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2015

- 11 - 26

Revista de Direito Empresarial


2015
REDE VOL.11 (SETEMBRO - OUTUBRO 2015)
FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO
2. A RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM JÜRGEN HABERMAS - PRINCIPIOLOGIA E CRÍTICA NO CENÁRIO NEOLIBERAL

2. A recuperação judicial em Jürgen Habermas - Principiologia e crítica no


cenário neoliberal

The bankruptcy and Jürgen Habermas - Principles and critique in the


neoliberal context
GUILHERME GONÇALVES ALCÂNTARA

Discente do 10.º Termo do Curso de Direito no Centro Universitário Toledo (Presidente Prudente); estagiário da Procuradoria da
República em Presidente Prudente/SP. guilhermealcantara@msn.com

Sumário:

Introdução
1. A principiologia da concordata (Dec.-lei 7.661/1945) e a crise do Estado-Providência
2. Contexto e síntese do pensamento de Jürgen Habermas – O berço na teoria crítica
2.1 A (re)construção e diagnóstico da modernidade na perspectiva de Jürgen Habermas
2.2 A concepção de direito como instituição – uma alternativa ao instrumentalismo jurídico
3. Principiologia (e crítica) da recuperação judicial a partir de Jürgen Habermas
3.1 Estudo de casos: limites da soberania jurisdicional e assemblar à luz do TJSP e TJMS
Considerações finais
Referências

Área do Direito: Civil

Resumo:

O trabalho visa uma abordagem interdisciplinar a respeito da recuperação judicial, com especial enfoque na principiologia
inaugurada pela Lei 11.101/2005. São eixos da investigação: a inspiração neoliberalista da doutrina jurídica e a obsolescência do
uso instrumental do direito - esgotado pelo Estado Social - como contexto em que está imersa a recuperação judicial no século
XXI; a concepção de direito no pensamento de Jürgen Habermas como proposta de superação desta crise instrumental e o
princípio da preservação da empresa interpretado por Habermas. A par da reflexão teórica, o estudo ainda reserva espaço para
uma abordagem empírica - sem abandonar de seu teor crítico -, consistente na análise de precedentes do STJ, além de decisões
paradigmas do TJSP e TJMS.

Abstract:

The work aims at an interdisciplinary approach regarding bankruptcy, with special focus on the principiology inaugurated by
Law 11.101/2005. Are axes of research: the neoliberal inspiration of legal doctrine and the obsolescence of the instrumental use
of the legal rights - exhausted by the welfare state - as the context in which it is immersed judicial recovery in the twenty-first
century; the design right at the thought of Jürgen Habermas as a proposal to overcome this instrumental crisis; the principle of
preservation of the company interpreted by Habermas. Alongside the theoretical reflection, the study also reserves space for an
empirical approach - without abandoning its critical content - consisting of the Supreme Court of the foregoing analysis, and
paradigms decisions TJSP and TJMS.

Palavra Chave: Recuperação judicial - Instrumentalismo jurídico - Princípio da preservação da empresa - Razão comunicativa.
Keywords: Bankruptcy - Law instrumentalism - The principle of preservation of business - Communicative reason.

Introdução
O trabalho visou elaborar uma reflexão a respeito de questões da recuperação judicial – instituto regulamentado nacionalmente
pela Lei 11.101/2005 –, como a sua principiologia peculiar e a intervenção estatal no processo de recuperação, tomando como fio
condutor o pensamento de Jürgen Habermas a respeito da sociedade e do direito, principalmente após a publicação dos dois
volumes de Direito e democracia, iniciada em 1992.

Acredita-se que a interpretação de temas como Estado, sociedade, mercado, e direito, conferidas pelo filósofo alemão
possibilitam uma aproximação – sociológica e filosófica – de relevância para o jurista contemporâneo a respeito de questões
como a soberania da assembleia de credores, dos limites, poderes e deveres jurisdicionais no processo de recuperação judicial, e
do sentido do princípio da preservação da empresa. A partir da contribuição de Habermas, ainda é possível tecer elogios e
críticas à doutrina, legislação e jurisprudência regentes da matéria no cenário nacional, reflexão que se almejou na parte final
da investigação.

Para isso, o estudo se baseou, grosso modo, em significativa doutrina a respeito da recuperação judicial, boa parte da obra de
Jürgen Habermas – com foco nos dois volumes de Direito e democracia –, e de pesquisa jurisprudencial no STJ, além da base
doutrinária constitucional e política necessária para a total compreensão do contexto jurídico em que se insere a recuperação
judicial.

A primeira parte do trabalho se limita a expor uma breve aproximação com a origem da atual crise no direito com vistas a
possibilitar a compreensão do problema. Abordou-se, assim, o desenvolvimento do Estado, mercado e direito a partir do século
XIX – e a crise deste processo no início do século XXI – com vistas a elucidar os desafios da doutrina jurídica atual a respeito do
tema recuperação judicial.

A parte seguinte se dedica a sintetizar o pensamento de Jürgen Habermas. Foram expostos o contexto histórico, político e
teórico do autor em evidência, bem como a sua virada conceitual em favor do direito. Igualmente, procurou-se esclarecer
conceitos básicos do Professor alemão, como sistema, mundo da vida, razão instrumental e razão comunicativa.

A seguir, conjugou-se o complexo teórico de Habermas com a principiologia inaugurada pela Lei 11.101/2005, regente da
recuperação judicial no Brasil. O objetivo foi, primordialmente, elaborar uma interpretação da principiologia da recente
legislação a partir da concepção de direito dada por Jürgen Habermas após a publicação dos volumes de Direito e democracia.
Esta parte do trabalho ainda comporta um conteúdo empírico, fundado na análise de precedentes do STJ e de posicionamentos
jurisprudenciais do TJSP e TJMS.

Por fim, as considerações finais expuseram os resultados mais relevantes produzidos pelo estudo na perspectiva do autor.

1. A principiologia da concordata (Dec.-lei 7.661/1945) e a crise do Estado-Providência

A recuperação judicial, no Brasil, passou recentemente por uma significativa mudança na sua regulamentação legal,
representada pela entrada em vigor da Lei 11.101/2005, há pouco mais de dez anos. A legislação foi responsável por substituir a
antiga concordata, presente no Brasil desde o Dec.-lei 7.661/1945, pela contemporânea recuperação judicial.

O objetivo da mudança não foi, entretanto, meramente terminológico. Efetivamente, concordata e recuperação judicial são
medidas judiciais destinadas a preservar o devedor de um processo de falência (Coelho, 2008; p. I), porém a semelhança entre os
institutos se encerra a partir daí. No que tange à principiologia 1 – “indícios formais (formale Anzeigen) que mostram o caminho
– legítimo – para a formação do direito” (Streck, 2009; p. 500) –, as legislações diferem drasticamente. O presente tópico tem por
finalidade esclarecer o princípio da concordata, e sua crise, com vistas a compreender o princípio de seu substituto.

Pode-se resumir que o contexto filosófico-jurídico circundante da concordata é o de formação de um Estado-Providência, nome
cunhado por Boaventura de Sousa Santos para indicar o modelo estatal desenvolvido no início do século XX. Trata-se de um
Estado que desacreditou a capacidade do mercado de se regular, organizar e equilibrar sozinhos – nos moldes do laissez-faire
oitocentista –, e que passou, pouco a pouco, a intervir nas mais diversas áreas da sociedade se utilizando o direito como este
instrumento de transformação social (Santos, 2011; p. 146-148).

A concordata, conforme o Dec.-lei 7.661/1945, neste contexto de intervencionismo estatal pelo instrumentalismo do direito
(Santos, 2011), serve como regulador das disfunções do mercado enquanto visa a garantia de liquidação dos créditos de forma
paritária entre credores da mesma classe. Seu princípio norteador, portanto, é o – já criticado desde Rubens Requião – do pars
condicio creditorium (1985; p. 249).

Ocorre que a promoção até os limites do que se convencionou chamar de instrumentalidade do direito pelo Estado
intervencionista – “ao submeter histórias de vida e formas de viver concretas e contextualizadas a uma burocratização e
monetarização abstratas” – destrói a capacidade de autoprodução e auto regulação das diferentes esferas sociais, aí residindo,
para Boaventura de Sousa Santos – e Jürgen Habermas –, a estrutura dilemática do Estado-Providência (2011; p. 158).

A mais importante questão a ser acentuada parece ser a disfunção da ineficácia da sobre-juridicização da sociedade, ou sobre-
socialização do direito. Boaventura de Sousa Santos explica que:

“(...) é muito provável, ou até quase certo, que a discrepância da lógica interna e da autoprodução dos padrões do direito com os
das outras esferas da vida social por ele reguladas torne a regulação jurídica ineficaz ou contraproducente” (2011; p. 158).
Esse raciocínio é facilmente demonstrado se nos atentarmos aos principais problemas que a recuperação judicial, nos moldes da
legislação brasileira (Lei 11.101/2005), apresenta. 2 O Instituto Nacional da Recuperação Empresarial (INRE), em estudo
comemorativo aos dez anos da referida Lei, contou 6.938 pedidos de recuperação judicial em todo o Brasil (até 13.06.2015), com
uma taxa de sucesso – isto é, de empresas que efetivamente voltaram a operar em normalidade – de 05%. 3

A baixíssima eficácia 4 da recuperação judicial, muito bem ilustrada pela situação brasileira, em contraste com uma taxa de
sucesso de 89% nos Estados Unidos, é um sintoma eloquente da (crise da) máxima instrumentalização do direito.

E cientes de que o jogo de cumplicidade e antagonismo entre Estado e mercado – que demarca suas respectivas áreas de
cumplicidade, complementariedade, e exclusão – se dá no campo do direito (Santos, 2011; p. 145), bem como do esgotamento das
capacidades regulatórias do direito estatal moderno, a doutrina jurídica brasileira – na esteira da já citada onda neoliberal –
vem buscando novas fronteiras para o direito, amiúde mais rígidas e restritas em relação ao Estado intervencionista (Santos,
2011; p. 158).

Tal crise de limites consequente do exagerado uso instrumental do direito pelo Estado reverbera em diferentes ramos do
direito. Uma discussão que, aparentemente fadada à história, (res)surge, é a da antinomia: autonomia privada/autonomia
pública. O chamado por Fábio Ulhoa Coelho de efeito reliberalizante do capitalismo na doutrina jurídica volta a atenção desta
novamente para a abandonada autonomia da vontade (Coelho, 2012; p. 25). Ocorre que tal revisitação possui como desafio
conciliar a autonomia da vontade, abandonada no século XX, com o princípio da função social (art. 170, III, da CF/1988),
conquistada no decorrer do mesmo século. 5

Tendo em vista esta problemática, acredita-se que o pensamento de Jürgen Habermas – que se insere num contexto pós-
instrumentalista do direito (Santos, 2011; p. 146) – pode contribuir para o esclarecimento da nova tensão entre autonomia
privada e pública, no sentido de aproximar o jurista da nova principiologia da recuperação judicial, a ser abordada em
momento oportuno.

2. Contexto e síntese do pensamento de Jürgen Habermas


– O berço na teoria crítica

Jürgen Habermas, nascido em Dusseldorf no ano de 1929, assistente de Adorno e Professor da Universidade de Frankfurt,
chamado de membro da teoria crítica e de pragmatista, expõe em seus escritos um pensamento vasto e complexo. Assim, é
importante evidenciar que o presente trabalho não almeja adentrar nas minúcias conceituais das obras do filósofo alemão, mas
antes esboçar um panorama geral de seus objetivos com vistas operacionais.

Grosso modo, distinguem-se na obra do filósofo duas perspectivas a respeito do direito – que serão úteis para entender o seu
objetivo –, cuja linha divisória é a publicação do primeiro volume de Direito e democracia: entre facticidade e validade, no ano de
1992.

Antes disso, Habermas possuía uma visão essencialmente negativa do papel do direito, de viés marxista. O direito é, nesta
perspectiva, um mero “sistema de relações que corresponde aos interesses das classes dominantes e salvaguarda estes
interesses através da violência organizada” (Pachukanis, 1988; p. 46).

A noção se herda da teoria crítica alemã da Escola de Frankfurt, fundada por Horkheimer e Adorno – este último o qual
Habermas foi assistente. A teoria crítica, por sua vez, herdeira do marxismo, não foge da ideia de que os conceitos como direito,
filosofia e religião são ferramentas de legitimação do benefício do excedente de bens produzidos em determinada etapa da
sociedade por um pequeno grupo de pessoas 6 (Horkheimer, 2003; p. 244).

Assim, embora não seja equivocado afirmar que (este) Habermas nunca tenha dado tratamento sistemático ao direito, não se
olvida que temas como “Estado” e “direito” se fazem presentes em escritos anteriores ao Direito e democracia. Nestas, entretanto,
a herança de Horkheimer e Adorno propiciam uma perspectiva “basicamente negativa de tais instituições, a qual se fundamenta
por sua vez em um conceito basicamente negativo de poder e de dominação” (Pinzani, 2009; p. 139).

Na ótica de Habermas, mesmo a política social exercida pelo Wellfare State – isto é, o instrumentalismo jurídico nos seus limites,
conforme exposto alhures – é nada menos que “uma atividade de Estado que compensa as disfunções do intercâmbio livre”
(Habermas, 1968; p. 70).

“(...) à primeira vista, é algumas vezes apresentado como um instrumento para romper as estruturas de dominação (...) prova,
frente a um exame mais detalhado, ser também um veículo para uma nova forma de dependência” (Habermas, 1987; p. 370).

Trata-se de uma postura bastante distinta da atualmente sustentada contemporaneamente por Habermas. A partir de 1992,
muito influenciado pelo contexto de globalização e pelo desenvolvimento da sua teoria do agir comunicativo, o Professor de
Frankfurt tenta colocar no centro da sua reflexão esse processo no qual concorrem instituições e esfera pública a fim de
evidenciar o caráter emancipatório de ordenamentos jurídicos democráticos (Pinzani, 2009; p. 140-141), razão pela qual a
tradição filosófica alemã o conceitua na linha de um kantismo da segunda geração da teoria crítica – pós Adorno, Horkheimer, e
Marcuse.

A ruptura com a teoria crítica, entretanto, não leva todos os vestígios desta do pensamento habermasiano pós Direito e
democracia. O projeto de Habermas após 1992 é fortemente referenciado por conceitos de Horkheimer e Adorno, como
emancipação e racionalização instrumental, além de outros conceitos de outras “Escolas”, como o de mundo de vida (o qual,
apesar de adaptado por Habermas, tem sua gênese em Husserl), o de modernidade e racionalidade do direito (de Max Weber), o
de linguagem (do segundo Wittgenstein e da Escola de Oxford) e o de evolução social (adaptada das teorias de Kohlberg e
Piaget).

No mais, a postura anti-instrumentalista do direito jamais foi abandonada por Habermas. A par do destacado na seção
introdutória, só se pode compreender efetivamente o objetivo da reflexão de Jürgen Habermas caso se compreenda, de
antemão, que para ele a dominação do direito pelo aparato estatal, consolidada no Estado-Providência ou Social, é só um meio
de garantir o mínimo de bem-estar social com o máximo rendimento, parte de uma ideologia burguesa (1968; p. 70) a ser
superada.

2.1. A (re)construção e diagnóstico da modernidade na perspectiva de Jürgen Habermas

Talvez o maior legado da Teoria Crítica a Jürgen Habermas tenha sido o diagnóstico da modernidade trazido por Adorno,
Horkheimer, e Marcuse – bem sintetizado na obra Dialética do esclarecimento. No escrito em tela, os autores da Escola de
Frankfurt propõem uma denúncia à concepção cartesiana-baconiana de razão, na qual o homem – o sujeito – é entendido como
mestre e possuidor da natureza (Descartes, 2006; Bacon, 1933).

“O procedimento matemático tornou-se, por assim dizer, o ritual do pensamento. Apesar da autolimitação axiomática, ele se
instaura como necessário e objectivo: ele transforma o pensamento em coisa, em instrumento, como ele próprio o denomina”
(Adorno; Horkheimer, 1969; p. 13).

A crítica dos autores se dirige em face da racionalidade cognitivo-instrumental, contra a “maquinaria do pensamento” que
subjuga tudo o que existe, 7 na proporção que se contenta com tal reprodução, tornando o projeto moderno de emancipação
refém da mitologia da qual jamais soube escapar (Adorno; Horkheimer, 1969; p. 13).

Entretanto, Habermas não propõe, com o diagnóstico da modernidade, o seu encerramento, razão pela qual rejeita a alcunha de
“pós-moderno”. A par da formação crítica contra a racionalidade instrumental, o professor de Frankfurt rompe com seus
preceptores ao propor um resgate do objetivo iluminista-moderno pelas suas outras formas de comunicação, estruturadas pela
linguagem (Menezes, 2006; p. 55).

A linguagem é percebida por Habermas como uma espécie de fio condutor orientado a buscar o mínimo acordo entre os
homens. Mesmo admitindo seu emprego com intenções fraudulentas – por exemplo, para enganar alguém – até aí existe,
primariamente, para Habermas, um desejo de entendimento recíproco 8 (Álvaro, 2008; p. 84).

Neste sentido, para Habermas, o projeto moderno – que é, na sua acepção normativa, um projeto emancipatório – deve ser,
antes de abandonado, reavivado. A ruptura com a teoria crítica da Escola de Frankfurt ocorre justamente quando, contrapondo-
se a um pessimismo de Adorno e Horkheimer, Habermas aduz existirem, ainda, forças no movimento iluminista capazes de
servir para emancipar o indivíduo, e compreende o processo descrito na Dialética do esclarecimento – isto é, de transfiguração
da razão emancipatória para razão instrumental, produtora de dominação – como um problema, “como traição do projeto
emancipatório da modernidade, projeto inacabado e que ainda vale a pena realizar” (Pinzani, 2009; p. 77).

Para compreender mais especificamente o projeto de Habermas, contudo, é necessário compreender os conceitos de mundo da
vida e sistema, e seus papeis, pois sua pretensão consiste em conciliar o que se chama de “mundo vivido” e “mundo sistêmico”, e
(re)colocar o primeiro em posição de superioridade relativamente ao último (Freitag, 1993; p. 41).

É possível identificar e caracterizar a sociedade moderna de Habermas composta por dois mundos, o sistema e o mundo da
vida, com o primeiro a exercer sua hegemonia sob o segundo – motivo do estado patológico da modernidade. Para nosso autor,
o caráter sistêmico da sociedade, responsável pela (re)produção/regulação de seus bens materiais, altamente racionalizado na
forma de economia de mercado e Estado, hiperdesenvolveu-se em relação ao mundo da vida, passando a erigir a razão
instrumental a status de princípio inquestionável (Freitag, 1993; p. 27).

“(...) vemos a sociedade como uma entidade que, no correr da evolução, diferenciou-se tanto como um sistema quanto como um
mundo da vida. A evolução sistêmica é medida pelo aumento na capacidade de direção da sociedade, enquanto o estado de
desenvolvimento de um mundo da vida estruturado simbolicamente é indicado pela separação da cultura, sociedade e
personalidade” (Habermas, 1987; p. 152).

Habermas entende que a instrumentalização do capital e do poder permitiram o desenvolvimento das esferas estatal e
econômica desconectadas do mundo da vida. 9 Guiados pela ação estratégica 10 (instrumental), esses domínios não mais se
integram através “dos mecanismos de entendimento mútuo, mas [através de mecanismos] que se desviam dos contextos do
mundo da vida e congelam-se num tipo de sociabilidade livre de normas” (Habermas, 1987; p. 307).

O Estado, portanto, se torna o que Habermas chama de organização – complexo que ganha autonomia na medida em que se
neutraliza frente à sociedade, personalidade, cultura, ou seja, componentes do mundo da vida (1987; p. 307). Torna-se o Estado
em mais um dos componentes do sistema (subsistema) dentre os demais, funcionalmente especificado para atender às
exigências do mercado (Habermas; 1997; p. 18).

Chega-se então ao seguinte paradoxo:


“A racionalização do mundo da vida torna possível a emergência e o crescimento de subsistemas cujos imperativos se voltam
definitivamente contra o próprio mundo da vida” (Habermas, 1987; p. 186).

A partir deste problema, o projeto de Habermas, como já dito, se dirige à (re)colocar a modernidade em trilhos emancipatórios,
por meio do fomento à uma racionalidade distinta da estratégica, ou instrumental. Tal racionalidade – acredita Habermas –
seria ainda capaz de produzir reflexos nas instituições, processos e práticas sociais, ou seja, nos componentes da sociedade que
aparentemente teriam cedido à dominação da razão instrumental (Pinzani, 2009; p. 78).

Nota-se que esta razão – comunicativa 11 – se distingue da razão instrumental porquanto nela não se encontra um ator
interessado no sucesso particular, mas antes um “falante que deseja entender-se com uma segunda pessoa sobre algo no
mundo” (Habermas, 1997a; p. 36). Possibilita esta razão não o sujeito solipsista, mas o “médium linguístico, através do qual as
interações se interligam e as formas de vida se estruturam” (Habermas, 1997a; p. 20).

É justamente por estar inscrita no “telos linguístico do entendimento” que a racionalidade comunicativa possibilita e,
concomitantemente, limita, o mundo da vida (Habermas, 1997a; p. 20), este, que cumpre a função de terreno e representante
concreto da contingência, 12 é definido conforme as seguintes características: (a) é o nosso “modo de certeza imediata”, isto é, o
mundo da vida se revela como a instância mais intensificada do saber; (b) tem força totalizadora – espaço e tempo vividos são
coordenadas do mundo, interpretados concretamente, 13 ou seja, não existe sujeito transcendental; (c) os caráteres de imediatez
e totalização do mundo da vida o tornam um saber holístico, com função de pano de fundo (Habermas, 1990; p. 92-93).

É aqui que se evidencia a mudança de perspectiva de Jürgen Habermas em relação ao direito – e seu papel. A partir de Direito e
democracia, o direito não é mais um subsistema a serviços do poder econômico. Tampouco é apenas uma forma do saber
cultural – como a moral, acentua o Professor de Frankfurt –, mas antes forma um componente essencial no sistema de
instituições sociais. A partir daí, o direito se encontra tanto no sistema quanto no mundo da vida.

2.2. A concepção de direito como instituição – uma alternativa ao instrumentalismo jurídico

Concluiu-se o tópico anterior na explicação do conceito de razão comunicativa, conceito este que rompe com a razão prática
clássica, centrada no sujeito individual, para ser uma razão “dialógica, (...) em que a verdade resulta de um diálogo entre pares,
seguindo a lógica do melhor argumento” (Freitag, 1993; p. 59-60).

A partir daí, Habermas, pressupondo a institucionalização de processos democráticos de “formação discursiva da opinião e da
vontade” e o sistema político conforme o direito como “um sistema de ação entre outros” – responsável por conectar a formação
institucionalizada da vontade com as comunicações públicas informais –, entende o direito como o meio (médium) pelo qual as
interações de reconhecimento são alçadas ao “nível abstrato de relações organizadas” (Habermas, 1997b; p. 181).

Importante destacar que a manifestação do poder comunicativo nos processos democráticos de formação do direito não se
esgota, para Habermas, no processo eleitoral e legislativo, mas também abrange todos os discursos produzidos num ambiente
aberto a todos os afetados pela deliberação. É poder comunicativo – e isto é essencial para a compreensão das questões acerca
da recuperação judicial – toda tomada de decisão vinculante e produção de normas entre sujeitos orientados na busca do
entendimento (Neves, 2008; p. 118-119).

Habermas afirma que o direito legítimo, na sociedade democrática, deve ter como referência as condições comunicacionais –
“das quais emerge o poder político” – voltadas para “estruturas abstratas de reconhecimento mútuo” (1997b; p. 146-147). Por
isso, o processo é democrático e permite a formação legítima e discursiva da opinião e da vontade quando as partes envolvidas
trocam seu papel de sujeitos privados do direito e assumem a postura de participantes de um processo de entendimento a
respeito de como conviver, razão pela qual Habermas afirma que “o Estado Democrático de Direito depende de motivos de uma
população acostumada à liberdade” (1997b; p. 323).

A referida preocupação com o paternalismo estatal antidemocrático é muito forte no autor de Direito e democracia, visto que
toca o cerne do projeto emancipatório do homem. Com efeito, até no que tange aos processos coletivos e às medidas alternativas
de resolução de conflitos, como a mediação e arbitragem, Habermas conserva a suspeita de que, enquanto tais medidas se
limitarem a “aliviar o indivíduo através de uma representação competente” – como ocorria, por exemplo, na estrita
preocupação da concordata em garantir uma liquidação aos credores –, a proteção jurídica coletiva não será plena, pois impede
que a(s) pessoa(s) envolvida(s) experimente a organização da proteção do direito como um processo político (Habermas, 1997b;
p. 150).

A par de todo o exposto, parece evidente que Habermas discorda e procura se afastar desta compreensão, visto que, para o
autor, o direito não é um sistema fechado narcisisticamente em si mesmo, uma vez que se alimenta da ‘eticidade democrática’
dos cidadãos e da cultura política liberal (1997b; p. 323).

3. Principiologia (e crítica) da recuperação judicial a partir de Jürgen Habermas

O arcabouço teórico brevemente esboçado alhures procurou preparar o caminho para uma reflexão a respeito da recuperação
judicial que se comprometa com a complexidade do contexto em que o instituto jurídico se insere – oportunidade em que se
expôs o fundamento e a crise do instituto da concordata, relacionados à máxima instrumentalização do direito pelo Estado-
Providência.
Em seguida, introduziram-se alguns conceitos da obra de Jürgen Habermas, filósofo contemporâneo que procura refletir a
respeito dos elementos e da crise supracitados.

A par da vastidão e profundidade das reflexões do professor de Frankfurt, o estudo tão somente elaborou uma síntese – que não
deixou de ser interpretação – da sua concepção de direito no que ele chama de Estado Democrático de Direito, e cuja
legitimidade se assenta na medida da capacidade de representação dos elementos que possibilitam “a formação discursiva da
vontade” e “o balanceamento equitativo de interesses [dos envolvidos na questão] em seu conjunto” (Habermas, 1997b; p. 245).

Justifica-se a relevância da compreensão do pensamento de Habermas para o tema da recuperação judicial não somente pelo
fato de existirem manifestos herdeiros da teoria habermasiana na doutrina nacional – como Neves e Cattoni –, mas também
porque é possível aproximar a ideia de entendimento mútuo em vistas ao bem comum de Habermas com o chamado de direito
fundamental de fraternidade, para Paulo Bonavides, v.g., um direito em formação “mas cuja admissibilidade deve ser, de
imediato, declarada porquanto já se vislumbra com a mesma impressão de certeza objetiva que os direitos de terceira geração
(...)” (Bonavides, 2001; p. 161).

Não foge muito desta ideia Fábio Ulhôa Coelho, quando afirma que, no já dissecado contexto neoliberal, 14 a atividade
econômica deve ser disciplinada conforme o reconhecimento da possibilidade dos particulares, por si, compatibilizarem seus
interesses, com o direito responsável por criar condições equilibradas entre eles. Nesta trilha, o desafio da doutrina jurídica
contemporânea consiste em renovar a importância da composição dos interesses mediante a participação dos diretamente
envolvidos no negócio (Coelho, 2012; p. 26-27) – invertendo a maximização do prisma publicista – que provoca a
instrumentalização do direito.

Isso exige, entretanto, que os participantes no processo não reduzam seus atos dirigidos ao entendimento mútuo ao agir
teleológico – ou seja, visando a fins particulares –, pois um processo de entendimento mútuo depende do assentimento
racionalmente motivado dos participantes, 15 o qual não pode ser extorquido, manipulado, tampouco produzido por uma
intervenção externa (Habermas, 1989; p. 165).

Com efeito, o processo de recuperação judicial, juntamente com os demais espaços de exercício de liberdades públicas – como o
sufrágio – deve(ria) ser meio de “transformar a força imperceptível de convicções – formadas sem violência e compartilhadas
intersubjetivamente em poder social integrador” (Habermas, 1997b; p. 126).

No plano principiológico, o art. 47 da Lei 11.101/2005 positiva o princípio da preservação da empresa, marco distintivo do antigo
instituto da concordata em relação à recuperação judicial, porquanto nesta, segundo a tradição doutrinária

“(...) mediante procedimentos de soerguimento da empresa em crise, os credores têm melhores perspectivas de realização de
seus haveres, os fornecedores não perdem o cliente, os empregados mantêm seus empregos e o mercado sofre menos
(impossível não sofrer) os impactos e as repercussões da insolvência empresarial” (Fazzio Junior, 2006; p. 20).

Ora, no contexto exposto, o princípio da preservação da empresa – inaugurando uma principiologia de ruptura com o modelo
antigo – é justamente parte do desenvolvimento do direito fundamental de fraternidade, bem como dos princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF/1988), função social do trabalho (art. 1.º, IV, da CF/1988) e da
propriedade (art. 170, III, VIII, da CF/1988), nos quais a autonomia privada deve – na esteira de seu caráter histórico de
reprodutor das nuances das lutas de classes e de acordo com a já citada onda liberalizante – busca alargar “o campo de eficácia
jurídica da autorregulação dos interesses” (Coelho, 2012; p. 27-28).

É por essa razão que, conforme precedentes 16 do STJ, “na vigência da atual Legislação de recuperação e falência, a intervenção
do Ministério Público ficou restrita às hipóteses expressamente previstas em lei”. 17 Trata-se de uma construção jurisprudencial
que capturou o espírito contemporâneo da autonomia privada, que, nesta eterna tensão e cooriginariedade com a autonomia
pública, evolui na medida em que encontra “motivos de autolegislação de acordo com os quais os destinatários do direito são
simultaneamente autores dos seus direitos” (Habermas, 1996; p. 104).

Isto é, conforme já explorado na obra do teórico alemão, só existe cidadania e participação democrática efetiva quando os
participantes do processo se enxergam como autores e destinatários das leis que lhe regem. Nas palavras de Habermas, é uma
teoria do direito conciliadora da nova tensão dialética a que se submete as autonomias pública e privada aquela que “se
restringe aos aspectos procedimentais do uso público da razão e desenvolve o sistema dos direitos a partir da ideia de sua
institucionalização” (2002; p. 86-87).

Por este eixo deve ser entendido o princípio da preservação da empresa, outra consagração em termos de precedentes do STJ. 18
Efetivamente, se ao direito contemporâneo cumpre reconstruir, permitir e irrigar as precárias condições de integração social,
mediadas pelo entendimento recíproco entre sujeitos que interagem socialmente (Cattoni, 2002; p. 50-51), também o princípio
retro mencionado deve ser encarado com vistas a institucionalizar as condições de um entendimento mútuo acerca não só da
justificação ou elaboração das normas de ação, mas também da aplicação e da observância de tais normas (Cattoni, 2002; p. 72).

Logo, parece bem evidente que o que se propõe não se trata de um retorno ao princípio basilar da livre iniciativa liberal – nos
moldes do laissez-faire – visto que o instituto da recuperação judicial tem sentido, no capitalismo, para corrigir disfunções do
sistema econômico, as quais, na lição de Fábio Ulhoa Coelho, não são defeitos imanentes ao mercado. Este último, segundo o
professor, não é capaz de naturalmente – isto é, sem a intervenção jurídica – solucionar a crise da empresa por conta de valores
idiossincráticos – egoísticos, individuais, ou seja, guiados pelo agir teleológico, na ótica de Habermas – que dominam a ação
tanto dos credores quanto do devedor (Coelho, 2008; p. 118).

Por isso a recuperação judicial visa instituir um juízo universal, outro elemento de relevância na construção jurisprudencial do
STJ, 19 “cuja finalidade é a ampla proteção de todos os que mantenham relações jurídicas com a empresa, além dos que tenham
interesse sobre ela, designadamente os interesses difusos de trabalhadores, da comunidade geral e do Estado, devendo-se
destacar, para tanto, a sua função social” (Mamede, 2006; p. 63).

Nesta situação excepcional – em que não se pode mais exigir do devedor que voluntariamente cumpra sua obrigação e,
tampouco, demandar que o Estado aplique coercitivamente os meios necessários ao adimplemento convencional –, a
intervenção do juiz – “via e mecanismo para a solução do conflito multifacetado resultante da insolvência” – se faz eficaz na
(exata) medida em que possibilita a harmonização dos interesses dos credores e a recuperando e dos credores entre si. Trata-se,
assim, de uma função tipicamente ordenadora de interesses (Mamede, 2006; p. 64).

Assim, a recuperação judicial não deve(ria) significar “a substituição da iniciativa privada pelo juiz na busca de soluções para a
crise da empresa” (Coelho, 2008; p. 119)”, pois, aproveitando a lição de Habermas, tornaria a medida numa “estrutura de
dependência do paradigma distributivo”, que se utiliza ao máximo do direito como instrumento de regulação social (Santos,
2011), esquecendo-se de considerar o poder de autodeterminação e capacidade de destacar os pontos de relevantes que
possuem os envolvidos na questão (1997b; p. 160-161).

Tampouco, contudo, a recuperação judicial deve se manter atrelada ao modo liberal/individualista de produção do direito –
prevalecente no Brasil, conforme a crítica de Streck –, “instituído/forjado para resolver disputas interindividuais” (1999; p. 33).
Na trilha do exposto oportunamente, a recuperação judicial deve seguir os ditames de um direito como meio de integração
social, institucionalizando um processo em que todos os envolvidos sejam voltados ao reconhecimento mútuo como titulares de
direitos garantidores de autonomia (Cattoni, 2002; p. 52).

A seguir, elaborar-se-á a análise de dois julgados, cada um representativo do posicionamento do seu respectivo Tribunal de
Justiça – dos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul –, que podem ser interpretados à luz da principiologia exposta. O
objetivo é contribuir para a esfera prática do tema e criticar a dogmática jurídica.

3.1. Estudo de casos: limites da soberania jurisdicional e assemblar à luz do TJSP e TJMS

O primeiro acórdão a ser abordado tem sua origem na 2.ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP. Trata-se de decisão
prolatada nos autos do AgIn 2016148-33.2015.8.26.0000, da relatoria do Des. Carlos Alberto Garbi, proferido no dia 29.06.2015. A
síntese do caso se retira do relatório:

“Insurgiu-se o agravante contra decisão proferida na recuperação judicial da agravada que homologou o respectivo plano
aprovado na Assembleia Geral de Credores. Alegou o recorrente, em síntese: (i) que o plano é inaceitável do ponto de vista
econômico; (ii) que a agravada contraiu empréstimos acima de sua capacidade de pagamento; (iii) que o plano não pode prever
a extensão dos efeitos da recuperação judicial aos garantidores; (iv) que a novação opera efeitos apenas em relação ao devedor
principal; (v) e que deve ser apresentado um novo plano. Pediu, assim, a concessão do efeito suspensivo e, a final, o provimento
do recurso”.

Em resumo: o recorrente impugna decisão que homologou o plano de recuperação judicial da empresa devedora, requerendo o
decreto de nulidade da deliberação da Assembleia Geral de Credores e a determinação para que seja apresentado novo plano.

Pois bem, deliberando a respeito da questão, o Tribunal bandeirante expõe de forma exaustiva o entendimento da doutrina e
jurisprudência do STJ 20 a respeito dos limites interventivos do Estado-juiz na soberania das decisões assemblares. Vide:

“No E. STJ tem prevalecido o entendimento de que deve ser preservada a soberania da Assembleia Geral de Credores para a
aprovação do plano de recuperação judicial, restringindo a intervenção judicial. Essa orientação começou a ganhar força na
jurisprudência superior a partir do julgamento do REsp 1.314.209/SP, relatado pela Min. Nancy Andrighi, de 22.04.2012, no qual
se afirmou: ‘A assembleia de credores é soberana em suas decisões quanto aos planos de recuperação judicial. Contudo, as
deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, requisitos esses que estão sujeitos
a controle judicial. 2. Recurso especial conhecido e não provido’”.

Com base nisso, o acórdão deixa claro que a soberania assemblar “deve ser entendida com ressalvas, cabendo ao Magistrado
examinar não só a legalidade do plano e de seus aditivos, como também a viabilidade do quanto decidido pela Assembleia Geral
dos Credores, em respeito principalmente aos princípios contratuais e empresariais de ordem pública”.

Mais adiante, a Corte explica melhor seu posicionamento afirmando que, efetivamente, a assembleia de credores é soberana,
porém o é na medida em que respeita “substancialmente o direito dos credores e do grupo de credores”.

Isso significa que a posição de órgão tutor do respeito dos direitos e regulador dos conflitos adotada pelo Judiciário no processo
de recuperação judicial – e defendida no decorrer do texto – não autoriza ao magistrado que este deva se abster caso perceba,
na esteira denúncia de Fábio Ulhoa Coelho, que o plano de recuperação judicial é um “blá, blá, blá”, empurrado “goela abaixo”
aos credores pelo devedor (Coelho, 2008; p. 161 e ss.), pois isto não é produto de uma formação imparcial da vontade da
universidade de credores na busca de um entendimento mútuo – com vistas à recuperação da empresa devedora.
Com base nesta compreensão do tema, a Corte bandeirante se limitou a dar provimento parcial ao recurso da agravante,
somente no sentido de determinar a elaboração de novo plano de recuperação judicial, o qual deva conter previsão correção
monetária dos créditos sujeitos à recuperação. Este foi o único ponto que, segundo o TJSP, fez merecer a ingerência estatal.

Efetivamente, entende-se que a decisão merece elogios, tendo em conta que o Judiciário se propôs a homologar a deliberação
geral da assembleia de credores no caso concreto, imiscuindo-se tão somente em questão de ordem pública (a preservação do
valor da moeda) e deixando a cargo da autonomia dos credores a deliberação das demais questões.

O segundo material que se colhe para análise, também recente, advém da Vara de Falência, Recuperações, Insolvências e Cartas
Precatórias Cíveis da comarca de Campo Grande/MS, representando importante posicionamento da matéria na capital do
Estado. É decisão singular (Autos 0823725-50.2015.8.12.0001) que deferiu o processamento de recuperação judicial de empresas
devedoras, em litisconsórcio ativo, com uma ressalva interessante: declarou-se, incider tantum – ou seja, pela via difusa –,
inconstitucionais os §§ 3.º e 4.º do art. 49 da Lei 11.101/2005.

A decisão invoca, a seu favor, os votos vencidos dos Ministros do STJ Nancy Andrighi e Massami Uyeda, no REsp 1.279.525-PA, os
quais, naquela oportunidade, fundamenta o juízo:

“(...) votaram pela sujeição do adiantamento de contrato de cambio a recuperação judicial, declarando haver uma contradição
entre o § 4.º do art. 49, 151 e 47 da Lei de falências. Prevaleceu o entendimento que não cabe ao Poder Judiciário legislar, visto
que o § 4.º do art. 49 da Lei de LFR e claro quando determina que os contratos de adiantamento de cambio para exportação tem
o privilégio de não se sujeitarem a recuperação”.

Contudo, o magistrado da capital sul-matogrossensse entende que, em harmonia com a principiologia acima defendida no que
tange à recuperação judicial, existe a necessidade de se declarar inconstitucionais os §§ 3.º e 4.º do art. 49, visto que contraria os
supracitados princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF/1988), função social do trabalho (art.
1.º, IV, da CF/1988) e da propriedade (art. 170, III, VIII, da CF/1988).

Segundo a decisão de Campo Grande/MS, estas são “normas constitucionais desrespeitadas pelo legislador que elaborou a Lei de
Falências e Recuperações de Empresas”, e, logo, os referidos dispositivos legais deveriam ser afastados pela via difusa. Por este
raciocínio, determinou-se a inclusão “dos créditos bancários no rol de sujeitos a recuperação”.

A analisada decisão reflete uma forte crítica de parte da doutrina a dispositivos introduzidos a partir de 2000 – por meio de forte
pressão dos setores bancários – ao projeto de lei que culminou na legislação regente, os quais motivaram a criação de uma nova
e jocosa nomenclatura: ao invés de “Lei de Recuperação de Empresas”, “Lei Febraban”, ou “Lei de Recuperação de Créditos
Bancários” (Bezerra Filho, 2007; p. 47).

Manoel Justino Bezerra Filho denuncia que esse lobby praticado pelos bancos na formação do projeto de lei

“(...) redundou em artigos espalhados pela Lei [n. 11.101/2005], sendo exemplo máximo o art. 49, que estabelece que ‘todos os
créditos existentes na data do pedido’ de recuperação estão sujeitos aos seus efeitos. Logo em seguida, o § 3.º estabelece que ‘não
se submeterá aos efeitos da recuperação judicial’ o credor por alienação fiduciária, o credor por arrendamento mercantil, o
credor por contrato com reserva de domínio, entre outros, completando o § 4.º. (...) a pressão do capital financeiro foi tão
acentuada que conseguiu superar até os privilégios fiscais – a última mudança feita no projeto, relativamente ao quadro-geral
de credores na falência, tirou o crédito tributário do segundo lugar na lista e passou-o para terceiro; em sua frente, ficaram os
créditos com garantia real. Na mesma linha de privilégio ao capital financeiro, o art. 161 exclui também esses mesmos créditos
do plano de recuperação extrajudicial” (2007; p. 49).

Sob o prisma da teoria habermasiana, parece inequívoco que as instituições financeiras – as quais, conforme ressaltado na
decisão de Campo Grande/MS, constituem amiúde a maioria dos credores ou a maior parcela do passivo da devedora – devem
ser incluídas na tarefa de formação de uma vontade pelo agir comunicativo – que se expressa juridicamente no princípio da
preservação da empresa (art. 47 da Lei 11.101/2005), isto é, um agir com vistas a produzir um poder social integrador
(Habermas, 1997b; p. 126).

Conforme destacado, o processo de recuperação judicial se aproximará do direito legítimo, para Habermas, na medida em que
sua reprodução possuir como referência as condições de um entendimento mútuo entre todos os envolvidos na situação (1997b;
p. 146-147).

Neste sentido, a inclusão dos mais relevantes credores da empresa recuperanda em um plano de recuperação judicial que se
paute pelo princípio da preservação da empresa é um avanço evidente, pois a política de favorecimento arraigada nos §§ 3.º e
4.º do art. 49 da Lei 11.101/2005, embora na maioria das vezes sirva para oprimir a efetiva participação política dos beneficiados
(Habermas, 1997b; p. 160-161), também pode servir para eximir os setores mais influentes da sociedade e do mercado de uma
responsabilidade política. No caso, por exemplo, o favorecimento ao setor bancário afasta deste a atribuição de agir com vistas
ao entendimento mútuo com o devedor e demais credores, obstando a efetivação do princípio da preservação da empresa.

Considerações finais

O trabalho, na perspectiva do seu autor, caminhou no sentido de propor uma reflexão a respeito da recuperação judicial que
seja contemporânea e comprometida com o contexto histórico, político e filosófico em que se encerra. Nesta toada, levou-se em
conta, introdutoriamente, o esgotamento do Estado-Providência representado pela ineficácia da sobrecarga do direito estatal,
que sobrejuridiciza a sociedade – esta, por outra perspectiva, sobressocializa o direito –, produto da máxima instrumentalização
do direito estatal. Assim, o estudo se balizou conforme a nova tensão surgida no cenário neoliberal entre os princípios da
autonomia da vontade e da função social da propriedade.

Uma introdução deste nível permitiu que se compreendesse a recuperação judicial inserida numa espécie de cabo de guerra
entre uma política privatista e outra intervencionista. O objetivo, entretanto, além de expor esse problema, é superá-lo. Assim,
com base na síntese do pensamento de Jürgen Habermas, acredita-se que foi possível explorar melhor essas duas posições
ideológicas e criticá-las com vistas a uma terceira via conciliadora.

Tal via, aqui exposta com escopo na interpretação de Jürgen Habermas em relação ao direito democrático, portanto, não tem
como proposta um retorno ao modelo do laissez faire, tampouco se apresenta um modelo de direito como instrumento exclusivo
do Estado (Social) como regulador social – o que torna o cidadão um cliente do Estado, para Habermas. Na busca de superar o
instrumentalismo jurídico, o filósofo alemão concebe o direito como instituição social responsável pela formação imparcial e
legítima da vontade dos cidadãos.

Aplicando o contexto teórico exposto à temática da recuperação judicial, a concepção de Habermas sobre o direito, transposta
ao instituto de recuperação judicial e sua principiologia – a qual, por sua vez, constitui significativa ruptura com o antigo
modelo de concordata –, possibilita compreender melhor as funções, deveres, e limites do Estado-juiz e da comunidade de
credores no processo de recuperação judicial. Neste sentido, acredita-se que o magistrado deve se reservar à função de
garantidor da formação imparcial e legítima da vontade da Assembleia de Credores, órgão o qual, por seu turno, ocupa posição
de representante do entendimento mútuo no empreendimento de preservação da empresa em recuperação judicial, ou seja, é
necessário um abandono da aludida racionalidade instrumental (dirigida aos interesses particulares de cada credor) e a adoção
de uma racionalidade comunicativa.

Embora se reconheça que há muito a ser feito para que, efetivamente, a exposta principiologia ganhe concretização, existem
amostras positivas da jurisprudência que caminham neste sentido, como os expostos precedentes do STJ; o acórdão do TJSP, o
qual manteve, no caso singular, a soberania da deliberação assemblar com ressalva somente em questão de ordem pública; e a
decisão de primeiro grau da Vara de Falência, Recuperações, Insolvências e Cartas Precatórias Cíveis da comarca de Campo
Grande/MS, esta que, ao declarar pela via difusa a inconstitucionalidade dos §§ 3.º e 4.º do art. 49 da Lei 11.101/2005, impôs às
instituições financeiras – amiúde credores da maior relevância para a recuperação da empresa – a participação no juízo
universal da recuperação.

No mais, importa destacar que, embora se possa arguir que a recuperação extrajudicial tenha sido esquecida pelo estudo,
acredita-se que o referido instituto carece, justamente, da força do direito de organizar, ordenar e harmonizar a comunhão de
credores conforme o princípio da preservação da empresa. Este caráter do direito – procedimental, para Habermas – é a chave
para se compreender o insucesso da medida extrajudicial e contribuir para a evolução da recuperação judicial.

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Pesquisas do Editorial

ANOTAÇÕES SOBRE OS LIMITES DO PODER JURISDICIONAL NA APRECIAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL,


de Eduardo Secchi Munhoz - RDB 36/2007/184

O PODER DOS CREDORES E O PODER DO JUIZ NA FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL, de Gerson Luiz Carlos Branco
- RT 936/2013/43

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL, de Samuel Hübler - RDB 63/2014/131

OS MEIOS PARA A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS E PROBLEMAS DETECTADOS, de Vera Helena de Mello
Franco - RT 954/2015/217

RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA: ALGUMAS DAS POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS PARA OS SÓCIOS DAS EMPRESAS
AFETADAS, de Luís Alberto de Fischer Awazu - RDB 68/2015/181

RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A EFICIÊNCIA DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA NO DIREITO


BRASILEIRO, de Bruno Marques Bensal - ReDE 10/2015/229

FOOTNOTES

1.

O termo principiologia, referencial para o trabalho, inspira-se na ideia de elementos jurídicos compreensivos que se encontram latentes, são efetivados e vão além dos
dispositivos legais (STRECK, 2009; p. 524). Neste sentido, o estudo possui – na esteira da crise do que Santos chama instrumentalismo jurídico – caráter pós-positivista, na
medida em que considera que “os indivíduos podem ter direitos contra o Estado, anteriores aos direitos criados através de legislação explícita” (DWORKIN, 2002; p. XIII)
e, assim, busca elementos para a compreensão de um direito autônomo relativamente ao Estado.

2.

Os dados foram retirados de notícia veiculada na revista eletrônica Conjur. Disponível em: [www.conjur.com.br/2015-jun-13/empresas-entram-recuperacao-judicial-
reabilitam].

3.

[www.conjur.com.br/2015-jun-13/empresas-entram-recuperacao-judicial-reabilitam].

4.

“A ineficácia é um fenômeno simultaneamente jurídico e extrajurídico. Refere-se àquilo que o direito transforma ou deixa de transformar no ‘mundo exterior’”
(SANTOS, 2011; p. 162).

5.

A respeito do aludido princípio, José Afonso da Silva: “A norma que contém o princípio da função social da propriedade incide imediatamente, é de aplicabilidade
imediata, como o são todos os princípios constitucionais. A própria jurisprudência já o reconhece. Realmente, afirma-se a tese de que aquela norma ‘tem plena eficácia,
porque interfere com a estrutura e o conceito da propriedade, valendo como regra que fundamenta um novo regime jurídico desta, transformando-a numa instituição
de direito público, especialmente, ainda que nem a doutrina nem a jurisprudência tenham percebido o seu alcance, nem lhe dado aplicação adequada como se nada
tivesse mudado” (1998; p. 285).

6.

Para o Habermas anterior a Direito e democracia, vale destacar, entretanto, que o estudo do Estado e do direito possui relevância maior do que na tese originalmente
elaborada por Karl Marx, visto que o intervencionismo estatal do início do século XX revelou o desmoronamento da ideologia da troca justa, levando à consequência de
o sistema de dominação também não poder mais ser analisado imediatamente a partir das relações de produção (HABERMAS, 1968; p. 69).

7.

“O rigor científico afere-se pelo rigor das medições. As qualidades intrínsecas do objeto são, por assim dizer, desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as
quantidades em que eventualmente se podem traduzir” (SANTOS, 2011; p. 63).

8.

A respeito, Habermas: “A prática cotidiana orientada pelo entendimento está permeada de idealizações inevitáveis. Estas simplesmente pertencem ao medium da
linguagem coloquial comum, através do qual se realiza a reprodução de nossa vida. É verdade que cada um de nós pode decidir-se a qualquer momento a manipular os
outros ou a agir abertamente de modo estratégico. Contudo, nem todos conseguem portar-se continuamente dessa maneira. Caso contrário, a categoria “mentira”
perderia seu sentido e, no final de tudo, a gramática de nossa linguagem desmoronaria. A apropriação da tradição e a socialização tornar-se-iam impossíveis. E nós
teríamos que modificar os conceitos que utilizamos até aqui para caracterizar a vida social e o mundo social” (1993; p. 98).
9.

“(...) o mundo da vida constitui o horizonte de uma práxis do entendimento mútuo, em que os sujeitos que agem comunicativamente procuram, em conjunto, chegar a
bom termo com seus problemas cotidianos. Os mundos da vida modernos diferenciam-se nos domínios da cultura, da sociedade e da pessoa. A cultura articula-se –
segundo os aspectos de validade das questões sobre verdade, justiça e gosto – nas esferas da ciência e da técnica, do direito e da moral, da arte e da crítica da arte. As
instituições básicas da sociedade (como a família, a Igreja e a ordem jurídica) geraram sistemas funcionais que (como a economia moderna e a administração do
Estado) desenvolvem uma vida própria por meios de comunicação próprios (dinheiro e poder administrativo)” (HABERMAS, 2004; p. 320).

10.

“(...) com a institucionalização legal do meio monetário que marca a emergência do capitalismo, a ação orientada para o sucesso, guiada por cálculos egocêntricos de
utilidade, perde sua conexão com a ação orientada para o entendimento mútuo. Esta ação estratégica que desatrela-se dos mecanismos de alcançar o entendimento e
demanda por uma atitude objetivante inclusive no campo das relações interpessoais é promovida a modelo para lidar metodologicamente com uma natureza
objetivada cientificamente. Na esfera instrumental, a atividade dirigida a fins, ao retirar sua legitimidade do sistema científico, fica livre das restrições normativas”
(HABERMAS, 1987; p. 196).

11.

Para Habermas, a racionalidade comunicativa “expressa-se na força unificadora do discurso orientado para o entendimento, que assegura aos falantes participantes no
acto de comunicação um mundo da vida intersubjetivamente partilhado, garantido assim simultaneamente um horizonte no seio do qual todos se possam referir a um
só mundo objetivo” (1996; p. 192).

12.

Álvaro Ricardo resume que: “O mundo da vida não apenas é o pano de fundo que permite o entendimento, mas algo que absorve o risco do dissenso, equilibrando a
dimensão de validade da fala e a facticidade das diferentes formas de vida concretas, o que confere à fala enorme força estabilizadora/integradora das relações sociais”
(2008; p. 98).

13.

“como a comunidade de um local, de uma região, de um Estado, de uma nação, de uma sociedade mundial, etc., ou como a sequência de gerações, de épocas, de eras, de
biografias individuadas perante Deus, etc. Eu, em meu corpo e enquanto meu corpo, encontro-me num mundo compartilhado intersubjetivamente, de tal modo que os
mundos vitais habitados coletivamente encontram-se engrenados, entrecruzados e entrelaçados como o texto e o contexto” (1990; p. 93).

14.

Acredita-se que Habermas só pode ser intitulado de teórico neoliberal se isso significar um investigador na trilha de formas de exercício de novas liberdades
(BONAVIDES, 2001; p. 163).

15.

Para atores orientados pelo sucesso todos os componentes da situação transformam-se em fatos, que eles valorizam à luz de suas próprias preferências, ao passo que os
que agem orientados pelo entendimento dependem de uma compreensão da situação, negociada em comum, passando a interpretar fatos relevantes à luz de
pretensões de validade reconhecidas intersubjetivamente (HABERMAS, 1997a; p. 40-41).

16.

AgRg no Ag 1.328.934/GO, 4.ª T., j. 04.11.2014, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 14.11.2014; REsp 1.230.431/SP, 3.ª T., j. 18.10.2011, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 18.11.2011; REsp
996.264/DF, 3.ª T., j. 19.08.2010, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 03.12.2010; MC 022.473/MT (decisão monocrática), j. 25.03.2014, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe
28.03.2014; REsp 1.236.819/BA (decisão monocrática), j. 16.08.2013, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 22.08.2013; REsp 1.014.301/DF (decisão monocrática), j.
02.02.2011, rel. Min. Vasco Della Giustina (desembargador convocado do TJRS), DJe 08.02.2011.

17.

Tese 11, do Programa jurisprudência em teses 35, do STJ. Segundo informações do tribunal, as teses resumidas foram elaboradas pela Secretaria de Jurisprudência,
mediante exaustiva pesquisa na base de jurisprudência do STJ. Os entendimentos foram extraídos de precedentes publicados até 30.04.2015.

18.

Jurisprudência em teses 35: 1. A recuperação judicial é norteada pelos princípios da preservação da empresa, da função social e do estímulo à atividade econômica, a
teor do art. 47 da Lei 11.101/2005. Precedentes: AgRg no CC 129.079/SP, 2.ª Seção, j. 11.03.2015, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 19.03.2015; AgRg no REsp
1.462.032/PR, 2.ª T., j. 05.02.2015, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 12.02.2015; REsp 1.173.735/RN, 4.ª T., j. 22.04.2014, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 09.05/2014;
CC 111.645/SP, 2.ª Seção, j. 22.09.2010, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 08.10.2010; CC 108.457/SP, 2.ª Seção, j. 10.02.2010, rel. Min. Honildo Amaral de Mello
Castro (desembargador convocado do TJAP), DJe 23.02.2010; REsp 844.279/SC, 1.ª T., j. 05.02.2009, rel. Min. Luiz Fux, DJe 19.02.2009; CC 79.170/SP, 1.ª Seção, j. 10.09.2008,
rel. Min. Castro Meira, DJe 19.09.2008; CC 129.626/MT (decisão monocrática), j. 15.08.2013, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 19.08.2013; CC 115.081/SP (decisão monocrática),
j. 06.02.2012, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 02.03.2012.

19.

Jurisprudência em teses 35: 10. A competência para promover os atos de execução do patrimônio da empresa recuperanda é do juízo em que se processa a recuperação
judicial, evitando-se, assim, que medidas expropriatórias prejudiquem o cumprimento do plano de soerguimento. Precedentes: AgRg no CC 129.079/SP, 2.ª Seção, j.
11.03.2015, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 19.03.2015; AgRg no CC 133.509/DF, 2.ª Seção, j. 25.03.2015, rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 06.04.2015; AgRg no CC
125.205/SP, 2.ª Seção, j. 25.02.2015, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 03.03.2015; AgRg no CC 136.978/GO, 2.ª Seção, j. 10.12.2014, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 17.12.2014;
AgRg no CC 124.052/SP, 2.ª Seção, j. 22.10.2014, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 18.11.2014; EDcl no AgRg no AgRg no CC 118.424/SP, 2.ª Seção, j. 10.04.2013, rel. Min.
Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 14.03.2014; AgRg no CC 130.433/SP, 2.ª Seção, j. 26.02.2014, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 14.03.2014; CC 118.819/MG, 2.ª Seção, j. 26.09.2012,
rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 28.09.2012; CC 116.696/DF, 2.ª Seção, j. 24.08.2011, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 31.08.2011; AgRg no CC 105.215/MT, 2.ª Seção, j.
28.04.2010, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 24.06.2010 (Vide Repercussão Geral no RE 583.955/RJ).

20.

São precedentes aduzidos pelo acórdão REsp 1.359.311/SP, 4.ª T., j. 09.09.2014, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 30.09.2014; REsp 1.388.051/GO, 3.ª T., j. 10.09.2013, rel.
Min. Nancy Andrighi, DJe 23.09.2013; AREsp 22.011/GO (decisão monocrática), j. 02.02.2015, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 06.02.2015; MC 23.858/SP, (decisão
monocrática), j. 03.02.2015, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 05.02.2015.

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