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30/01/2022 17:23 ConJur - Nicholas Marins: PL que cria 'bolsa estupro' é inconstitucional

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OPINIÃO

Projeto de lei que cria 'bolsa estupro' é


claramente inconstitucional
1 de abril de 2021, 10h34 Imprimir Enviar

Por Nicholas Matheus Nascimento Marins

 Ouvir: Nich 0:00

Durante a penúltima semana do mês de março, diversos movimentos


(notadamente feministas) manifestaram enorme indignação em relação ao
projeto de Lei Nº 5435, de 2020, de autoria do senador Eduardo Girão
(Podemos/CE). Até o momento de elaboração deste conteúdo, o website do
LEIA TAMBÉM
Senado Federal contava com mais de 271 mil votos contrários à proposta, em ESTUPRO DE VULNERÁVEL
detrimento de apenas 22.583 favoráveis. Em Minnesota, estuprar mulher
voluntariamente ébria não é crime
Toda essa movimentação (e aqui
cabem minhas congratulações às OPINIÃO
incansáveis mulheres que, num Marina Veras: STF assumiu postura
momento tão difícil de nossa história, na luta contra feminicídio
ainda têm forças de denunciar tais
escárnios) me fez sentir a necessidade OPINIÃO

de dar àqueles alheios à área Gomes e Costa: Tráfico de pessoas e


jurídica uma descrição minimamente exploração sexual no Brasil
embasada do projeto. Em linhas OPINIÃO
gerais, traduzo: é um minúsculo pedaço de queijo numa clarividente ratoeira Opinião: Machismo estrutural
mortífera. aplicado ao direito das mulheres
Nesse ínterim, a análise realizada revelou ser a "bolsa-estupro", prevista no
artigo 11 do referido projeto de lei, um problema ainda menor do que outras Facebook Twitter
catástrofes que objetivam introduzir no ordenamento jurídico brasileiro. Por
fim, vamos aos motivos. Linkedin RSS

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A mulher será obrigada a gerar eventuais filhos de seu estuprador

O Direito brasileiro, por razões óbvias, estabelece claras distinções entre o


nascituro (embrião ou feto) e a criança (já parida). O nascituro,
resumidamente, possui direitos eventuais (ou expectativas) que apenas se
consolidam quando do seu nascimento com vida. É o caso, por exemplo, do
direito de herdar. Dado à luz, é considerado criança, passa a ter personalidade
jurídica e proteção ainda maior do ordenamento jurídico.

Essa diferença entre a proteção jurídica dada ao nascituro e à criança é vista,


também, no Código Penal. Note-se que a mulher que causa aborto em si
mesma pode ser condenada à pena de detenção de um a três anos (artigo 124
do Código Penal). Por outro lado, aquele que dolosamente assassina uma MANUAL DE DIREITO
ADMINISTRATIVO (9ª edição
criança pode ser condenado à reclusão, de seis a vinte anos, além de ter a pena 2021) - Matheus Carvalho

aumentada em um terço em razão da idade da vítima (artigo 121, §4º, do R$ 139,90


Código Penal). Há, assim, uma escolha legislativa de proteger com maior Comprar

contundência a vida da pessoa física, assim considerada enquanto nascida com Headphone Jbl T510bt
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vida.
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Pois bem, passemos à análise do Projeto de Lei Nº 5435/2020. De antemão, é Comprar

importante destacar que, logo em seu artigo 1º, o texto mistura os conceitos de Fone de Ouvido Sem Fio Philips
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criança e nascituro, a fim de inaugurar o instituto da criança por nascer: Haste Dobrável - Branco

"Artigo 1° — Esta lei dispõe sobre a proteção e direitos da Gestante, pondo a R$ 199
salvo a vida da criança por nascer desde a concepção". Comprar

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Esse aparente erro técnico objetiva, na verdade, dar ao nascituro o mesmo TAUH202BK/00 Preto
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tratamento jurídico concedido à criança. Ocorre que o Direito pátrio, em que R$ 129
pese de fato proteja o feto de forma bastante contundente (a exemplo de o Comprar
aborto ser considerado crime no Brasil), sopesa os direitos do nascituro, em
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razão de seu efetivo desenvolvimento gestacional estar condicionado a um TUNE710 BT Preto
processo bastante íntimo e peculiar que prescinde a participação de uma R$ 343,20
mulher, à qual não pode ser negada a dignidade. Comprar

Portanto, a lei em vigor permite o aborto quando a gestação é resultante de


estupro, a fim de não obrigar a gestante a prosseguir num tipo de gravidez que,
em regra, seria um martírio psicológico. O Estado não pode impedir de forma
arbitrária a execução do plano de vida de uma mulher com a obrigatoriedade
de realizar uma gestação à qual não deu causa e que, pelo contrário, foi vítima.
Note-se que grande parte das vítimas de abuso sexual são adolescentes, as
quais teriam seu desenvolvimento pessoal interrompido com uma gravidez
forçada e que as impediria de esquecer um momento imensuravelmente
traumático.

Nesse diapasão, temos que, se o conceito de criança for estendido ao nascituro,


a ressalva legal já mencionada (possibilidade de abortar em caso de gravidez
decorrente de estupro) será tacitamente revogada. Essa intenção se torna ainda
mais evidente quando observado o conteúdo do §3° do artigo 4º do Projeto de
Lei Nº 5435/2020: "Artigo 4º — O SUS promoverá políticas de apoio e
acompanhamento da gestante vítima de violência para auxílio quanto à
salvaguarda da vida e saúde da Gestante e da criança por nascer".

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Ora, mas é óbvio que o SUS deve proteger a vida da gestante vítima de abuso
sexual. Tendo isso em vista fica claro que, no dispositivo, apenas se utiliza a
gestante como disfarce para as reais intenções do legislador. A finalidade é
garantir que a gravidez decorrente do estupro não seja interrompida. Essa
proposta de alteração, de acordo com o parecer do Comitê Latino-americano e
do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), viola os direitos
fundamentais femininos: "Desse modo, meninas e mulheres em gestação
passam a ser consideradas apenas um meio para o desenvolvimento do feto,
violando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana".

Nessa perspectiva, estamos diante de uma clara situação em que o legislador se


depara com dois bens jurídicos excludentes. Nesse caso, se opta por proteger
demasiadamente o feto, viola direitos das mulheres. Aqui, parece que o
deputado Eduardo Girão, ao invés de escolher a ponderação, conforme já faz a
legislação vigente, preferiu ignorar completamente a condição de pessoa
humana da gestante vítima de abuso sexual, para desumanizá-la e rebaixà-la à
mera espécie de chocadeira.

O estuprador terá os mesmos direitos de um pai legítimo

Essa é, talvez, a parte mais estapafúrdia do projeto aqui discutido. Isso porque,
se aprovado o Projeto de Lei Nº 5435/2020, um hipotético homem que obrigar,
de forma violenta (estupro), uma mulher a com ele gerar um filho poderá ter
com ela vínculo longínquo, em razão de o estuprador adquirir a condição de
genitor da criança nascida por decorrência da relação não consensual. O
criminoso seria responsabilizado pelo crime, mas poderia gozar das
prerrogativas cíveis concedidas aos pais como, por exemplo, o direito de
conviver com a criança e exercer o poder familiar ao participar ativamente da
tomada de decisões importantes na vida desta. Nesse sentido, nascida a criança
e, caso a mulher não decidisse oferecê-la para adoção (na forma do artigo 5º da
proposta), ela teria de exercer o poder familiar em conjunto com seu algoz. Por
exemplo, caso a mãe planejasse mudar a criança de escola ou enviá-la ao
exterior, teria de discutir a questão com o estuprador, que poderia impedi-la de
praticar tais atos, no pleno exercício de seu poder familiar.

Nesse sentido, cabe uma leitura minuciosa do artigo 11º do Projeto de Lei Nº
5435/2020:

"Artigo 11º — Na hipótese de a gestante vítima de estupro não dispor de meios
econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde, do desenvolvimento e
da educação da criança, o Estado arcará com os custos respectivos de um
salário-mínimo até a idade de 18 anos da criança, ou até que se efetive o
pagamento da pensão alimentícia por parte do genitor ou outro responsável
financeiro especificado em Lei, ou venha a ser adotada a criança, se assim for
a vontade da gestante, conforme regulamento".

Note-se que, para além da teratológica possibilidade de o Estado pagar uma


compensação pecuniária por ter tolhido da mulher estuprada sua dignidade,
devemos atentar para outros pontos ainda mais graves. É que, logo no início da
redação, fica evidente que o legislador está se referindo à mulher que
engravidou em decorrência de violência sexual. No entanto, em seguida, faz a
ressalva de que o Estado não mais pagará a pensão mencionada quando o fizer

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o "genitor". Ora, mas no caso de ser a gestante vítima de estupro, o


pseudogenitor só pode ser o próprio estuprador. Nesse diapasão, temos que tal
alteração, ao tratar o estuprador como genitor, revogaria tacitamente as normas
do Código Civil e do Código Penal que estabelecem a impossibilidade de o
estuprador exercer o poder familiar.

Dessa maneira, o Projeto de Lei Nº 5435/2020, em que pese se proponha a ser


um Estatuto da Gestante, não inova em quaisquer direitos em benefício desta.
Pelo contrário, cria garantias em favor dos indivíduos que tenham cometido
crimes de violência sexual. Por essa razão, deveria se chamar Estatuto do
Estuprador. Ao que parece, faltou coragem para o senador Eduardo Girão
nomear adequadamente sua proposta.

Por sorte, nossa Constituição Federal de 1988 sobrepõe às leis ordinárias


emanadas pelo Congresso Nacional diversos direitos fundamentais básicos. Ou
seja, há uma hierarquia entre as leis. Nesse sentido, perceba que em nobre
parte de nosso texto constitucional, mais especificamente no inciso III do
artigo 1º da Magna Carta, está situado o direito humano à dignidade. Mais
adiante, no artigo 5º, incisos I, III e X do referido diploma legal, há outras
garantias importantíssimas, como a igualdade entre homens e mulheres, a
impossibilidade de se submeter alguém a tratamento degradante e a
inviolabilidade da honra e da intimidade. Assim, a mera condição fisiológica
masculina, que não contempla a hipótese de gestação, já traz como encargo
desproporcional para as mulheres a gravidez forçada. Além disso, é
extremamente evidente que obrigar uma mulher a ter um filho do homem que a
estuprou viola sua intimidade, visto ser a gestação um processo extremamente
particular da mulher. Também é afetada, nessa hipótese, a honra, se
considerado que a imagem feminina sairia extremamente arranhada com o
inevitável conhecimento público de que deu à luz uma criança cujo pai é, no
melhor dos casos, um anônimo. Destarte, é evidente que todas as situações
narradas configurariam situação extremamente degradante para a gestante
vítima de estupro. Por essa razão, é latente a inconstitucionalidade da proposta.

Em suma, o Projeto de Lei Nº 5435/2020 se propõe, em teoria, a trazer


benefícios à mulher gestante. No entanto, conforme a análise apresentada, caso
o projeto fosse incorporado ao Direito brasileiro, diversas poderiam ser as
violações de direitos fundamentais feitas às mulheres. Por tal motivo, o projeto
é claramente inconstitucional e o Congresso Nacional está apto a realizar o
controle de constitucionalidade preventivo, de modo a rechaçar o quanto antes
eventual possibilidade de aprovação dos dispositivos sugeridos no projeto.
Caso não o faça e a proposta se torne lei, o mais provável é que o Supremo
Tribunal Federal a declare inválida, visto que, invariavelmente, seria
provocado a realizar o controle abstrato de constitucionalidade a partir de uma
ação direta de inconstitucionalidade. Por isso, embora não haja — por ora —
motivo para desespero, certamente se fazem cabíveis e necessárias todas as
manifestações de repúdio ao projeto. É que, quando se trata da defesa dos
direitos de grupos minoritários, não basta vencer as batalhas travadas no
campo jurídico. É preciso, também, de vitórias no campo cultural, a fim de que
seja possível vislumbrar um fim para a guerra contra a discriminação.

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Nicholas Matheus Nascimento Marins é bacharelando em Direito pela Universidade Federal


Fluminense e membro do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Direito Administrativo
Contemporâneo (GDAC).

Revista Consultor Jurídico, 1 de abril de 2021, 10h34

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COMENTÁRIOS DE LEITORES
1 comentário

PROJETO DE LEI
O ESCUDEIRO JURÍDICO (Cartorário)

1 de abril de 2021, 13h41

As aporias do projeto foram, notavelmente, apresentadas no texto.

Possivelmente, o projeto sofreu influência da bancada evangélica que está no


Congresso, sempre perniciosa e corporativa.

Comentários encerrados em 09/04/2021.

A seção de comentários de cada texto é encerrada 7 dias após a data da sua publicação.

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