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ESPAÇOS FORMATIVOS, MEMÓRIAS E NARRATIVAS

A ESCRITA COMO COMPANHEIRA:


NARRATIVAS DO COTIDIANO ESCOLAR

Liliam Ricarte de Oliveira


Aluna do Mestrado Profissional em Educação Escolar da Faculdade de Educação/Unicamp
Professora de Educação Infantil da Rede Municipal de Campinas - SP
ricarteli@gmail.com

Um ponto de partida

Foi no início do segundo ano do curso de pedagogia da Unicamp, em 1998, que a


escola se apresentou a mim como uma estrada possível de ser trilhada como profissão (e
paixão). Sinto que este foi o ponto de partida, meu início nesta estrada. Ao longo do curso,
outras possibilidades dentro desta mesma estrada me foram professores apresentadas e ela
começou a ser percorrida; alguns caminhos sendo escolhidos entre as opções apresentadas,
outros sendo conhecidos seguindo o fluxo do caminhar. Nesse percorrer, fui professora de
informática numa escola particular em Campinas, fui professora da rede pública de
Itaquaquecetuba, voltei para essa escola particular em Campinas como professora auxiliar.
Todas essas experiências no ensino fundamental.
No ano de 2004, a estrada me propõe um caminho novo até então nunca pensado como
opção: a educação infantil. Era um caminho diferente, não mais bonito ou mais feio, mas tudo
ao redor causava um grande estranhamento, eram paisagens nunca vistas antes. O bom era
que eu não estava sozinha, haviam outras pessoas com quem eu podia conversar, dividir o
estranhamento e pensar nas melhores caminhos a se seguir nesta estrada. Toda a equipe
escolar (coordenadora pedagógica, demais professoras) era como uma espécie de oficina
mecânica que dava suporte para que o veículo continuasse seu caminho. Na bagagem, entre
todas as vivencias anteriores, entrou uma muito importante e que futuramente se tornou
fundamental: Celestin Freinet (que era a opção pedagógica dessa escola e, por consequência
disto, passou a ser a minha naquele momento).

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Assim, entre encontros e desencontros, essa paisagem antes tão estranha passou a
mostrar-se mais familiar. Mas como entender e dialogar com essa paisagem que nem sempre
se apresenta de maneira tão clara e explícita? Fui aprendendo que percorrer esta estrada exige
olhos e ouvidos atentos o tempo todo, buscando o menor dos detalhes, ouvindo o que ela diz e
não diz, procurando o que ela mostra e não mostra.
E o que fazer a partir disso? Minha equipe de apoio era fundamental nesses momentos
quando não conseguia enxergar o que fazer a partir do que a paisagem – ou, as crianças em
nosso cotidiano – me apresentava. Mostravam-me que não existe somente um caminho, há
diversos caminhos a serem seguidos. Me mostraram inúmeras possibilidades, muitas vezes
dizendo diretamente a mim sobre esses caminhos, como também indiretamente,
compartilhando comigo a maneira como o caminho foi percorrido por elas. E também me foi
sendo cada vez mais fundamental, cada vez mais referência e cada vez mais opção, nos
momentos em que me encontrava perdida no caminho, o acesso à bagagem que trazia
próxima: a pedagogia Freinet.

Caminhando e contando do caminho...

No meio desse fervilhar de novidades e aprendizagens, maravilhamentos e


desventuras, senti necessidade de me comunicar com outras pessoas que também estão nessas
estradas pelo mundo, não necessariamente na mesma que a minha, mas em outras, sobre as
paisagens que vivenciava em meu caminho. Assim nasceu um blog que trazia algumas
questões vividas nesse trajeto. Queria que todo esse maravilhamento que observava enquanto
percorria meu caminho se fizesse ouvir em outros lugares também. Pensava que se essa
riqueza de ações aconteciam no meu caminhar, também poderia acontecer em outros e essa
troca seria muito interessante. Esse formato – blog – foi pensado por se tratar de um
instrumento de fácil acesso, aberto, que permite comentários e troca.
Descobri que existiam, sim, outras pessoas também percorrendo suas estradas. Logo,
algumas pessoas começaram a comentar, também compartilhar suas trilhas. Fomos criando
uma micro-rede de viajantes, compartilhando o que enxergavam (ou não) em suas paisagens,

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caminhos que percorreram e deram certo, estradinhas que tentaram e deram num beco sem
saída...
A escrita no blog continuou em 2005 e 2006. Com um pouco menos da frequência e
da intensidade inicial. Também foram aos poucos diminuindo seus interlocutores e, terminado
o ano de 2006, vi que não retomei a escrita em 2007. Continuei seguindo na estrada, então o
que poderia ter acontecido? Acredito que fui encontrando outras maneiras de compartilhar
essas vivências, uma aproximação e um entrosamento maior com a equipe de apoio,
favorecidos pelo tempo juntos na estrada. Também, conforme o tempo na estrada ia passando,
nem sempre o que se mostrava nas paisagens me causavam estranhamento, e embora sempre
trouxessem novidades, também trazia algumas recorrências. Eu já trazia na minha bagagem
pessoal um leque de ideias, de atividades bem sucedidas, já conseguia visualizar alguns
caminhos que poderia percorrer diante de algumas intervenções que a paisagem me
apresentava. Acredito que isso tenha colaborado para que a escrita no blog fosse diminuindo
gradativamente, até parar. Criando uma lacuna do início de 2007 até julho de 2011.
E aquela estrada que vinha se mostrando tranquila, conhecida, bem asfaltada, bem
sinalizada me apresentou uma bifurcação e eu tive que optar entre se manter nela ou virar à
esquerda. Parei, respirei, liguei as setas e fui.

Momentos de caminhar solitário

Assim, em 2011, iniciei uma nova etapa em minha trajetória, como professora da
Educação Infantil da Rede Municipal de Campinas. Logo percebi que esta estrada era muito
diferente e que havia perdido algo fundamental: minha equipe de apoio, aquela que ajudava a
trocar os pneus quando furavam, que ajudava a consertar o limpador de parabrisas nos
momentos de tempestade, que ajudava a compreender as incoerências da paisagem… Foi
necessário diminuir a velocidade para seguir neste caminho. Carregava minha bagagem
pessoal, todas as paisagens e caminhos das estradas anteriores; também fiz questão de
continuar carregando aquela bagagem fundamental, que agora saia da mala e sentava ao meu
lado como co-piloto: a pedagogia Freinet.

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Mas a sensação de seguir sozinha na estrada ainda era grande. E foi tentando buscar
alguma equipe de apoio, que voltei ao exercício de escrita no blog. Uma escrita que buscava,
além do desejo de compartilhar todo o meu encantamento com as paisagens, interlocutores,
outros olhares, ouvidos. Uma necessidade de conversar sobre os estranhamentos vistos na
paisagem, as dificuldades do caminho; de formar parcerias, de formar uma nova equipe de
apoio. A escrita se tornava, para mim, uma oportunidade de refletir e reelaborar muito do que
acontecia, ao mesmo tempo em que, por ser aberta, trazia a possibilidade de outros olhares
sobre cada acontecimento.
A busca por esse outro olhar também se faz percebida na alteração do nome do blog,
neste mesmo período. Ao mudar plataforma/repositório em busca de maiores recursos
tecnológicos, também alterei o nome do blog para um convite: - Me ajuda a olhar! a partir da
poesia de Eduardo Galeano.

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovakloff, levou-o para que
descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das
dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas
alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus
olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou
mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo,
gaguejando, pediu ao pai: - Pai, me ensina a olhar! (GALEANO, 2002)

Esse exercício de escrita proposto por mim no blog também me mantinha mais
próxima da Pedagogia Freinet e da ideia de Movimento proposta por ele. Na ausência de
parcerias próximas, me reafirmando uma “professora Freinet”, me mantinha próxima deste
grupo de professores que praticam esta pedagogia. E essa proximidade era uma necessidade, a
necessidade de não se sentir só. Como bem ressalta Munhoz, em sua dissertação de mestrado,
o próprio Freinet, ao iniciar sua experiência docente, procurou divulgá-la e compartilhá-la
com demais professores, registrando suas práticas e publicando artigos em revistas e livros.
Desse compartilhar, surgiram interessados em conhecê-la, novos “praticantes”, trocas de
ideias. Desde o início, a Pedagogia Freinet é elaborada e reelaborada cooperativamente. A
ideia de compartilhar as descobertas e as reações que suscitam está na origem do surgimento
do movimento (MUNHOZ, 2010)

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Assim, continuei seguindo por essa estrada e registrando os “fragmentos do meu dia-a-
dia”, como pequenas narrativas que traziam acontecimentos que me
encantavam/surpreendiam/desestruturavam. Esta escrita me ajudava a analisar situações, a
refletir sobre trabalhos, a planejar e replanejar novos caminhos. Fragmentos mesmo, alguns
curtos, outros um pouco maiores; alguns como uma “fotografia escrita”, que me traziam
aspectos do que observava da paisagem, das intervenções propostas e de como ela é
modificada a partir disso... A escrita foi se tornando companheira desse caminhar. Registro do
trilhado, memória do vivido, mas também um diálogo comigo mesma e com o que era
vivenciado nesse percorrido do caminho.
Nessa nova estrada, mais solitária, as crianças passaram a assumir também um outro
papel, mais ativo no planejamento dos caminhos a serem seguidos. Como se se sentassem no
banco traseiro, suas percepções sobre a organização das trilhas, do material das viagens, dos
caminhos seguidos, suas sugestões de atalhos, de outros caminhos, influenciavam diretamente
os próximos caminhos a serem tomados.

Caminhando de braços dados com Freinet...

Ao assumir esta nova estrada, tendo como parceiro e co-piloto a Pedagogia Freinet,
alguns princípios foram assumidos mais seriamente no caminhar cotidiano. Se as crianças
passaram a assumir um papel de maior destaque, era preciso organizar nosso caminhar de
modo que elas pudessem efetivamente ser ouvidas. Deste modo, destaco com um foco
importante do caminhar cotidiano um dos momentos privilegiados na rotina em que isso
acontece: a roda de conversa.
Freinet, como professor, a partir da sua relação direta com seu trabalho, reflete e
propõe uma nova organização escolar em que a criança é o centro de todo o processo
pedagógico, enfatizando a importância da livre expressão e da palavra que é ouvida e levada
em consideração na organização do trabalho pedagógico. Nas palavras de Joffily,

[...] na classe Freinet, a criança tem a palavra, não para que seja preservada
em sua espontaneidade, mas porque ela é cidadã. Não há cidadania sem o
direito à palavra, através da qual se expressa e se interroga o mundo e a

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sociedade em que se vive. Através da qual se exprimem desejos e
sentimentos. Através da qual se forma o elo que liga as pessoas no complexo
que é a sociedade. Através da qual se exprimem as leis que queremos que
organizem a sociedade. Através da qual transformamos essas leis (JOFFILY,
2012, p. 4).

Ouvir efetivamente o que tem as crianças têm a nos dizer, repensar e replanejar o
cotidiano a partir desse ouvido é possível porque a pedagogia Freinet é uma pedagogia
construída na prática, ou seja, teoria e prática se retroalimentam constantemente num processo
dialético (OLIVEIRA, 1995). Ao partir de princípios que norteiam as práticas e trabalhos
cotidianos com as crianças, a pedagogia Freinet é dinâmica, uma vez que a organização da
sala e o uso dos instrumentos são diretamente afetados e modificados pelas condições físicas e
a histórias de vida daqueles que ali estão. Por isso, as classes Freinet são muito semelhantes e
ao mesmo tempo muito diferentes entre si, pois são profundamente marcadas pelo grupo –
professor e crianças – que a compõe. Isso significa que cada roda de conversa acaba se
organizando de acordo com as características de cada turma de crianças e pela professora que
a compõe.
Assim, na roda de conversa se torna o espaço para traçar nossa rota diária; retomar
vivências individuais e coletivas, compartilhar experiências, causos, acontecimentos do dia a
dia de cada um, novidades; elaborar e rever regras de convivência, retomar situações de
conflito; avaliar e retomar acontecimentos cotidianos; encaminhar trabalhos de pesquisa a
partir dos interesses do grupo; fazer leituras, brincadeiras, cantar músicas, adivinhas, piadas...
Como motorista, um dos meus papéis é de organizar e mediar o caminhar, mas, do
banco traseiro, as crianças participam ativamente e são também responsáveis pelo que
acontece ali. Ajudam a pensar e reelaborar a dinâmica da roda sempre que necessário. Nem
sempre espontaneamente. Em certos momentos também são convidadas a repensarem este
momento, conforme a necessidade.
Companheira de viagem, as pequenas narrativas escritas no blog revelam o olhar e a
percepção do muito que ali acontecia. Como nos dois exemplos abaixo em que convido as
crianças a repensarem a organização da roda de conversa.

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Estão organizando a Roda. Tem duas fileiras de crianças, uma
encostada na parede e outra logo em frente. Chego e pergunto:
– Isso é uma roda?
– Nããããããão.
– Então, como é uma roda?
– Tem que rodear assim… – vai mostrando com a mão. – disse o Jopê.
– Rodear, como?
– Assim – mostrando com a mão de novo – fazendo um círculo. – disse o
Edi.
– E como a gente consegue fazer esse círculo? O que a gente pode usar
pra ajudar? Com a fita crepe no chão ajuda?
– Não, acho que com as cadeiras a gente consegue mais. – disse o Jopê.
(OLIVEIRA, 2012a)

[...]
Ontem, eu virei e falei:
– A gente já está se organizando bem legal pra roda, mas eu tenho que
ficar um tempão aqui falando que vai começar e tem gente que demora pra
perceber… A gente tá perdendo tempo… Vamos combinar uma coisa pra
todos saberem que a roda está começando?
Todos concordaram.
– Pode ser uma música? A gente combina uma música. Aí quando a
gente cantar, já sabe que logo depois vai começar a roda. Alguém tem
alguma ideia de música?
Silêncio. Em seguida, o Cagab diz:
– Roda, roda, roda, pé, pé, pé…
Taí, combinamos! Treinamos uma vez para ver se daria certo! Deu!
(OLIVEIRA, 2012b)

Para que isso se efetive, a garantia do uso democrático deste espaço é fundamental e
ele é construído coletivamente desde o primeiro dia. Todos têm o direito à palavra, mas para
isso, precisam respeitar a vez do outro, ouvir o que o outro fala, esperar sua vez. Este
momento em roda ajuda a criar uma consciência de grupo, de pertencimento. Ajuda a deixar

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mais explícito os gostos, os interesses daquele grupo. Para todos ali presentes. Ao mesmo
tempo, é preciso garantir o respeito às individualidades: daquele que fala baixo, que fala
muito, que fala sempre a mesma coisa, que repete o que o colega falou, daquele que não fala
nunca, dos que têm dificuldades em organizar as ideias na hora de contar, dos que ainda estão
em fase de aquisição da linguagem e fazem trocas fonéticas, etc…

[…] alguns falam de mais, outros de menos, mas todos têm pedido para
falar. Até os mais tímidos, como o Ga, que chega todo dia, desde o primeiro
dia do ano, chorando de vergonha de entrar na sala. E é vergonha mesmo,
não é outra coisa. Ele não consegue entrar sozinho. Fica todos os dias na
porta me esperando, às vezes, chorando, outras prendendo o choro, mas não
consegue entrar sozinho… Até hoje!
O Jogá é o contrário: fala, fala, fala e quer contar tudo o que consegue
lembrar e inventar quando chega a sua vez. E nessa roda, ele começou
contando o que aconteceu quando ele acordou, foi fazer isso, fazer aquilo…
Tive que ajudá-lo. Falei:
– Jogá, agora é o momento de contar UMA novidade para a turma, não
dá pra contar tudo o que aconteceu com você. Olha quanta gente ainda quer
falar… – e mostrei a fila de inscrição no livro da vida. – De tudo o que
aconteceu, o que você mais quer contar para a turma?
Aí ele contou o que queria e a roda seguiu-se até todos contarem o que
desejava.
No outro dia, vamos começando a roda e o Jogá levanta a mão. O Jopê,
ao seu lado, diz:
– Ai, ai, ai, lembra, né? Não é pra ficar contando tudo que demora
muito, é pra contar só UMA coisa!
(OLIVEIRA, 2012c)

O momento de avaliação do dia também é feito em roda e ali, além da retomada de


trabalhos, pesquisas e situações que aconteceram no dia, também são retomados pequenos
conflitos, brigas, desentendimentos ou mal entendidos.

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[…] roda de avaliação que fazemos ao final do dia.
E ontem foi: eu não gostei que fulano me bateu, eu não gostei que fulano
bateu no outro, ciclano bateu, etc…
Quando terminou, o Jopê diz:
– Noooooooooooossa, quanta gente bateu hoje… [...]
(OLIVEIRA, 2012d)

[…] Cas diz:


– Eu não gostei quando o Edi desmanchou o meu castelo de areia.
Edi rapidamente responde:
– Mas era hora de guardar os brinquedos, a prô já tava chamando.
Talvez o Cas estivesse tão absorvido em sua brincadeira que não ouviu o
chamado para a saída do parque.
Talvez o Edi estivesse tão absorvido em sua tarefa de guardar os
brinquedos que não percebeu que o Cas ainda estava brincando.
Conversando a gente se entende.
(OLIVEIRA, 2012e)

Hoje, estas pequenas narrativas permitem uma retomada de parte desse caminhar.
Naquele momento permitia, mesmo que numa instância completamente diferente, um outro
olhar para o desenvolvimento do nosso caminhar. Trazia um pouco daquele olhar “de fora”
que a equipe de apoio permitia. Escrever, ler, reler, trazia a possibilidade de visualizar uma
linha de desenvolvimento dos caminhos trilhados. Essa linha, que antes era construída em
parcerias físicas, agora era construída virtualmente: primeiramente vinha de mim mesma, ao
re-olhar os escritos; depois, de outros poucos olhares que acompanhavam as narrativas.
Esta escrita também funcionava como um instrumento que trazia a memória daquele
grupo, de nossas vivências. Também trazia a possibilidade de olhar novamente algumas
situações ocorridas e me ver de outra maneira, repensar as intervenções que poderia (ou não)
ter feito, as palavras que poderia (ou não) ter dito, os olhares que poderia (ou não) ter feito. Se
constituíam como a história desse caminhar juntos.

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No movimento da estrada, olhando para trás...

Inicio 2018 buscando os sentidos da escrita destas pequenas narrativas ao longo desta
viagem que se iniciou ainda no curso de pedagogia ao descobrir a escola como possibilidade.
Busco o diálogo com pesquisa narrativa pedagógica autobiográfica, entendendo-a partir da
perspectiva trabalhada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada
(GEPEC/UNICAMP), como mobilizadora do necessário diálogo entre os conhecimentos, os
saberes e as experiências de formação e da profissão, funcionando também como plataforma
de lançamento à reflexão sobre si mesmo e sua atuação pedagógica. Assim, iniciei neste ano
na primeira turma de Mestrado Profissional da Unicamp.
A partir da pesquisa trilho agora um caminho de reencontro comigo mesma. Descubro
e aprendo no início do trilhar desta pesquisa narrativa autobiográfica seu caráter formativo, ou
seja, enquanto pesquiso também me formo, me transformo; caráter também percebido por
Proença (2014) no caminhar de sua pesquisa.

O viajante pesquisador não é o mesmo depois de lançar-se a uma viagem,


mesmo que esta seja dentro de si mesmo, porque uma experiência é sempre
transformadora e deixa marcas nas escolhas futuras […] Fui me
transformando ao pesquisar, ao adentrar o universo da experiência, ao
reconhecer nesta experiência os ganhos e perdas, as conquistas e dúvidas, os
saberes e os não saberes. (PROENÇA, 2014, p.191-192)

Olhando o caminho trilhado e os registros construídos ao longo deste caminhar, a


pesquisa-formação narrativa se torna um exercício de metarreflexão, uma tomada de
consciência de quem somos em diferentes dimensões de nossa existência, que busca, ao
acessar a história passada, o vivido, compreender as escolhas do presente.

As histórias de vida explicitam e tornam visíveis (para si mesmo e para os


outros) o conjunto das percepções, interesses, dúvidas, orientações, marcos e
circunstâncias que influenciaram e configuraram, de modo significativo,
como a pessoa é e como age. (BOLIVAR, 2011, p.2 )

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Deste modo, acredito que o reencontro com o trilhado se tornará um importante
instrumento de reflexão sobre as minhas escolhas presentes e da forma como entendo e
encaminho o trabalho realizado na sala de aula.
Nesse conhecer da narrativa como prática discursiva que é, “ao mesmo tempo, um
objeto de estudo, um método de investigação e uma forma de organização do relatório de
investigação” (RODRIGUES; PRADO, 2015) me reconheço e me aproprio cada vez mais da
minha trajetória, dos caminhos percorridos e muitas vezes me sinto como a criança que olha
para sua produção exposta e se reconhece no trabalho que ali está.

Eu estava arrumando os bonecos do folclore na parede para a exposição e as


crianças foram junto comigo.
A Má, pra qualquer um que passava, falava:
– Olha! Foi a gente que fez!
Quando o perueiro veio buscá-la, ela puxou-o pela mão e levou-o lá para ver
os bonecos!
Ela tava tão orgulhosa!
(OLIVEIRA, 2012f)

Referências
BOLIVAR, Antonio. O esforço reflexivo de fazer da vida uma história. In Revista Pátio.
Porto Alegre, n. 43, agosto/outubro 2011.

GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. 9a ed. Porto Alegre: L&PM, 2002.

JOFFILY, Ruth. Por que Freinet?. Palestra proferida no I Encontro Campinas de Educadores
Freinet. Campinas, 2012. (transcrição original fornecida pela autora)

MUNHOZ, Lucianna M. M. Escrever, inscrever, reescrever: reflexões sobre a escrita


docente no Movimento de Professores da Pedagogia Freinet. Dissertação (Mestrado em
Educação). Campinas: Faculdade de Educação – UNICAMP, 2010.

OLIVEIRA, Anne Marie M. Celestin Freinet: raízes sociais e políticas de uma proposta
pedagógica. Rio de Janeiro: Papéis e cópias de Botafogo e Escola de professores, 1995.
Citada por JOFFILY, Ruth. Por que Freinet?. Palestra proferida no I Encontro Campinas de
Educadores Freinet. Campinas, 2012. (transcrição original fornecida pela autora)

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OLIVEIRA, Liliam Ricarte de. A roda. Campinas, 28/04/2012a. Disponível em:
https://meajudaaolhar.wordpress.com/2012/04/28/a-roda/ Acesso em: 15/6/2018.

OLIVEIRA, Liliam Ricarte de. Iniciando a roda. Campinas, 28/04/2012b. Disponível em:
https://meajudaaolhar.wordpress.com/2012/04/28/iniciando-a-roda/ Acesso em: 15/6/2018.

OLIVEIRA, Liliam Ricarte de. Um dia após o outro. Campinas, 09/05/2012c. Disponível
em: https://meajudaaolhar.wordpress.com/2012/05/09/um-dia-apos-o-outro-8/ Acesso em:
15/6/2018.

OLIVEIRA, Liliam Ricarte de. Conscientização. Campinas, 09/05/2012d. Disponível em:


https://meajudaaolhar.wordpress.com/2012/05/09/conscientizacao-2/ Acesso em: 15/6/2018.

OLIVEIRA, Liliam Ricarte de. Conversando a gente se entende. Campinas, 25/07/2012e.


Disponível em: https://meajudaaolhar.wordpress.com/2012/07/25/conversando-a-gente-se-
entende/Acesso em: 15/6/2018.

OLIVEIRA, Liliam Ricarte de. Orgulho da nossa produção. Campinas, 27/04/2012f.


Disponível em: https://meajudaaolhar.wordpress.com/2012/04/27/orgulho-da-nossa-producao/
Acesso em: 15/6/2018.

PROENÇA, Heloísa H. D. M. Supervisão da prática pedagógica: percursos formativos em


parceria e diálogo com os profissionais da educação. Dissertação (mestrado em educação).
Campinas: Faculdade de educação, Unicamp, 2014. Citado por RODRIGUES, Nara C.;

PRADO, Guilherme do Val Toledo. Investigação Narrativa: construindo novos sentidos


na pesquisa qualitativa em educação. In Revista Lusófona de Educação. Lisboa, n. 29, p.
89-103, 2015.

RODRIGUES, Nara C.; PRADO, Guilherme do Val Toledo. Investigação Narrativa:


construindo novos sentidos na pesquisa qualitativa em educação. In Revista Lusófona de
Educação. Lisboa, n. 29, p. 89-103, 2015.

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