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2 ASSISTÊNCIA E GÊNERO

UNIDADE

NO SISTEMA PRISIONAL
UNIDADE 2 – ASSISTÊNCIA E GÊNERO NO SISTEMA
PRISIONAL

A prisão é um espaço de angústia e paixões. É também uma instituição totalizante e


despersonalizadora. Aqueles que estão dentro de uma unidade prisional tendem a ceder
parte de sua individualidade para o todo. Costuma-se dizer que há perda da personalidade
do detento ou de parte dela.
Isso ocorre porque a convivência forçosa num mesmo ambiente com diversas pessoas,
diferentes entre si e cada qual com sua individualidade será conflituosa caso todos não
abram mão de certos comportamentos. Isso significa que os presos precisam abrir mão de
parcela de sua individualidade, em maior ou menor grau, a fim de que o convívio dentro
da prisão seja menos violento.

FIQUE ATENTO

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
Na tentativa de organizar a discussão, esta Unidade está dividida em seis itens:
1. O gênero no sistema prisional
2. O gênero feminino
3. O gênero conforme a opção afetiva
4. Separação etária
5. Separação conforme a situação jurídica
6. Separação conforme a natureza do crime

OBJETIVOS
Esperamos que você, ao final do estudo desta Unidade, seja capaz de:
• Identificar a questão do gênero no sistema.
• Compreender as relações entre gênero, natureza do crime e condições da
pessoa presa

Para o desenvolvimento desse curso faremos uso do Ambiente Virtual de Aprendizagem


Moodle – AVA – e suas ferramentas de interação, as quais nos permitem momentos de
interação síncrono e assíncrono. Por meio do AVA, compartilharemos nossas dúvidas,
saberes, expectativas referentes à questão dos direitos humanos e da diversidade social.
Além disso, serão disponibilizados no AVA outros referenciais teóricos que abordam
essa temática. Por fim, ao final da Unidade será solicitado a você que realize atividades
avaliativas nesse ambiente.

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AGENDA
A agenda é um instrumento importante para você planejar melhor sua participação em
nosso curso, pois apresenta a sequência de atividades previstas para a Unidade. Marque
com um “X” as datas em que pretende realizar as atividades descritas, bem como as
atividades já concluídas.

Concluída
Período Atividade Seg Ter Qua Qui Sex

1 Leitura da Unidade 2 do Guia de Estudos.


Visualização da videoaula “Gênero no
2
Sistema Prisional”
Visualização de Vídeo “Ala GLBT em
Semana presídio da Paraíba é destaque em matéria
do jornalista Fernando Gabeira da Globo
3
De ___/___ News”.
Disponivel em: https://www.youtube.com/
a ___/___ watch?v=d1R-v4JWQaE
Leitura dos Textos Complementares 2 e
4
3
5 Atividade de Reflexão no Guia

6 Atividade Avaliativa no AVA

Procure se organizar para concluir estas atividades em duas semanas, conforme


cronograma de atividades. Sugerimos uma dedicação diária de 45 (quarenta e cinco)
minutos durante os dias úteis.

1. O GÊNERO NO SISTEMA PRISIONAL


O perfil da personalidade da pessoa presa em geral é o de um indivíduo que dificilmente
cede. Logo, o convívio entre pessoas presas gerará violência, conflitos e violações.
Uma medida que tende a diminuir a violência e a alienação pessoal de si mesmo _ isto
é, que ajuda a diminuir os conflitos e a perda de individualidade – é o agrupamento de
pessoas presas com características semelhantes ou comuns. Estas características podem
ser físicas, étnicas, psicológicas, sexuais, etárias etc.
As pessoas com as mesmas características formam grupos que podem representar um
gênero. A expressão gênero é vaga. Ademais, é uma noção tridimensional, pois emerge
do conceito de gênero, das relações de gênero e do sistema de gênero. Trata-se de um
conceito nada simples.
Não vamos ingressar na tormentosa questão do que significa gênero. Interessa a nós,
aqui, sublinhar que o gênero representa a forma e o modo de ser de algo. A transposição
dessa ideia para o meio carcerário ensina que os grupos de detentos devem ser separados
conforme suas características comuns, pois isso assegurará maior ressocialização, graças

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à menor violência interna e menor perda da individualidade de cada pessoa presa.
Certamente, trará maior segurança à unidade prisional e um ambiente de trabalho menos
tenso.
Costuma-se identificar a questão de gênero no sistema prisional com a problemática
sexista, isto é, relacioná-la à problemática do encarceramento feminino. Embora a
prisionalização de mulheres seja um grave e grande problema do sistema prisional, é
apenas um dos problemas de gênero. Outros existem.
Vejamos, assim, primeiramente a questão de gênero feminina e, a seguir, outras.

2. O GÊNERO FEMININO
A Constituição Federal, já em seu Artigo 5º, positiva garantias em favor da presa. Consta
no inciso XLVIII que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com
a natureza do delito, a idade e o sexo da pessoa presa”. As garantias inscritas no Artigo 5º
da Constituição Federal revelam também a relevância do tratamento de gênero adequado
no sistema prisional, que assumiu nível e dignidade constitucional.
O aumento da prisionalização de mulheres é desproporcionalmente maior em relação
a dos homens. O motivo é, principalmente, a prática de tráfico de drogas por mulheres.
As pesquisas são unânimes ao concluir que os motivos que tem levado ao aumento da
criminalidade entre mulheres é a pobreza.
O tratamento penal que é dado a uma pessoa do sexo feminino não pode ser igual a uma
pessoa do sexo masculino. Em todos os aspectos deve ser adequado ao gênero feminino.
Assim, os profissionais da unidade prisional devem ser, em sua grande maioria, do sexo
feminino. Os homens eventualmente trabalhando em uma unidade prisional feminina
deverão estar lotados em atividades que exijam menor contato com as detentas. O ideal
é que todos os profissionais que trabalham diretamente no trato penitenciário sejam
femininos.
Em tema de atenção à saúde não basta um médico clínico geral atuando numa unidade
prisional feminina. É preciso, também, um ginecologista. E exames de rotina específicos,
como mamografia e papanicolau, devem ser realizados periódica e continuamente.
Questões como visita íntima e preservação dos laços de família são especialmente
importantes durante o aprisionamento feminino. Não podem ser esquecidos os papéis
importantes e de referência que uma mãe ou dona de casa exercem na dinâmica familiar.
O Artigo 5º, inciso L da Constituição Federal consigna que “às presidiárias serão
asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período
de amamentação”. Logo, deve haver espaço apropriado para que as mães presas possam
estar com os filhos até os seis meses de vida.
É de especial relevância a necessidade de educação, profissionalização e trabalho
dispensados à população carcerária feminina. Tais tratamentos aumentarão a
probabilidade de emprego para as egressas, reduzirão os níveis de reincidência e
melhorarão a sociabilidade. O trabalho realizado já dentro da unidade prisional permitirá
ganhos financeiros e remição.

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As atividades de educação, profissionalização e trabalho tem o poder de, principalmente,
conferir maior independência à egressa, a fim de que consiga livrar-se da dependência ou
submissão ao gênero masculino.
Podemos resumir o tratamento penal para o gênero feminino com a conclusão de que se
trata de processo diferenciado, com especial atenção à saúde, à manutenção dos laços de
família e ao asseguramento de meios que possibilitem à egressa alcançar independência.

3. O GÊNERO CONFORME A OPÇ ÃO AFETIVA


Ainda em tema de questões de gênero de ordem sexista, outro aspecto importante está
no aprisionamento de pessoas com opções sexuais quantitativamente minoritárias, que
designaremos por GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transexuais). Trata-se de grupo que
frequentemente é vitimizado quando inseridos nas celas com presos de gênero masculino
ou feminino. Por isso, é preciso que a população GLBT tenha o seu encarceramento
realizado em ala ou celas separadas das demais.
Mas não é só. O tratamento respectivo também deve ser adequado à opção afetiva desses
indivíduos. Caso uma dessas pessoas seja inserida em cela comum, isto é, juntamente
com os demais encarcerados de opões heterossexuais, surge alta probabilidade de que
sejam praticados crimes sexuais contra os primeiros, além de tumultos e violências de
toda ordem.
Não se esqueça de que a dominação sexista entre os seres humanos é tão antiga quanto a
história do homem. Especialmente no ambiente carcerário, qualquer forma de dominação
entre detentos deve ser evitada, a fim de se assegurar melhor convivência, maiores
condições de ressocialização e menor violência.
Atualmente, existe norma que regulamenta o tratamento que deve ser dado à comunidade
LGBT nas prisões. Trata-se de Resolução conjunta nº 01, de 15 de abril de 2014, do Conselho
Nacional de Combate à Discriminação – CNCD/LGBT – e pelo Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária – CNPCP. A referida norma assegura, entre outros direitos, que
os presos de opção LGBT tenham “oferecidos espaços de vivência específicos” para a
garantia das suas integridades físicas e psicológicas, sendo que a transferência da pessoa
presa para o espaço de vivência apropriado fica condicionada à expressa manifestação de
vontade do interessado.
Também as pessoas transexuais masculinas e femininas devem ser encaminhadas para
as unidades prisionais femininas. O Estado deverá assegurar às mulheres transexuais
tratamento igual ao das demais mulheres em privação de liberdade.
Ainda conforme a Resolução, a pessoa travestis ou transexual em privação de liberdade
tem direito de ser chamada pelo seu nome social, de acordo com a sua identidade de
gênero.

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16ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, Brasil, 2012. Fonte: www.wikipedia.org.br.

4. SEPAR AÇ ÃO ETÁRIA
A Constituição Federal de 1988, a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Lei de
Execução Penal determinam que os presos sejam separados conforme: o sexo; a idade; a
situação jurídica (definitivos e provisórios); e a natureza do delito.
Da primeira (separação conforme o sexo) já tratamos. As demais separações obrigatórias
são, também, ditadas em razão do gênero. Como já dissemos acima: a questão de gênero
em tema prisional é mais conhecida como aquela respectiva ao encarceramento feminino.
Todavia, existem outras muito importantes. Vejamos.
A separação dos presos conforme a idade é obrigatória e está prevista na Constituição
Federal em seu Artigo 5º, inciso XLVIII, acima citado. A razão de ser deste dispositivo está
na tendência natural que o ser humano tem para agrupar-se em razão da faixa etária.
É da natureza do homem formar grupos de pessoas cujas idades dos integrantes sejam
mais próximas entre si. Estes grupamentos convivem de modo mais pacífico e ao mesmo
tempo constituem um meio no qual as individualidades são mais preservadas, pois entre
os seus membros as preferências costumam ser semelhantes, assim como as abjeções, os
costumes, os valores etc.
Ademais, grupos mais jovens, fortes e impulsivos, serão mais violentos e tentarão dominar
os demais pela força, enquanto grupos de idade mais avançada tentarão subjugar os
demais grupos usando a força da argumentação, isto é, a experiência de vida. Uma vez
que deve ser evitada toda forma de dominação entre detentos em uma unidade prisional,
a separação dos detentos conforme a idade é medida fundamental.

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Recomenda-se que sejam separados os grupos conforme a faixa etária que vai dos 18 aos
21 anos; dos 22 aos 30 anos; dos 31 aos 40 anos; dos 41 aos 55 anos; dos 55 aos 69 anos;
e dos 70 anos em diante.
Essa é uma recomendação conforme fases de maturidade psicológica e capacidade de
interações e contatos sociais. Veja bem, é uma recomendação e nada impede que outros
modelos sejam adotados, desde que preservem as semelhanças comportamentais dos
grupos etários. Por exemplo, existem classificações de apenas três níveis: dos 18 aos 21
anos; dos 22 anos aos 69 anos; e dos 70 anos em diante.
Nota-se que, no caso da separação obrigatória da mulher e do preso maior de 70 anos,
a LEP dá providência específica: “Artigo 82, § 1° – A mulher e o maior de sessenta anos,
separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição
pessoal”.

5. SEPAR AÇ ÃO CONFORME A SITUAÇ ÃO JURÍDIC A


A separação conforme a situação jurídica (presos provisórios e presos definitivos) decorre
da Lei de Execução Penal (Artigo 84) e, antes dela, da Convenção Americana de Direitos
Humanos (Artigo 5º, nº 4).
A razão desta separação reside no fato de que o preso provisório é um inocente, isto é, é
uma pessoa que está respondendo a um processo criminal no qual sofre uma acusação e
onde está se defendendo. Logo, não é uma pessoa condenada e pode ser que não o seja,
isto é, pode ser que venha a ser absolvida no julgamento ao fim do processo.
A separação entre tais pessoas presas não deve ser apenas física. O tratamento penal
também deve ser diferenciado. O indivíduo em relação a quem se tem a certeza de ter
praticado um delito deve receber um tratamento de ressocialização que objetive sua
melhoria pessoal em relação ao injusto praticado.
Diversamente, o indivíduo que aguarda julgamento não pode ser apontado como alguém
que praticou um delito. Logo, o respectivo trato deve objetivar uma ressocialização
voltada à política de redução de danos. Uma vez que toda forma de encarceramento
provoca algum grau de dessocialização, o preso provisório tem que ser alvo de ações que
impeçam sua dessocialização ou que somente a permitam no menor grau.
Enquanto o preso definitivo tem que ser tratado como delinquente autor de ato infracional,
o preso provisório tem que ser tratado como inocente. Isso é um desafio para todos que
atuam junto ao sistema prisional. Não deve ser permitida convivência intracarcerária entre
pessoas que comprovadamente praticaram delitos e pessoas que não foram condenadas
e devem ser tratadas do modo respectivo. Isso exige especial esforço do gestor e dos
profissionais do sistema prisional.
O contato entre ambos os grupos significa a mistura indevida de gêneros, com todas as
mazelas que este tipo de contato gera, conforme acima exposto: dominação, violência,
prejuízos de ressocialização etc.

6. SEPAR AÇ ÃO CONFORME A NATUREZ A DO CRIME


Afinal, o último aspecto da questão de gênero que trataremos diz respeito à natureza do
crime praticado. Os presos devem ser separados conforme a natureza do delito praticado.

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A expressão mais correta é conforme o tipo de delitos praticados, pois a natureza de
todos os delitos é a mesma: são todos ilícitos penais.
Essa separação também de gênero objetiva que os presos que praticaram um determinado
tipo de crime não aprendam nem ensinem práticas ilícitas a outros. A finalidade é,
também, que estes presos não absorvam comportamentos criminosos ou culturas de
outros grupos.
Igualmente favorece a manutenção da ordem na unidade prisional. Um exemplo bem
conhecido ajudará você a compreender melhor. O que acontece se misturarmos presos
condenados ou acusados por crimes de estupro com detentos encarcerados por outros
tipos de crimes? Os presos que respondem por crimes sexuais serão agredidos ou mortos
pelos demais.

VOCÊ SABIA?

Você sabia que uma das organizações criminosas mais conhecidas do Brasil, o
Comando Vermelho, surgiu justamente porque a administração penitenciária
misturou presos políticos e presos criminais no presídio de Ilha Grande/RJ, na década
de setenta? Graças ao contato entre presos por delitos comuns e presos políticos,
uns ensinaram aos outros as técnicas de organização, dominação e violência, que
resultou no surgimento da primeira grande facção criminosa no Brasil.

Quanto se fala em separação de presos conforme a natureza do delito nada mais se faz
que determinar uma boa prática ensinada pela criminologia, que é evitar a escolarização
do criminoso, ao mesmo tempo que dar maior segurança à unidade prisional.
O melhor a fazer é classificar o preso no momento de seu ingresso na unidade prisional,
a fim de se traçar o perfil criminológico deste indivíduo. Esta classificação permitirá
agrupar os presos conforme suas características desviantes e conforme suas respectivas
personalidades. Trata-se de um exame inicial, realizado por uma equipe multidisciplinar,
que muito ajudará para que se conheça melhor o detento e situá-lo no universo dos
demais detentos consoante suas características pessoais.

ATIVIDADE DE FIX AÇ ÃO

Imagine presos condenados por delitos violentos (por exemplo, roubos e latrocínios)
ocupando os mesmos ambientes prisionais que detentos cujo perfil é a prática de
crimes não violentos (por exemplo, estelionatos). O que você acha que aconteceria?
Como isso iria se refletir no cotidiano da unidade prisional? Como isso se refletiria
nos trabalhos dos profissionais do estabelecimento penal? Haveria consequências
para a sociedade? Quais?
Vá ao forum da unidade e apresente suas reflexões.

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