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Protágoras e os Deuses.

Leandro Pimenidis Amorim


Resumo
A tradição filosófica durante séculos excluiu os sofistas do âmbito filosófico.
Seu pensamento foi considerado prejudicial e por isso descartado. Um dos principais
representantes deste movimento foi Protágoras que mesmo em sua época fora bastante
perseguido e também acusado de não crer nos deuses. No entanto, ao invés de total
descrença nos deuses, encontramos indícios de que estes tinham grande importância em
nossas vidas para o autor.

Palavras-chave: Sofistas, Retórica, Teísmo, Filosofia antiga.

Na filosofia e em especifico no estudo de filosofia antiga, um dos temas mais


conturbados é o relacionado à escola sofistica da qual participa Protágoras. Embora
nenhum de seus textos tenha sobrevivido aos dias de hoje, estudamos Protágoras através
de fragmentos de sua obra e comentários que em especial seus opositores fizeram, entre
os comentadores, encontramos em uma passagem de Diogenes Laertios a indicação de
que a obra de Protágoras já na antiguidade fora destruída em praça pública pelos
atenienses irritados com uma de suas obras cujo inicio dizia: “Quanto aos deuses, não
tenho meios de saber se eles existem ou não existem; são muitos os obstáculos
impeditivos do conhecimento, como a obscuridade do assunto e a brevidade da vida
humana” (51). A crença de que os Sofistas tinham o objetivo de corromper a juventude
e pregar a inexistência dos deuses além da fama de embusteiros (baseada no relato de
alguns dos seus opositores, por exemplo Platão no texto Sofista aonde o autor relaciona
a arte do sofista como prestidigitação -268d), foi determinante na seleção de textos a
serem reproduzidos pelos monges cristão que exerciam a função de copistas. No entanto
em um estudo aprofundado na obra de Protágoras, uma afirmação categórica sobre a
inexistência dos Deuses parece algo estranho a este. Levando em consideração da
mesma forma as referencias feitas aos deuses em alguns de seus fragmentos, acabamos
por nos perguntar sobre esta descrença ser ou não verídica. Se levarmos em conta,
ainda, que no fragmento sobre os deuses, o sofista afirma não ser possível afirmar que
não existam os deuses, a questão se torna nula. Resta-nos portanto investigar o autor.
Protágoras nasceu em Abdera, mas a data é incerta, no entanto, Guthrie sugere
que seja anterior a 490. O mesmo autor considera sua morte por volta de 420. Como
dito anteriormente, muitas informações que hoje temos a seu respeito vêm dos diálogos
platônicos, mas embora este seja sugerido como inimigo dos sofistas demonstra respeito
e admiração por Protágoras embora se oponha em suas teses, isso transparece até
mesmo no texto homônimo ao sofista no qual Platão conta o encontro entre Sócrates e
Protágoras, logo no inicio do texto um amigo pergunta a Sócrates se este esteve com
algum sábio ao que este responde: “Não... Simplesmente do mais sábio de nossa
geração, é o que eu diria, se concordas em chamar Protágoras de o mais sábio”(309d).
Embora muito respeitado em Atenas, após a destruição de sua obra tornou-se uma figura
polêmica devido a periculosidade de suas ideias, devemos lembrar que este mesmo
povo que queimou os livros de Protágoras, também fez Sócrates tomar cicuta sob a
acusação de não crer nos deuses da cidade, e como vemos uma acusação bastante
parecida. O pensamento de Protágoras é bastante trabalhado por Platão em obras como
Protágoras aonde o pensamento do Sofista tem grande destaque e no Teeteto, aonde
logo no inicio do dialogo de Sócrates com o jovem Teeteto o filósofo pergunta ao rapaz
o que é conhecimento, ao que Teeteto responde “conhecimento não passa de percepção”
(151e), Sócrates neste momento demonstra o quanto a teoria aqui apresentada pelo
jovem se parece com a tese de Protágoras que diz” O ser humano é a medida de todas as
coisas “(152a), esta teoria de Protágoras que diz que as coisas são para mim como me
parecem e para você como te parecem-nos trás um conjunto complexo de problemas,
pois, as minhas sensações definem para mim o que conheço e as suas para o que você
conhece, e para esta análise o conhecimento é particular para o cognoscente. Se algo me
parece de uma forma, tenho a sensação de que é desta forma, assim sensação e
aparência são equivalentes. Importante aqui é entender que então aparência é também
até certo ponto conhecimento, pois, das impressões que a aparência nos traz é que
podemos produzir o conhecimento, e sem elas conhecer é também impossível. Sócrates
expõe a possibilidade de que por traz disto exista a possibilidade de que Protágoras
falasse por enigmas e que sua teoria remetesse ao fato de que tudo o que parece de um
modo, pode parecer de modo oposto, assim, as coisas não são, e não existem em si
mesmas, mas devém. Cada um vê e uma forma e cada um conhece a seu próprio modo,
sendo este modo em cada caso o correto. O fato de Protágoras enxergar a medida de
todas as coisas no homem era levado até mesmo em sua conduta pessoal, assim,
segundo Aristóteles “toda vez que ensinava uma coisa qualquer mandava o aluno
estimar o valor do conhecimento e aceitava a quantia que ele tivesse fixado” (Ética a
Nicômaco, IX, 1), afinal, para cada pessoa cada coisa tem um valor diferente, o
conhecimento não uma exceção, e para ser justo cada um pagará aquilo que deseja
aprender pela quantia de sua própria medida, ou Seja, tudo tem valor diferente aos olhos
de outrem.

“... conheço muitas coisas inúteis aos seres humanos, a saber, alimentos,
bebidas, remédios e muitíssimas outras, e algumas que são úteis; algumas
que não são nem inúteis e nem úteis para seres humanos, mas, inúteis ou
úteis aos cavalos, e algumas que são úteis somente para o gado, algumas
apenas aos cães; algumas também, que não são úteis a nenhum desses,
embora sejam úteis as arvores; algumas que são boas para as raízes de uma
árvore, mas ruins para seus brotos, como acontece com o estrume, que se
revela bom para ser aplicado às raízes de todas as plantas, mas que se
jogares sobre os brotos e ramos arruinará todos. Outro exemplo é o azeite,
que é extremamente ruim para todas as plantas, sendo também o pior
inimigo dos pelos de todos os animais exceto daqueles do ser humano, para
cujos cabelos é benéfico bem como para todo o resto do corpo humano. Mas
o bom é algo tão multifacetado e variável que, nesse exemplo do azeite, este
é bom para as partes externas do corpo humano, nas ao mesmo tempo
péssimo para as partes internas, motivo pelo qual os médicos proíbem
indiscriminadamente que seus pacientes utilizem o azeite em suas dietas,
exceto em uma quantidade mínima, o suficiente para afastar de nossas
narinas o cheiro pouco apetecedor dos alimentos e seus condimentos.”
(PLATÃO; Protágoras, 334, a,b,c)

O texto intitulado Dos Deuses do qual já falamos, segue exatamente a mesma


problemática que é tema principal na obra de Protágoras, ”o homem é a medida de todas
as coisas, das coisas que são que elas são, das coisas que não são que elas
são”(Diogenes Laertios 51), assim, quando se afirma a impossibilidade de dizer que os
deuses existem ou não existem, afirma-se que se o homem não pode ver ou sentir algo,
também não tem argumentos para demonstrar sua existência assim como tão pouco
consegue dizer que não existe. Como cada um vê o mundo a seu modo, Protágoras
ensinava seus alunos a elogiarem e censurarem o mesmo caso e desta forma estabelece
que a verdade possui dois lados e não é apenas única, ora, percebe-se aqui que se a
verdade cada um da pela sua própria medida, Se para aquele (por exemplo) que crê nos
Deuses estes existem de verdade , para quem não crê na verdade não existem e vice e
versa, Diogenes Laertios diz a esse respeito que “Protágoras foi o primeiro a dizer que
em relação a qualquer assunto há duas afirmações contraditórias”. Desta discussão surge
o problema de falar e não dizer a verdade, ao qual Platão não deixa passar despercebido.
Em Crátilo, surge um embate sobre a possibilidade de se dizer algo falso, Protágoras
não aparece neste diálogo, mas, seu pensamento é defendido por Hermógenes que
participa juntamente com Crátilo (que teria sido professor de Platão antes que este
conhecesse Sócrates e que seguia a filosofia de Heráclito) e é claro Sócrates.
Hermógenes afirma no texto que ninguém o persuade de que ”a correção dos nomes seja
outra coisa para além da convenção e do acordo” (384d) o que já define que mesmo os
nomes não podem simplesmente conter em si veracidade ou falsidade, assim, não se
pode falar algo em falso já que estabelecer que algo é falso é pura convenção, ou seja,
se é conveniente para um estabelecer a falsidade, para outro não o é, pois, se cada um
tem sua própria medida, verdadeiro e falso depende da pessoa, e não da palavra. O
debate em torno da verdade para Protágoras é um debate perdido, a solução está
portanto na suspensão do juízo, já que existem duas ou mais medidas envolvidas em
cada caso. Assim, aqueles que falam dos deuses não falam a verdade simplesmente pela
existência dos deuses, a possibilidade de se falar falsamente é valida mesmo que eles
existam, e como não podemos ver ou sentir não podemos emitir juízo.

Ainda falando sobre a tese do “homem medida”, encontramos uma segunda


interpretação da mesma (que não descarta a primeira interpretação) que se aplica de
forma bastante clara na problemática do divino, trata-se da mudança de uma medida
anterior. Ora, colocando de forma mais clara, se afirmo no mundo antigo que “o
Homem é a medida de todas as coisas”, estou também afirmando, que os deuses a quem
a lei é atribuída e que são a medida do mundo, não são uma medida que podemos
utilizar, justamente por que não conhecemos os deuses. A única coisa que conhecemos
realmente são os homens, se nós somos os homens e não conhecemos os deuses, só
podemos saber a medida do mundo a partir da nossa própria medida. Protágoras não
está, portanto, preocupado com os deuses em si, mas, está propondo que o homem
procure falar de coisas que consegue entender e falar das coisas da maneira que as
compreende, no entanto sua estratégia não foi nada bem sucedida, dizer que não se pode
provar que os deuses existem foi pretexto suficiente para que seus inimigos virassem o
povo contra o sofista.

Um ponto talvez de menor importância para a nossa investigação, mas, que pode
levantar à novas hipóteses está na presença do “mito de Prometeu”(230d) que surge no
texto de Platão, Protágoras. O “mito de Prometeu” é uma tentativa com a qual
Protágoras procura explicar a distribuição do senso politico entre os homens. Na
narração de Protágoras, coube a Prometeu a tarefa de inspecionar seu irmão Epimeteu
que tinha a tarefa de distribuir dons aos animais, no entanto, Epimeteu foi
demasiadamente generoso com os demais animais mais esqueceu do homem que
continuou sem pelos nem garras e nada que pudesse protege-lo, Prometeu por isso
atribuiu a sabedoria de Atena aos homens e roubou o fogo para que esses pudessem usar
essa sabedoria, mas, faltou a arte da politica e o senso de justiça entre os homens para
que estes vivessem juntos e por isso Zeus enviou Hermes para que distribuísse a arte da
politica entre os homens. A simples presença desse mito no nosso estudo já demonstra
que Protágoras tinha algum conhecimento e interesse nos mitos, embora não exista
motivo para alarde uma vez que estes mesmos mitos eram bastante conhecidos na
Grécia e que um retórico sofista certamente conhecia tais mitos, mas, a simples
atribuição de feitos divinos já seria algo de estranho a um ateísta. Um fragmento
especifico deste mito no entanto terá relevante importância para nós: “Entretanto agora
que o ser humano passara a compartilhar com os deuses de algo que antes fora
exclusivo destes últimos, ele, primeiramente, devido a uma espécie de afinidade ou
proximidade com os deuses, tornou-se o único animal que os venerava, tendo erigido
altares e confeccionado imagens sagradas.” (PLATÃO; Protágoras, 322A). Esta
passagem traz uma nova perspectiva aonde podemos ver tanto o interesse de Protágoras
pela religião como uma comparação dos homens com os deuses os diferenciando dos
animais, no entanto a tese do “homem medida” surge novamente com a distribuição da
arte politica aonde o homem seria capaz de reger suas próprias leis graças aos deuses
que nos deram esse dom. Segundo esta interpretação os próprios deuses deram ao
homem a capacidade de ser sua própria medida.

A partir dessa pesquisa, notamos que ainda não podemos dizer que Protágoras
foi ou não um ateísta, mas creio que estabelecemos que de modo algum ele tinha
intensão de afirmar serem os deuses inexistentes, a única a preocupação de Protágoras é
afirmar que os deuses não são uma medida confiável para que o homem conheça o
mundo, pois, a medida de algo que queremos conhecer não pode ser algo que não
vemos e não sentimos, a medida do mundo e de todas as coisas para o homem só pode
vir do próprio homem. Em contrapartida a problemática que a tese do “homem medida”
nos traz é que se as coisas são para mim como me parece, o que entendo como verdade
universal é apenas uma verdade minha, e o que é verdade pode ser apenas convenção ou
opinião, a possibilidade de que algo de falso seja dito sobre os deuses ainda compreende
um novo problema ao mundo grego, jamais os deuses haviam sido tão confrontados no
mundo grego, isso por que estes existindo ou não, não seriam suficientes para reger a
polis.

BIBLIOGRAFIA

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LAÊRTIOS; D. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução, introdução


e notas: Mario da Gama Kury. 2ed. Brasília: editora Universidade de Brasília, 2008.
360p.

PLATÃO. Diálogos I : Teeteto(ou do conhecimento), Sofista(ou do ser),


Protágoras (ou sofistas). Títulos originais:
           
 . Tradução e textos complementares: Edson Bini. Editora: EDIPRO.
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