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Marcos DeBrito: Guardem esse nome

Uma pequena cidade do início do século XX é aterrorizada


pelos ataques de um ser bestial, que trucida suas vítimas a
dentadas. Um imigrante italiano enlouquece e mata sua mulher e as
seis filhas. Um rapaz calado e estranho, se comporta de forma
misteriosa. Estes são os pilares da trama de Vila Socorro, o
romance de estreia do cineasta Marcos DeBrito, nome promissor que
acaba de assinar com a Rocco.
O livro retoma o mito dos homens que se transformam em
lobos,investindo em seus instintos primais e assassinos, mas
DeBrito ambienta a narrativa em um contexto histórico brasileiro.
O resultado é uma excelente obra de mistério ou terror, com
resoluções e reviravoltas muito bem elaboradas, em que a
licantropia é tratada de forma séria e embasada, a partir de
exaustiva pesquisa em literatura, lendas regionais, mitologia e
textos religiosos.

1- Você pode falar um pouco sobre o processo de elaboração do livro? Como


surgiu a idéia de escrevê-lo? Como você definiu o tema?

A transformação do homem em animal selvagem permeia o imaginário universal há


séculos. Mas, hoje, essas criaturas estão fadadas a caminhar como coadjuvantes em
histórias de vampiros ou formando alcatéias para embates de RPG. Considero isso um
erro. Eu gostaria que o Vila Socorro restaurasse o respeito por esses seres e para isso
construí uma história de fantasia que trata da licantropia de forma séria e bem
embasada. Busquei trazer uma visão mais humana, romantizando a imagem do homem
que se transforma em criatura nas noites de Lua cheia, mesclando os sentimentos de
amor e culpa nas relações afetivas em contraste ao incontrolável instinto selvagem
animal.

2- Como foi o processo de pesquisa e escrita?

Como tive a preocupação em tornar completamente verossímil o universo proposto, a


pesquisa me tomou um certo tempo. O tema foi exaustivamente pesquisado em
literaturas nacionais e internacionais, lendas regionais e mitologia, textos religiosos, além
de conversas com pessoas que estudam as mais diversas origens e versões da lenda.
Como o texto foi primeiramente concluído como roteiro cinematográfico, demorei mais
um ano para adaptá-lo ao romance.

3- Vila Socorro é um romance de terror, um gênero muito em voga atualmente.


Você buscou inspiração em outros livros do gênero?

É inegável reconhecer como o sucesso dos livros atuais sobre vampiros, magia e
fantasia abriu espaço para que outras criaturas míticas também pudessem sair das
sombras e ganhar destaque. Mas não diria que eu tenho inspiração nas obras literárias
atuais do gênero, porque bebo no terror mais clássico. Minha influência vem do Mal do
Século e na abordagem da solidão e melancolia – impregnadas no personagem central
da trama – adaptadas a uma linguagem mais atual. Macário, de Álvares de Azevedo é
meu livro de cabeceira, junto aos contos de Edgar Allan Poe. Admiro também os
vampiros criados pela Anne Rice, mas a influência maior para ambientação da trama e
personagens foi Drácula, de Bram Stoker.

4- E quanto aos filmes? Algum o inspirou?

Posso dizer que a influência cinematográfica teve um peso enorme sobre a estética e
construção da trama, já que, originalmente, o Vila Socorro fora escrito para as telas. O
mesmo Drácula, dirigido por Francis Ford Coppola, é o grande responsável pelo visual,
densidade da história e questionamentos internos dos personagens. O Labirinto do
Fauno, de Guillermo Del Toro, influenciou na construção de diálogos e na inserção de
uma história fantasiosa em um momento histórico específico. O Grande Truque, de
Christopher Nolan, apesar de não ser do mesmo gênero, foi a maior inspiração para
construir uma trama de surpresas bem amarradas.

5- Por que você resolveu escrever sobre a licantropia, narrativas de homens que
se transformam em lobos? De onde vem o seu interesse pelo assunto?

O verdadeiro sentido da maldição do homem que se transforma em criatura é o de


apresentar a Besta que habita na alma humana; o aspecto animal do ser humano. Um
homem comum precisa respeitar certas normas de comportamento, mas quando
transformado, ele segue seus instintos primários ignorando a ética, a moral e todas as
coisas que o diferenciam dos outros animais. Essa dualidade da licantropia me interessa
e deu a oportunidade para criar uma história cheia de ramificações, significados e
conhecimento histórico e religioso ocultos.

6- Qual é, na sua opinião, a razão deste tipo de histórias sobre homens que se
transformam em feras serem tão populares ainda hoje? Qual seria a razão do
fascínio por essas figuras?

Em certo grau, acredito que o fascínio ocorra pela transferência da culpa. Agir por
impulso assassino gera um certo fascínio nas pessoas por existir a liberdade para
concretizar tais atos sem a mordaça moral. Mas, para aceitarmos esse comportamento,
precisamos construir uma representação animalesca para justificar ações abomináveis.
E nada mais fascinante que nos vermos como uma criatura imortal, mais forte e veloz do
que qualquer homem na Terra, que vingaria todas as nossas mágoas com carnificina
impulsionada pelo desejo de reparação.

7-Você pretende escrever alguma continuação para o livro?

O Vila Socorro ficou com o final em aberto para um dos personagens principais que
deverá retornar em alguma obra futura. É possível uma continuação direta que aborde o
vampirismo, mas o mais provável é que esse personagem seja visto em outro romance
que estou elaborando, chamado Rio das Almas. Irei desenvolver melhor essa ideia após
terminar de escrever o roteiro cinematográfico de Sabola Citiwala - o escravo de Capela
para também adaptá-lo como romance em seguida – como foi feito com o Vila Socorro.
Nesse novo texto, eu recrio a lenda do Saci de forma mais cruel e visceral, reforçada por
pesquisa histórica e crença folclórica repaginada a um estilo mais denso.

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