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DOI: 10.1590/1413-81232015215.

23912015 1365

Parcerias na saúde: as Organizações Sociais como limites

artigo article
e possibilidades na gerência da Estratégia Saúde da Família

Partnerships in Health Systems: Social Organization as limits


and possibilities in the Family Health Strategy Management

Vanessa Costa e Silva 1


Pedro Ribeiro Barbosa 1
Virgínia Alonso Hortale 1

Abstract This is a case study in the municipal- Resumo Estudo de caso realizado no município
ity of Rio de Janeiro about management in the do Rio de Janeiro sobre o modelo de gestão por
Family Health Strategy based on the Social Or- Organizações Sociais na Estratégia Saúde da Fa-
ganizations model. The aims were to character- mília. Os objetivos foram caracterizar e analisar
ize and analyze aspects of the governance system aspectos do sistema de governança adotado pela
adopted by the Rio de Janeiro Municipal Health Secretaria Municipal de Saúde e identificar limi-
Department and identify limits and possibilities tes e possibilidades desse modelo como uma alter-
of this model as a management option in Brazil’s nativa de gestão no Sistema Único de Saúde. O
Unified Health System. A qualitative study was estudo tem abordagem qualitativa, realizado por
performed based on a literature review, document meio de revisão bibliográfica, análise documental
analysisand interviews with key informants. This e entrevistas com informantes-chave. A adoção
management model facilitated the expansion of desse modelo de gestão foi facilitadora da expan-
access to primary healthcare through the Family são do acesso à atenção primária por meio do au-
Health Strategy in Rio – where the population mento da cobertura potencial da ESF que passou
covered increased from 7.2% of the population in de 7,2% da população, em 2008, para 45,5% em
2008 to 45.5% in 2015. The results showthat some 2015. Os resultados sugerem que algumas práticas
practices in the contractual logic need to be im- da lógica contratual necessitam ser aperfeiçoadas
proved, including negotiation and accountability como a negociação e a responsabilização com au-
with autonomywith the service suppliers. Evalua- tonomia dos prestadores. A avaliação e o controle
tion and control has focus on processes, not results, têm como foco os processos e não os resultados e
and there has not been an increase in transparen- não houve incremento da transparência e do con-
cy and social control. The system of performance trole social. O sistema de incentivos ao desempe-
incentives has been reported as inducing improve- nho foi apontado como indutor de melhorias no
ments in the work process of the health teams. It is processo de trabalho das equipes de saúde. Con-
concluded that the regulatory capacity of the mu- clui-se que a capacidade regulatória da gestão
nicipal management would need to be improved. municipal necessitaria ser aperfeiçoada, entre-
1
Escola Nacional de
On the other hand, there is an important and sig- tanto há um importante aprendizado em curso.
Saúde Pública, Fiocruz. R. nificant process of learning in progress. Palavras-chave Estratégia Saúde da Família,Or-
Leopoldo Bulhões 1480, Key words Family health strategy, Social orga- ganizações Sociais, Gestão em saúde, Parcerias
Manguinhos. 21041-210
Rio de Janeiro RJ Brasil.
nizations, Health management, Public-private Público-Privadas, Contratos
vanessa@ensp.fiocruz.br partnerships, Contracts
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Costa e Silva V et al.

Introdução de o Estado implementar, de forma eficiente, as


políticas públicas.
As transformações que ocorreram como conse- Nesse cenário, vários municípios expandiram
quência da globalização econômica na relação o acesso aos serviços de saúde por meio da parce-
Estado-sociedade-economia, impulsionaram a ria com as Organizações Sociais de Saúde (OSS),
formulação e a implementação de Reformas Ad- entidades do terceiro setor que prestam serviços
ministrativas inspiradas na New Public Manage- mediante contratos de gestão realizados com a
ment desde meados da década de 1980, nos países administração pública direta e que discriminam
centrais, e na América Latina na década seguin- objetivos e metas a serem alcançados. Esse mode-
te. Na política de saúde, destaca-se a redefinição lo teria duas características principais. A primeira
das formas de intervenção do Estado por meio seria a ampliação da autonomia decisória em ter-
da contratação de organizações privadas para a mos financeiros e organizacionais em relação aos
execução dos serviços1. O foco era a redução da proprietários públicos, o que incentivaria a flexi-
atuação estatal na execução direta de atividades bilização administrativa para romper a rigidez da
consideradas não exclusivas do Estado, por um estrutura organizacional com compartilhamento
lado, e o incremento da função reguladora e pro- na autoridade e na responsabilidade. A segunda, o
motora, por outro2. incremento do controle público dessas entidades
No Brasil, enquanto o Governo Federal re- por meio do fortalecimento de práticas voltadas
definia a atuação do Estado na economia e na ao aumento da participação da sociedade na for-
sociedade, em um ambiente de crise econômi- mulação e na avaliação do desempenho da OSS4.
ca e fiscal, o Sistema Único de Saúde (SUS) era No âmbito federal, as OSS foram regulamen-
implantado com ênfase na descentralização das tadas na forma da Lei nº 9.637 de 15 de maio de
ações para a esfera pública municipal e, na déca- 1998, mas sua implementação aconteceu princi-
da seguinte, com a expansão acelerada e em gran- palmente nas esferas estadual e municipal que,
de escala dos serviços de atenção primária com utilizando-se das autonomias legislativas, ins-
a Estratégia Saúde da Família (ESF). Tudo isso tituíram versões locais. Estudo publicado por
ocorreu em um ambiente de restrição de gastos Silva5 encontrou Leis de Qualificação de OSS em
com pessoal, imposta pela Lei de Responsabilida- 56 entes da federação em 16 estados e 40 muni-
de Fiscal3 que, ao fazer parte de uma tentativa de cípios. Destes, 15 localizam-se no estado de São
reforma mais ampla do Estado, desconsiderou as Paulo; 05 no Rio Grande do Sul; 04 no Paraná;
especificidades do setor saúde e da Atenção Pri- 03 nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e
mária à Saúde (APS). Mato Grosso; 02 no Ceará, além dos municípios
A incoerência era explícita, pois limitar gastos de Goiânia (GO); Joinville (SC); Parnaíba (PI);
frente à necessidade de incorporação de profis- Petrolina (PE) e Vitória (ES).
sionais para atender às novas demandas inviabi- Tal movimento significou o estabelecimento
lizava o avanço do SUS. Isto induziu os gestores de uma nova arena de atuação do governo e da
públicos a buscarem alternativas para garantir a sociedade denominada “espaço público não esta-
expansão da atenção à saúde por meio de parce- tal”6. A proliferação de diferentes modelos jurídi-
rias com instituições da sociedade civil e garantir cos, a ampliação da presença do setor privado na
um mínimo de governabilidade diante das pres- execução de serviços públicos, e o consenso so-
sões da sociedade voltadas para a ampliação do bre a necessidade de melhorias no desempenho
acessado aos serviços públicos de saúde, direito das políticas públicas produziu, a partir dos anos
adquirido na Constituição de 1988. Um exemplo noventa, um importante debate sobre a gover-
disso foi a multiplicidade de vínculos empre- nança pública. Ou seja, mudanças na forma da
gatícios, a maioria precários, sem proteção da gestão do que é público levaram à ampliação do
Seguridade Social, utilizados na contratação de conceito de governança, como expressão dessas
profissionais da ESF fora do aparelho de Estado e transformações.
dentro de alguma organização da sociedade civil De acordo com Rhodes7, o conceito de go-
(associação de moradores, igreja, cooperativa ou vernança, originariamente adotado no ambien-
fundação de apoio). te das grandes corporações privadas, passa a ser
Soma-se a esse contexto, o entendimento de utilizado também na esfera pública com a ideia
diversos gestores públicos de que a descentrali- de transferência para o setor público dos conhe-
zação e a desconcentração da ação estatal, com cimentos gerenciais desenvolvidos no setor pri-
o concomitante estabelecimento de um modelo vado. Relaciona-se com a delegação de poder, ou
contratual competitivo, aumentaria a capacidade seja; qualquer empresa tem governança corpora-
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tiva, qualquer entidade que apresenta comparti- aplicação rigorosa e honesta dos métodos de in-
lhamento de poder tem a sua governança esta- vestigação que nos permitem fazer análises que
belecida. não se reduzem à reprodução antecipada das
Dentre as diversas acepções, não necessaria- preferências ideológicas daqueles que a levam a
mente excludentes, este estudo utiliza a concei- cabo”.
tuação de Matias-Pereira8 para o qual o tema go- Nesse sentido, elaborou-se um plano de aná-
vernança no setor público tem como referência lise do sistema de governança, a partir da revi-
as práticas do modelo da administração pública são sobre estudos críticos ao modelo de parce-
gerencial. A boa governança seria a ampliação rias público-privadas em saúde9. As dimensões e
da capacidade do governo em articular atores e respectivas categorias adotadas para o plano de
forças sociais, com vistas ao desenvolvimento de análise foram: (i) lógica contratual: processos de
formas de parceria público-privado. negociação; responsabilização com autonomia
Além disso, o “sistema de governança” seria do prestador; e sistema de incentivos ao desem-
composto de mecanismos e práticas de coope- penho; (ii) regulação: normatização; monitora-
ração sustentados numa política de informação, mento; avaliação e controle; (iii) transparência e
consulta e participação, como garantia da oferta controle social. Esse plano informou um modelo
de bens e serviços de qualidade para a população. teórico de alcance da boa governança na relação
Ele se daria por meio de formas colaborativas e entre Estado e OSS (Quadro 1). Verificou-se em
transparentes, em uma nova estruturação das re- que medida o caso estudado se aproxima ou se
lações entre a administração pública, o setor pri- distancia do modelo teórico, não como plano
vado e as organizações do terceiro setor9. rígido de análise dessa política, mas como ferra-
Nessa perspectiva, a implementação do mo- menta de auxílio na compreensão da realidade.
delo de OSS na Atenção Primária à Saúde (APS) Esse plano orientou: (i) a análise dos docu-
institui uma nova governança pública entre o Es- mentos oficiais da SMS, quais sejam: editais de
tado (financiador e regulador) e o terceiro setor convocação pública das OSS; contratos de gestão
(prestador de serviços de saúde). Entretanto, os (CG); arcabouço jurídico de criação e regula-
limites dessas parcerias, a forma adequada de sua mentação das OSS; relatórios de gestão e docu-
constituição e funcionamento, bem como seus mentos do Conselho Municipal de Saúde (CMS);
resultados, continuam suscitando o debate. As- (ii) a construção do roteiro de entrevistas9; (iii)
sim, este estudo objetivou caracterizar e analisar a escolha dos vinte e três informantes-chave. O
aspectos do sistema de governança da APS adota- Quadro 2 apresenta os perfis gerenciais e o lugar
do pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do institucional dos entrevistados.
município do Rio de Janeiro, como contribuição As entrevistas e a análise documental foram
ao debate acerca das parcerias do Estado com o realizadas em 2013. Esta última foi complemen-
terceiro setor na execução das políticas públicas tada em 2015.
de saúde. A análise da implementação desse processo,
A complexidade das relações de causa e efeito de significativa dimensão e complexidade em
inerentes aos processos organizacionais e inte- curso há seis anos na SMS, requer conclusões
rorganizacionais do setor público justificaria o prudentes que visam muito mais subsidiar os
permanente esforço de acompanhamento, inter- esforços de monitoramento do que realizar jul-
pretação e avaliação dos novos modelos geren- gamentos de valor sobre os acertos e os erros de
ciais no SUS. decisões e ações de governo. Há obstáculos e, so-
bretudo, um inequívoco processo de aprendiza-
gem em curso.
Estratégia metodológica

A investigação sobre os limites e as possibilidades Resultados e discussão


do modelo de OSS na ESF foi realizada por meio
de um estudo de caso, de abordagem qualitativa, Reorganização da Atenção Primária à Saúde
que permitiu a confrontação de um modelo te-
órico estruturado com uma realidade empírica. O município do Rio de Janeiro iniciou a re-
Trata-se de um tema atual, ainda não consoli- estruturação da APS em 2009, em três dimensões
dado, com diversos discursos em disputa. O que complementares: (i) maior participação da saúde
pretendeu-se foi apreciá-lo com “objetividade”, no orçamento municipal e maior participação da
termo definido por Sousa10 como decorrente “da APS no orçamento da saúde, com aumento ex-
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Quadro 1. Plano de análise de aspectos do Sistema de Governança da ESF do Rio de Janeiro, 2013.

Dimensão Categoria Práticas esperadas

Processo de Os indicadores de desempenho e metas são pactuados entre a SMS


negociação e as OSS. Há participação de representantes dos trabalhadores da
saúde;

Responsabilização É assegurada autonomia à OSS para o desenvolvimento do contrato;


Lógica com autonomia As OSS adotam práticas inovadoras na atenção à saúde e na
Contratual do prestador qualificação dos trabalhadores;
Os gerentes das clínicas e profissionais de saúde possuem autonomia
na organização do processo de trabalho;
As OSS possuem flexibilidade administrativa para adequar os
processos às necessidades dos serviços;

Sistema de Existe sistema de incentivos ao bom desempenho e punição das OSS;


incentivos ao O sistema de incentivos é extensivo aos profissionais de saúde e
desempenho vinculado ao sistema de pagamento;

Normatização O CG define o conjunto de serviços ofertados por cada unidade


regulada, aspectos da qualidade da atenção e o papel do serviço
contratado na rede de serviços do SUS;
O CG veda a prestação de serviços à saúde suplementar;

Monitoramento e Há uma comissão técnica de avaliação periódica do CG formalmente


Regulação Avaliação instituída no âmbito da SMS;
As OSS recebem retorno da avaliação periódica, bem como
orientações de melhoria para o aprimoramento contínuo;
As tecnologias de informação existentes são apropriadas para o
monitoramento do CG;
A SMS realiza auditoria regular na prestação de contas das OSS;

Controle O foco do controle é o resultado;


A capacidade institucional das instâncias regulatórias é adequada;

As informações sobre os CG e seus resultados são disponibilizadas


para conhecimento público;
Transparência e Controle Social
Existe representação dos usuários nas CTA;
O Conselho Municipal de Saúde acompanha a execução dos CG.

Fonte: Elaboração própria.

Quadro 2. Perfil gerencial dos entrevistados por lugar na hierarquia institucional e cargo.

Instituição Nível local Nível central

Gerentes das duas primeiras clínicas Gerente de cada uma das quatro OSS
OSS de família, de cada área programática,
inauguradas há no minimo 03 anos; e com
mais de um ano de permanência no cargo

Coordenadores das cinco áreas Gerente da Coordenação da ESF (da Subsecretaria


SMS programáticas com clínicas de família de Atenção Primária, Vigilância e Promoção da
inauguradas há no mínimo 03 anos Saúde) e da Gerência de Contratualização de
Organizações Sociais (da Subsecretaria de Gestão).

CMS 03 representantes do segmento usuários


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pressivo do recurso investido; (ii) mudança do (SPDM), Viva Comunidade (Viva), Instituto de
modelo de atenção por meio da expansão da ESF Atenção Básica e Avançada em Saúde (IABAS),
e instituição dos Territórios Integrados de Aten- Instituto Gnosis e Fundação para o Desenvolvi-
ção à Saúde – TEIAS; e (iii) adoção do modelo de mento Científico e Tecnológico em Saúde (Fio-
gestão com OSS, que pela utilização das regras do tec). O Quadro 3 sintetiza a distribuição regio-
direito privado agilizou a contratação de profis- nal das OSS e o cronograma de implantação dos
sionais, a aquisição de insumos e equipamentos e contratos de gestão. As cinco áreas programáti-
a construção de novas unidades de saúde. cas com clínicas da família inauguradas até 2010
O percentual das receitas próprias do municí- conformaram o cenário empírico desse estudo,
pio aplicadas na saúde passou de 15,7% em 2008 quais sejam AP 1.0; 2.1; 3.1; 5.2 e 5.3.
para 20,81 % em 2014. Em 2008, o percentual do Apresenta-se a seguir, aspectos do sistema de
gasto em APS em relação às outras subfunções governança adotado pela SMS na ESF. A discus-
vinculadas (vigilâncias em saúde e assistência são foi desenvolvida a partir da análise da percep-
hospitalar e ambulatorial) foi de 13,5%, apro- ção dos entrevistados e dos documentos oficiais
ximadamente 240 milhões de reais; em 2014 o da SMS e do CMS. De modo geral, as entrevistas
percentual investido na APS foi de 31,8% e apro- trouxeram informações importantes para a des-
ximadamente 1.233 milhões de reais11. crição do processo. Cabe destacar que, indepen-
Em relação à ampliação do acesso, a cobertu- dente do lugar institucional, vínculo (celetista
ra potencial da ESF passou de 7,2% da população ou estatutário), e tempo de atuação na SMS, as
(132 equipes) em 2008, para 45,5% (843 equipes)
em agosto de 201512. Esses resultados são signi-
ficativos, se considerarmos as dificuldades ine-
rentes à expansão da ESF em grandes centros ur-
banos brasileiros13. Os entrevistados atribuíram Quadro 3. Distribuição das OSS nas AP e período de
essa agilidade ao modelo de OSS e enfatizaram a contratualização, Rio de Janeiro, 2015.
morosidade dos processos na administração di-
Área OSS Período
reta como um importante obstáculo à expansão programática
dos serviços, como pode ser observado na fala a
seguir de um gerente do nível central da SMS. 1.0 Instituto Fibra 2011-2013
Eu tenho absoluta convicção que sem a ferra-
menta administrativa das OSS a gente não conse- SPDM 2013 - atual
guiria fazer esse grau de transformação na veloci-
dade que foi feita. Obviamente que a ferramenta 2.1 Viva Comunidade 2009 - atual
seria inócua se não fosse o aumento dos recursos
(GSMS). 2.2 Instituto Fibra 2011 - 2014
Os serviços de saúde do Rio de Janeiro estão
Instituto Gnosis atual
organizados em dez áreas programáticas (AP)
onde se localizam as respectivas instâncias ge- 3.1 Viva Comunidade 2009 - atual
renciais no âmbito da APS – as Coordenações
de Atenção Primária (CAP). Essas coordenações Fiotec* 2009 - atual
são responsáveis pela fiscalização dos contratos
de gestão estabelecidos com as OSS para cada 3.2 SPDM 2010 - atual
uma das áreas programáticas. Tais contratos fo-
ram celebrados a partir de dezembro de 2009 3.3 Viva Comunidade 2009 - atual
(Lei Municipal n° 5.026 de 19 de maio de 2009
e do Decreto nº 30.780 de 02 de junho de 2009) 4.0 IABAS 2010 - atual
e de forma gradativa nas diversas AP até 2011. A
5.1 IABAS 2011- atual
consequente expansão da ESF ocorreu tanto por
meio da implantação de ESF em unidades básicas 5.2 IABAS 2011- atual
de saúde pré-existentes quanto pela inauguração
de novas unidades de saúde, denominadas ‘clíni- 5.3 SPDM 2010 - atual
cas da família’.
Atualmente existem cinco OSS contratadas
*
Gerencia apenas o território no entorno da Fiocruz, em
Manguinhos, na perspectiva de território-escola.
pela SMS para operacionalizar a ESF: Sociedade
Paulista para o Desenvolvimento da Medicina Fonte: Elaboração própria a partir de dados acessados14.
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Costa e Silva V et al.

percepções dos entrevistados sobre as diversas No contexto da APS no Brasil, se por um lado
questões abordadas foram bastante homogêne- a área da saúde apresenta indicadores de resul-
as, apesar de terem sido expressas com maior ou tados já consolidados, o que não é frequente nas
menor profundidade, dependendo da trajetória demais áreas da administração pública, por ou-
profissional e visão crítica de cada um. tro, o reconhecimento da dimensão subjetiva do
cuidado e a existência de profundas iniquidades
Contratualização: processo de negociação, em saúde, tornam pouco tangíveis a mensuração
sistema de incentivos ao desempenho de ‘necessidades em saúde’; ‘capacidade instalada
e responsabilização com autonomia adequada’, ‘fixação de objetivos’ e, principalmen-
te, de ‘resultados’. Ney et al.16 consideram que no
A contratualização caracteriza-se pelas se- Brasil haveria “ausência de uma ‘cultura de ava-
guintes etapas: identificação de necessidades; liação’ e negociação entre profissionais e gesto-
estabelecimento de prioridades; verificação da res”, bem como pouco investimento e experiência
capacidade instalada; negociação e fixação de ob- acumulada em relação à avaliação de desempe-
jetivos e metas; acompanhamento e avaliação; e nho profissional e de contratualização de metas
aplicação de sistema de consequências (incenti- de melhoria da qualidade.
vos e penalizações). Tais etapas, para serem bem Nessa perspectiva, algumas precauções deve-
sucedidas, necessitam de sistemas de informação riam ser tomadas para que a contratualização se
adequados e de uma reestruturação organizacio- configurasse como uma estratégia de negociação
nal interna, tanto dos financiadores quanto dos e cooperação e que não ficasse reduzida a um
prestadores de serviços15. instrumento de cobrança do cumprimento de
As três categorias adotadas para análise da metas. Isso limitaria a capacidade de inovação e
lógica contratual, quais sejam, processo de ne- a criatividade das equipes locais no exercício do
gociação, sistema de incentivos ao desempenho cuidado em saúde. Dentre as precauções desta-
e responsabilização com autonomia, são imbri- cam-se17:
cadas e complementares. A negociação entre as . a necessidade de ajustes permanentes nos
partes e o sistema de incentivos contribui para indicadores e metas escolhidos para a avaliação.
uma maior responsabilização do prestador, que Metas pouco ambiciosas não premiariam o bom
por sua vez necessita de alguma autonomia para desempenho e se muito elevadas, com abrangên-
adequação dos processos à necessidade dos servi- cia de uma pequena área do processo de trabalho,
ços e alcance do desempenho esperado. Por uma poderiam provocar desmotivação nos profissio-
questão didática, esses aspectos são discutidos nais, ou, ao contrário, conduzir à focalização das
separadamente. práticas;
A negociação entre financiador e prestador, . sua construção gradual, em um ambiente de
seja ele público ou privado, é uma importante aprendizagem permanente e com o protagonis-
etapa, pois estimularia a parceria na busca pelo mo dos profissionais de saúde;
melhor desempenho dos serviços. Entretanto, a . a garantia de transparência na implantação
percepção dos entrevistados e a análise do con- do sistema de incentivos e clareza quanto aos ob-
trato de gestão (CG) revelaram que o processo jetivos e critérios de avaliação dos profissionais/
de negociação encontra-se pouco presente na re- prestadores.
lação entre a SMS e as OSS, pois apenas algumas Nesse sentido, considera-se que a não parti-
metas são pactuadas com as equipes de saúde. cipação dos profissionais de saúde na definição
Os indicadores e metas são pré-definidos pela dos indicadores e das metas reduziria o potencial
Subsecretaria de APS. Não tínhamos governabili- do sistema de incentivos como um dispositivo
dade sobre nenhuma meta, mas esse ano, as clínicas que pretende, por meio de um modelo de gestão
foram chamadas para conversar sobre a parte va- negociado, alcançar melhores padrões de desem-
riável 2, pois nenhuma unidade tinha conseguido penho18.
atingi-las em três anos de expansão da ESF (GCF). Enquanto no âmbito hospitalar a relação
No edital de convocação pública das OSS entre o financiamento e os resultados compõe o
constam os indicadores e as metas de desempe- foco da lógica contratual, na APS o exercício da
nho a serem cumpridos pela gestão da OSS (indi- pactuação entre gerentes e profissionais de saúde
cadores gerenciais) e pelos profissionais de saúde deveria ser central, pois a proximidade com os
(indicadores assistenciais). Ou seja, quando uma usuários seria essencial na escolha de indicadores
OSS concorre à gerência da ESF sabe previamen- e metas que consigam medir, com alguma sensi-
te quais metas de desempenho deverá alcançar. bilidade, a evolução e a efetividade de práticas de
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promoção, prevenção e assistência. A negociação a se movimentar, “o que eles estão fazendo para
contribuiria para substituir a relação hierárquica conseguir?”. Então foram vendo que o problema es-
tradicional pela pactuação bilateral. tava na organização do processo de trabalho. Então
O sistema de incentivos ao desempenho das houve uma competição positiva e foram ajustando
OSS adotado pela SMS é composto por indica- os processos (GSMS).
dores e metas e se vinculam ao repasse trimestral Sim, na variável 2 os indicadores se referem ao
de uma parte variável do recurso previsto no CG. trabalho da equipe como um todo, se eu sou médico
Compreende três níveis de incentivo, também e trabalho de acordo com os protocolos, mas se o
chamados de parte variável 1, 2 e 3: (1) à gestão agente comunitário não fizer o trabalho dele a nos-
da OSS: tem como objetivo induzir boas práti- sa equipe não vai alcançar a meta. Então ela traz
cas na gestão e alinhá-las às prioridades defini- esse senso de equipe forte que a Estratégia pede. E
das pela SMS; (2) às equipes de saúde da família: a variável 3 trata da qualidade do cuidado de cada
relacionado ao alcance das metas de acesso, de- profissional com aquele usuário, então reorienta as
sempenho assistencial, satisfação dos usuários e práticas, estimula a noção do território (GOSS).
eficiência; (3) aos profissionais de saúde: relacio- Entre os entrevistados, a percepção sobre
nados à adequação e qualidade do acompanha- os processos de trabalho que mais avançaram
mento de usuários com determinados agravos ou variou, seja em função da formação e grau de
patologia, corresponde a até 10% do salário base maturidade das equipes na ESF, seja em função
de cada membro da equipe de saúde da família e da capacidade de liderança e comunicação dos
saúde bucal. gerentes locais das clínicas de saúde. A categoria
Na perspectiva da Teoria da Agencia, o sis- profissional na qual mais se observou melhoria
tema de incentivos evitaria o comportamento no desempenho foi a dos agentes comunitários
oportunista das OSS e estimularia padrões de de saúde.
cooperação e de racionalidade coletiva em detri- Muda sim, mudou muito o processo de traba-
mento de padrões de comportamento que privi- lho. Eu vejo os agentes de saúde mais preocupados.
legiam interesses setoriais e individuais19. No en- Os agentes de saúde, apesar de estarem aqui des-
tanto, Melo20 alerta para a grande complexidade de 2009, não acompanhavam os cartões de vacina
do desenho de uma estrutura de incentivos. [...]. Mas como faz parte da variável 2, eles come-
O sistema de incentivos previsto na contratu- çaram a ter um contato com o cartão de vacina. No
alização foi apontado pelos entrevistados como começo eles não davam muita bola, mas quando
indutor: (i) de melhorias na qualidade do plane- começaram a receber um dinheirinho a mais na
jamento da equipe e estímulo à reflexão sobre o conta, eles ‘opa!’ (GCF2).
processo de trabalho; (ii) do melhor alinhamento Além dos pontos positivos, os entrevistados
das práticas entre os serviços; (iii) de competição apontaram limitações no processo: deficiências
positiva e troca de experiências entre equipes que nos relatórios produzidos a partir do prontuário
alcançaram ou não as metas; (iv) da reorientação eletrônico do usuário; dificuldade de entendi-
do cuidado na lógica da ESF; (v) e da melhor uti- mento de algumas equipes de que o alcance ou
lização do prontuário eletrônico do usuário.De não das metas é diretamente relacionado à me-
acordo com a Teoria da Agencia esse é o objetivo lhor organização do processo de trabalho; e a
do sistema de incentivos: induzir os profissionais imposição dos indicadores e metas pela SMS, di-
(agentes) a alcançarem os resultados desejados ficultando o trabalho dos gerentes em mobilizar
pela SMS (principal). os profissionais.
Os entrevistados referiram também que o pa- Os resultados sugerem que a remuneração de
gamento de uma parte variável promoveu mais profissionais de saúde vinculado a indicadores de
motivação nos profissionais na medida em que desempenho é mais um dispositivo de melho-
o incentivo é considerado como reconhecimento ria da qualidade nos serviços de saúde, mas só
do seu trabalho. As falas a seguir expressam essa funcionaria adequadamente como parte de um
percepção: conjunto de estratégias organizacionais que vão
Sim, modificou, deu direcionalidade. Antes desde a formação adequada do profissional, seu
cada área da cidade conduzia de uma forma. Hoje compromisso ético e a instituição de espaços de
que temos os indicadores da variável 2 e 3 a discus- educação permanente até a capacidade de comu-
são saiu do nível gerencial e chegou nas equipes. A nicação e liderança dos gerentes locais e a exis-
partir do momento que eles alcançaram a variável tência de outros incentivos, não financeiros21.
3, surtiu um efeito muito bom na área, porque ou- Outro aspecto da lógica contratual é a dele-
tras equipes que não tinham alcançado começaram gação de autoridade, concessão de autonomia e
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controle posterior de resultados, o que aumen- nir comportamentos indesejados dos entes con-
taria o grau de responsabilização das partes. No tratados, quer porque o Estado precisa garantir
entanto, a autonomia concedida às OSS limita-se a adequada execução das políticas públicas. Na
àquela decorrente do seu regime jurídico priva- contratualização com OSS, ter capacidade regu-
do: contratação de pessoal e aquisição de insu- latória significa que o Estado necessita normati-
mos, equipamentos e serviços de acordo com as zar, ou seja, definir as regras para execução das
regras próprias do terceiro setor. atividades; conceder autonomia dos processos;
Se por um lado, esta é a principal motivação controlar os resultados por meio de avaliação
do gestor municipal para adoção do modelo de permanente e responsabilizar as OSS pelos resul-
OSS no Rio de Janeiro, por outro, ao limitar a tados alcançados.
autonomia do prestador somente à esfera admi- Nessa perspectiva, o município do Rio de
nistrativa, afasta-se da lógica contratual, reduz a Janeiro adota três etapas de normatização da re-
potencialidade da parceria na adoção de práticas lação entre a SMS e a OSS: qualificação das en-
inovadoras e dificulta o exercício da responsabi- tidades do terceiro setor como OSS; convocação
lização. pública e formalização do contrato de gestão.
Os gerentes da SMS e das OSS entrevistados Além dessas regras formais e de outras contidas
apontaram essa reduzida autonomia, aqueles na legislação pertinente que normatizam a rela-
concordam com tal prática por considerar que o ção entre o contratante e os contratados, outro
recurso público precisa ser controlado e não exis- conjunto de orientações específicas do processo
tiria uma relação de confiança entre as partes que de trabalho na ESF são repassadas rotineiramen-
justificasse a concessão de autonomias. te pela SMS aos gerentes das clínicas de saúde da
Somos fiscais do contrato, somos ordenadores família em reuniões e visitas periódicas, como
de despesa do contrato, somos quem fiscaliza os por exemplo, a organização da recepção ao usuá-
indicadores, a gente autoriza o repasse do dinhei- rio e manejo nas linhas de cuidado e agravos es-
ro, então não dá para deixar correr na mão deles. pecíficos, além dos protocolos de regulação para
No final das contas, se der alguma coisa errada na exames, procedimentos e internações.
área o responsável é o coordenador e sua equipe. De acordo com os entrevistados, as OSS pres-
Entendeu? É o nosso telefone que toca de manhã, de tam contas periodicamente sobre a execução fi-
tarde, de noite e de madrugada (GSMS). nanceira; e o desempenho é medido pelo grau de
As Coordenações da APS checam tudo, a con- alcance das metas definidas na contratualização
ta de luz, de telefone, quanto que gastou. Esse foi e que compõem o sistema de incentivos. Entre-
mandado embora, porque recebeu isso? Tem até tanto, a SMS não realiza auditoria para verificar
esse miudinho. A OSS não tem nenhuma autono- a fidedignidade das informações assistenciais
mia. Nossa relação é de subordinação. A parceria enviadas pelas OSS, e o sistema de informações,
implica numa relação de confiança, e não há isso. alimentado em grande parte pelo prontuário ele-
Os coordenadores de CAP são preocupados, “se o trônico do usuário, necessitaria ser aperfeiçoado.
Ministério Público vier aqui, eu que estou assinan- O Tribunal de Contas do Município (TCM) rea-
do” (GOSS). liza auditorias periódicas relacionadas à adequa-
Nesse sentido, estudo realizado por Martins22 ção das instalações, sistemas de controle, insu-
sobre experiências contratuais na administra- mos, serviços contratados e ofertados, estrutura
ção pública federal aponta como “má condição” física e pessoal e disponibiliza em seu site institu-
a relação tutelar na qual a supervisão segue um cional os relatórios elaborados.
padrão de subordinação baseado na atribuição Segundo o discurso oficial da SMS, a gover-
de ações específicas e demandas paralelas ao nança por OSS tem foco no resultado. A forma
pactuado e como “boa condição” a relação agen- tradicional de se avaliar os contratos e a prestação
te-principal baseada na cobrança dos resultados dos serviços pela correta utilização dos recursos
pactuados no contrato. seria substituída pela verificação quanto ao atin-
gimento das metas previstas para os indicadores
Regulação das OSS: normatização, de desempenho. Entretanto, as falas dos entrevis-
monitoramento, avaliação e controle tados mostraram uma situação diferente, ou seja;
predomina o acompanhamento do processo e a
A regulação é atribuição essencial e estraté- conformidade legal dos atos e procedimentos.
gica do Estado quando da separação entre finan- No Rio de Janeiro é o município quem dita as
ciamento e execução dos serviços. Quer porque regras, quem controla, quem vê como está funcio-
uma forte capacidade regulatória poderia preve- nando, cobra. Se tem alguma coisa que está errada
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ele vai lá e determina, “tem que ser feito dessa for- sação do título de OSS) da entidade. Na ESF, até o
ma” e não como a OSS quer que se faça. Em São momento duas entidades foram desqualificadas e
Paulo e outros municípios onde atuamos, nós fa- substituídas pelas atuais. Quando isto acontece,
zemos tudo, o município não se envolve, ele quer os profissionais de saúde das equipes permane-
os resultados, ele quer os indicadores, ele não se cem nas unidades e são recontratados pela nova
envolve. No Rio de Janeiro não, aqui é diferente re- OSS que assume. Essa pode ser considerada uma
almente (GOSS). boa prática para evitar rotatividade de profissio-
Se o controle dos resultados é um avanço na nais e perda de vínculo com a comunidade.
gestão da política pública, pois são eles que inte- A partir dos resultados desse estudo, consi-
ressam à população; o controle de processos, por dera-se que a capacidade regulatória poderia ser
outro lado, não deveria ser excessivo, mas é im- mais bem desenvolvida por uma instância exter-
portante porque aumenta a segurança daqueles na ao ente contratante, com independência e au-
envolvidos na contratualização em relação ao uso tonomia para fiscalizar e verificar a conformida-
do recurso público. Além disso, no caso da ESF de da execução do contrato de gestão e formada
de uma cidade do porte do Rio de Janeiro, o mo- por servidores públicos de alta competência nas
nitoramento que a SMS realiza sobre o processo áreas administrativa, jurídica, de auditoria con-
de trabalho das equipes conjuga dois fatores es- tábil e clínica.
senciais no provimento de políticas públicas de
caráter social: permite que o modelo de atenção Transparência Pública e Controle Social
adotado pela SMS tenha direcionalidade; e evi-
ta comportamentos oportunistas ou inadequa-
dos das OSS para o alcance de metas ‘a qualquer A transparência pública consiste na divulga-
custo’. Outro argumento favorável ao controle ção de dados e informações pelos órgãos e en-
dos processos é a dificuldade de mensuração do tidades da administração pública como parte da
impacto das ações empreendidas no domínio da responsabilidade de prestar contas de seus atos
APS. aos cidadãos de forma voluntária. É uma im-
Cabe destacar que os fiscais dos contratos de portante dimensão da boa governança, pois in-
gestão são servidores públicos que sempre atu- crementa a accountability, além de ser condição
aram no controle procedimental típico da ad- necessária para que os cidadãos possam exercer
ministração direta, e para a mudança de cultura efetivamente o controle social. A promoção da
requerida no processo de contratualização é im- transparência pública pode evitar atos indevidos
portante o acúmulo de experiência e a capacita- e arbitrários por parte dos governantes e dos ad-
ção permanente desses profissionais. O desejável ministradores públicos.
seria que a SMS não confundisse suas responsa- Nesse sentido, a transparência deveria estar
bilidades com as das OSS para que a relação de presente em todas as etapas do processo de con-
parceria pudesse, de fato, ser estabelecida. tratualização entre a SMS e as OSS com a divul-
Outro aspecto a ser considerado nas parcerias gação de informações básicas sobre os contratos
do Estado com o terceiro setor é que seria impor- de gestão e seus resultados. Essas informações
tante a diferenciação entre a função de regulação deveriam ser apropriadas, minimamente, pela
e a própria gestão das atividades finalísticas, de instância legítima de controle social no SUS que
forma que a regulação não se confunda com os é o Conselho Municipal de Saúde.
interesses do setor contratante e permita um juí- Os achados desta pesquisa apontam para a
zo de valor isento do desempenho das parcerias23. dificuldade de acessado às informações. Apenas
No Rio de Janeiro a regulação é exercida pela o edital de convocação pública para as parcerias
própria SMS por meio das Comissões Técnicas com as OSS é publicado no Diário Oficial do Mu-
de Avaliação – CTA, estrutura colegiada formada nicípio e a página da SMS destinada à publicação
por profissionais da Subsecretaria de Gestão, da dos CG esteve desatualizada entre 2011 e outu-
Subsecretaria de Atenção Primária, Vigilância e bro de 2015, quando o trabalho de campo deste
Promoção da Saúde e pelos Coordenadores das estudo tinha se encerrado. Em relação ao moni-
CAP. Existe uma CTA para cada CG. toramento e avaliação do CG, os mesmos não são
Quando a CTA verifica a necessidade de pu- divulgados pela SMS, apenas encaminhados para
nição da OSS, essa demanda é encaminhada ao ciência aos órgãos de controle interno (Contro-
Gabinete do Secretário para as devidas provi- ladoria Geral) e externo (Tribunal de Contas -
dências que podem ser advertência, notificação, TCM). Tal constatação pode ser exemplificada
interrupção do contrato ou desqualificação (cas- pela resposta de um gerente à pergunta ‘Em re-
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Costa e Silva V et al.

lação à sociedade, qual instrumento de transpa- Nesse sentido, estabelece uma relação com essas
rência que a SMS utiliza sobre a contratualização entidades mais próxima da subordinação e mais
com as OSS?’. afastada da parceria e da cooperação, o que limi-
Os relatórios trimestrais de prestação de contas, taria o desenvolvimento de inovações gerenciais
a parte do desempenho, não são publicados em lu- a serem introduzidas pela adoção da lógica con-
gar nenhum, nem o Conselho Municipal de Saúde tratual e da institucionalização da avaliação de
tem acessado (GSMS). resultados.
Em relação ao controle social, a lei munici- Essa dinâmica necessita de avaliações perma-
pal de instituição das OSS é tímida, constando nentes para ajustes e correção de rumos, quer em
apenas que “Qualquer cidadão, partido político, relação às dificuldades inerentes à implementa-
associação ou entidade sindical é parte legítima ção da ESF em grandes centros urbanos, quer em
para denunciar irregularidades cometidas pelas relação ao processo de contratualização com as
Organizações Sociais à Administração Munici- OSS que estabelece uma nova interação dos ato-
pal, ao Tribunal de Contas ou à Câmara Munici- res. Entretanto, identificaram-se esforços organi-
pal”24. De acordo com os conselheiros municipais zados na SMS destinados ao aprimoramento da
de saúde entrevistados, as OSS não atendem às parceria com as OSS, verificado pelas sucessivas
solicitações do CMS para prestação de contas. adequações à sua estrutura organizacional. Há
Esta é feita pela SMS e com pouca discussão. um importante aprendizado em curso.
Não temos acessado a coisa nenhuma, eu parti- Entende-se que não há um modelo único de
cipo das reuniões do Conselho, brigo, solicito infor- parceria com OSS, mas sim diferentes modalida-
mações. Os contratos de gestão? Nunca vi. (CMS) des originadas da combinação entre as normas
Uma boa prática seria a participação de usu- institucionais, as singularidades socioeconômi-
ários na composição das câmaras técnicas de cas, o grau de desenvolvimento institucional e as
avaliação do CG, prevista em algumas legislações determinações do jogo político local.
municipais, mas ausente no município do Rio de Em síntese, e à luz do estudo realizado, con-
Janeiro. clui-se que o modelo de OSS ainda necessitaria
Nesse cenário, verificou-se que o grau de ser aprimorado como alternativa de gestão no
transparência e controle social existente na rela- âmbito da APS no SUS, porque o Estado não pos-
ção entre a SMS e as OSS é baixo e não se diferen- sui a capacidade regulatória necessária, o que in-
cia daquele existente nos ritos da administração clui debilidades nas tecnologias de monitoramen-
direta do SUS25. Isto contraria as prescrições da to das atividades prestadas que dificultam a ava-
administração pública gerencial de que esse mo- liação do desempenho dos serviços contratados.
delo de parceria induziria a mais transparência e Nesta perspectiva, os sucessos e os fracassos
participação social. das parcerias do Estado com o terceiro setor de-
pendem da capacidade estatal nas distintas fases
de organização dessas parcerias, o que incluiria
Considerações finais um grupo de trabalho de alto nível; clareza de
objetivos; análise de alternativas – as parcerias
A análise da implementação desse processo, de teriam que apresentar vantagens em relação à
significativa dimensão e complexidade em curso opção pública; capacidade técnica e jurídica; de-
há seis anos na SMS, tempo que pode ser con- finição de linhas de base de avaliação; gestão da
siderado curto para o amadurecimento de uma mudança e comunicação clara com os profissio-
nova abordagem organizacional dessa complexi- nais e a população; e o adequado monitoramento
dade, requer análises prudentes que visem à sub- dos processos e o controle dos resultados.
sidiar os esforços de monitoramento. Estudos de A gestão dos serviços de saúde é uma prática
casos sobre intervenções ainda não consolidadas complexa em função da amplitude do campo e
permitem explorar as dificuldades de aplicação da necessidade de conciliar interesses individuais,
prática de determinados conceitos e as relações corporativos e coletivos, nem sempre convergen-
existentes entre os pressupostos de uma interven- tes. A análise sistemática dos modelos de gestão
ção e o contexto no qual se situa. pode contribuir para a melhoria das respostas às
A SMS adota um modelo de contratualização necessidades do setor saúde e ampliação da ca-
no qual as OSS são consideradas uma ferramenta pacidade dos governos na implementação das
administrativa para facilitar a aquisição de bens políticas públicas como estratégia de promoção
e serviços e a provisão de profissionais de saúde. da justiça social.
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Artigo apresentado em 10/11/2015


Aprovado em 11/01/2016
Versão final apresentada em 13/01/2016

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