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Felipe Rangel2
Apresentação
Huw Beynon pode ser considerado um dos mais destacados sociólogos do trabalho
do Reino Unido. Com uma longa carreira de pesquisas dedicadas principalmente
ao estudo empírico do trabalho industrial, acumula reconhecimentos tanto no
campo acadêmico como por meio da sua atuação política. Com passagem pelas
universidades de Bristol, Southern Illinois, Durham, Manchester, Beynon se
aposentou em 2010 pela Universidade de Cardiff, onde fundou e dirigiu o Wales
Institute of Social Economic Research Data and Methods (WISERD). Em sua
longa carreira, publicou mais de 20 livros, foi reconhecido com o título de Doctor of
Social Sciences pela universidade de Manchester em 1999, eleito para a Academia
de Ciências Sociais do Reino Unido em 2000 e congratulado em 2013 com o título
de Honorary Doctor of Letters, pela Universidade de Durham. Foi de maneira
muito disponível que Beynon aceitou conceder esta entrevista, realizada em sua
residência, na cidade de Abergavenny, em 15 de junho de 2015. No decorrer
dessa longa conversa, ele transita por sua vasta trajetória de pesquisas empíricas,
recuperando as referências teóricas e políticas que influenciaram sua produção e
1
Professor Assistente e Doutor pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – (UNESP) –
Araraquara – Brasil – fernandomartins@fclar.unesp.br
2
Doutorando no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Membro do Grupo de Estudos Trabalho e
Mobilidades (GETM) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – São Carlos – Brasil – feliperangelm@
gmail.com
Entrevista com Huw Beynon
238 Huw Beynon: uma sociologia pública do trabalho
Entrevista3
Você abriu o primeiro prefácio de Trabalhando para Ford4 com
C. Wright Mills defendendo que a sociologia deveria ser capaz de deixar
claro por que “hoje em dia, a maioria dos homens sente que sua [...] vida
é uma série de armadilhas”. Naquela época você aventou a hipótese de que
os sociólogos escreviam para os seus pares, produzindo sociologia para
os sociólogos, “um absurdo que isola o autor dos objetos de sua obra”.
Em sua opinião, a sociologia tem sido capaz de superar esse isolamento?
Eu escrevi isso um bom tempo atrás. Isso foi em 1972, eu acho, e esse era um
tempo onde a sociologia estava se estabelecendo no Reino Unido. Antes de 1962
havia apenas três departamentos de sociologia no Reino Unido. Em 1968, eu fui
para um departamento novo em Bristol. Havia a ideia da sociologia como uma nova
disciplina dentro das universidades britânicas. Nós conversávamos bastante sobre
a capacidade de os sociólogos oferecerem uma visão crítica de sociedade e uma
visão crítica do senso comum e uma visão crítica dos grupos desempoderados.
Naquele tempo, eu estava concomitantemente lecionando e realizando a pesquisa
com os trabalhadores da Ford e sentia muito fortemente que se nós quiséssemos
desenvolver a sociologia como uma disciplina com capacidade de ser crítica, fazia‑se
necessário o engajamento com as pessoas sobre as quais se estava escrevendo.
Naquela época havia um artigo muito famoso, escrito nos Estados Unidos, que
dizia que os sociólogos trabalhavam com as mãos para cima e com os olhos para
baixo: eles tinham as mãos para cima visando os fundos e os olhos para baixo
para a população. Então, em alguma medida, o que eu estava sugerindo era algo
de alguma forma romântico, mas – e eu ainda acredito nisso – era dizer que os
sociólogos deveriam ter uma relação muito mais direta com o mundo em que eles
estavam… particularmente com as pessoas que eles estavam pesquisando. O que
eu penso e o que eu sempre tento fazer é conversar com as pessoas sobre o que
acontece em relação a elas. Isso é o que Michael Burawoy começou a chamar de
3
A entrevista foi realizada pessoalmente por Fernando Ramalho Martins, a partir de roteiro elaborado
previamente.
4
BEYNON, Huw. Trabalhando para Ford: trabalhadores e sindicalistas na indústria automobilística. São
Paulo, Paz e Terra, 1995.
v. 6, n. 1 Fernando Ramalho Martins, Felipe Rangel 239
uma escrita embasada nas experiências cotidianas das pessoas em seus locais
de trabalho é um elemento residual que ainda compõe a sociologia do trabalho.
De forma geral, a situação em Halewood hoje é muito diferente. A planta de
transmissão é altamente automatizada, com grande uso de robôs. E é claro que a
Ford assumiu a Jaguar e a Land Rover visando construir um novo tipo de prestígio,
baseado em carros de alto valor na linha de montagem. A Ford, então, os vendeu
para a Tata Steel e continua a produzir o Range Rover na planta PTA com um
número muito menor de trabalhadores que em 1966. Surpreendentemente, a Ford
não mais produz carros no Reino Unido. Hoje ela produz carros na Alemanha,
Checoslováquia, Espanha e França. Embora a General Motors permaneça [no Reino
Unido], todos os outros carros produzidos no Reino Unido derivam de plantas
japonesas. Não há uma fábrica de carros britânica. A British Leyland desmoronou
e, ao cabo, foi vendida para a Shanghai Motor Corporation.
Houve um encontro alguns anos atrás para discutirmos Trabalhando para Ford,
para avaliarmos se ainda existe isso de trabalhando para Ford e como isso era visto.
Parte da discussão foi sobre o movimento de resistência que eu descrevi no livro,
e sobre como era possível mantê-lo em face da constante ameaça de a companhia
mudar para outro local. Sindicalistas da GM disseram “nós temos a produção enxuta
e temos que lidar com isso ou eles levarão a planta para a Alemanha”. Então, há o
medo desse “voo corporativo” [corporate flight], da internacionalização de toda
a companhia. Isso tem se tornado um fenômeno universal com trabalhadores da
região do ABC vendo novas plantas e investimentos sendo alocadas longe de São
Paulo, e indo para Recife, Bahia, Resende e por aí vai.
Isso foi o que aconteceu em Liverpool e na segunda edição do livro eu escrevi
sobre as maneiras com que esta incerteza adentrou a força de trabalho, com a
companhia efetivamente colando trabalhadores de diferentes plantas em competição
uns com os outros.
Então, de várias maneiras, o livro foi um sucesso, eu acho. Talvez ele não
esgotasse caso fosse publicado hoje. Certa vez, conversei com um editor e ele me
disse que hoje provavelmente eles nem mesmo publicariam Trabalhando para
Ford porque: quem estaria interessado em comprar um desses livros baseados
nos pormenores do trabalho fabril?
Ele disse isso?!
Sim, ele disse. O editor da Sage disse que se alguém lhes trouxesse um livro como
Trabalhando para Ford, hoje, eles não o publicariam porque não há mercado para
ele. Isso reflete o fato de que o mercado editorial mudou e que, crescentemente,
o mercado de livros de sociologia favorece os livros que podem ser usados para
ensinar alunos, livros-texto de diferentes tipos, livros de metodologia e por aí
vai. Eu acho que isso faz parte do processo de profissionalização e de vinculação
da sociologia à academia e não às ruas e aos locais de trabalho. Talvez nos dias
de hoje as pessoas possam fazer diferente por meio das publicações eletrônicas
e dos websites.
242 Huw Beynon: uma sociologia pública do trabalho
6
NICHOLS, Theo; BEYNON, Huw. Living with capitalism. Londres, Routledge & Kegan Paul Ltd., 1977.
v. 6, n. 1 Fernando Ramalho Martins, Felipe Rangel 243
livro sobre o modo em que a indústria de corte de diamante foi levada da Bélgica
para a China e agora para a Índia. Eu estou lendo como eles mudaram o processo
de trabalho para tê-lo executado por várias pessoas em vez de tê-lo executado por
um trabalhador qualificado; e é como se isso tivesse saído das páginas do livro do
Braverman: esse processo de extração do conhecimento, de desqualificação e da
organização do trabalho. Portanto, foi um livro muito importante e ainda é muito
importante nos dias de hoje, embora esteja um pouco fora de moda, porque, de
um modo estranho, o Taylorismo foi substituído, no discurso acadêmico, pelo
Fordismo; então veio o debate pós-fordista e o debate da desqualificação (que tinha
se tornado um tanto quanto limitado talvez) se perdeu. Inquestionavelmente,
trata-se de um livro importante e que obteve um impacto significativo abrindo
espaço para a ideia de “processo de trabalho” e de mudança nos locais de trabalho
como sendo áreas de análise teórica e empiricamente importantes. Michael Wood
foi uma das figuras-chave nesse desenvolvimento e eu conversei com ele em uma
conferência em São Paulo há 25 anos, quando discutíamos a desqualificação e ele
era muito cético em relação a isso. Então, é claro, a Labour Process Conference8
foi criada e se tornou um eventual anual contínuo e de muito sucesso.
Há problemas, eu acho. Por exemplo, houve uma tendência em centrar as análises
e os debates no conceito de “desqualificação” que se transformou numa espécie de
lei universal, uma fórmula de pesquisa. Perderam-se de vista outras coisas, sabe?
John Berger – o famoso crítico de arte, fotógrafo e historiador – escreve sobre
problema relacionado ao fotógrafo que fica preso ao enquadramento da imagem,
preso às lentes da câmera. Ele escreve sobre como o fato de você passear com o
seu cachorro, enquanto este salta de cá pra lá e de lá pra cá, faz com que você olhe
para além do enquadramento, oferecendo-lhe uma maneira mais ampla de ver as
coisas. O Trabalhando para Ford contém a análise do processo de trabalho em si.
A estrutura é de fato ampla, de forma a possibilitar a observação de uma série de
outras coisas relacionadas à experiência de trabalho. É nessa direção que eu acho
que o livro do Braverman foi muito importante, mas, na condução de análises de
locais de trabalho [inspiradas nesse referencial], estas tenderam a ofertar narrativas
descontextualizadas. Elas tornaram-se monocromáticas, se preferir.
Mas a Labour Process Analysis foi um passo importante e no Reino Unido
foi desenvolvida de modo mais acentuado no contexto das escolas de negócio em
vez de nos departamentos de sociologia. Isso ajudou a expor os locais de trabalho
a análises críticas, mostrando que compreender o que acontecia nos locais de
trabalho era importante para entender o tipo de sociedade em que vivemos.
Em um artigo sobre a grande depressão no Reino Unido você
mostra como o “gradualismo” foi usado tanto pelo governo trabalhista
(com MacDonald) quanto pelo governo conservador (com Baldwin),
durante um momento de crise econômica. Corte de gastos públicos e
8
Vide: INTERNATIONAL LABOUR PROCESS CONFERENCE – ILPC. Berlin. Disponível em: <http://www.
ilpc.org.uk/>. Acesso em: 03 out. 2015.
246 Huw Beynon: uma sociologia pública do trabalho
Bem, ele trabalhou a questão da consciência de classe e ele é muito claro sobre
isso, mas também muito impreciso, às vezes. Eu lembro que ele estava indo para
uma aula em Pittsburgh e perguntei: “Por que você está tão nervoso?”. Ele disse:
“Bem, eu ainda não estou certo sobre isso, se eu realmente entendo acerca do que
vou falar”. Essa imprecisão, eu acho, relaciona-se a sua maneira fluida pela qual ele
veio a entender a classe social… e como é muito mais difícil explicar isso do que
recorrer a uma abordagem que reduz classe a conjuntos de categorias de emprego!
Ele via “classe” como um processo, e pensava que as classes tinham que ser
estudadas em relação umas às outras e ao longo do tempo. Essa foi a origem de
seu desacordo com as abordagens sociológicas da estratificação social. Para ele,
a sociologia “para a máquina do tempo”. Em sua visão, “consciência de classe”,
ou qualquer forma de consciência, é algo que emerge a partir de relações que
devem ser estudadas ao longo do tempo. Assim, em algumas partes isso se torna
tão fluido que é muito difícil saber como proceder. Mas isso certamente me fez
pensar que a sociologia – voltando para Trabalhando para Ford – precisava ter
uma visão mais ampla. É por isso que o livro começa com Detroit e Dagenham
e tenta situar esse tipo de relação entre a Ford Company e sua força de trabalho,
ao longo do tempo, historicamente, e particularmente com o caso “Halewood”;
e, com isso, transmitir a ideia de classes e relações [de classe]. Eu acredito que o
conceito que foi produzido foi algo que eu chamei de “consciência de classe fabril”.
Em certo sentido, é possível afirmar que isso se encaixa nas ideias de Thompson e
as desenvolve, sobretudo na medida em que se evidencia uma forma de consciência
de classe, um certo reconhecimento de ser o trabalhador, uma consciência de
que “eles nos tratam como números”. Isso apareceu muito acentuadamente nos
questionamentos à gerência, onde eles [os administradores] foram muito claros
sobre o que pensavam no tocante às suas relações, apontadas como conflitivas.
Mas quando eu perguntava às pessoas sobre o que elas fariam, em relação a
um novo tipo de sociedade ou para onde caminharíamos, havia uma militância
que era, na verdade, fabril. Ela não levava a nenhum tipo de visão articulada de
transformação. Na ausência de um partido hegemônico, o Partido Trabalhista
não conduzia a nenhum tipo de ideia transformadora. E, de certo modo, isso se
tornou o problema principal, porque quando eles se colocaram contra... quando
esse tipo de organização militante colocou-se contra o fechamento e a realocação
das fábricas para outros países, a política fabril, essa consciência de classe, não
ofereceu a eles uma resposta. Eles [os militantes] podiam combater o chefe, mas
eles não podiam combater o chefe quando este se mudava para algum outro canto
do mundo. Eles não sabiam como impedir que este se mudasse levando o trabalho
consigo. Se o chefe estivesse lá, eles lutariam, mas quando este decide ir para o
exterior, isso se torna impossível. Assim, o movimento dos representantes sindicais,
sobre o qual eu escrevi, não pôde lidar com as mudanças na estratégia corporativa,
que foram subvencionadas pelo governo Thatcher no início dos anos de 1980.
Eles [os representantes sindicais] de fato desenvolveram comitês combinados
de representantes sindicais que os ligavam a representantes de outras plantas
250 Huw Beynon: uma sociologia pública do trabalho
Por exemplo, uma das coisas que têm atraído a atenção pública no Reino
Unido é o fato de que muitos e muitos jovens se embriagam durante as noites
de sexta e sábado. E essa “cultura da farra” tem sido registrada. Muitas e muitas
festas de fim de semana… Nenhuma das explicações que eu li relaciona esse
comportamento ao trabalho que estes jovens desempenham. Não sei, mas eu
imagino que os rapazes e moças liberam sua energia após uma semana de trabalho
sem sentido. E certamente houve grande aumento no consumo [de bebidas] e
um grande declínio do sindicalismo. E, associado a isso, no Reino Unido houve
um crescimento astronômico nos débitos pessoais. Como você pode notar, há
a emergência de uma grande variedade de estilos de vida que têm por base o
consumo em lugar do local de trabalho; mas o trabalho permanece significante
e muito do consumo é baseado no débito – mesmo após a crise de 2008, com a
estagnação salarial, o débito pessoal cresceu. Raymond Williams quando escreveu
sobre os anos de 1960 disse que uma das maiores preocupações sobre o futuro da
classe trabalhadora inglesa era o problema com o débito.
Débito?
Sim, débito! Eu escrevi em Trabalhando para Ford sobre os representantes
sindicais agindo como líderes. Eles falavam bastante sobre a importância de
não se contrair dívida para compra de casa própria e da preferência de que suas
mulheres não trabalhassem, porque eles tinham de ser isentos de débito e tão
dependentes do salário da Ford quanto todos os outros trabalhadores. Assim,
se houvesse uma greve eles estariam na mesma posição de seus colegas e não
seriam vistos como pessoas que possuem outra fonte de renda. Essa era a única
maneira que eles podiam liderar, mas agora isso não mais é verdade. E quando
um trabalhador mineiro entrava em greve por um ano, a greve não se mantinha
e o que de fato rompia esta – a despeito do fato de como permanecer em greve
após um ano, que é um longo período de tempo... –, mas a coisa que começava a
incomodar as pessoas era o atraso no pagamento do financiamento da casa própria
e, consequentemente, a possibilidade de perdê-la. Dessa forma, consumismo,
débito e a quebra do sindicalismo nos locais de trabalho são uma combinação
estrutural de fatores, eu acho, que remontam à questão do propósito que você e
meu amigo que trabalha na Unilever Best Food mencionaram. Ele diz que tudo
que eles falam a você é: “continue fazendo as coisas e pense no dinheiro”, e o único
propósito de estar lá são os bons salários. Então, há um senso de que, se esse é o
caso, o trabalho tornou-se algo simplesmente instrumental, e, então, se a parte
mais importante de sua vida é vivida fora do trabalho, todas as coisas que eu
mencionei anteriormente – sobre a centralidade do trabalho e a necessidade de
uma sociologia do trabalho ser construída a partir de uma ideia de sociedade – se
perdem. Mas eu tenho dúvidas se isso é totalmente verdadeiro.
Nós realizamos um projeto, até que grande, e parte do que fizemos foi “reconstruir”
a vida das pessoas. Nós pedimos a elas, e eram sexagenários, que falassem de
seus momentos-chave. O que nós encontramos nesses relatos, e são depoimentos
252 Huw Beynon: uma sociologia pública do trabalho
comitê tinha ciência de que os líderes sindicais formavam o único grupo social
que poderia organizar uma oposição aos seus planos para introduzir a revolução
neoliberal. Por acreditarem em um outro tipo de economia esses líderes sindicais
tinham que ser separados de seus afiliados. Em grande medida essa estratégia
obteve sucesso.
Dessa forma, há um processo que contribui para a seguinte situação:
desindustrialização e neoliberalismo juntos, tendo um sério efeito enfraquecedor
[para o sindicalismo]. Ao mesmo tempo, há um processo de mudanças significativas
na economia e na forma de emprego, o que tem causado dilemas e dificuldades
para o recrutamento de sindicalizados, bem como no que tange às estratégias de
organização [do movimento sindical]. O Reino Unido vê sua nova (e reduzida)
base manufatureira sendo dominada por empresas estrangeiras – e não apenas
da Europa ou dos Estados Unidos. A indústria de carros agora é dominada por
japoneses com algum envolvimento de empresas indianas e chinesas. As empresas
japonesas tendem a usar “abordagem do bem” como uma maneira de reduzir o nível
de afiliação sindical, tentando fazer com que os trabalhadores se identifiquem com
a empresa e não com o sindicato. Esse contexto de mudanças rápidas convida-nos
a uma discussão ampliada da ideia de Michael Burawoy16 de “regimes de emprego”.
Diante disso, os sindicatos tentam mudar o foco. Dado que seu papel principal
de “negociador” das condições econômicas da classe trabalhadora foi desafiado e
severamente comprometido, eles passaram a focar na “organização”. Isso quer dizer
“recrutamento”: sua principal preocupação passou a ser: estancar a hemorragia
de afiliados. Em certa medida isso foi bem-sucedido e a queda íngreme da taxa de
afiliação diminuiu. Hoje – especialmente quando estão lidando com os ampliados
ataques ao setor público – eles se consideram organizações de “campanha”. O que
é um empreendimento novo e interessante: levar o sindicato para além do local de
trabalho e para as ruas para fazer campanha, não simplesmente por “empregos”,
mas para os serviços que dependem desses empregos.
Trata-se apenas de uma associação temporária? É essa a ideia de
campanha?
Fazer campanha em torno de assuntos que afetam seus membros. No setor
público, quando eles fazem campanha em torno da ideia de empregos do setor
público, deixam claro que se trata de empregos importantes, que o futuro do
serviço público é um assunto importante. Em vez de apenas dizer: “nós queremos
um aumento de 5%”, eles dizem: “nós queremos defender e fazer campanha para o
setor público por melhores hospitais e escolas” e assim por diante. E eles também
ligam seu discurso a assuntos que podem ser considerados como não sindicais,
como campanha por moradia e outras coisas. Eles se veem como organizações
de defesa dos pobres e marginalizados e dos trabalhadores em todos os aspectos
de suas vidas.
16
BURAWOY, Michael. The politics of production: factory regimes under capitalism and socialism. Londres,
Verso, 1990.
v. 6, n. 1 Fernando Ramalho Martins, Felipe Rangel 255
É claro que os sindicatos estão agora em uma posição muito mais frágil, mas
eles ainda possuem recursos e mais de cinco milhões de membros. Portanto, ainda
possuem força para um acerto de contas se assim o desejarem. Mas eles precisam
resolver sua relação com o Partido Trabalhista. Hoje a maioria dos sindicatos
ainda é afiliada ao Partido Trabalhista, mas um número considerável deles tem
deixado esse partido, enquanto outros nunca se afiliaram – e há quem afirme
que eles se encontram em melhor posição para apoiar a luta dos trabalhadores,
por poderem apoiar qualquer partido que queiram. Podem apoiar os verdes ou
os nacionalistas ou o que quer que seja.
Tudo menos o Partido Trabalhista?
Bem, muitos deles estão no Partido Trabalhista, certamente, mas a relação
entre o partido e o sindicato tem se tornado tensa com pessoas de ambos os
lados (do sindicato e do partido) dizendo que seria melhor para os dois se eles se
separassem. Entretanto, isso não aconteceu ainda. Na perspectiva dos sindicatos
o propósito da afiliação é alcançar um Governo Trabalhista que favoreça o
trabalhador e favoreça os sindicatos. Mas a experiência do governo da nova
esquerda enfraqueceu essa alegação, uma vez que muito pouco foi feito para
fortalecer a posição dos sindicatos naquele período. Portanto, os sindicatos têm
buscado obter mais controle das políticas partidárias, o que tem provocado um
clamor: “Eles querem controlar o partido, eles querem controlar o partido!”. Para o
qual os sindicatos respondem: “Sim, isso é verdade! Fomos nós que o criamos.
É o nosso partido! Este é o partido trabalhista!”.
Isso faz sentido?
Sim, e na verdade é uma tremenda ironia o fato de eles terem criado o Partido
Trabalhista com o propósito de controlar o capital e para tê-lo como um partido
para o trabalho e o que se tornou claro foi que ele não pode ser esse tipo de Partido
do Trabalho.
Ele não pode?
Bem, o novo Partido Trabalhista esteve no governo por 13 anos e eles nada
fizeram para alterar as leis sindicais introduzidas por Thatcher. Eu não consigo
ver como eles podem afirmar se tratar de um partido do trabalho. E agora parece
que temem dizer coisas positivas sobre os sindicatos ou sobre as pessoas que
estão em greve. Temem que a imprensa se volte contra eles. Eles de fato temem
isso! A situação aqui não é tão ruim quanto a do Brasil, mas é ruim o suficiente.
Aqui a maioria da imprensa pertence ou a indivíduos privados reacionários ou a
companhias privadas reacionárias. Portanto, a agenda subjacente é profundamente
de direita. Nós ainda temos a BBC e eles temem sair muito da linha do governo, de
todo modo a história que esta segue parece ser ditada pelos jornais. Dessa forma,
basicamente, tem sido muito difícil para os sindicatos.
256 Huw Beynon: uma sociologia pública do trabalho