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O Extase Da Intimidade Juan Cruz Cruz
O Extase Da Intimidade Juan Cruz Cruz
O ÊXTASE DA INTIMIDADE
Ontologia do amor humano
em Tomás de Aquino
Tradução:
Carlos Nougué
2 0 11 - R i o d e J a n e i r o
© 2011, Sétimo Selo Editora Ltda.
www.edsetimoselo.com.br - (21) 2242 7634
Título original
El éxtasis de la intimidad : ontología del amor humano en Tomás de Aquino
Tradução
Carlos Nougué
Revisão
Sidney Silveira
Coordenação editorial
Octacílio Freire e Sidney Silveira
ISBN 978-85-99255-12-4
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte.
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
C961e
11-0330.
CDD: 128.46
CDU: 177.61
18.01.11 21.01.11 023995
Sumário
Introdução .............................................................................................. 1
a) Amor
1 - S. Th., I-II, 28, 3; II-II, 175, 2; III Sent., d. 27, q. 1 a. 1 ad 4; De div. nom., 4,
10.
2 - Uma análise detida desses termos pode ser consultada em Carl Abel,
Über den Begriff der Liebe in einigen alten und neuen Sprachen.
3 - No que se refere a , Hesíodo explica em sua Teogonia (120) que é
“o mais belo entre os deuses imortais”; mas Platão o concebe como um
daimon, um ser intermediário entre os deuses e os homens (Symposium 204
c; Phaidros 250 d), dando-lhe um sentido dinâmico totalizador e, ao mesmo
tempo, ascensional: se inflama diante do corporalmente belo, com-
prometendo a força vital do sujeito, sua paixão, mas ascende em seguida a
formas mais puras de beleza, chegando à contemplação do divino. Razão
por que reúne o mais baixo e o mais alto, o sensual e o espiritual,
o natural e o ético. E, assim, impede a desintegração do homem, o
isolamento de suas partes: tudo deve estar unido.
b) Intimidade
6 - III Sent., dist. 27, q. II, a. 1. É de lamentar que este enfoque amplo e
integrador do Aquinate não tenha sido levado em consideração por muitos
tratadistas posteriores. Até o próprio Dictionnaire de spiritualité ascétique et
mystique (Paris, 1937-1995) restringe arbitrariamente o amor ao âmbito do
apetite sensível. “A amizade e o amor têm algo em comum, a saber, são
movimentos afetivos que provêm, ambos, do apetite. Mas diferem em que
o amor surge do apetite sensitivo, enquanto a amizade nasce do apetite
racional. O amor é, pois, de ordem inferior, orgânica: nasce da sensação e
tende aos prazeres sensíveis ou sensuais; em si mesmo é cego, brutal, in-
quieto, facilmente violento, naturalmente egoísta. Quando tem por objeto
pessoas de sexo diferente e tende à união dos corpos para a conservação
da espécie, toma a forma de amor sexual. A amizade, como tal, é de or-
dem superior, ideal; é espiritual e, por conseguinte, calma e serena. A
simpatia preside seu nascimento, a razão a fixa e a rege; ela paira sobre
o espaço e o tempo. Em uma palavra, o amor é material, a amizade é
espiritual” (t. I, verbete Amitié, p. 507). É verdade que não se podem pedir
aos textos do Aquinate as matizações fenomenológicas que, por exemplo,
Scheler (Wesen und Formen der Sympathie) ou Pfänder (Zur Psychologie der
Gesinnungen) fizeram em torno do fato amoroso; mas tampouco foram
escritos com essa intenção.
11 - S. Th., II, 28, 2. Para outras questões relacionadas com o tema na Idade
Média, podem ver-se as seguintes obras: Roberto Busa, La terminologia to-
mistica della interiorità; Carlo Giacon, Interiorità e metafisica: Aristotele, Plotino,
Agostino, Bonaventura, Tommaso, Rosmini.
12 - De Malo, 16, 8. No Index Thomisticus há uma abundância de citações a
respeito. Não aparece, em contrapartida, o termo intimitas no Aquinate.
13 - Reconhecidas, a esse respeito, são as obras de A. Gardeil, La structure
de l’âme et l’expérience mystique; M. Schmaus, Die Psychologische Trinitätslehre
des Hl. Augustinus; L. Malevez, La doctrine de l’image et de la connaissance mys-
tique chez Guillaume de Saint-Thierry; O. Karrer, Meister Eckehart, das System
seiner religiösem Lehre und Lebens-weisheit; H. Kunisch, Das Wort “Grund” in
der Sprache der deutschen Mystik des 13. und 14. Jahrhunderts.
17 - Cem Capítulos sobre a Perfeição, PG., 65, c. 1175; texto grego editado em
Florença em 1572.
18 - Santo Agostinho, De Trin., 12, c. 14, n. 23; Conf., 7, c. 17, m. 23; Enarr. in
Ps. 41, n. 10.
19 - Este é outro modo de indicar a potência espiritual que também foi
chamada, às vezes, de animus, justamente quando se queria sublinhar
seu elemento afetivo; daí que fosse traduzida pela palavra alemã Gemüt,
que indica não só uma emoção passageira e superficial, mas um senti-
mento profundo e permanente.
20 - Assim o reconheceu São Boaventura: “In anima humana idem est
intimum et supremum, et hoc patet quia secundum supremum suum,
anima animae approximat Deo, similiter secundum intimus; unde quan-
to magis redit ad interiora, tanto magis ascendit et unitur aeternis. Et
quia solus Deus superior est mente humana, secundum sui supremum
solus Deus potest mente esse intimus, et ideo illabi spiritui rationalis
est divinae substantiae proprium” (II Sent., dist. 8, t. II, 226, b).
- Martin Grabmann, “Die Lehre des hl. Thomas von der scintilla animae
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in ihrer Bedeutung für die deutschem Mystik im Predigerorden”, Jahrb.
Phil. und spek. Theologie, 24 (1900), 413-427.
c) Êxtase
3. O realismo do amor
40 - II Sent., dist. 3, q. 4, ad 2.
41 - III Sent., dist. 27, q. I, art. 1.
42 - S. Th., II-II, 26, 11 ad 2.
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- P. Rousselot, 9-10.
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- P. Rousselot, 4.
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- P. Rousselot, 56.
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- P. Rousselot, 14.
este vasto Agon das coisas para a divindade.”49 Mas com o cris-
tianismo se inverte a direção, que agora vai do superior para o
inferior, do rico para o pobre, não para receber, mas para dar; e
Deus não só não permanece à margem do amor, mas é definido
em sua essência pelo amor: “Eis uma inovação: na concepção
cristã, o amor é um ato não da sensibilidade, mas do espírito
(não um mero estado afetivo, como para os modernos), sem
ser por isso tendência ou desejo nem, menos ainda, necessida-
de. Pois, enquanto esses atos se esgotam e se consomem com
a realização de sua tendência, o mesmo não acontece com o
amor. O amor cresce com sua ação”.50
Outra obra que defende uma interpretação dicotômica do
amor é a já famosa Eros und Agape,51 de Anders Nygren, que
se volta em tom de reprovação para aquele traço de realiza-
ção própria que, segundo Santo Tomás, o amor implica, argu-
mentando que o Aquinate tinha convertido o amor entregue
(Ágape) da mensagem bíblica em amor-próprio,52 em Eros.
Ágape é amor desinteressado e desprendido, pois age sem mo-
tivos nem causa, sendo assim independente; Eros é interessado
e age por motivações e com causa, sendo por isso dependente
e egocêntrico. Ágape parte de uma plenitude, razão por que se
dá e exclui todo e qualquer amor-próprio; Eros parte de uma
indigência, razão por que se impõe e se move por exigência de
felicidade e recompensa. Ágape arrisca e entrega a vida; Eros
quer ganhar a vida. Ágape é espontaneidade espiritual; Eros é
conveniência e arranjo. Ágape é criador de valores: ama e de-
pois constata existências; Eros pressupõe valores e é determi-
nado pelo bom e pelo belo: primeiro localiza os seres e depois
ama. O Aquinate teria introduzido o Ágape no mesmo movi-
mento do Eros, não deixando lugar para o verdadeiro amor.
Segundo Nygren, foi Lutero quem poliu a idéia de Ágape e
a pôs em circulação dentro de nossa cultura, em contraposição
49 - Max Scheler, Vom Umsturz der Werte, 72.
- Max Scheler, Vom Umsturz der Werte, 73.
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n, Eros und Agape. Gestaltwandlugen der christlichen Liebe,
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- Anders N�������
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2 vols.
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- Anders Nygren, II, 465.
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- Entre as principais réplicas documentadas à obra de Nygre, devem ser
citados os seguintes livros: J. Burnaby, Amor Dei; M. C. D’Arcy, The Mind
and Heart of Love: A Study in Eros und Agape; V. Warnach, Agape. Die Liebe als
Grundmotiv der neutestamentlichen Theologie.
- Denis de Rougemont, L’Amour et l’Ocident.
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- Heinrich Scholz, Eros und Caritas. Die platonische Liebe und die Liebe im
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Sinne des Christentums.
- L. Grünhut, Eros und Agape. Eine metaphysisch-religionsphilosophische
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Untersuchung.
- Emil Brunner, Eros und Liebe.
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64 - Quodl. 1, a. 8, ad 3.
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- Louis-B. Geiger, 50.
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- Louis-B. Geiger, 46.
67 - R. Garrigou-Lagrange, “Le problème de l’amour pur et la solution de S.
Thomas”, Angelicum, 9, 1929, 83-124.
d) O físico no pessoal
81 - S. Th., I, 60, 3.
82 - S. Th., I, 94, 1.
83 - S. Th., I, 19, 10.
- J. Pieper, El amor, 146.
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- J. Pieper, 185.
a) Pessoa e natureza
93 - De Ver., q. 1, a. 9.
94 - S. Th., I, q. 29, a. 3.
95 - “Uma coisa subsiste quando tem em si mesma sua existência, com in-
teira independência de outro sujeito e com absoluta incomunicabilidade”
(De pot., q. 9, a. 2 ad 6). Embora a substância fosse definida por sua oposição
ao modo de existir em outro, ao acidente, não é essa determinação a que
melhor e mais profundamente a significa. A propriedade de existir em si
mesma era entendida pelos clássicos na consideração absoluta da coisa e
só em ordem a esta mesma: então aparece a substância como o subsistente,
como o que não tem necessidade de sustentar-se em outra coisa, senão que
está em si mesmo, tem o ser em próprio, é per se. Só quando o existir em
104 - S. Th., I-II, 28, 1, ad 2. O expresso neste texto pode traduzir-se num
diagrama:
106 - “Daí que esta união real e física do amante e do amado seja, com
respeito à união afetiva, como o fim na execução com respeito ao fim na
intenção. Pois o fim na intenção, que é a própria causalidade da causa fi-
nal, move o agente a obter e conseguir na realidade o bem mesmo ou a
perfeição que, enquanto estava na intenção, o movia a agir e a mover-se
para obtê-lo na realidade: e assim o fim na realidade ou consecução real
do fim é o último no gênero da causa eficiente, por ser efeito do mesmo
agente. E, de modo semelhante, a união real e física do amante e do amado,
pela presença real e posse dele, é como a união real ou na execução, e é,
portanto, efeito do amor, ou do amante mediante o amor, no gênero da
causa eficiente. O amante se refere ao amado como o sujeito ao objeto e
como o agente ao fim. É claro que a união efetiva e real está com respeito à
união meramente afetiva e cordial na relação do perfeito e consumado ao
imperfeito e incoado” (Santiago Ramírez, La esencia de la caridad, 360-361).
107 - “A união real só acontece quando o amor é correspondido e o amado
se apressa igualmente para mim como eu para ele. Mas, em todo o caso, o
meu amor já é um fator essencial na constituição da unidade. O amor não
só tem uma intenção unitiva, mas é também uma força unitiva. Aspira à união
que só nos pode ser dada pela correspondência ao amor, mas, na medida
em que está em seu poder, o amor já constitui algo dessa união. Este duplo
aspecto do amor é de grande importancia” (D. von Hildebrand, La esencia
del amor, 86).
1. Intimidade e consciência
108 - René Arnou, Le désir de Dieu dans la philosophie de Plotin, 191 ss; 218 ss.
109 - “Nisi ipsa anima super se se effundat, non pervenit ad visionem Dei et
ad cognitionem substantiae illius incommutabilis. Nam modo, cum adhuc
in carne est, dicitur ei: ubi est Deus tuus? Sed intus est Deus ejus, et spiritu-
aliter intus est, et spiritualiter excelsus est: nec pervenit anima ut contingat
eum, nisi transierit se” (Enarrationes in Psalmos, In Psal. 130, n. 12).
110 - “Intravi in ipsius animi mei sedem, quae illi est in memoria mea,
quoniam sui quoque meminit animus” (De Trin. 10., 10, c. 25, n. 36).
111 - “Ubi enim inveni veritatem, ibi inveni Deum meum ipsam veritatem”
(Conf., 10, c.24, n. 35).
112 - Conf., 3, c. 6, n. 11.
113 - “Ad interiorem mentis memoriam qua sui meminit, et interiorem in-
telligentiam qua se intelligit, et interiorem voluntatem qua se diligit” (De
Trin., 14, c. 7, n. 19).
3. Intimidade e inconsciente
125 - Este aspecto não foi suficientemente sublinhado por López Ibor em
seu livro sobre El descubrimiento de la intimidad.
126 - A este âmbito pertence a maior parte dos conteúdos atribuídos por
Freud ao inconsciente. Para Freud o consciente é o conjunto de idéias,
noções, imagens, recordações, representações que o indivíduo é capaz de
evocar voluntariamente, e que por isso pode controlar, reanimar, fazer
aparecer e desaparecer. O inconsciente é — abaixo das idéias claras e dos
atos controlados — o mundo de forças obscuras, poderosos instintos insa-
tisfeitos ou desviados de seu fim, energias fundamentais. Contém as forças
que nunca foram conscientes, ou que talvez em certo tempo o tenham sido,
mas depois foram empurradas para essa zona. O homem não pode evocar
voluntariamente esses conteúdos. Freud considera que a consciência perde
importância diante desta grande descoberta. O inconsciente se converte
até em gestor da unidade psíquica do homem.
5. A ilha da intimidade
não deixaria nada para si, senão que ordenaria tudo ao amado.
Isso não acontece quando alguém ama a quem lhe é igual ou
inferior. Se uma mão amasse a outra mão, não se ordenaria em
sua totalidade à outra; nem o homem que ama sua mão ordena
todo o seu bem ao bem da mão.”150
No amor imperfeito, o amante é levado de certo modo para
fora de si, mas não para permanecer no outro — pois o outro
não figura como termo desse movimento —, e sim para voltar
imediatamente para si mesmo como termo: eu amo então o
outro não por ele mesmo, mas por mim mesmo como amante,
e, não contente com gozar do bem que possuo em mim mesmo,
procuro desfrutar para mim do que me é exterior. Mas, porque
pretendo ter para mim esse bem extrínseco, não saio de ma-
neira total de mim, senão que tal afecção, em definitivo, me
encerra dentro de mim mesmo. “No amor imperfeito, o afeto
do amante se dirige à coisa amada por um ato da vontade,
mas volta para si mesmo pela intenção do afeto; pois, quando
apeteço a justiça ou o vinho, meu afeto se inclina para um dos
dois, mas voltando para si mesmo, porque se dirige a essas coi-
sas para alcançar um bem; portanto, este amor, quanto ao fim
da intenção, não põe o amante fora de si.”151
3. O êxtase unificante
lembram de nada: estas devem ser tratadas mediante uma boa dieta, sendo
obrigadas a descansar e dormir.
153 - II-II, 26, 4. Esse motivo tem, ademais, em Tomás de Aquino, resso-
nâncias teológicas. Pois, ainda que Deus seja amado como princípio do bem
sobre o qual se funda o amor, o homem ama a si mesmo em razão de ser
partícipe de tal bem enquanto ama o próximo por causa de sua associação a
este bem. A associação motiva o amor enquanto implica certa união em
ordem a Deus. Por isso, assim como a unidade é superior à união, assim
também é maior incentivo de amor o homem participar do bem divino do
que outro associar-se a ele nessa participação; e, por conseguinte, o homem
deve amar mais a si mesmo que ao próximo.
a) Amor benevolente
166 - João de Santo Tomás, Cursus Theologicus, In II-II, “De caritate”, disp. 14,
art. 1, n. 3 (Lugduni, 1663).
167 - III Sent., dist. 27, q. 3, art. 2.
b) Amor íntimo
2. O amor de amizade
199 - S. Th., II-II, 23, 1. “Ainda que para a simples benevolência, pela qual
desejamos o bem para uma pessoa por simples complacência para com ela,
baste a bondade da pessoa que nos é grata por si mesma, para a amizade,
porém, a qual é benevolência mútua e não simples, requer-se que se veja a
pessoa não precisamente como boa e complacente em si mesma, mas tam-
bém como boa e complacente na comunicação” (João de Santo Tomás, Cur-
sus Theologicus, In II-II, “De caritate”, disp. 14, art. 1, n. 3 [Lugduni 1663]).
200 - S. Th., II-II, 25, 3.
3. O amor esponsalício
201 - G. Marcel, 1957: “Nada mais falso que identificar o tu com um conte-
údo limitado, circunscrito, esgotável” (161).
202 - J. Pieper, 59. Sobre o caráter existencial do amor, ver: D. Wilhelmsen,
108.
4. O amor paterno-filial
213 - Por esta óptica, aclara-se a distinção que se pode fazer entre união
esponsalícia e união conjugal. Esta última resulta do consenso no matrimônio
e é chamada em si mesma a ser uma realização da união esponsalícia; mas
também pode seguir existindo limitadamente quando falta a união espon-
salícia; então não se fundamenta na mútua resposta do amor, na intenção
unitiva recíproca, mas em algum ponto de vista prático, derivado de um
ato social. Quando o consenso, como simples ato social, não realiza a
união pretendida no amor esponsalício — como no chamado matrimônio
de conveniência —, nem por isso perde o matrimônio sua validade nem
sua eficácia formal, ainda que fique desprovido de interioridade. Também
essa mera união conjugal implica, por exemplo na mulher, obrigações para
com o compaheiro, responsabilidade por seu bem-estar, e respeito a seus
direitos: compaheiro com que tem uma vida em comum e com que man-
tém obrigacões; e reciprocamente. Pode-se compreender, assim, por que
mesmo o homem que não ama sua mulher com o requerido para a plena
união esponsalícia se sinta ofendido quando outro se conduz com ela sem
a devida consideração.
a) A posse na doação
216 - III Sent., dist. 27, q. 2, art. 1 ad 1, n. 109; S. Th., II-I, 26, 3 ad 3.
217 - Capreolo, III Sent., dist. 27-30, q. única, art. 3, ad arg. Scoti contra
secundam conclusionem, t. V, pp. 364b-366a.
218 - D. von Hildebrand, La esencia del amor, 182.
2. Os motivos no amor
a) A pureza de motivos
225 - Abelardo, Expositio in Epistolam ad Romanos, lib. II, ML. 178, 891-892B.
226 - J. Duns Scot, III Sent., dist. 26, n. 17, ed. Vives, t. 15, p. 340b.
227 - Ibidem, n. 25, p. 348b.
228 - Francisco Suárez, De Caritate, disp. 1, sect. 2, n. 1, ed. Vives, t. 12, p.
637a.
b) A mescla de motivos
c) Hierarquização de motivos
ESSÊNCIA, CAUSA E
EFEITOS DO AMOR
Capítulo VI
O Amor Sensível
VI - O Amor Sensível
254 - STh I q. 81 a. 2.
255 - S. Th., I-I, 22-23; 25.
264 - III Sent., dist. 26, q. 2, art. 1: “Que o animal apeteça as coisas que
são convenientes ao sentido e lhe causam deleitação é próprio da natureza
sensitiva e pertence ao apetite imediato [potentia concupiscibilis]; mas que
tenda a algo bom que não causa deleitação nos sentidos, senão que antes é
apto para provocar tristeza em razão de sua dificuldade — por exemplo,
que o animal queira a luta com outro animal ou vencer uma dificuldade
qualquer —, é próprio do apetite sensitivo enquanto a natureza sensitiva já
toca a intelectiva, e isso é próprio do apetite mediato [potentia irascibilis]. E,
assim como a estimativa é uma faculdade diferente da imaginação, assim
também o apetite mediato é uma potência diferente do apetite imedia-
to, pois o objeto deste é o bem que é apto para provocar deleitação nos
sentidos, enquanto o apetite mediato é um bem que tem dificuldade”. (A
mesma doutrina em De Veritate, q. 25, art. 2). Pelo apetite mediato, o animal
se inclina a atacar o inimigo, sofrendo dores e ferimentos, o que repugna
ao apetite imediato: move-se, pois, contra este. E o pôr em marcha o apetite
imediato retrai a atualização do mediato.
265 - S. Th., I-I, 25, 1.
3. O amor sensível
mem, a quem compete conceber como bom e conveniente algo que está fora
do que a natureza requer (S. Th., I-I, 30, 3). O desejo natural é finito em ato,
mas infinito em potência. Não pode ser infinito em ato porque tem por objeto
o que a natureza requer, e esta se dirige sempre a uma coisa finita e certa:
por isso o homem nunca deseja comida nem bebida infinita. Mas, assim
como acontece na natureza que o infinito existe em potência por sucessão,
assim também o desejo vem a ser infinito por sucessão; isto é, depois de
tomado o alimento, deseja-se tornar a tomá-lo; e igualmente nas demais
coisas de que a natureza necessita. Mas o desejo não natural é completamente
infinito, porque se segue à razão, e a esta compete ir ao infinito. Daí que
quem cobiça as riquezas possa desejá-las não até um limite determinado,
mas absolutamente, para ser tão rico quanto lhe seja possível (S. Th., I-I,
30, 4).
285 - S. Th., I-I, 26, 3.
286 - S. Th., I-I, 26, 1.
287 - Louis-B. Geiger, 52-53.
bons e desejados por si mesmos, mas por ordem ao fim, e a vontade não
tende a eles senão pelo amor do fim (I-I, 8, 2-3). Como o fim é querido por
si mesmo e os meios só pelo fim, a vontade pode dirigir-se ao fim — pode
amar — sem se mover ao mesmo tempo aos meios; ainda que para querer
os meios se tenha de apetecer antes o fim. O ato pelo qual se move ao fim
em absoluto (por exemplo, desejar a saúde) às vezes precede no tempo à
volição dos meios (por exemplo, chamar ao médico para curar-se).
306 - S. Th., I-I, 11, 3-4.
307 - J. Pieper, 40-42.
1. A distância do outro
316 - “O ato de amor tem a vontade por autora, mas com dependência pas-
siva do objeto que a seduz, a magnetiza ou a imanta enquanto é um bem.
Só este ato permite ao objeto fazer sentir ali seu influxo, que se requer
para a causalidade final. Enquanto esse ato é produzido pela vontade, é
causado também pelo fim. Uma fórmula parece reunir ao mesmo tempo
na simplicidade de um mesmo ato indivisível a ação da vontade e a do
objeto: a vontade respira o amor que o objeto lhe inspira ao aspirar a ele.
Esse objeto amado não dá à vontade o poder que ela tem por natureza de
pôr os atos. Deixa-lhe a iniciativa. Mas a impele a tê-lo: leva-a a exercê-lo”
(André Marc, Psicología reflexiva, II, 42).
317 - Para perfectividad, cf nota 68. [N. do T.]
318 - Joseph de Finance, Ensayo sobre el obrar humano, 58-59; Éthique Générale,
44. Ver também Jacques Maritain, La philosophie morale, 39-41.
319 - S. Th., I-I, 27, 1. Isso explica a precendência ontológica do amor sobre
o desejo. “O objeto”, diz Roland-Gosselin, “não se acha presente no seio da
vontade como um duplo dele, mas tal como o termo do movimento está
presente na partida do móvel pela atração que exerce e pela direção que
imprime. O amor, antes até de ser desejo, é transporte para um objeto real”
(M. D. Roland-Gosselin, “Le désir du bonheur et l’existence de Dieu”, Revue
des Sciences philosophiques et théologiques, 1924, 164).
320 - S. Th., I-I, 27, 1.
321 - S. Th., I-I, 27, 1 ad 1.
b) A objetividade do amor
essa tese. Outros autores, como Tomás de la Cruz e José M. Sánchez Ruiz,
são da opinião, a meu ver acertada, de que não existem duas concepções
incompatíveis, dado que nos Comentários às Sentenças já se encontra subs-
tancialmente o material da Suma. O que acontece na terminologia da Suma
é que o Aquinate ganha em precisão, mas sem abandonar os pontos de
vista anteriores: poder-se-ia falar, isto sim, de uma progressiva clarificação
do conceito de amor. Por exemplo, já In Sent., II, d. 27, q. 1, a. 1 ad 2 e a. 3 ad
2 ele explica o amor de uma perspectiva dinâmica, como vis, virtus, ação
transformante. E na Suma reaparecem os mesmos termos (I-I, 25, 2 e 3) que
usara no Comentário às Sentenças. Ao longo de sua produção intelectual, o
Aquinate defendeu a tese de que o amor não é o movimento do apetite que
tende a seu objeto (isto seria o desejo), mas a imutação que sofre o apetite
pelo apetecível e pela complacência neste.
353 - André Marc, Psicología reflexiva, II, 38-39.
o homem esteja só: façamos-lhe um adjutório que lhe seja semelhante [...].
Mandou, pois, o Senhor um profundo sono a Adão; e, enquanto ele estava
dormindo, tirou uma de suas costelas, e a encheu de carne; e fez o Senhor
da costela que tirou de Adão uma mulher, e a levou a Adão. E disse Adão
cheio de entusiasmo: Eis aqui agora o osso de meus ossos e a carne de
minha carne; ela se chamará virago, porque do varão foi tomada. Por isso
deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois
numa só carne” (Gen., 2, 18, 21-24).
358 - S. Th., I-I, 27, 3.
359 - Santiago Ramírez, De passionibus animae, 116-117.
outro, quer para potenciá-lo, quer para impedi-lo. Daí que in-
cidentalmente a dessemelhança possa ser causa de meu amor
(imperfeito), enquanto a semelhança (que não é de intimidade
para intimidade) pode provocar-me ódio. Precisamente por-
que o que eu estimo é aquilo que não possuo (a dessemelhan-
ça), mas que o outro tem, posso acabar invejando ou odiando
o próximo. Em verdade, o fato mesmo de amar em outro o que
não se tem mostra uma semelhança segundo certa proporciona-
lidade ou analogia; “pois existe proporção entre a perfeição que
é amada em outro sujeito e este sujeito que a possui, e entre um
sujeito e a perfeição que ele ama em si mesmo. Assim, que um
bom cantor ame um bom escritor acontece porque se estabelece
uma semelhança de proporção na medida em que um e outro têm
o que convém a cada um segundo sua arte”.362
Vale a pena transcrever um longo parágrafo em que o
Aquinate matiza esta mesma doutrina da dessemelhança
como causa do amor (imperfeito). “A raiz do amor, falando
propriamente (per se), é a semelhança do amado com o aman-
te, porque assim lhe é um bem que lhe convém. Mas sucede
incidentalmente (per accidens) que a dessemelhança é causa
de amor, e a semelhança causa de ódio, e isso de três maneiras.
Primeira, quando o afeto do amante não recai nele mesmo,
nem descansa em sua própria condição ou em outra proprie-
dade que tenha, como quando alguém odeia algo em si mes-
mo, e então ama aquilo mesmo que lhe é dessemelhante neste
ponto, já que, pelo fato mesmo de lhe ser dessemelhante em
condição, se faz semelhante em seu afeto; e, pelo contrário,
odeia o que se assemelha a ele mesmo e não se assemelha em
seu afeto. Segunda, quando alguém, pela mesma semelhança,
impede que o amante goze da coisa amada, e isto sucede com
todas as coisas que não podem ser possuídas juntamente por
muitos, como são as temporais; e, assim, o que ama ganhar
com uma coisa ou deleitar-se nela é impedido no gozo da coisa
amada por outro que quer igualmente apropriar-se dela; e daí
nasce a zelotipia, que não tolera o consórcio na coisa amada; e
1. A união efetiva
2. A interpenetração no amor
386 - “A união é dupla. Uma que faz ser um parcialmente (secundum quid),
como é a união de coisas associadas que se tocam superficialmente, e esta
não é a união do amor, dado que o amante se transforma no interior do
amado (in interiora amati). Outra é a união que faz ser um totalmente (sim-
pliciter), como é a união dos contínuos, ou da forma e da matéria; e esta é a
união do amor, porque o amor faz que o amado seja forma do amante (In
III Sent., dist. 27, q. 1, art. 1 ad 5).
387 - S. Th., I-II, 28, 2.
3. A alteridade no amor
b) Saída de si e amor de si
Quer isso dizer o que pelo efeito do êxtase o amante ama mais
ao outro que a si mesmo? Se o amor une o amado ao amante, e
se o amante sai de si para dirigir-se ao amado, por acaso o amante
não ama sempre mais o objeto amado que a si mesmo? Certamen-
te, quem ama “sai de si na medida em que quer e faz o bem do
amigo. No entanto, não quer o bem do amigo mais que quer o seu
próprio (non tamen vult bona amici magis quam sua), razão por
que não se segue que ame o outro mais que a si”.403 O amante sai
de si e se translada ao amado enquanto quer o bem do outro e se
esforça por lho proporcionar como se se tratasse de si mesmo.404
b) A estrutura do ódio
à coisa que a ela convém, coisa que lhe referimos por amor
da pessoa mesma.431 No que concerne paralelamente ao ódio,
assim o explica Caetano: “Como amar é querer o bem para al-
guém, inclui duas notas pelo lado do objeto: o bem e o alguém;
assim também no objeto do ódio confluem dois aspectos: o
mal e a pessoa. Pois bem, o amor perfeito e o imperfeito se
referem de maneira uniforme aos dois aspectos, e sempre ex-
pressando afirmação ou consonância. Mas o ódio pessoal e o
ódio impessoal se comportam de maneira não uniforme com
tais aspectos. O ódio pessoal (ou antipessoal) refere-se à pessoa
expressando negação e dissonância, embora se refira ao mal
expressando afirmação e consonância; enquanto o ódio impes-
soal se refere à pessoa expressando afirmação e consonância,
mas ao mal expressando negação e dissonância. Pois, quando
alguém odeia o castigo ou algo parecido, mostra dissonância
com respeito a ele, retirando-lhe seu afeto; mas aqueles que ele
não quer que sejam castigados, seja ele mesmo ou sejam outros,
são afirmados em seu afeto, e ele tem consonância com eles.
E, ao contrário, quando alguém odeia um homem, retira-o de
seu afeto e tem dissonância com ele; mas afirma em seu afeto e
mantém consonância com o mal que acontece ao outro: quer o
mal para ele [...]. O que se apresenta como objeto mau e causa
do ódio é rejeitado pelo afeto e não tem consonância com ele.
Pois no ódio pessoal [ou antipessoal] a pessoa vem a ser objeto
mau e causa má; e no ódio impessoal não é a pessoa, mas a coi-
sa má, o que vem a ser objeto mau e causa má; e, assim como
no amor pessoal ou perfeito o objeto amado é amigo, no amor
imperfeito só é amiga a coisa desejada”.432 Por último cabe assi-
nalar que são infinitas as formas individuais de ódio impessoal
(desde o provocado pelo incômodo barulho de uma serra até o
induzido por um gesto altaneiro ou uma voz estridente).
c) Há ódio de si absoluto?
a) Etiologia do matrimônio
O que não quer dizer, por outro lado, que nos cônjuges não
preexista existencialmente um amor vivido, uma união pes-
soal de vontades e de afetos, tal como se dá nos noivos. Esta
realidade existencial, porém, não é causa do matrimônio, mas
comportamento amoroso, e até exemplar externo que urge ser
elevado a exemplar interno, a ideal que concorra para causar
uma aliança, um pacto conjugal, livremente consentido e on-
tologicamente satisfeito.
Abel, Carl: Über den Begriff der Liebe in einigen alten und
neuen Sprachen, Berlim, 1872.
Kaup, J.: Die theologische Tugend der Liebe nach der Lehre
des hl. Bonaventura, em Franz. Stud, Beiheft, 12, Münster,
1927.
Meier, M.: Die Lehre des Thomas von Aquin ”De passioni-
bus animae in quellenanalytischer Darstellung”, em Beiträge
Baeumker, XI, II, Münster, 1912.