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RESUMO
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Avanços em Ciência e Tecnologia de Alimentos - Volume 4
INTRODUÇÃO
A poluição plástica dos oceanos pode chegar a 300 milhões de toneladas métricas até
2030 considerando as atuais projeções de crescimento populacional, projeções de PIB per
capita e a atual geração de resíduos plásticos per capita (MACHADO et al., 2018). Dentro
desse “mar de plástico” estão descartáveis, quais sejam copos, sacolas, canudos, garrafas
e microplásticos (pequenas partículas), incluindo microesferas usadas em produtos cosmé-
ticos (ONU, 2017).
Os canudos de plástico, que não costumam ser biodegradáveis e têm apenas alguns
minutos de vida útil para os seres humanos, correspondem a 4% de todo o resíduo plástico
consumido no planeta (DAVID; SANTOS; OLIVEIRA, 2018). A utilização desenfreada gera
enormes problemas de contaminação ambiental, uma vez que os resíduos gerados pela
decomposição permanecem por centenas de anos no meio ambiente (MOCARZEL et al.,
2019). Representam uma parcela pequena entre os resíduos descartados pela população,
entretanto, eles representam uma significante parcela do lixo marinho e costeiro, estando
entre os 10 objetos mais coletados em mutirões de limpeza (NETO, 2019).
Algumas cidades dos Estados Unidos da América, como São Francisco, no estado da
Califórnia, desde 2016, proíbem a distribuição de canudos de plástico nos estabelecimentos
(BRINKLOW, 2018). Na Inglaterra, a proibição dos canudos entrou em vigor em abril de
2018 (Department for Environment, Food & Rural Affairs). Já a União Europeia anunciou a
proibição até 2021 (RIES, 2017). No Brasil, a cidade do Rio de Janeiro foi a capital pioneira
na proibição e, desde setembro de 2018, está multando em vista à norma (Lei Municipal nº
6.458 de 8 de janeiro de 2019). Após a iniciativa, outras cidades das regiões Centro-oeste,
Nordeste e Sul do país também aderiram à causa e proibiram a comercialização e distribui-
ção dos canudos (NETO, 2019).
Preocupados com o meio ambiente e com os impactos negativos do lixo plástico, alguns
empresários já lançaram alternativas ao canudo de plástico. O canudo de papel está cada
vez mais presente no comércio e no dia a dia, já que é uma opção biodegradável, entretan-
to também acaba sendo uma fonte de poluição até sua completa biodegradação, já que o
modelo foi pensado como um descartável (GUTIERREZ et al., 2019).
Diante dessa problemática, desenvolver canudos biodegradáveis (biocanudos) com
funcionalidade semelhante à dos canudos de plásticos tem ganhado espaço no merca-
do industrial e comercial. Dentre as alternativas de matérias-primas para a produção de
biopolímeros, que constituem a base para a confecção do biocanudo, está o amido: um
polissacarídeo abundante, não tóxico, biodegradável, de baixo custo de comercialização e
disponível em todo o mundo (LUCHESE et al., 2019). Atrelados a isso e às características
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físicas e químicas desse polissacarídeo, trabalhos na produção de biopolímeros à base de
amido têm tido resultados positivos (AZEVEDO et al., 2018; ROCHA et al., 2020).
No entanto, a utilização do amido requer a inclusão de algum plastificante, pois quando
o biopolímero é produzido sem este, apresenta-se bastante quebradiço e sem flexibilidade,
o que acaba influenciando nas características mecânicas do filme. Os plastificantes mais
empregados na produção de biopolímeros são os polióis, como o glicerol e o sorbitol. O gli-
cerol é empregado como plastificante agregador da matriz, expandindo o espaço livre entre
as cadeias poliméricas, o que faz ocorrer a diminuição das forças intermoleculares ao longo
da matriz, aumentando, assim, a flexibilidade no manuseio dos filmes, o que contribui para
a diminuição de possíveis descontinuidades e zonas quebradiças (COSTA et al., 2017).
É sabida a relevância do glicerol na confecção dos filmes, no entanto a sua utilização
deve ser bem avaliada diante do custo imposto pela matéria, uma vez que o glicerol é o
principal coproduto gerado na produção de biodiesel, sendo que aproximadamente 10% do
volume total de biodiesel produzido correspondem ao glicerol (PEITER et al., 2016). Nesse
sentido, estudos que identifiquem substâncias naturais que promovam aos biofilmes firmeza
e elasticidade têm sido intensificados. A Aloe vera, popularmente conhecida no Brasil como
babosa, acrescenta melhorias nas propriedades físicas e químicas da produção de bioplás-
ticos pois o gel de Aloe vera contém em sua composição um líquido viscoso, composto por
95,4% de água e 4,6% de sólidos totais, dos quais 60% são polissacarídeos mucilogênicos,
responsáveis por propriedades funcionais, como coesão, capacidade de retenção e gelifi-
cação (CRIOLLO, 2019)
Dessa forma, o objetivo desse trabalho foi desenvolver um protótipo de canudo biode-
gradável (biocanudo) de amido de milho e glicerol, com adição do gel de Aloe Vera, visando
avaliar as características físicas e químicas do protótipo, de modo a estudar sua parte estru-
tural, assim como o monitoramento de sua integridade em contato com bebidas, simulando
as diferentes condições de uso por consumidores.
MATERIAL E MÉTODOS
As folhas frescas de Aloe vera foram obtidas de produtores rurais das cidades de
Brumado e Rio do Antônio, no estado da Bahia. Para a extração do gel de Aloe vera, as
folhas foram submetidas a um processo de lavagem com água corrente, seguido de sa-
nitização com uma solução de hipoclorito de sódio a 2%, por 5 minutos. Logo após, as
folhas foram lavadas com água destilada para remoção da substância química sanitizante
(CRIOLLO, 2019). Posteriormente, foi realizado, um corte transversal da base até o ápice da
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folha para dar acesso ao conteúdo interno. O gel de Aloe vera foi, então, separado da casca
por raspagem com auxílio de uma espátula e, por fim, o produto obtido foi homogeneizado
em um liquidificador (Phillips Walita®, modelo RI2101/30), filtrado (separando os grumos e
impurezas do material viscoso de interesse) e armazenado em frasco Boeco de 250 mL, a
uma temperatura de -4 °C, segundo Godinho (2014), com adaptações.
Tratamento Amido (%) Glicerik (%) Aloe vera (%) Água (mL)
A1 10 5 10 100
A2 5 3 10 100
A3 8 1 13 100
Os tratamentos foram preparados em três repetições em triplicata.
Análises tácteis e visuais foram realizadas nos três filmes para comparar parâmetros
como: homogeneidade (distribuição uniforme sem partículas insolúveis ou regiões sem
recobrimento); flexibilidade (manuseio fácil, sem rachaduras e áreas frágeis); ausência de
defeitos aparentes como bolhas de ar na superfície; desprendimento do revestimento; e
olho de peixe (massa globular pequena que não se misturou completamente ao material do
bioplástico), seguindo a metodologia de Cruz (2018), com modificações.
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a 105 ºC, por 24 horas. Em seguida, as amostras foram submergidas em 50 mL de água
destilada por 24 horas. Após esse período, as amostras foram removidas da água e secas
em estufa (Limatec) a 105 °C, por 24 horas. A porcentagem de solubilidade e umidade foi
calculada segundo Gontard et al. (1992). As análises foram realizadas em triplicata.
Biodegradabilidade do biocanudo
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Integridade do Biocanudo frente às bebidas comerciais comumente consumidas
RESULTADO E DISCUSSÃO
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O biofilme A1 (Figura 01) mostrou-se visualmente homogêneo, sem aspecto de olho
de peixe, com ausência de bolhas na superfície e boa flexibilidade (facilidade de manuseio
e ausência de rupturas e zonas quebradiças). O biofilme foi desprendido da placa Petri na
temperatura ambiente (25 ºC), com facilidade após secagem de 24 horas a 30 ºC, e não
apresentou aspecto pegajoso, o que facilitou sua modulação para confecção do protótipo do
biocanudo. A pegajosidade, segundo Raquez et al. (2008), pode ser adquirida por excesso
de componentes plastificantes na formulação. Para produção do protótipo, o biofilme foi
desprendido do molde, cortado em forma retangular e enrolado manualmente até obter o
formato do canudo (Figura 02).
Figura 01: Filmes formulados com diferentes concentrações de amido, glicerol e gel de Aloe vera. A1 - 10% de amido,
5% de glicerol e 10% de gel de Aloe vera; A2 - 5 % de amido, 3% de glicerol e 13% de gel de Aloe vera; A3 - 8% de amido,
1% de glicerol e 13% de gel de Aloe vera.
Figura 02. Biocanudo formulado com 10% amido, 5 % de glicerol e 10 % de gel de Alo vera.
O protótipo de biocanudo (Figura 02) teve sua solubilidade final de 36%, após 24
horas imersas em água. Costa et al. (2018) considera como baixa uma solubilidade de
14%, avaliando filmes biodegradáveis à base de amido de feijão macáçar-glicerol-quitosa-
na. Os protótipos desenvolvidos mostraram-se mais solúveis, no entanto o resultado não
teve influência no teste de integridade após o contato com bebidas comumente consumidas
(Figura 05). Características mais solúveis de compostos biodegradáveis em água tendem
a ser mais interessantes quando se leva em consideração que o atual canudo plástico é o
sétimo item mais coletado nos oceanos. Kocakulak et al. (2019), detectou solubilidade em
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filmes biodegradáveis elaborados com amido de grão de bico e glicerol variando entre 40 e
46%. Os autores observaram que, quanto maior a concentração do glicerol, maior a solubi-
lidade dos filmes, pois o glicerol aumenta o espaço livre ao interagir com a matriz do filme
facilitando a entrada de água, consequentemente aumentando a solubilidade.
O biocanudo (Figura 02) apresentou uma umidade de 31%. Segundo Jones et al.
(2013), a umidade interfere nas propriedades físicas de barreira do biocanudo. A umidade
deve estar menor que 40% para uma resistência mecânica satisfatória e não afetar o módulo
de elasticidade. Senhorinho (2015) encontrou valores de umidade de 29,57% em filmes à
base de amido de araruta plastificados com glicerol. Esses valores de umidade podem ser
atribuídos à concentração de glicerol, pois este interage com a matriz polimérica aumentan-
do o espaço livre entre as cadeias, promovendo assim uma maior absorção de umidade do
ar, contribuindo para o aumento do teor de umidade do biocanudo (SANTOS et al., 2016).
A solubilidade em ácido do biocanudo (Figura 02) foi de 100%. Segundo Fakhouri et al.
(2009), essa característica é importante em casos nos quais o canudo é consumido junta-
mente com o produto final, indicando sua solubilização no pH ácido do organismo humano
durante a digestão. O autor ao produzir bioplásticos à base de amido e gelatina detectou
uma solubilidade total em ácido.
Na análise de biodegradabilidade em solo não padronizado, verificou-se perda de massa
do biocanudo de 51%, 61% e 83% durante os períodos de 30, 60 e 90 dias, respectivamente.
Foi observada a presença de pontos escuros no biocanudo durante os estágios de biodegra-
dabilidade (Figura 03), provavelmente decorrentes da decomposição da matéria orgânica pela
ação de microrganismos. Esse comportamento também foi detectado por Santana (2013),
durante avaliação da biodegradabilidade de bioplásticos de amido da semente de jaca plas-
tificados com glicerol ou sorbitol, por um período de 90 dias. O processo de biodegradação
de biopolímeros depende da composição do polímero, das condições que esta exposto
(calor, umidade, radiação e nutrientes) e dos microrganismos que estão presente no solo
(MEDINA-JARAMILLO, 2017). Normatizações internacionais (ASTM D6400, ASTM D6868),
determinam que a decomposição de compostos biodegradáveis no solo deve ser comprovada
em um nível de biodegradabilidade superior a 90% em menos de 180 dias. Dessa forma,
pode-se afirmar que o biocanudo teve uma alta taxa de degradabilidade em solo.
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Figura 03. Protótipo degradado com 30 dias. A presença de pontos escuros decorrente da formação de colônias de
bactérias e fungos.
Figura 04. Biocanudo de 6 cm de comprimento em diferentes bebidas comumente consumidas; D- Água de Coco; E- Suco
de Laranja; F- Achocolatado; G- Coca-Cola.
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Figura 05. Análise da integridade do protótipo frente a bebidas comumente consumidas em temperatura ambiente (25
º C) e refrigerada (7 ºC).
Figura 06. Análise da integridade do protótipo frente à solução salivar artificial em temperatura bucal (36 ºC) e refrigerada
(7 ºC).
CONCLUSÃO
O amido mostrou ser uma matéria-prima promissora para produção de canudos biode-
gradáveis, podendo ter uso industrial pela vasta disponibilidade e baixo custo. A utilização
de glicerol com gel de Aloe vera pode auxiliar no aumento da flexibilidade e estrutura do
biocanudo. A solubilidade em ácido foi um fator positivo, pois comprovou a degradação do
biocanudo em ácido, simulando as condições do sistema digestório humano. A biodegradação
foi comprovada pela alta taxa de decomposição do biocanudo no período de 60 dias. O re-
sultado da solubilidade em água foi satisfatório visto que, na atualidade, grande parte do lixo
nos mares e oceanos são canudos plásticos. A umidade de 31% foi um fator positivo visando
a resistência mecânica e elasticidade do protótipo. Para o teste da integridade do biocanudo
em condições de uso em bebidas comumente consumidas (Achocolatado, Água de Coco,
Coca-Cola, Suco de Laranja) e em solução salivar artifical, o protótipo apresentou-se con-
sistente, maleável e íntegro até o tempo máximo de 15 minutos de imersão, uma vez que a
média de vida útil do canudo plástico é de 4 minutos. Dessa forma, esse trabalho comprova
que é possível o desenvolvimento de canudo biodegradável com base em biopolímeros, a
fim de reduzir os danos negativos causados à natureza e ao meio ambiente. Os estudos
preliminares apontam o biocanudo à base de amido e gel de Aloe Vera como alternativa
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a substituição da utilização dos canudos plásticos. Estudos sensoriais e de sucção seriam
novas sugestões para futuras pesquisas.
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