualquer coisa, a ciência desconfia da veracidade de nossas certezas, de
nossa adesão imediata às coisas, da ausência de crítica e da falta de curiosidade; onde
vemos coisas, fatos e acontecimentos, a atitude científica vê problemas e obstáculos,
aparências que precisam ser explicadas e, em certos casos, afastadas; sob quase todos
os aspetos, podemos dizer que o conhecimento científico opõe-se ponto por ponto às
características do senso comum.
O senso comum é objetivo, isto é, procura as estruturas universais e necessárias das
coisas investigadas; é quantitativo, isto é, busca medidas, padrões, critérios de
comparação e avaliação para coisas que parecem ser diferentes. Por exemplo, as
diferenças de cor são explicadas por diferenças de um mesmo padrão ou critério de
medida, o comprimento das ondas luminosas; as diferenças de intensidade dos sons,
pelo comprimento das ondas sonoras; as diferenças de tamanho, pelas diferenças de
perspetiva e de ângulos de visão, etc.; é homogéneo, isto é, busca as leis gerais de
funcionamento dos fenómenos, que são as mesmas para factos que nos parecem
diferentes. Por exemplo, a lei universal da gravitação demonstra que a queda de uma
pedra e a flutuação de uma pluma obedecem à mesma lei de atração e repulsão no
interior do campo gravitacional; a estrela da manhã e a estrela da tarde são o mesmo
planeta, Vênus, visto em posições diferentes com relação ao Sol, em decorrência do
movimento da Terra; sonhar com água e com uma escada é ter o mesmo tipo de
sonho, qual seja, a realização dos desejos sexuais reprimidos, etc.; é generalizador,
pois reúne individualidades, percebidas como diferentes, sob as mesmas leis, os
mesmos padrões ou critérios de medida, mostrando que possuem a mesma estrutura.
Por exemplo, a química mostra que a enorme variedade de corpos se reduz a um
número limitado de corpos simples que se combinam de maneiras variadas, de modo
que o número de elementos é infinitamente menor do que a variedade empírica dos
compostos; são diferenciadores, pois não reúnem nem generalizam por semelhanças
aparentes, mas distinguem os que parecem iguais, desde que obedeçam a estruturas
diferentes. Só estabelecem relações causais depois de investigar a natureza ou
estrutura do facto estudado e suas relações com outros semelhantes ou diferentes.
Por exemplo, um corpo não cai porque é pesado, mas o peso de um corpo depende do
campo gravitacional onde se encontra. Surpreende-se com a regularidade, a
constância, a frequência, a repetição e a diferença das coisas e procura mostrar que o
maravilhoso, o extraordinário ou o “milagroso” é um caso particular do que é regular,
normal, frequente. Um eclipse, um terremoto, um furacão, embora excecionais,
obedecem às leis da física. Procura, assim, apresentar explicações racionais, claras,
simples e verdadeiras para os fatos, opondo-se ao espetacular, ao mágico e ao
fantástico. Distingue-se da magia. A magia admite uma participação ou simpatia
secreta entre coisas diferentes, que agem umas sobre as outras por meio de
qualidades ocultas e considera o psiquismo humano uma força capaz de ligar-se a
psiquismos superiores (planetários, astrais, angélicos, demoníacos) para provocar
efeitos inesperados nas coisas e nas pessoas.
A atitude científica, ao contrário, opera um desencantamento ou desenfeitiçamento
do mundo, mostrando que nele não agem forças secretas, mas causas e relações
racionais que podem ser conhecidas e que tais conhecimentos podem ser transmitidos
a todos; afirma que, pelo conhecimento, o homem pode libertar-se do medo e das
superstições, deixando de projetá-los no mundo e nos outros; procura renovar-se e
modificar-se continuamente, evitando a transformação das teorias em doutrinas, e
destas em preconceitos sociais. O facto científico resulta de um trabalho paciente e
lento de investigação e de pesquisa racional, aberto a mudanças, não sendo nem um
mistério incompreensível nem uma doutrina geral sobre o mundo. Os factos ou
objetos científicos não são dados empíricos espontâneos de nossa experiência
cotidiana, mas são construídos pelo trabalho da investigação científica. Esta é um
conjunto de atividades intelectuais, experimentais e técnicas, realizadas com base em
métodos que permitem e garantem: separar os elementos subjetivos e objetivos de
um fenómeno. Construir o fenómeno como um objeto do conhecimento, controlável,
verificável, interpretável e capaz de ser retificado e corrigido por novas elaborações;
demonstrar e provar os resultados obtidos durante a investigação, graças ao rigor das
relações definidas entre os factos estudados; a demonstração deve ser feita não só
para verificar a validade dos resultados obtidos, mas também para prever
racionalmente novos factos como efeitos dos já estudados; relacionar com outros
factos um facto isolado, integrando-o numa explicação racional unificada, pois
somente essa integração transforma o fenómeno em objeto científico, isto é, em facto
explicado por uma teoria; formular uma teoria geral sobre o conjunto dos fenómenos
observados e dos factos investigados, isto é, formular um conjunto sistemático de
conceitos que expliquem e interpretem as causas e os efeitos, as relações de
dependência, identidade e diferença entre todos os objetos que constituem o campo
investigado; delimitar ou definir os factos a investigar, separando-os de outros
semelhantes ou diferentes; estabelecer os procedimentos metodológicos para
observação, experimentação e verificação dos factos; construir instrumentos técnicos
e condições de laboratório específicas para a pesquisa; elaborar um conjunto
sistemático de conceitos que formem a teoria geral dos fenómenos estudados, que
controlem e guiem o andamento da pesquisa, além de ampliá-la com novas
investigações, e permitam a previsão de factos novos a partir dos já conhecidos: esses
são os pré-requisitos para a constituição de uma ciência e as exigências da própria
ciência.
A ciência distingue-se do senso comum porque este é uma opinião baseada em
hábitos, preconceitos, tradições cristalizadas, enquanto a primeira baseia-se em
pesquisas, investigações metódicas e sistemáticas e na exigência de que as teorias
sejam internamente coerentes e digam a verdade sobre a realidade. A ciência é
conhecimento que resulta de um trabalho racional.

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