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Proposta de Correção do Teste Intermédio de Português - 12º Ano

Grupo I A

1) A Rémora é um peixe que se caracteriza pelo seu escasso tamanho (“os peixes menores”; “peixezinho tão
pequeno no corpo”) e por uma força enorme, desproporcionada ao seu corpo (“tão pequeno no corpo e tão
grande na força e no poder”). Tal força é-nos representada através do exemplo de a Rémora “se pega[r] ao leme
de uma Nau da Índia” e “a prende[r] e amarra[r] mais que as mesmas âncoras”, ou seja, de ser capaz de
imobilizar as embarcações.

2) A analogia estabelecida entre a língua de Santo António e a Rémora baseia-se nos elementos comuns a
ambos: a força e o poder, associados à humildade e à estatura reduzida. Assim, como a Rémora, peixe pequeno,
é ainda capaz de imobilizar uma nau (“prende e amarra”) e de reorientar o seu trajeto, a língua de Santo António,
com o seu poder persuasivo, é capaz de travar as paixões humanas, orientando, através da razão, as ações dos
homens.

3) A alegoria é uma figura de estilo que, aplicada nas pregações do Padre António Vieira, tem em vista a
clarificação de uma ideia ou conceito concreto através de uma representação abstracta. Assim, o pregador
exalta certos pecados humanos como a soberba e a vingança: a Nau Soberba representa a manifestação da
vaidade e da arrogância dos homens (“velas inchadas do vento”), e a Nau Vingança, associada à guerra e à
violência, é representada por elementos pertencentes à guerra (“artilharia abocada”). Consequentemente, virá
o desastre e a destruição, resultante de tais pecados humanos (“bota-fogos acesos”): a destruição da nau nos
baixos e através da batalha respectivamente.

B Opção 1:

1) Esta interrogação exprime a preplexidade do poeta sobre a fragilidade da condição humana e resulta da sua
reflexão perante a aparente impossibilidade de encontrar um lugar seguro, onde o ser humano se possa
resguardar ("bicho da terra tão pequeno"). Nos versos 5 a 12, o poeta representa a sua emoção perante os
perigos ("grandes e gravíssimos") a que o homem se expõe, na constante incerteza do seu "caminho de vida
nunca certo", nunca se encontrando defendido de tais adversidades.

2) A mitificação do herói n’ Os Lusíadas é-nos representada neste excerto através da valorização do esforço
português em ultrapassar graves perigos – quer no mar, quer na terra –, assim como a sua fragilidade enquanto
homens (“No mar tanta tormenta e tanto dano”; “Onde pode acolher-se um fraco humano”). Atente-se ainda
na consciência da desproporção existente entre o “fraco humano” e o “Céu sereno”, no qual o poeta realça o
heroísmo daqueles que enfrentam forças adversas e, assim, ascendem ao nível dos deuses.

Opção 2: 1) A conjunção adversativa “mas” estabelece um contraste entre a crença na existência de uma
ilha onde todos os sonhos são alcançáveis (“terra de suavidade”) e a consciência de que, ao concretizá-la pelo
pensamento, ela perde as suas virtudes e deixa de ser, por essa razão, um espaço perfeito.

2) Na presente composição, destacam-se como características temáticas da poesia de Fernando Pessoa


ortónimo a oposição sonho/realidade (“Não se se é sonho, se realidade”), a dor de pensar, que resultam na
perda do significado da ilha por tanto pensar em como será (“Mas já sonhada se desvirtua, / Só de pensá-la
cansou pensar”) e o recurso ao símbolo presente na caracterização da ilha (“ilha extrema do sul”).

Grupo II Versão 1
1.1) B 1.2) C 1.3) D

Versão 2 1.1) D 1.2) B 1.3) C

2.1) A função desempenhada pelo pronome pessoal “nos” correponde ao complemento direto, visto que
comuta com: a, os, as, os.

2.2) Oração subordinada adverbial causal

Grupo III

Desde sempre, a palavra foi um veículo de persuasão, consciencialização e mobilização. Houve


momentos na história em que a palavra – mais do que qualquer outra arma ou via violenta – teve um papel
essencial na resolução de conflitos ou, até mesmo, um papel significativo numa mudança mais radical. Contudo,
manterá, atualmente, a palavra esse efeito e manifestar-se-á com a mesma relevância nos assuntos atuais?

Apesar das mutações sofridas pela sociedade, a palavra detém ainda a sua relevância no que se prende
com a resolução de questões de cariz social. Ora, procurando sensibilizar os cidadãos para a questão da violência
entre alunos (bullying), vários indivíduos reconhecidos mundialmente – desde atrizes a cantores ou
apresentadores de televisão – uniram-se em campanhas de combate a este fenómeno. Exemplo disso é a
campanha americana It Gets Better, que contou com o apoio de Ellen Degeneres e até mesmo do presidente
americano Barack Obama: estes sujeitos, com o seu dom da oratória e da palavra, conseguiram fazer a
diferença.

Outro papel que a palavra assume no mundo atual é o da manipulação e persuasão dos consumidores.
Repleto de slogans vistosos ou longos discursos manipuladores, as grandes empresas dos dias de hoje recorrem
sistematicamente à palavra para atingir maiores números de vendas e records de vendas. Exemplo disso são
empresas como a Hasbro e, até mesmo, a Nestlé, que criam publicidade dos seus produtos com uma linguagem
própria para influenciar a compra por parte de um público alvo mais jovem.

Posto isto, a palavra mantém, de facto, um impacto significativo nos dias de hoje: seja procurando a
resolução de situações mais urgentes, seja apenas como estratégia de marketing.
Enunciado do Teste Formativo de Português (11º I) - Novembro 2012
Lê atentamente o seguinte excerto do Sermão de S. António aos Peixes:

[…] Olhai como estranha isto Santo Agostinho: Homines pravis, preversisque cupiditatibus facit sunt
veluti piscis invicem se devorantes: Os homens com suas más e perversas cobiças vêm a ser como os peixes que
se comem uns aos outros. Tão alheia cousa é, não só da razão, mas da mesma natureza, que, sendo todos
criados no mesmo elemento, todos cidadãos da mesma pátria, e todos finalmente irmãos, vivais de vos comer!
Santo Agostinho, que pregava aos homens, para encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos peixes;
e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio e abominável é, quero que o vejais nos homens. Olhai,
peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os matos e para o
Sertão? Para cá, para cá; para a Cidade é que deveis olhar. Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros?
Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os brancos. Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo
aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes
aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois aquilo é andarem buscando os homens como hão de
comer, e como se hão de comer. Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-
lo e comê-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários, comem-no os
acredores; comem-no os oficiais dos órfãos, e os dos defuntos e ausentes; come-o o Médico, que o curou ou
ajudou a morrer; come-o o sangrador que lhe tirou o sangue; come-o a mesma mulher, que de má vontade lhe
dá para mortalha o lençol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que,
cantando, o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra.

Documentando as tuas afirmações com passagens do texto e construindo frases bem estruturadas, responde
ao seguinte questionário: 1. Localiza a passagem transcrita na estrutura externa e na estrutura interna do
Sermão. 2. «[…] ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra». Tendo em conta
o seu efeito expressivo, analisa a figura de estilo que, ao nível fónico, se realiza nesta passagem. 3. Identifica e
classifica dois tipos de argumentos utilizados pelo orador. 4. Dá um exemplo de uma analogia que se realize no
texto, apresentando o seu valor expressivo. Justifica as tuas afirmações.

1. A passagem acima transcrita localiza-se, quanto à estrutura externa, no Cap. IV, que é onde, ao nível da
estrutura interna, o orador critica os peixes por se comerem uns aos outros e os aproxima dos homens pelos
defeitos que estes também têm – a corrupção, a exploração, o roubo (“comem-no os oficiais dos órfãos […];
come-o o Médico […]; come-o o sangrador […]; come-o a mesma mulher […].”). Ainda quanto à estrutura
interna, este excerto pertence, assim, à Confirmação, parte do Sermão onde o Padre António Vieira repreende
os vícios gerais dos peixes (“[…] os peixes que se comem uns aos outros.”).

2. Nesta passagem, o efeito expressivo da aliteração das oclusivas ([p] [d] [k]) deve-se ao facto de as mesmas
consoantes sugerirem a ideia de destruição, que se aplica à ação da condição humana na «terra» (“o pobre
defunto”), sinédoque de vermes que decompõem os cadáveres humanos, e na «terra», enquanto sinédoque de
homens que roubam e exploram o seu semelhante.

3. O Padre António Vieira, neste excerto, utiliza dois tipos de argumentos: argumento de autoridade, ao recorrer
à dignidade inquestionável e às palavras de Santo Agostinho no Evangelho (“Olhai como estranha isto Santo
Agostinho: Homines pravis, preversisque cupiditatibus facit sunt veluti piscis invicem se devorantes”); e o
argumento empírico, ao repreender o vício dos peixes com base no conhecimento que resulta da observação
do que ocorre na natureza – o de comerem-se uns aos outros –, associando-o ao traço distintivo do homem: a
antropofagia social (“[…] vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer as
calçadas [...]? Pois aquilo é andarem buscando os homens como hão de comer, e como se hão de comer”).

4. A analogia que se realiza no texto assenta no signo “terra” na sua plurissignificação: em sentido literal (“ainda
o pobre defunto o não comeu a terra”) e “terra” em sentido figurado (“e já o tem comido toda a terra”). “Terra”,
em sentido literal, refere-se ao solo, à terra em concreto que, no texto, é sinédoque de bichos, vermes, e
significa o lugar onde os corpos mortos vão entrar em decomposição. “Terra”, em sentido figurado, sinédoque
de homens, refere-se ao lugar onde ocorre o roubo, a exploração, que os homens praticam na cidade (“Comem-
no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários, comem-no os acredores”).

Trata-se, assim, duma analogia porque, a partir do significante duma palavra, associam-se nexos diferentes com
ela relacionados. Da terra enquanto lugar de morte para homens e de vida de vermes passamos para terra
enquanto lugar de vida para homens. Tudo é a terra e tudo é a destruição na condição humana: na vida como
na morte.

III «Se Vieira procura, muitas vezes, conduzir a opinião pública, transformando o púlpito em tribuna
política, o facto nada tem de excecional: no século XVII, o púlpito desempenhava também funções que hoje
cabem aos jornais, à televisão, enquanto instrumentos nas mãos dos governantes.», Jacinto do Prado Coelho,
«Oratória», in Dicionário de Literatura, Liv. Figueirinhas

Num texto expositivo argumentativo de 250 palavras, mostra que, no Sermão de S. António aos Peixes, o
orador privilegia a vertente de combate de ideias.

«Se Vieira procura, muitas vezes, conduzir a opinião pública, transformando o púlpito em tribuna
política, o facto nada tem de excecional: no século XVII, o púlpito desempenhava também funções que hoje
cabem aos jornais, à televisão, enquanto instrumentos nas mãos dos governantes.»
Jacinto do Prado Coelho, «Oratória», in Dicionário de Literatura, Liv. Figueirinhas

No Sermão de Santo António aos Peixes, o orador privilegia, de facto, a vertente de combate de ideias,
que se inscrevem numa grande variedade de domínios, que acabarão por refletir o pensamento de grande
homem do mundo que foi o Padre António Vieira.

No capítulo I, o exórdio, o Padre António Vieira começa por utilizar um conceito predicável (“Vos estis
sal terrae”: “Vós sois o sal da terra”) que, alicerçado na autoridade de S. Mateus, nos permitirá concluir que
Vieira defende que os homens não querem receber a verdadeira doutrina (“ não se deixam salgar”). Para
reforçar esta atitude dos homens e os seus defeitos, Vieira recorre à figura da antítese entre peixes e homens
ao longo dos capítulos II e III. Deve fazer-se notar, ainda, a referência ao Santo António, que, em muitos casos
por analogia com os peixes, é o exemplo a ser seguido pelo auditório.

No capítulo II, inicia-se a construção de uma estrutura alegórica e a Divisão do sermão: primeiro, serão
pregados os louvores dos peixes e, seguidamente, os seus defeitos. Ainda neste capítulo, dá-se a Confirmação,
expondo-se as qualidades gerais dos peixes. Temos então as divinas – obediência, ordem, quietação e atenção
(“[…] aquela obediência […] e aquela ordem, quietação e atenção com que ouvistes a palavra de Deus […]”) – e
as naturais – não se deixam domesticar pelo homem, ao contrário de outros animais (“[…] Falando dos peixes,
Aristóteles diz que só eles entre todos os animais se não domam nem domesticam […]”). Ocorre, então, a
antítese entre peixes e homens, em que os peixes assumem um valor positivo.
No terceiro capítulo, o Padre António Vieira evoca as qualidades particulares de quatro peixes: o Peixe
de Tobias, cujo fel cura a cegueira do pai e cujo coração afasta o demónio da casa (sentido literal) – também
Santo António, com o fel, cura a cegueira dos homens e utiliza o coração para afugentar o mal humano (sentido
figurado) –; a Rémora, que se pega ao leme da nau e a amarra (sentido literal) – também a língua de Santo
António domou a fúria das paixões humanas: Soberba, Vingança, Cobiça e Sensualidade (sentido figurado) –; o
Torpedo, que faz tremer o braço do pescador, impedindo-o de pescar (sentido literal) – Santo António fez tremer
vinte e dois pescadores que ouviram a suas palavras e se converteram (sentido figurado); e o Quatro-olhos, que
se defende dos peixes e das aves (sentido literal). Este é, para além disso, o peixe que ensinou o pregador a
olhar para o Céu (para cima) e para o Inferno (para baixo).

No capítulo IV, é iniciada a repreensão aos peixes com os seus defeitos gerais: comem-se uns aos outros,
mesmo sendo do mesmo elemento, da mesma pátria, da mesma cidade (“[…]da mesma natureza, que, sendo
todos criados no mesmo elemento, todos cidadãos da mesma pátria, e todos finalmente irmãos, vivais de vos
comer! […]”); e são ignorantes e cegos ao ponto de se deixarem explorar. Neste capítulo os peixes assumem o
valor negativo antes pertencente apenas aos homens (“[…] Mas para que conheçais a que chega a vossa
crueldade, considerai, peixes, que também os homens se comem vivos assim como vós […]”), pelo que o recurso
estruturante é a analogia e já não a antítese.

De seguida, inicia-se a repreensão aos peixes relacionada com os seus defeitos particulares e Vieira
refere-se a outros quatro peixes: os roncadores, que têm como defeitos a arrogância e o orgulho (“[…] É possível
que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar?![…}”) , traços que se reatualizam,
ao nível do homem, com Pedro, Golias, Caifás e Pilatos; os pegadores, devido ao facto de serem parasitas (“[…]
sendo pequenos, não só se chegam a outros maiores, mas tal sorte se lhes pagam aos costados, que jamais os
desferram […]”), características que se reatualizam em toda a família da corte de Herodes e em Adão e Eva; os
voadores, que são presunçosos, ambiciosos e caprichosos (“[…] matai-vos a vossa presunção e o vosso capricho
[…] Grande ambição é que […] queira outro elemento mais largo […]”), aspetos que se reatualizam em Simão
mago; e o polvo devido à sua hipocrisia e traição (“ […] o dito Polvo é o maior traidor do mar […]”), ultrapassando
Judas enquanto símbolo.

Por fim, no capítulo VI, dá-se a peroração em que Vieira louva Deus como reforço da crítica e afirma que
o sermão não irá acabar em Graça e Glória porque o auditório – homens ao nível da comunicação, entenda-se
– não é detentor de tais qualidades.

Em síntese, podemos concluir que o Sermão de Santo António aos Peixes tem, de facto, uma vertente
de combate de ideias pela crítica que é feita aos homens e aos seus comportamentos. Para a efetivação dessa
mesma crítica, o orador recorre à alegoria e a analogias ao longo de todo o sermão. Os signos que se produzem
no texto configuram-se com um significado coerente ao nível da comunicação, que é dirigida aos interlocutores
habilitados a descodificar a denúncia e os objetivos edificantes que serviram de exemplo para os homens, que
“se não deixam salgar”. O Padre António Vieira tem, então, como fim da pregação do sermão a mudança de
comportamentos, podendo, de facto, afirmar-se que o seu discurso, ultrapassando a simples evangelização no
sentido mais religioso, privilegia a vertente de combate de ideias.
Lê atentamente o seguinte excerto do Sermão de S. António aos Peixes:

Nesta viagem, de fiz menção, e em todas as que passei a Linha Equacional, vi debaixo dela o que muitas
vezes tinha visto e notado nos homens, e me admirou que se houvesse estendido esta ronha e pegado também
aos peixes. Pegadores se chamam estes de que agora falo, e com grande propriedade, porque sendo pequenos
não só se chegam a outros maiores, mas de tal sorte se lhes pegam aos costados, que jamais os desferram. De
alguns animais de menos força e indústria se conta que vão seguindo de longe aos leões na caça, para se
sustentarem do que a eles sobeja. O mesmo fazem estes pegadores, tão seguros ao perto como aqueles ao
longe; porque o peixe grande não pode dobrar a cabeça, nem voltar a boca sobre os que traz às costas, e assim
lhes sustenta o peso e mais a fome.

Este modo de vida, mais astuto que generoso, se acaso se passou e pegou de um elemento a outro, sem
dúvida que o aprenderam os peixes do alto, depois que os nossos portugueses o navegaram; porque não parte
vice-rei ou governador para as conquistas que não vá rodeado de pegadores, os quais se arrimam a eles, para
que cá lhe matem a fome, de que lá não tinham remédio. Os menos ignorantes desenganados da experiência
despegam-se e buscam a vida por outra via; mas os que se deixam estar pegados à mercê e fortuna dos maiores,
vem-lhes a suceder no fim o que aos pegadores do mar.

Rodeia a nau o tubarão nas calmarias da Linha com os seus pegadores às costas, tão cerzidos com a pele,
que mais parecem remendos ou manjares naturais, que os hóspedes ou companheiros. Lançam-lhe um anzol
de cadeia com a ração de quatro soldados, arremessa-se furiosamente à presa, engole tudo de um bocado, e
fica preso. Corre meia campanha a atá-lo acima, bate fortemente o convés com os últimos arrancos; enfim,
morre o tubarão e morrem com ele os pegadores.

Parece-me que estou ouvindo a S. Mateus, sem ser Apóstolo pescador, descrevendo isto mesmo na
terra. Morto Herodes, diz o evangelista, apareceu o anjo a José no Egito, e disse que já se podia tornar para a
pátria porque eram mortos todos aqueles que queriam tirar a vida ao Menino: Defuncti sunt enim qui
quaerebant animam Pueri. […] Eis aqui, peixinhos ignorantes e miseráveis, quão errado e enganoso é este modo
de vida que escolhestes. Tomai o exemplo nos homens, pois eles o não tomam em vós, nem seguem, como
deveram, o de Santo António.

Deus também tem os seus pegadores. Um destes era David, que dizia: Mihi autem adhaerere Deo bonum
est.

Documentando as tuas afirmações com passagens do texto e construindo frases bem estruturadas, responde
ao seguinte questionário:

1. Localiza a passagem transcrita na estrutura externa e na estrutura interna do Sermão.

2. Analisa a alegoria dos pegadores considerando os defeitos que apresentam e a sua simbologia.

3. Identifica e classifica dois tipos de argumentos utilizados pelo orador.

4. Dá um exemplo de uma analogia que se realize no texto, apresentando o seu valor expressivo. Justifica as
tuas afirmações.

1. Relativamente à estrutura externa, a passagem transcrita localiza-se no capítulo V, parte do Sermão onde, ao
nível da estrutura interna, se abordam os defeitos particulares de cada peixe. Neste caso, são os “pegadores”
que o orador explora: “Pegadores se chamam estes de que agora falo, e com grande propriedade, porque sendo
pequenos não só se chegam a outros maiores, mas de tal sorte se lhes pegam aos costados, que jamais os
desferram.”
Ainda, relativamente à estrutura interna, a passagem transcrita localiza-se na Confirmação visto que se
apresentam as provas que validam o que o orador se propôs tratar no início do Sermão (“a terra não se deixa
salgar”) e do capítulo V: “Nesta viagem, de fiz menção, e em todas as que passei a Linha Equacional, vi debaixo
dela o que muitas vezes tinha visto e notado nos homens, e me admirou que se houvesse estendido esta ronha
e pegado também aos peixes.”

2. O orador fala dos “pegadores” enquanto metáfora de homens. Os defeitos dos peixes que Vieira explora
correspondem, por analogia, aos defeitos dos homens. Os peixes “pegadores”, que vivem colados aos costados
dos peixes grandes, simbolizam o parasitismo e a dependência dos homens, que, na «Cidade», exploram os mais
ricos e poderosos: "O mesmo fazem estes pegadores, tão seguros ao perto como aqueles ao longe; porque o
peixe grande não pode dobrar a cabeça, nem voltar a boca sobre os que traz às costas, e assim lhes sustenta o
peso e mais a fome.”

3. O orador utiliza argumentos de autoridade, na medida em que recorre ao evangelista S.Mateus enquanto
figura credível, cujas dignidade e palavra são irrefutáveis: “Parece-me que estou ouvindo a S. Mateus, sem ser
Apóstolo pescador, descrevendo isto mesmo na terra.”.
Utiliza também argumentos empíricos, resultantes da sua experiência da vida quer dos homens quer dos peixes:
“[…] não parte vice-rei ou governador para as conquistas que não vá rodeado de pegadores, os quais se arrimam
a eles, para que cá lhe matem a fome, de que lá não tinham remédio.”

4. Neste caso, “pegador” é uma palavra com dois ou mais significados e é um exemplo de analogia. No sentido
literal, que é o da espécie animal, refere-se aos peixes: “Rodeia a nau o tubarão nas calmarias da Linha com os
seus pegadores às costas, tão cerzidos com a pele, que mais parecem remendos ou manjares naturais, que os
hóspedes ou companheiros.”.
No sentido figurado, refere-se aos homens e quer dizer que eles se exploram uns aos outros: “Morto Herodes,
diz o evangelista, apareceu o anjo a José no Egito, e disse que já se podia tornar para a pátria porque eram
mortos todos aqueles que queriam tirar a vida ao Menino”.
Salienta-se, ainda, ao nível do sentido figurado da mesma palavra, o exemplo de David, que adere à mensagem
de Deus: “Deus também tem os seus pegadores. Um destes era David, que dizia: Mihi autem adhaerere Deo
bonum est.”. Pegador é também o que segue outro referente – Deus – enquanto excelência, omnipotência,
divindade…
"Sermão de Santo António aos Peixes"...

Cenário de resposta ao texto expositivo em que se mostra que a antítese e a analogia são recursos
estruturantes do cap.III do SSA [1654]

Neste sermão fortemente retórico, alguns recursos ganham especial importância, tornando-se até
mesmo estruturantes para a melhor compreensão e prazer estético da obra. No capítulo III do Sermão de Santo
António [1654] destacam-se como recursos estruturantes a analogia e a antítese.

Neste capítulo em específico, o Padre António Vieira evoca as qualidades particulares de quatro peixes
e recorre à analogia de forma a estabelecer uma relação semântica entre cada peixe e Santo António. Um
exemplo disso é quando Vieira recorre a expressões como “abrir a boca”, “coração” e “fel”. No caso do peixe
de Tobias, estas expressões ocorrem em sentido literal, ou seja, abrir a boca no sentido de comer; o “coração”
expulsou um demónio chamado Asmodeu; e o “fel” curou a cegueira do seu pai. No caso de Santo António, as
mesmas expressões são usadas em sentido metafórico: Santo António abre a boca não para comer mas sim para
falar; o seu “coração” não afugenta nenhum demónio em concreto mas sim o mal dos homens; e o seu “fel”
não cura a cegueira, mas põe os homens a ver o bem.

No que diz respeito à antítese, esta aparece neste capítulo concorrendo para a construção da coerência
textual e para o sucesso do discurso retórico. No capítulo III, os louvores das virtudes farão ecoar, por contraste,
os defeitos dos homens. Por exemplo, a Rémora, um dos quatro peixes que António Vieira elogia, consegue
determinar o rumo das naus, que representam os pecados da soberba, da cobiça, da vingança e da sensualidade
(“Oh, se houvera uma Rémora na terra, que tivesse tanta força como a do mar, que menos perigos haveria na
vida e que menos naufrágios no mundo”). Para além deste exemplo encontramos mais exemplos deste recurso
nas linhas 335 e 338, nas quais se faz um contraste entre gente e peixes e entre peixes e outros animais,
respetivamente.

Concluindo, Vieira recorre a estes dois recursos em particular com o objetivo de conferir beleza à
denúncia da condição humana e à crítica das suas mentalidades e comportamentos.

A analogia e antítese: dois recursos estruturantes no Sermão de Santo António [1654]

O Sermão de Santo António [1654] é um texto alegórico, isto é, uma representação concreta de algo
abstrato: ao nível textual, os destinatários são os peixes, uma metáfora usada por Vieira para criticar os homens
ao nível da comunicação na Igreja, mais concretamente os colonos do Maranhão. Desta forma, segue o exemplo
de Santo António – perante a recusa do auditório em ouvi-lo, pregará aos peixes. Para tal, recorre a diferentes
tipos de argumentos, incluindo os argumentos de analogia, e também a diversos recursos expressivos, como a
antítese, os quais se tornam imprescindíveis para a coerência textual e o sucesso do discurso retórico, pelo
prazer estético que esse virtuosismo verbal proporciona ao ouvinte (leitor no nosso caso).

A antítese assume-se como uma forma de associação de ideias pelo contraste e pela oposição. Nos
capítulos II e III, os louvores das virtudes dos peixes farão ecoar, por oposição, os defeitos dos homens: o peixe
de Tobias cura a cegueira e afasta os demónios; a Rémora consegue determinar o rumo das naus, que
representam os pecados da soberba, da vingança, da cobiça e da sensualidade; o Torpedo faz tremer o braço
do pescador, isto é, daquele que se apropria indevidamente daquilo que não é seu; o Quatro-olhos ensina ao
orador a importância de se libertar da vaidade do mundo terrestre e de pensar apenas na vida eterna. A antítese
também se manifesta no capítulo V, onde se verifica um contraste entre os defeitos dos peixes e a atitude de
Santo António que, sendo humilde e defensor da verdade, serve de exemplo aos homens.

A analogia é uma relação de semelhança que se estabelece entre duas ou mais entidades distintas. O
capítulo III constitui um exemplo, na medida em que se estabelece uma analogia entre os peixes e Santo
António: por exemplo, a força da Rémora consegue determinar o rumo das naus e a “força” da língua de Santo
António domina as paixões humanas (pecados simbolizados pelas naus). Por outro lado, nos capítulos IV e V, o
orador censura os peixes pelos seus defeitos, que representam pecados humanos. Em geral, os peixes comem-
se uns aos outros, mais especificamente, os grandes comem os pequenos, simbolizando a antropofagia social,
isto é, o facto de os homens se explorarem uns aos outros; os peixes também mostram ignorância e cegueira, à
semelhança dos homens, que se deixam iludir por honras vãs ou pela vaidade. Em particular, o orador dá
exemplos de quatro peixes cujos defeitos representam diversos pecados humanos: a arrogância e o orgulho
(Roncador) o oportunismo e o parasitismo social (Pegador); a ambição desmedida (Voador); a hipocrisia e a
traição (Polvo).

Em conclusão, com este Sermão, Vieira pretende denunciar a condição humana e rever mentalidades,
objetivo este que procura atingir através da retórica, de recursos expressivos e de uma argumentação
persuasiva, fazendo uso da sua engenhosidade.

Cenário de resposta ao texto expositivo em que se mostra que a antítese e a analogia são recursos
estruturantes do cap.III do SSA [1654]

Neste sermão fortemente retórico, alguns recursos ganham especial importância, tornando-se até
mesmo estruturantes para a melhor compreensão e prazer estético da obra. No capítulo III do Sermão de Santo
António [1654] destacam-se como recursos estruturantes a analogia e a antítese.

Neste capítulo em específico, o Padre António Vieira evoca as qualidades particulares de quatro peixes
e recorre à analogia de forma a estabelecer uma relação semântica entre cada peixe e Santo António. Um
exemplo disso é quando Vieira recorre a expressões como “abrir a boca”, “coração” e “fel”. No caso do peixe
de Tobias, estas expressões ocorrem em sentido literal, ou seja, abrir a boca no sentido de comer; o “coração”
expulsou um demónio chamado Asmodeu; e o “fel” curou a cegueira do seu pai. No caso de Santo António, as
mesmas expressões são usadas em sentido metafórico: Santo António abre a boca não para comer mas sim para
falar; o seu “coração” não afugenta nenhum demónio em concreto mas sim o mal dos homens; e o seu “fel”
não cura a cegueira, mas põe os homens a ver o bem.

No que diz respeito à antítese, esta aparece neste capítulo concorrendo para a construção da coerência
textual e para o sucesso do discurso retórico. No capítulo III, os louvores das virtudes farão ecoar, por contraste,
os defeitos dos homens. Por exemplo, a Rémora, um dos quatro peixes que António Vieira elogia, consegue
determinar o rumo das naus, que representam os pecados da soberba, da cobiça, da vingança e da sensualidade
(“Oh, se houvera uma Rémora na terra, que tivesse tanta força como a do mar, que menos perigos haveria na
vida e que menos naufrágios no mundo”). Para além deste exemplo encontramos mais exemplos deste recurso
nas linhas 335 e 338, nas quais se faz um contraste entre gente e peixes e entre peixes e outros animais,
respetivamente.

Concluindo, Vieira recorre a estes dois recursos em particular com o objetivo de conferir beleza à
denúncia da condição humana e à crítica das suas mentalidades e comportamentos.
O Sermão de Santo António: pregar aos peixes para moralizar os homens

No Sermão de S. António, o Padre António Vieira pretende moralizar os Homens, pregando aos peixes.

Antes de mais, deve notar-se que todo o sermão é uma alegoria, pois em todo ele os peixes são uma
metáfora de Homens. Isto acontece porque António Vieira, à imitação de Santo António, percebendo que os
Homens não ouviam o que ele tinha para lhes dizer, mudou de auditório e pregou voltado para o mar: “ […]
quero hoje, à imitação de Santo António, voltar-me da terra ao mar, e já que os homens se não aproveitam,
pregar aos peixes […]”. A situação de sermão alegórico apresentada foi possível devido à grande engenhosidade
do discurso de Vieira que, ao longo do texto, utilizou variadíssimos recursos para este efeito, como são exemplo
as inúmeras analogias.

Com o conceito predicável “Vos estis sal terrae” que começa por expor, Vieira pretende passar a
mensagem de que os Homens são o sal da terra, ou seja, os pregadores que, a partir da sua boa doutrina,
purificarão os seus ouvintes. No entanto, os homens não cumprem o seu dever, pois a raça humana encontra-
se corrompida e em pecado. É a partir deste conceito que Vieira irá desenvolver o resto do sermão, louvando
as virtudes dos peixes, que contrastam com os defeitos humanos, e censurando os vícios e comportamentos
dos homens através do exemplo dos peixes.

Vieira começa por louvar os peixes, no geral, pelas suas qualidades divinas: “[…] aquela obediência, […]
e aquela ordem, quietação e atenção com que ouvistes a palavra de Deus da boca de seu servo António.”; louva-
os também “[…] por este respeito e devoção que tivestes aos pregadores da palavra de Deus […]”. Depois louva-
os pelas suas qualidades naturais: os peixes não se domesticam e vivem em retiro, longe do pecado dos homens.
De seguida, Vieira aponta alguns casos particulares de peixes com qualidades exemplares, como o são o peixe
de Tobias, a Rémora, o Torpedo, e o Quatro-olhos, comparando-os com as qualidades de Santo António. O peixe
de Tobias tem propriedades curativas e purificadoras; a Rémora tem o mesmo tamanho pequeno e a mesma
força que a língua de Santo António; o Torpedo faz tremer os pescadores como Santo António faz “tremer” as
consciências; e o Quatro-olhos olha simultaneamente para cima e para baixo, tal como Santo António nos faz
olhar para o bem e para o mal.

De seguida, são tratadas as repreensões gerais dos peixes, que Vieira também equipara com as dos
Homens. Primeiramente, Vieira aponta que os peixes se comem uns aos outros, tal como os homens se
destroem mútua e constantemente para atingirem os seus objetivos. Para tornar mais explícita esta analogia
dos peixes com os homens, Vieira afirma que os peixes são “[…] todos criados no mesmo elemento, todos
cidadãos da mesma pátria, e todos finalmente irmãos […]”, ou seja, utiliza expressões que remetem para a
organização social da vida humana, e recorre a exemplos de instituições criadas pelos humanos, como a justiça,
a saúde, e a família. Na segunda repreensão, Vieira critica a ignorância e a cegueira dos Homens, de novo através
de analogias com os peixes, que, tal como estes, facilmente são pescados: “[…] quanto me lastima em muitos
de vós é aquela tão notável ignorância e cegueira que em todas as viagens experimentam os que navegam para
estas partes. […] Mas nem por isso vos negarei que também cá se deixam pescar os homens pelo mesmo
engano, menos honrada e mais ignoradamente.”. Tal como os peixes se deixam enganar pelos engenhos dos
pescadores, os homens deixam-se muito facilmente enganar por aqueles que se tomam como seus superiores
em inúmeras situações da sua vivência, como na colonização, nos Descobrimentos, nas ordens religiosas, na
organização social e no comércio: “Vem um mestre de navio de Portugal com quatro varreduras das lojas, com
quatro panos e quatro sedas, que já se lhes passou a era e não têm gasto; e que faz? Isca com aqueles trapos
aos moradores da nossa terra: dá-lhes uma sacadela e dá-lhes outra, com que cada vez lhes sobe mais o preço;”.

Vieira passa, assim, para as repreensões dos vícios de quatro peixes em particular, com o intuito de os
evidenciar nos homens. Começa por repreender os roncadores, que, sendo tão pequenos, são arrogantes (“É
possível que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar?!”). Repreende igualmente
as rémoras pelo seu oportunismo e ronha (“ […] sendo pequenos, não só se chegam aos outros maiores, mas
de tal sorte se lhes pegam aos costados, que jamais os desferram.”); os voadores pela sua ambição e presunção
(“Não contente com ser peixe, quiseste ser ave […]”); e o polvo por ser um hipócrita e traidor, os piores defeitos
de todos “[…] monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e tão conhecidamente
traidor!”. Desta forma, os vícios destes quatro peixes funcionam como metáforas dos vícios dos colonos de São
Luís do Maranhão e da condição humana em geral.

Finalmente, o orador utiliza a peroração para recapitular os aspetos do seu discurso e reforçar a
igualdade entre os defeitos dos peixes e dos homens, através de um último aspeto. Vieira equipara de novo as
duas espécies, lembrando que os peixes não podiam ser sacrificados por Deus, pois morrem fora de água, e que,
pelo contrário, os homens, podendo sacrificar-se por Deus, também chegam em pecado e sem arrependimento
ao altar: “[…] quantas almas chegam àquele altar mortas, porque chegam e não têm horror de chegar, estando
em pecado mortal!”. Vieira acaba o seu discurso de forma humilde mas também tenebrosa, pois acrescenta que
os seres humanos falham perante Deus porque a sua inteligência destrói a sua inocência e pureza, enquanto os
peixes as conservam, pois são seres irracionais, não dotados de livre arbítrio, o que os conduz por caminhos
mais próximos de Deus. Com isto, apela aos seus ouvintes para que respeitem, venerem e louvem a Deus. Ora,
como os peixes não têm, realmente, características e capacidades humanas, infere-se que Vieira se referia aos
humanos também nesta parte do seu discurso.

As virtudes dos peixes são, então, a antítese dos defeitos humanos, e transparece a superioridade dos
peixes relativamente à natureza humana, incluindo a do próprio Vieira; e os seus vícios são uma metáfora direta
dos vícios dos homens, que são evidenciados por analogia.

Para finalizar, podemos concluir que, através de uma multiplicidade de estratégias para dirigir as suas
críticas aos homens, António Vieira consegue, de uma forma espantosa, repreender e levar os homens à
mudança dos seus comportamentos e vícios, através de uma pregação aos peixes.
«O Sermão de Santo António [1654]: Um caso de literatura de combate»

O Sermão de Santo António [1654] insere-se na categoria da literatura de combate, sendo um texto
religioso no qual o Padre António Vieira recorre à alegoria para criticar os seus ouvintes: os homens. Vieira é um
homem dirigido para o mundo e para o combate de ideias, procurando incutir a sua doutrina nos homens e
evitar que eles caiam no pecado, isto é, procura evangelizá-los. A alegoria manifesta-se pelo facto de, ao nível
textual, os destinatários serem os peixes (l. 86: “dividirei, peixes, o vosso Sermão”), que são uma metáfora usada
por Vieira para verbalizar as críticas aos homens ao nível da comunicação na Igreja, sendo estes últimos quem
o orador pretende efetivamente evangelizar.

Uma vez que tiveram as mesmas dificuldades em pregar a doutrina cristã entre os homens, Vieira decide
tomar S. António como exemplo e vai pregar aos peixes (ll. 57-58: “quero hoje, à imitação de S. António, voltar-
me da terra ao mar, e, já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes”). Na confirmação, o orador
começa por fazer referência ao facto de os peixes não se deixarem converter (dada a sua natureza irracional),
passando, de seguida, à denúncia de, na sociedade em que se insere, os homens terem o mesmo comportameto,
dado que não quererem mudar a sua mentalidade (ll. 63-65).

Dentro da confirmação, é estabelecido um contraste entre as virtudes dos peixes e os vícios dos homens.
A analogia com S. António permite moralizar os homens, apresentando-o como exemplo e apontando-lhes o
caminho que devem seguir. O Quatro-Olhos, por exemplo, tem dois olhos virados para cima e dois para baixo
(ll. 353-355), havendo uma relação de analogia com S. António, que consegue distinguir o bem do mal. Este seria
o exemplo a seguir, dado que “neste mundo «tudo é vaidade»” (l. 366) e a única solução seria olhar diretamente
para o Céu ou para o Inferno, a fim de fugir desse pecado humano.

Já nas repreensões gerais, o orador condena o facto de os peixes se comerem uns aos outros (ll. 401-
402), uma metáfora para o fenómeno de antropofagia social, que tem a ver com a dominação e a exploração
que os homens exercem uns sobre os outros (ll. 428-429: “ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o
tem comido toda a terra”). Também se verifica uma crítica à ignorância e à vaidade, que se manifestam na
sociedade humana do tempo de Vieira através daqueles que são enganados a comprar farrapos a preços
elevados, e para tal levam uma vida de pobreza (ll. 574-575: “pois em que se vai e despende toda a vida? No
triste farrapo com que saem à rua, e para isso se matam todo o ano”).

Finalmente, Vieira indica vários exemplos de peixes que representam vícios dos homens. A título de
exemplo, os Roncadores são pequenos mas emitem um som grave (ll. 592-593), o que representa a arrogância
e a soberba nos homens; o polvo tem a capacidade de se metamorfosear, simbolizando a hipocrisia e a traição
(ll. 775-777). S. António, mais uma vez, é o exemplo a seguir, pois possui as qualidades que os restantes homens
deviam ter: é humilde, cândido, defensor da verdade e dado à espiritualidade.

Em suma, este sermão tem como finalidade promover as virtudes humanas e rever mentalidades através
da crítica à condição humana. É, assim, um caso paradigmático de literatura de combate ideológico.

O Sermão de S. António aos Peixes: um caso de literatura de combate

No Sermão de Santo António aos Peixes, o orador privilegia, de facto, a vertente de combate de ideias,
que se inscrevem numa grande variedade de domínios, que acabarão por refletir o pensamento de grande
homem do mundo que foi o Padre António Vieira.
No capítulo I, o exórdio, o Padre António Vieira começa por utilizar um conceito predicável (“Vos estis
sal terrae”: “Vós sois o sal da terra”) que, alicerçado na autoridade de S. Mateus, nos permitirá concluir que
Vieira defende que os homens não querem receber a verdadeira doutrina (“ não se deixam salgar”). Para
reforçar esta atitude dos homens e os seus defeitos, Vieira recorre à figura da antítese entre peixes e homens
ao longo dos capítulos II e III. Deve fazer-se notar, ainda, a referência ao Santo António, que, em muitos casos
por analogia com os peixes, é o exemplo a ser seguido pelo auditório.

No capítulo II, inicia-se a construção de uma estrutura alegórica e a Divisão do sermão: primeiro, serão
pregados os louvores dos peixes e, seguidamente, os seus defeitos. Ainda neste capítulo, dá-se a Confirmação,
expondo-se as qualidades gerais dos peixes. Temos então as divinas – obediência, ordem, quietação e atenção
(“[…] aquela obediência […] e aquela ordem, quietação e atenção com que ouvistes a palavra de Deus […]”) – e
as naturais – não se deixam domesticar pelo homem, ao contrário de outros animais (“[…] Falando dos peixes,
Aristóteles diz que só eles entre todos os animais se não domam nem domesticam […]”). Ocorre, então, a
antítese entre peixes e homens, em que os peixes assumem um valor positivo.

No terceiro capítulo, o Padre António Vieira evoca as qualidades particulares de quatro peixes: o Peixe
de Tobias, cujo fel cura a cegueira do pai e cujo coração afasta o demónio da casa (sentido literal) – também
Santo António, com o fel, cura a cegueira dos homens e utiliza o coração para afugentar o mal humano (sentido
figurado) –; a Rémora, que se pega ao leme da nau e a amarra (sentido literal) – também a língua de Santo
António domou a fúria das paixões humanas: Soberba, Vingança, Cobiça e Sensualidade (sentido figurado) –; o
Torpedo, que faz tremer o braço do pescador, impedindo-o de pescar (sentido literal) – Santo António fez tremer
vinte e dois pescadores que ouviram a suas palavras e se converteram (sentido figurado); e o Quatro-olhos, que
se defende dos peixes e das aves (sentido literal). Este é, para além disso, o peixe que ensinou o pregador a
olhar para o Céu (para cima) e para o Inferno (para baixo).

No capítulo IV, é iniciada a repreensão aos peixes com os seus defeitos gerais: comem-se uns aos outros,
mesmo sendo do mesmo elemento, da mesma pátria, da mesma cidade (“[…]da mesma natureza, que, sendo
todos criados no mesmo elemento, todos cidadãos da mesma pátria, e todos finalmente irmãos, vivais de vos
comer! […]”); e são ignorantes e cegos ao ponto de se deixarem explorar. Neste capítulo os peixes assumem o
valor negativo antes pertencente apenas aos homens (“[…] Mas para que conheçais a que chega a vossa
crueldade, considerai, peixes, que também os homens se comem vivos assim como vós […]”), pelo que o recurso
estruturante é a analogia e já não a antítese.

De seguida, inicia-se a repreensão aos peixes relacionada com os seus defeitos particulares e Vieira
refere-se a outros quatro peixes: os roncadores, que têm como defeitos a arrogância e o orgulho (“[…] É possível
que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar?![…}”) , traços que se reatualizam,
ao nível do homem, com Pedro, Golias, Caifás e Pilatos; os pegadores, devido ao facto de serem parasitas (“[…]
sendo pequenos, não só se chegam a outros maiores, mas tal sorte se lhes pagam aos costados, que jamais os
desferram […]”), características que se reatualizam em toda a família da corte de Herodes e em Adão e Eva; os
voadores, que são presunçosos, ambiciosos e caprichosos (“[…] matai-vos a vossa presunção e o vosso capricho
[…] Grande ambição é que […] queira outro elemento mais largo […]”), aspetos que se reatualizam em Simão
mago; e o polvo devido à sua hipocrisia e traição (“ […] o dito Polvo é o maior traidor do mar […]”), ultrapassando
Judas enquanto símbolo.
Por fim, no capítulo VI, dá-se a peroração em que Vieira louva Deus como reforço da crítica e afirma que
o sermão não irá acabar em Graça e Glória porque o auditório – homens ao nível da comunicação, entenda-se
– não é detentor de tais qualidades.

Em síntese, podemos concluir que o Sermão de Santo António aos Peixes tem, de facto, uma vertente
de combate de ideias pela crítica que é feita aos homens e aos seus comportamentos. Para a efetivação dessa
mesma crítica, o orador recorre à alegoria e a analogias ao longo de todo o sermão. Os signos que se produzem
no texto configuram-se com um significado coerente ao nível da comunicação, que é dirigida aos interlocutores
habilitados a descodificar a denúncia e os objetivos edificantes que serviram de exemplo para os homens, que
“se não deixam salgar”. O Padre António Vieira tem, então, como fim da pregação do sermão a mudança de
comportamentos, podendo, de facto, afirmar-se que o seu discurso, ultrapassando a simples evangelização no
sentido mais religioso, privilegia a vertente de combate de ideias.

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