Você está na página 1de 282

CONTRATOS URBANÍSTICOS

CONCERTAÇÃO, CONTRATAÇÃO E NEOCONTRATUALISMO


NO DIREITO DO URBANISMO
JORGE ANDRÉ DE CARVALHO BARREIRA ALVES CORREIA
ASSISTENTE DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

CONTRATOS URBANÍSTICOS
CONCERTAÇÃO, CONTRATAÇÃO E NEOCONTRATUALISMO
NO DIREITO DO URBANISMO

Dissertação de Mestrado em Direito


Administrativo na Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra
CONTRATOS URBANÍSTICOS
CONCERTAÇÃO, CONTRATAÇÃO E NEOCONTRATUALISMO
NODIREITO DO URBANISMO

AUTOR
JORGE ANDRÉ DE CARVALHO BARREIRA ALVES CORREIA

EDITOR
EDIÇÕES ALMEDINA, SA
Av. Fernão Magalhães, n.° 584, 5.° Andar
3000-174 Coimbra
Tel.: 239 851 904
Fax: 239 851 901
www.almedina.net
editora@almedina.net

PRÉ-IMPRESSÃO | IMPRESSÃO | ACABAMENTO


G.C. GRÁFICA DE COIMBRA, LDA.
Palheira – Assafarge
3001-453 Coimbra
producao@graficadecoimbra.pt

Setembro, 2009

DEPÓSITO LEGAL
299211/09

Os dados e as opiniões inseridos na presente publicação


são da exclusiva responsabilidade do(s) seu(s) autor(es).

Toda a reprodução desta obra, por fotocópia ou outro qualquer


processo, sem prévia autorização escrita do Editor, é ilícita
e passível de procedimento judicial contra o infractor.

Biblioteca Nacional de Portugal – Catalogação na Publicação


CORREIA, Jorge André de Carvalho Barreira Alves
Contratos urbanísticos : concertação, contratação e
o neocontratualismo no direito do urbanismo. – (Teses
de mestrado)
ISBN 978-972-40-3942-8
CDU 349
351
346
A meus pais
Ao meu irmão Nuno
À Ana Carolina
NOTA PRÉVIA

O trabalho que aqui se publica corresponde, com pequenas alte-


rações, à Dissertação de Mestrado em Direito Administrativo
apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,
em 25 de Maio de 2009, e discutida perante um Júri, constituído
pelos Professores Doutores José Joaquim Gomes Canotilho, Pedro
António Pimenta da Costa Gonçalves e Maria Alexandra Sousa Ara-
gão, em 19 de Junho de 2009. As ligeiras modificações introduzidas
no texto da Dissertação traduziram-se, essencialmente, na recupera-
ção de alguns desenvolvimentos que tinham sido eliminados por
força do constrangimento do número máximo de 300.000 caracte-
res, a que aquela teve de obedecer.
Propusemo-nos analisar, sob o ponto de vista dogmático, um
tema especial da contratação pública. A presente dissertação de
Mestrado teve, assim, como finalidade expor a relevância do fenó-
meno contratual no Direito do Urbanismo moderno, traçando o
recorte fisionómico dos contratos urbanísticos e, dentro destes, dos
contratos de execução dos planos, bem como da nova figura dos
contratos para planeamento. Nestes últimos, detectámos uma certa
imbricação entre duas formas do agir administrativo – contrato
administrativo e regulamento administrativo –, cuja dinâmica deixa
entrever um novo sentido na evolução do Direito Administrativo em
geral, motivado sobretudo pela ideia de neocontratualismo. Con-
firma-se, deste modo, a vocação do Direito do Urbanismo para
constituir um “laboratório de experimentação” de novos institutos
do Direito Administrativo, factor determinante para a escolha deste
tema.
8 Contratos Urbanísticos

Não podemos deixar de agradecer, em primeiro lugar, aos ele-


mentos do Júri pela disponibilidade manifestada para a apreciação
do trabalho. Ao Senhor Professor Doutor José Joaquim Gomes
Canotilho, presidente do Júri, cumpre-nos agradecer as lições que
recebemos, tanto no plano do Direito Constitucional, como no plano
do Direito Administrativo. Ao Senhor Professor Pedro António
Pimenta da Costa Gonçalves agradecemos o estímulo, a inspiração
e a sua presença amiga e constante, na qualidade de orientador
da Dissertação, ao longo do período de elaboração da mesma.
À Senhora Professora Doutora Maria Alexandra Sousa Aragão agra-
decemos a arguição que tanto nos honrou e da qual extraímos impor-
tantes ensinamentos para a matéria da contratação urbanística.
Em segundo lugar, agradecemos à Mestre Ana Raquel Moniz o
encorajamento, a disponibilidade para discutir algumas temáticas
sobre as quais versou o presente trabalho e as valiosas “trocas de
impressões” que nos proporcionou sobre alguns assuntos nele trata-
dos. Ao Mestre Licínio Lopes Martins agradecemos todo o apoio e
amizade, bem como as utilíssimas conversas que mantivemos
durante o período da redacção do texto e da preparação das provas
públicas. Estamos, igualmente, gratos ao Mestre João Pedro Silva
Rodrigues pela sua decisiva contribuição para a nossa formação aca-
démica e humana.
Finalmente, um sentido obrigado aos Professores e aos colegas
que tanto nos incentivaram durante o período de elaboração da dis-
sertação.

Coimbra, 18 de Julho de 2009.


ABREVIATURAS

BauGB – Baugesetzbuch
CCDR – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional
CE – Código das Expropriações
IGT – Instrumentos de Gestão Territorial
LBPOTU – Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território
e Urbanismo (Lei n.° 48/98, de 11/08, na versão da Lei
n.° 54/2007, de 31/08)
NUTS III – Nomenclaturas das Unidades Territoriais Estatísticas
de nível III
PDM – Plano Director Municipal
PEOT – Plano Especial de Ordenamento do Território
PIMOT – Plano Intermunicipal de Ordenamento do Território
PNPOT – Programa Nacional de Política e Ordenamento do Ter-
ritório
PMOT – Plano Municipal de Ordenamento do Território
PP – Plano de Pormenor
PRG – Piano Regolatore Generale
PROT – Plano Regional de Ordenamento do Território
PROTAL – Plano Regional de Ordenamento do Território do
Algarve
PS – Plano Sectorial
PU – Plano de Urbanização
RJSEL – Regime Jurídico do Sector Empresarial Local (Lei
n.° 53-F/2006, de 29/12)
10 Contratos Urbanísticos

RJIGT – Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Terri-


torial (DL n.° 380/99, de 22/09, na redacção do DL
n.° 46/2009, de 20/02)
RJRU – Regime Jurídico da Reabilitação Urbana
RJUE – Regime jurídico da Urbanização e da Edificação (DL
n.° 555/99, de 16/12, na redacção da Lei n.° 60/2007,
de 4/09)
SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana
TJ – Tribunal de Justiça (União Europeia)

Advertência: as citações de normas jurídicas sem indicação da lei


que as contém remetem para o diploma mencionado no respectivo
período textual.
“Trabalhamos não para merecer o predicado
da ciência, mas para servir a vida”.

PHILIPP HECK, Begriffsbildung und Interessenjuris-


prudenz, 24
PARTE I
INTRODUÇÃO
PARTE I
INTRODUÇÃO

CAPÍTULO ÚNICO

A CONTRATAÇÃO URBANÍSTICA NO CONTEXTO GERAL


DA CONTRATAÇÃO ADMINISTRATIVA

1. A Actividade Contratual Administrativa e as Recentes


Transformações Operadas no Âmbito das Formas do Agir
Administrativo: “de uma Administração Autoritária a uma
Administração Contratualizada”

A expansão do consenso na acção administrativa e o crescente


recurso a figuras contratuais como modus agendi disciplinador
de relações jurídico-públicas são expressão do “código-fonte” do
Direito Administrativo recente, desvelando no seu ADN iuris um
novo genoma dogmático.
Os últimos anos do século XX denotaram uma tendência de
evolução dos sistemas de Administração executiva europeus para a
introdução do consenso e da concertação no agir administrativo. Em
rigor, essa tendência de evolução, embora seja apenas uma das faces
de um fenómeno bem mais extenso1, criou condições favoráveis
1 A tendência dos tempos modernos para a contratualização decisória
pública constitui, segundo vários autores, também reflexo de um fenómeno de
neocorporativização da democracia dos finais do século XX. Esta eleva os con-
tratos, convénios e acordos a formas típicas (e fundamentais) do agir administra-
tivo e, ao permitir a intervenção de novos agentes no processo decisório, acaba
por lhes conferir o exercício partilhado do poder público, o que consubstancia
16 Contratos Urbanísticos

para o alargamento da aplicação do contrato nas relações jurídico-


públicas, estimulando a utilização de formas contratuais na criação
do direito aplicável às concretas relações jurídico-administrativas2.
Neste sentido, a contratualização entre actores públicos e privados
situa-se no quadro de uma transformação gradual operada nos mo-
dernos sistemas administrativos para o incremento da participação
dos particulares na prossecução dos interesses públicos.
Vivemos num momento histórico em que se assiste ao cresci-
mento e aparente consolidação de uma “Administração por con-
trato”, a um “movimento da autoridade para o contrato”, ao flores-
cimento de uma retórica do consenso e ao reconhecimento de
inovadoras aplicações da forma contratual na acção pública3, reali-
dade essa que, apesar da sua flagrante actualidade, não se perfila
como um fenómeno exclusivo do nosso tempo. Nas palavras de
GIANNINI, “a maior parte das relações contratuais da Administração
Pública enquadram-se em esquemas já conhecidos ou provenientes
da experiência jus-privatística”4.
Uma reflexão sumária sobre as etapas mais marcantes da acti-
vidade contratual administrativa conduz-nos à conclusão de que o
consenso e a contratualização não representam uma autêntica novi-
dade nos esquemas da acção administrativa5. Na senda de PEDRO

uma hipótese, muitas vezes, fora dos quadros normativos constitucionalmente


estabelecidos. Para um enquadramento deste fenómeno, bem como da ideia de
consenso social e da sua influência ao nível das formas típicas de actuação admi-
nistrativa, BAPTISTA MACHADO (1993: 449 ss.); ROGÉRIO SOARES (1969: 111 ss.);
BARBOSA DE MELO (1983: 3 ss.); PAULO OTERO (2003: 139 ss.).
2 PEDRO GONÇALVES (2003: 24).
3 PEDRO GONÇALVES (2007-A: 36). Sobre a Administração por contrato,

FREEDLAND (1994: 86 ss.); P. VINCENT-JONES (2000: 317 ss.); CIVITARESE (1997:


20 ss.); SANDULLI/NICTOLIS/GAROFOLI (2008: 14 ss.); BIRK (2002: 14 ss.); AUBY
(2003: 5 ss.); HUERGO LORA (2008-B: 19 ss.).
4 GIANNINI (1970: 760).
5 Como afirma RAMÓN PARADA (1997: 265), “o recurso à técnica contratual

não é novo”, sendo bem visível ao longo de várias etapas de evolução do Estado.
Historicamente, há que reconhecer que a “colaboração contratual com os parti-
A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 17

culares é um expediente largamente utilizado desde a Antiguidade”, sendo as raí-


zes da actividade contratual administrativa muito antigas – MARQUES GUEDES
(1963: 71). Deste modo, independentemente da existência de manifestações de
fórmulas concessionárias na Grécia e em Roma Antigas, bem como de alguns
exemplos ilustradores de contratação pública no período Feudal e na Idade
Moderna [cfr. JOÃO NUNO CALVÃO DA SILVA (2008: 17-22)], é sobretudo a partir
do último quartel do século XIX, “sob a égide de uma Administração tipicamente
liberal, de natureza abstencionista e agressiva, que se encontra a origem próxima
da actual actividade contratual administrativa” – MARIA JOÃO ESTORNINHO (2006:
125 ss.). Até ao século XIX, a actuação da Administração fazia-se essencialmente
através das formas e dos processos de direito privado. Foi na parte final daquele
século que o Estado assumiu a responsabilidade de dirigir um processo de reali-
zação de grandes obras públicas, de infra-estruturas e de exploração de serviços
ao público. No entanto, quer “a comovente penúria” financeira da Administração
[MAGALHÃES COLLAÇO (1914:14)], quer a inexistência de uma estrutura admi-
nistrativa adequada para essas grandes obras de fomento levaram o Estado a pro-
curar uma efectiva colaboração com o sector privado, detentor dos necessários
recursos financeiros.
Pois bem, “foi neste ambiente que nasceram os contratos de concessão de
serviços públicos, inicialmente celebrados como normais contratos de direito pri-
vado” – PEDRO GONÇALVES (2003: 17). De facto, estamos num período histórico
em que havia numerosos contratos de concessão (e também de empreitada e de
fornecimento) celebrados entre a Administração e as empresas privadas, asso-
ciando estas ao desempenho regular de funções administrativas. Todavia, a rigi-
dez e a estabilidade de tais contratos, bem como a sua natureza privatística colo-
cavam em causa a necessidade de actualização do serviço por exigências de
interesse público. Neste contexto, começou a formar-se a convicção de que nem
todos os contratos que a Administração celebra são da mesma natureza. Assim, “o
passo que a doutrina deu foi o de rejeitar que um tal contrato, que versava sobre
um objecto público, pudesse ser qualificado como contrato de direito privado” –
PEDRO GONÇALVES. (2003: 17). Ao invés, tratava-se de um contrato essencial-
mente administrativo, hoc sensu, de um contrato da Administração sujeito a um
regime jurídico especial, singular ou exorbitante que, em certos aspectos, se
afasta do regime geral dos contratos de direito privado.
Assim nasceu o contrat administratif, figura de origem jurisprudencial fran-
cesa, que se espalhou para outros países europeus (Portugal, Espanha), concebida
18 Contratos Urbanísticos

em nome do interesse público e da necessidade de conciliar o consenso, que a


instituição contratual pressupõe, e a autoridade da Administração, que o inte-
resse público reclama. Em Portugal, data do início do século XX a aceitação do
contrato administrativo enquanto figura jurídica (autónoma) distinta do contrato
de direito privado. Tal como em França, também em Portugal a sequência histó-
rica terá sido a de primeiro se verificar a autonomização contenciosa e só depois
a autonomização substantiva da figura do contrato administrativo – MARIA JOÃO
ESTORNINHO (1990: 22). Já noutros sistemas jurídicos, como na Alemanha e na
Itália, houve uma recusa inicial do contrato jurídico-público. Note-se que, no
final do século XIX, se iniciara a época da grande publicização, que reflectiu a
subordinação da actividade da Administração a um novo ramo jurídico, o Direito
Administrativo, o que, paulatinamente, conduziu a um processo de marginaliza-
ção do direito privado. Neste sentido, PEDRO GONÇALVES (2003:13) afirma que
naqueles dois países houve um esforço para “atrair para a esfera da regulação do
direito público toda ou pelo menos uma significativa parte da actuação adminis-
trativa”, de tal forma que, através da acentuação dos tópicos da autoridade e do
poder público, “a exigência de vincar a autonomia do direito administrativo em
face do direito privado” reclamou “o afastamento do contrato, figura típica do
direito privado” (o que foi claramente favorável ao acto administrativo). Por con-
seguinte, o poder administrativo exprimia-se através de actos administrativos e
de regulamentos e, tratando-se de um poder indisponível, não podia, ex defini-
tione, ser exercido de forma pactuada – o contrato, baseado na igualdade entre
as partes, era entendido, no âmbito do Direito Administrativo, como uma con-
tradictio in adjecto.
Não obstante a validade da premissa segundo a qual o poder público não é
um objecto passível de negociação, esta tese está hoje completamente ultrapas-
sada na Alemanha: a figura do contrato administrativo, ou melhor, do contrato
jurídico-público está expressamente autonomizada e regulada nos §§ 54-62 da
Verwaltunsgsverfahrensgesetz de 1976. Curiosamente, o impulso decisivo para
esta evolução veio daquela lei alemã. Só mais tarde, a legislação italiana, espa-
nhola e portuguesa admitiram o contrato sobre exercício de poderes públicos.
O desenvolvimento dogmático mais assinalável nesta matéria consistiu na aceita-
ção de contratos que substituem actos administrativos, bem como de contratos
pelos quais a Administração se compromete a exercer em certos termos o seu
poder de praticar actos administrativos (contratos sobre o exercício de poderes
públicos). Por conseguinte, desde o tempo em que o contrato era considerado
A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 19

GONÇALVES, “nova, própria do nosso tempo, apresenta-se a utiliza-


ção dos modelos de actuação consensual e contratual nas áreas da
Administração de autoridade e da decisão unilateral”6. Com efeito,
“o agir imperativo e unilateral passa a conviver com outros modelos
de interacção cooperativa, concertada e consensual”, os quais “ora
substituem a decisão unilateral na regulação das relações entre a
Administração e os particulares, ora aparecem integrados no próprio
ciclo de formação da decisão, fixando o respectivo conteúdo”, ora
constituem ainda uma “via utilizada para evitar uma decisão uni-
lateral provável ou para definir por antecipação o sentido de uma
decisão futura”7.
Para tanto, muito contribuiu o desenvolvimento extraordinário
por que passou o contrato (maxime, o contrato sobre o exercício
de poderes públicos) com o advento do chamado Estado Social (e
da “Administração prestacional, constitutiva e infra-estrutural”)8, ao
penetrar em domínios tidos por inacessíveis nas relações jurídico-
-públicas. Como ensina BARBOSA DE MELO, “a verdade é que o
modelo administrativo clássico entrou em crise a partir do momento

incompatível com o exercício da autoridade da Administração até à actualidade,


muita coisa se passou, a tal ponto de hoje generalizadamente se reconhecer que a
instituição contratual constitui uma “forma de agir própria da Administração”
[PEDRO GONÇALVES (1997: 9)], representando, nas palavras de SÉRVULO CORREIA
(1987: 566), “um instrumento normal das condutas jurídico-administrativas”.
Para uma perspectiva de direito comparado, ORLANDO DE CARVALHO (1953: 9 ss.);
SÉRVULO CORREIA (1987: 344 ss.); PEDRO GONÇALVES (2003: 10 ss.); MARIA JOÃO
ESTORNINHO (2006: 125 ss.).
6 PEDRO GONÇALVES (2005: 273). Vale, por isso, o brocardo romanista “non

nova, sed nove”.


7 Ob. cit.: 272.
8 Cumpre aqui notar que as transformações operadas pela transição do

Estado de Direito Liberal para o Estado de Direito Social provocaram profundas


alterações ao nível da actividade da Administração Pública – sobre tal evolução:
ROGÉRIO SOARES (1955: 43-98); (1969: 49-141.); (1981: 169-191); FREITAS DO
AMARAL (2006: 77-98); BARBOSA DE MELO (2008: 8 ss.); ALVES CORREIA (1982:
25-46); ZANOBINI (1950: 6-14); SANTAMARIA PASTOR (1991: 158 ss.).
20 Contratos Urbanísticos

em que a Administração se viu a braços com tarefas sociais e eco-


nómicas cada vez mais complexas e em maior escala”9, as quais
determinaram modificações nos métodos e práticas administrativas.
Perante a hipercomplexificação da actividade administrativa, a pró-
pria lógica de actuação da Administração Pública alterou-se e, deste
modo, concretizou-se a ideia de que no actual “Estado de Direito é
impensável que a Administração obtenha de forma autoritária tudo
aquilo que pode obter consensualmente”10.
Significa isto que a hodierna aceitação do consenso na área da
Administração de autoridade coloca cada vez mais em evidência a
crise do acto administrativo, o qual não só “perdeu a sua posição de
quase exclusividade, ou de monopólio, no âmbito das relações
administrativas” – assumindo-se, agora, como “uma forma de actua-
ção entre muitas”11 –, como também “parece estar em vias de per-
der a exclusividade no seu território de origem”12. Subjacente a esta
ordem de ideias, encontra-se a referida evolução do tradicional para-
digma da “Administração de acto administrativo” e da regulação
pública unilateral e vertical para um sistema de “Administração de
consenso”, de “Administração concertada” e de “governação parti-
lhada”, em que as relações administrativas já não se estabelecem
numa base hierárquica, mas em sistemas descentralizados de nego-
ciação entre actores públicos e privados, scilicet, em redes de coo-
peração e de concertação de interesses13.

9 BARBOSA DE MELO (1983:23).


10 MARCELO REBELO DE SOUSA (2008:15).
11 VASCO PEREIRA DA SILVA (2003: 109).
12 PEDRO GONÇALVES (2005:274).
13 PEDRO GONÇALVES (2003: 24). Note-se, contudo, que a Administração

concertada não se confunde com a Administração contratual. Sendo mais ampla,


aquela manifesta-se na procura da consensualidade mesmo quando são utilizadas
formas de actuação de tipo unilateral. A este propósito, lembra BARBOSA DE MELO
que a Administração concertada não conduz necessariamente “à formação de
consensos ou de contratos entre a Administração e os cidadãos, em sentido pró-
prio (cfr. artigos 94.° ss. do CCP) – isto é, não desemboca sempre em casos de
administração contratual” – BARBOSA DE MELO (2008: 20).
A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 21

Deste modo, como refere CASALTA NABAIS, “tranformado o


contrato em modus agendi do Estado Social, ele não vai, porém,
limitar-se a operar nos novos domínios a que a acção do Estado foi
chamada. Com efeito, ele vai pôr em causa o próprio modus ope-
randi do Estado em sectores tradicional e unanimemente considera-
dos interditos por natureza ao contrato”14.
É precisamente isso que ocorre no direito fiscal, com a cele-
bração de contratos fiscais, no direito do ambiente, com a celebra-
ção de contratos de adaptação ambiental, no direito do urbanismo,
com a celebração de contratos de execução de planos e de contra-
tos para planeamento, no direito do domínio público hídrico, com
a celebração de contratos de concessão de uso privativo e contra-
tos de exploração, no direito do domínio público geológico, com a
celebração de contratos de prospecção e pesquisa e de contratos de
concessão de exploração, no direito catabólico, com a celebração
de contratos de gestão de resíduos sólidos urbanos, etc.15. Neste
sentido, em resultado do alargamento do seu campo de aplicação,
o contrato administrativo é hoje a clave de sol, em que notas e
acordes se interligam na partitura da pauta musical que é a acti-
vidade administrativa actual16.

14 CASALTA NABAIS (1994: 16).


15 Sobre os contratos de concessão sobre o domínio público, ALVES COR-
REIA (2005: 101 ss.); ANA RAQUEL MONIZ (2005: 444 ss.) e (2008-A: 831 ss.).
16 Mas, como adverte PEDRO GONÇALVES (2005: 275), “a utilização de ins-

trumentos de concertação entre a Administração e os particulares não substitui as


formas de revelação da autoridade administrativa, limitando-se, mais modesta-
mente, a desempenhar uma função complementar do agir administrativo”. Quanto
a este aspecto, BARBOSA DE MELO (1983: 31) afirma que “a Administração con-
certada ainda não envolve a superação do modelo administrativo clássico […]
trata-se, apenas, de um novo estilo de Administração que pode desembocar,
embora não necessariamente, numa Administração contratual”. Assim, em nossa
opinião, não é possível advogar à outrance uma perspectiva que preconize a gene-
ralização do consensualismo na Administração e que anule a validade do esquema
da acção administrativa autoritária. Mas também já não se adapta à realidade dos
nossos tempos uma perspectiva exclusivamente baseada em modos de agir impe-
22 Contratos Urbanísticos

Como culminar deste processo evolutivo, registe-se a recente


aprovação do Código dos Contratos Públicos, através do Decreto-
-Lei n.° 18/2008, de 29 de Janeiro, o qual estabelece a disciplina
aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos
públicos que revistam a natureza de contrato administrativo. Trata-
-se de um diploma que representa um importante marco histórico na
evolução do Direito Administrativo nacional e, em especial, no
domínio da actividade contratual administrativa.
Em síntese, podemos afirmar, na linha da conhecida expressão
de FREEMAN, que o moderno Estado Administrativo se apresenta
como um “contracting state”, isto é, um Estado que interiorizou a
“cultura do contrato” como um instrumento ao serviço da realização
dos seus fins institucionais17.

rativos, autoritários e unilaterais, teleologicamente direccionados para a insti-


tuição de uma regulação pública de modelo top-down. Colocando no balão de
ensaio o conjunto de elementos ilustradores do id quod plerumque accidit como
ponto de partida para a opção por uma daquelas perspectivas, entendemos não se
poder, para já, falar de uma “mudança de paradigma” ou de uma “radical altera-
ção dos fundamentos do sistema tradicional”, status quo esse que, a existir, teria,
em bom rigor, implicado uma verdadeira “revolução coperniciana”, quer no
âmbito das formas típicas de actuação administrativa, quer no modo como o con-
teúdo das relações administrativas é construído. Daí que, em nossa opinião, deva-
mos resistir à tentação de dar por adquirida essa “mudança de paradigma”, na
medida em que, de facto, o que, actualmente, se verifica no quadro do exercício
da função administrativa é uma articulação compósita entre dois modelos dota-
dos de uma fisionomia própria e diferenciada, que se entrecruzam na criação do
direito aplicável às concretas relações jurídicas administrativas. No fundo, actual-
mente, podemos falar de um sistema essencialmente marcado por uma conste-
lação de formas do agir administrativo, realidade bem visível no Direito do Ur-
banismo onde avultam planos urbanísticos, sistemas de execução de planos,
contratos para planeamento, etc.
17 FREEMAN (2000-A: 155 ss.).
A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 23

2. As Tarefas Privadas de Interesse Público no Direito


do Urbanismo

Tendo ocorrido toda esta série de mutações no seio do Direito


Administrativo, paralelamente18, também no Direito do Urbanismo
(que é, quanto à sua natureza, uma parte ou uma área especial do
Direito Administrativo19), são bem visíveis múltiplos sinais de pro-
fundas transformações, quer na concepção do planeamento urba-
nístico, quer ao nível do papel desempenhado pelos actores priva-
dos na prossecução de interesses públicos urbanísticos, quer ainda,
em geral, nas formas de actuação urbanística da Administração
Pública20.

18 De acordo com a leitura de PAULO OTERO (2003: 303), o desenvolvi-


mento evolutivo do direito administrativo “assinala nas últimas décadas um con-
siderável movimento no sentido de um maior intervencionismo regulador de sec-
tores como o ordenamento do território e o urbanismo, o ambiente e a segurança
interna. Existe aqui um fenómeno de atracção de tais matérias para a órbita admi-
nistrativa, criando núcleos novos de «Direitos Administrativos espaciais»”.
19 ALVES CORREIA (2008: 69); BORRI (2007: 20).
20 Na realidade, a própria essência da intervenção da Administração no

domínio do urbanismo sofreu alterações significativas, de tal modo que o Direito


do Urbanismo do nosso tempo se revelaria, em diversas áreas, manifestamente
incompreensível, caso tais aspectos não fossem devidamente tomados em consi-
deração. Desde logo, assistiu-se, no Estado de Direito Social, a uma radical trans-
formação no modo como o plano urbanístico é concebido. Na verdade, este pas-
sou a ser considerado o núcleo central ou o instituto fundamental de todo o
Direito do Urbanismo, deixando de ser perspectivado para fins limitados – como
acontecia com os planos dos séculos XVIII e XIX, que atendiam apenas às exi-
gências de higiene, salubridade e segurança das habitações, às necessidades de
trânsito e à localização dos edifícios públicos mais importantes – e passando a
englobar uma multiplicidade de fins ligados à ocupação, uso e transformação do
solo. Além disso, o seu âmbito territorial de aplicação foi sucessivamente alar-
gado, estendendo-se de um sector da cidade ao conjunto desta e aos seus arredo-
res, em seguida a todo o espaço municipal e, finalmente, a áreas mais vastas, cons-
tituídas por vários municípios ou mesmo por uma região. Assim, caminhou-se
24 Contratos Urbanísticos

para um sistema de planificação gradualista, no qual o plano municipal fica


dependente e subordinado às directivas de outro plano supralocal ou regional, hie-
rarquicamente superior e incidente sobre uma área mais vasta – ALVES CORREIA
(2008: 199).
No entanto, apesar do alargamento da malha ou da teia de incidência do
plano urbanístico, a doutrina mais recente vem defendendo a necessidade de os
planos urbanísticos, maxime os planos directores municipais, deixarem de ser ins-
trumentos excessivamente prescritivos e minuciosos, devendo conter uma certa
indeterminação nalgumas das suas disposições e prever a possibilidade de remis-
são do desenvolvimento de algumas das suas disposições para planos hierarqui-
camente inferiores, como os planos de urbanização e de pormenor. Esta ideia de
flexibilização das regras dos planos, defendida por uma parte significativa da dou-
trina italiana [STELLA RITCHER (1999: 83-90), ASSINI/MANTINI (2007: 485) SALVIA
(2008: 88-90)] e nacional [COLAÇO ANTUNES (2002: 95-108); ALVES CORREIA
(2008: 350-357); JOÃO MIRANDA (2002: 107-133)], baseia-se no fim do “mito de
um plano omnicompreensivo e esgotante, de duração prolongada no tempo […]
do qual resultam rigidez, largos e onerosos processos de execução e grave custo
social” – GARCÍA DE ENTERRÍA (1998: 16).
Em Itália, este novo modelo de plano – o piano strutturale – deverá substi-
tuir o piano regolatore generale, com o qual se pretende uma planificação mais
elástica e menos conflitual e orientada para a definição das grandes opções fun-
damentais (invarianti) do território municipal (sobre este ponto, infra, Parte II,
2.1.). Entre nós, recentemente, o artigo 84.° do RJIGT, na versão do Decreto-Lei
316/2007, veio acentuar a dimensão estratégica dos planos directores municipais.
Estes devem reflectir uma visão integrada do território municipal e definir o
regime de uso do solo e o modelo de organização territorial num quadro de flexi-
bilidade que permita o acompanhamento das dinâmicas perspectivadas para um
período de 10 anos. São instrumentos privilegiados para operar a coordenação
entre as várias políticas municipais com incidência territorial e a política de orde-
namento do território e de urbanismo e para operar a coordenação externa entre
as políticas municipais e as políticas nacionais e regionais com incidência territo-
rial. Os planos directores municipais devem concentrar todas as disposições
necessárias à gestão do território, incluindo as que constam de planos especiais,
planos sectoriais e planos regionais de ordenamento do território. Além disso, aos
mesmos cabe definir os termos de referência para a elaboração dos demais planos
A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 25

municipais de ordenamento do território e para o estabelecimento de programas


de acção territorial – ALVES CORREIA (2008: 357).
Por outro lado, um sistema de planos ordenado de alto para baixo não é
aquele que melhor permite explicar a realidade actual de planeamento do territó-
rio, que exige e consagra tipos de relações mais flexíveis entre os instrumentos de
gestão territorial. Neste contexto, o nosso ordenamento urbanístico admite, em
certas circunstâncias, que os planos de nível inferior possam incluir disposições
desconformes ou incompatíveis com as dos planos superiores preexistentes, revo-
gando ou alterando as disposições destes (cfr. arts. 80.°, n.os 1 e 5, e 25.°, n.os 2 e
3, do RJIGT) – princípio da hierarquia mitigada.
Ora, a introdução da ideia de flexibilização das regras dos planos e de uma
visão estratégica dos planos directores municipais criou condições favoráveis à
contratação para planeamento. Como iremos ver (infra, Parte III, Cap. II, 2.), com
a reforma de 2007, a admissibilidade dos contratos para planeamento no âmbito
dos planos de urbanização e dos planos de pormenor foi acompanhada pelo
reforço do carácter estratégico dos planos directores municipais e, portanto, a con-
cepção do plano director municipal como tendo um conteúdo flexível, aberto e
estratégico, que deixa aos planos de urbanização e de pormenor um espaço de
desenvolvimento, de concretização e de adaptação das suas previsões, tem como
consequência o aumento da amplitude da negociação do conteúdo dos planos de
urbanização e dos planos de pormenor.
Finalmente, no Direito do Urbanismo contemporâneo tem-se assistido a
uma crescente acentuação da importância dos instrumentos de execução do plano
urbanístico. Ao lado de um aumento substancial da utilização da expropriação
para fins urbanísticos, vêem a luz do dia novos institutos jurídico-urbanísticos,
entre outros, a obrigatoriedade de cedência de terrenos à Administração, a reali-
zação de obras de urbanização pelos particulares ou a repartição dos seus cus-
tos por eles, a criação de sistemas específicos de execução dos planos e a asso-
ciação da Administração com os proprietários dos terrenos para a sua execução,
a criação de sistemas de perequação de benefícios e encargos resultantes do plano
urbanístico, o direito de preferência da Administração na alienação de terrenos e
edifícios, etc..
De um prisma formal (comparativo), esta evolução constitui também o
reflexo da passagem de um urbanismo de salvaguarda, de polícia e de regula-
mentação para um urbanismo activo ou operacional. Com esta expressão, pre-
26 Contratos Urbanísticos

Como é sabido, o planeamento urbanístico perfila-se como uma


actividade jurídico-pública21. Um dos mais importantes princípios
constitucionais do Direito do Urbanismo, que está na base do apare-
cimento da própria organização administrativa do urbanismo ou de
um aparelho administrativo que tem a seu cargo a realização do inte-
resse público urbanístico, é a concepção do urbanismo como uma
tarefa ou uma função pública (artigo 65.°, n.° 4, da CRP). Isto sig-
nifica que, no Estado de Direito Social, as decisões básicas sobre
o urbanismo deixaram de pertencer aos proprietários dos solos, para
serem cometidas à Administração, a quem cabem funções de pla-
neamento, gestão e controlo das actividades com reflexos na ocupa-
ção, uso e transformação do solo22.

tende-se significar que a Administração já não se contenta em gizar o quadro e a


definir as regras que presidem à actividade urbanística dos proprietários, promo-
tores e construtores, exercendo também um papel activo e dinâmico. Este novo
tipo de intervenção visa recorrer a mecanismos operativos que, de uma forma efi-
caz, permitam a concretização articulada e integrada das opções previstas nos ins-
trumentos de planeamento – ALVES CORREIA (2008: 198).
21 Enquanto tarefa (jurídico-pública) nuclear do Direito do Urbanismo, o

planeamento encontra-se, em geral, estruturado em três níveis: nacional (abran-


gendo o PNPOT, os PEOT e os Planos Sectoriais com incidência territorial),
regional (PROT) e local (PIMOT e PMOT) – artigo 7.°, da LBPOT e artigo 2.°,
do RJIGT. De entre os vários instrumentos de gestão territorial, centraremos o
nosso estudo nos planos municipais de ordenamento do território, os quais são
planos dotados de eficácia plurisubjectiva, isto é, vinculam directa e imediata-
mente os particulares. A utilidade da qualificação de planos com eficácia pluri-
subjectiva é emprestada pela sua aptidão para exprimir a ideia de que são este tipo
de planos que definem os modos de ocupação dos solos (planos de afectação) e
servem de parâmetro à prática de actos administrativos de gestão urbanística. Ao
contrário dos planos municipais de ordenamento do território e dos planos espe-
ciais de ordenamento do território, os planos desprovidos de eficácia plurisubjec-
tiva são planos de orientação e de coordenação, vinculativos para as entidades
públicas, mas que não produzem efeitos directos e imediatos perante os particula-
res (v.g., o PNPOT, o PROT). Para mais desenvolvimentos, ALVES CORREIA
(2008: 384 ss.).
22 ALVES CORREIA (2008: 140).
A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 27

Ora, a concepção de urbanismo como uma tarefa ou função


pública explica que aos municípios seja confiada a elaboração e
aprovação dos planos municipais de ordenamento do território e dos
planos intermunicipais de ordenamento do território, de regulamen-
tos municipais sobre urbanizações e edificações, bem como, em
geral, a gestão urbanística, ou seja, a competência para praticar os
actos de controlo das actividades que se traduzem na realização de
transformações urbanísticas no solo (v.g., licenciamento e comuni-
cação prévia das operações de loteamento e das obras de urbaniza-
ção e das obras de edificação).
Todavia, não se pense que o princípio constitucional do urba-
nismo como uma tarefa ou uma função pública implica uma mar-
ginalização dos particulares em relação à actividade urbanística
da Administração. Como resulta da própria CRP (artigo 65.°, n.° 5)
e da lei [artigos 5.°, alíneas f) e h), 16.°, n.° 2, 17.° e 21.°, da
LBPOTU, bem como dos artigos 6.°, 33.°, 40.°, 48.°, 58.°, 77.° e
121.° a 124.°, do RJIGT], os particulares têm o direito de participar,
através de diferentes formas, na elaboração, alteração, revisão, exe-
cução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial. Neste con-
texto, o grau de intensidade ou de profundidade da participação dos
actores privados no procedimento de formação dos planos e no
âmbito da sua execução conduziu a uma redefinição do seu papel na
prossecução de interesses públicos urbanísticos, o que abriu cami-
nho, nas sugestivas palavras de URBANI, a um modelo de “co-deter-
minação público-privada do ordenamento urbanístico”23.
Com efeito, torna-se necessário distinguir, dentro do conceito
genérico de “tarefas de interesse público”, as tarefas estaduais das
tarefas públicas não estaduais. As primeiras são aquelas que, tendo
em vista a prossecução do interesse público e do bem comum, são
da responsabilidade da Administração Pública estadual: v.g., as nor-
mas legais sobre a utilização do solo que, por serem expressão de
interesses nacionais, são cometidas ao Estado (regimes da RAN,

23 URBANI (2000: 74).


28 Contratos Urbanísticos

REN e da Rede Fundamental de Conservação da Natureza e de Bio-


diversidade), a elaboração e aprovação de instrumentos de gestão
territorial que definem as orientações e opções fundamentais quanto
à utilização do espaço nacional (Programa Nacional de Política e
Ordenamento do Território). Já as segundas visam, igualmente, a
satisfação de necessidades colectivas, mas são confiadas às Admi-
nistrações autónomas24: v.g., a elaboração e aprovação dos planos
municipais de ordenamento do território (artigos 69.° a 92.°-A do
RJIGT), a promoção da execução coordenada e programada destes
mesmos planos (artigos 118.° a 134.° do RJIGT) e o controlo prévio
(licenças e admissões de comunicações prévias) das operações urba-
nísticas (artigos 4.° e ss. do RJUE), tarefas que o legislador, na
esteira do artigo 65.°, n.° 4, da CRP, cometeu aos municípios.
Por seu turno, outro tipo de tarefas jurídico-urbanísticas são as
tarefas de interesse privado, quer dizer, aquelas que, “no exercício
dos seus direitos e liberdades, os privados exercem, com o intuito de
satisfazer as suas necessidades próprias e específicas, sem conside-
rar os interesses e as necessidades colectivas”25. Este tipo de tarefas,
cujo exemplo cimeiro é a actividade de construção de edifícios, não
constitui, porém, uma actividade livre dos particulares. A mesma
está sujeita a um controlo prévio da Administração, dotado de uma
dupla função: controlo não apenas da observância pela mesma das
regras respeitantes à segurança, estética e salubridade das edifica-
ções e dos requisitos de espaço, luminosidade e conforto das habita-
ções (o chamado direito da construção), mas também do respeito
pelas normas disciplinadoras da ocupação, uso e transformação do
solo, em especial, as resultantes dos planos urbanísticos. De facto,
vigora, entre nós, o princípio segundo o qual é proibido construir
sem um acto de controlo prévio, estando, por isso, a actividade de
edificação sujeita, em geral, à “denominada proibição com reserva
de licença” (sogenanntes Verbot mit Erlaubnisvorbehalt)26.
24 PEDRO GONÇALVES (2005: 143).
25 Ob. cit.: 144.
26 WERNER/PASTOR/MÜLLER (1988: 123).
A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 29

Na realidade, a matriz originária do Direito do Urbanismo pos-


tulava uma autêntica tricotomia tarefas estaduais – tarefas públicas
– tarefas privadas27, com fronteiras bem demarcadas relativamente
ao espaço que pertencia à esfera pública e à esfera privada28. Toda-
via, em resultado do esbatimento das fronteiras entre o Estado e a
Sociedade e da percepção do potencial endógeno desta última, é
hoje muito claro que o interesse público urbanístico29 não existe

27 VITAL MOREIRA (1997: 89).


28 A este propósito, refira-se que no Direito do Urbanismo nunca chegou a
vigorar uma concepção que postulasse a completa identificação entre tarefas esta-
duais e tarefas públicas. É que, sendo o Urbanismo uma questão eminentemente
municipal, sempre foram reconhecidas às Administrações autónomas tarefas pró-
prias em sentido diverso das teorias estatocêntricas da Administração Pública.
29 O interesse público urbanístico constitui o étimo fundante, o fim que jus-

tifica a actividade da Administração urbanística, funcionando como o “referente


cardeal” que guia a Administração na sua rota de longo curso, metaforicamente
formada por “frentes oclusas”, “ventos alísios” e “fortes pressões atmosféricas”.
Na verdade, o Direito do Urbanismo é um ramo do direito que, particularmente,
reflecte uma acentuada divergência de interesses. Tais conflitos de interesse
(públicos e privados, públicos entre si e, até, privados entre si), maxime coenvol-
vidos na planificação urbanística, criam, frequentemente, cenários em que o inte-
resse público urbanístico é, de certa forma, relativizado em detrimento de interes-
ses de outra natureza. Isto porque nos parece que o Direito do Urbanismo é
conformado por um princípio egoístico. De facto, na actividade de ocupação, uso
e transformação do território estão envolvidos uma série de recursos de carácter
predominantemente económico. Esses recursos económicos da colectividade são
limitados e, por conseguinte, cada um dos proprietários/cidadãos procura obter o
máximo benefício para si, uma vez que todos eles visam optimizar o gozo daquele
bem essencial e irreprodutível de toda a sociedade que é o espaço territorial – v.g.,
uma parte dos proprietários deseja que uma zona continue a ter uma utilização
agrícola, enquanto outros aspiram a que os terrenos se transformem em áreas de
construção; e dentro deste último grupo, uns pretendem habitações unifamiliares,
ao passo que outros desejam habitações em propriedade horizontal.
Na maior parte das vezes, estaremos perante interesses públicos e privados
colidentes. O Direito do Urbanismo é especialmente sensível a esta falta de sin-
tonia, a qual nem sempre consegue ser, adequadamente, superada pela via de
técnicas de command and control, exigindo, como vimos, formas intensas de par-
30 Contratos Urbanísticos

apenas nas tarefas públicas de planeamento e de gestão urbanística


confiadas à Administração municipal.

ticipação dos cidadãos na actividade urbanística em geral. Mas se essa participa-


ção criou condições favoráveis para o alargamento da aplicação do contrato para
planeamento nas relações jurídicas públicas, isso não significa que o contrato não
seja regido na sua execução pelos princípios jurídicos em que assenta toda a rea-
lização do interesse público, assegurando a sua supremacia. Como ensina MAR-
CELLO CAETANO (2005: 588), “toda a Administração está penetrada da ideia de
função […] o interesse público é, em relação à Administração, uma ideia trans-
cendente, que não depende dela, pelo contrário, exerce sobre ela o seu império”,
o que impõe “uma especial cláusula de sujeição do contraente particular ao inte-
resse público, implícita na definição do contrato administrativo e que em geral
aparece estipulada em cada caso, ou inserta nas condições gerais imperativas de
cada categoria”.
Daí a necessidade de acentuar a importância do interesse público urbanís-
tico, a sua dimensão intra-sistemática, a sua natureza vinculativa para a Admi-
nistração, cuja actividade está, por imperativo constitucional (artigo 266.°, n.° 1,
da CRP), substancialmente limitada à obrigatoriedade da prossecução do inte-
resse público.
Em rigor, o interesse público urbanístico é um conceito dotado de especifi-
cidade própria, cuja refracção se encontra no artigo 65.°, n.° 4, da CRP, na parte
em que se refere à “satisfação de fins de utilidade pública urbanística”. Tal inte-
resse apresenta-se como um interesse geral prosseguido pela Administração, quer
na parte em que regula a ocupação, uso e transformação do espaço através de
diplomas legais e de planos territoriais, quer na parte em que coordena, programa
e controla a realização de operações urbanísticas, dando assim efectivo cumpri-
mento aos princípios da boa, correcta e racional utilização do espaço, da ade-
quada sustentabilidade ambiental e da justa ponderação de interesses sociais e
económicos a ela inerentes.
Seguindo de perto a classificação de ROGÉRIO SOARES (1955: 99 ss.), trata-
se de um interesse público secundário, quer dizer, de um interesse “individuali-
zado abstractamente pelo legislador como elemento de integração do interesse
primário”, que “abrange somente um sector, precisamente, delimitado dentro da
totalidade do primeiro”. Portanto, estamos face a um interesse que reveste natu-
reza sectorial (relativo a um sector cada vez mais importante da Administração
do nosso tempo, o Direito do Urbanismo) e que se assume como um instrumento
necessário à realização do bem comum ou do interesse público primário (isto é, à
satisfação de “necessidades colectivas instrumentais”).
A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 31

Na verdade, os actores privados desenvolvem também um con-


junto de actividades marcadas pelo objectivo primordial ou até
exclusivo da satisfação de interesses públicos. Tais acções, embora
privadas, apresentam-se como acções de interesse público e são, sob
ponto de vista dogmático, designadas tarefas privadas de interesse
público. A utilidade da qualificação de tarefas privadas de interesse
público é emprestada, apenas, pela sua aptidão para definir todo o
complexo de actividades exercidas pelos particulares com o intuito
de satisfazer primordialmente um interesse que a ordem jurídica
reconhece como interesse público, o que significa que são acções
que, apesar de privadas, têm a nota de “publicidade”.
Deste modo, revela-se indiscutível que o Estado perdeu “o mo-
nopólio do público”, deixando de ser o actor único (e principal) da
realização de interesses dessa natureza. Daí que, no contexto gené-
rico da participação de particulares na satisfação de interesses pú-
blicos, tenha cada vez mais sentido falar, no âmbito do Direito do
Urbanismo, de uma “desestadualização da prossecução dos interes-
ses públicos” ou até de uma “despublicização da prossecução de
interesses públicos”, maxime na fase de execução dos planos.
Por outro lado, a autonomização de um sector de tarefas priva-
das de interesse público no espaço municipal conduziu a uma “par-
tilha” ou “divisão de trabalho” entre os actores privados e a Admi-
nistração com fortes implicações no plano das responsabilidades de
envolvimento público daqueles. Contudo, importa não esquecer que,
em função da diversidade e heterogeneidade de tais tarefas, existem
diferentes níveis de responsabilidade que, hic et nunc, importa iden-
tificar.
Num primeiro nível, estão situados os casos em que as missões
privadas de prossecução de interesses públicos urbanísticos resul-
tam simplesmente da activação e do reforço de uma responsabili-
dade própria dos particulares, no âmbito da sua esfera de actuação.
Pense-se, v.g., no caso do loteamento urbano, em cujo projecto
devem ser previstas áreas destinadas à implantação de espaços ver-
des e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamen-
32 Contratos Urbanísticos

tos. O beneficiário da licença ou da comunicação prévia está obri-


gado a observar esse projecto aquando da realização das obras de
urbanização, que devem respeitar, além daquele, as condições esta-
belecidas na licença e o prazo fixado para a sua conclusão (podendo
a realização daquelas ser objecto de contrato de urbanização), en-
contrando-se, igualmente, vinculado a ceder gratuitamente ao muni-
cípio as parcelas para implantação de espaços verdes públicos e
equipamentos de utilização colectiva e as infra-estruturas que, de
acordo com a lei e a licença ou comunicação prévia, devam integrar
o domínio municipal (artigos 43.°, 44.°, 53.° e 55.°, do RJUE).
Ao realizar a operação de loteamento, de acordo com as exi-
gências legais, o loteador está a realizar uma tarefa privada (pros-
seguindo legitimamente com a mesma a satisfação de um interesse
particular, designadamente um interesse lucrativo), mas de interesse
público, na medida em que está a “criar cidade”, isto é, a desenvol-
ver urbanisticamente uma área, de acordo com um projecto que se
pretende equilibrado, harmonioso e dotado de qualidade urbanística
e ambiental. Esta ideia é ainda reforçada pelo facto de o loteamento
urbano configurar, sob o ponto de vista do seu conteúdo ou da sua
substância, um verdadeiro plano de pormenor da área a que diz res-
peito30.
Pois bem, o loteador é, assim, induzido a assumir a sua respon-
sabilidade própria na protecção de interesses da colectividade. Daí

30 A natureza intrinsecamente planificatória do loteamento é bem vincada


no Direito do Urbanismo italiano, onde o loteamento é designado por “plano de
loteamento” (“piano di lottizzazione”), apresentando-se como um instrumento
substitutivo do plano de pormenor (piano particolareggiato). SALVIA (2008: 107
ss.); MORELLI (2007: 61- 72) concebe o “piano di lottizzazione” como um plano
alternativo ao plano de pormenor. Para mais desenvolvimentos, ALVES CORREIA
(2008: 358 ss.). Cumpre aqui notar que, v.g., em Itália, na linha da instituição de
uma urbanistica contrattata, “o legislador prevê a faculdade ou a obrigação de
contratualização em muitas normas legais com o fim de estender a colaboração do
particular à realização de obras de urbanização ou de outras actividades relevan-
tes de cariz urbanístico” – ASSINI/MANTINI (2007: 154).
A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 33

que lhe seja exigida a prestação de caução, destinada a assegurar a


boa e regular execução das obras de urbanização (artigo 54.° do
RJUE). No caso de inacção pelo loteador ou de desinteresse deste
pela execução das diversas infra-estruturas previstas nos projectos,
tal execução pode ser feita, em via substitutiva, quer pelo municí-
pio, quer por terceiros (os adquirentes dos lotes, de imóveis cons-
truídos nos lotes ou de fracções autónomas dos mesmos, desde que
munidos de autorização judicial para o efeito) – artigos 84.° e 85.°
do RJUE31. Ora, quer isto dizer que no processo de activação de
responsabilidades privadas o Estado não pode deixar de assumir o
dever de assegurar o cumprimento das responsabilidades priva-
das32. E na hipótese da não realização das obras de urbanização no
prazo fixado na licença ou comunicação prévia, o loteador sofrerá
as consequências da caducidade da licença ou admissão de comu-
nicação prévia para a realização de operação de loteamento que
exija a realização de obras de urbanização – artigo 71.°, n.° 3, alí-
nea d), do RJUE33.
Em síntese, podemos afirmar que, enquanto construir é essen-
cialmente uma tarefa de interesse privado, urbanizar constitui pre-
dominantemente uma tarefa de interesse público, a qual se encontra
hoje não só a cargo da Administração, mas é também exercida por
particulares que, nesta linha, desenvolvem tarefas privadas de inte-

31 Reflectindo sobre a finalidade imanente – a ratio legis – que justifica esta


opção do legislador, diríamos que estamos perante soluções que articulam, de
forma coerente, por um lado, a satisfação dos interesses dos adquirentes dos lotes
e, por outro, a satisfação do interesse público do bom, correcto e racional ordena-
mento urbanístico daquela área, bem como “da qualidade do meio urbano e do
meio ambiente” (artigo 84.°, n.° 1, do RJUE).
32 PEDRO GONÇALVES (2005: 163).
33 A não realização das obras de urbanização no prazo fixado na licença era

ainda punida como contra-ordenação, nos termos do artigo 98.°, n.° 1, alínea c),
do RJUE. Todavia, o artigo 98.° do RJUE, na versão decorrente da Lei n.° 67/
/2007, não tipifica, certamente por lapso, como ilícito de mera ordenação social o
referido comportamento omissivo.
34 Contratos Urbanísticos

resse público. Note-se que as mencionadas obrigações do loteador


resultam directamente da lei e, portanto, podemos dizer que não
existe aqui apenas um mero estímulo ou incentivo para a prossecu-
ção dessas tarefas, antes uma autêntica imposição legal, que conjuga
deveres legais, sanções e ónus jurídicos. No Direito do Urbanismo,
para além da Administração, é o próprio legislador que faz apelo às
capacidades privadas, o que significa que, estruturalmente, a racio-
nalidade normativo-constituinte inerente ao sistema jurídico urba-
nístico pressupõe a existência de tarefas privadas de interesse
público.
Já num segundo nível (mais intenso) de envolvimento público
entre privados e Administração situam-se as hipóteses em que parte
de uma tarefa que cabe integralmente à Administração municipal é
entregue, enquanto tal, a uma entidade privada. Tais casos dizem já
respeito ao exercício privado de funções administrativas, fenómeno
que, claramente, também está presente na actividade jurídico-urba-
nística.
Constitui um exemplo típico de uma tarefa urbanística que foi
originariamente atribuída por lei ao município a reabilitação urbana
(DL 104/2004, de 7/05). No quadro dos poderes públicos, a respon-
sabilidade pelo procedimento de reabilitação urbana cabe, prima-
cialmente, a cada município. Neste sentido, é concedida aos muni-
cípios a possibilidade de constituírem Sociedades de Reabilitação
Urbana, às quais são atribuídos poderes de autoridade, como os de
expropriação e de licenciamento. Em vez de o município realizar
aquela tarefa directamente, pode entregá-la a uma SRU por si criada,
na qual detém a totalidade do capital social (artigo 2.°, n.° 1, daquele
decreto-lei). A prossecução de tarefas (municipais) de reabilitação
urbana por parte desta entidade administrativa privada autoriza-a
também, como veremos na P. II, Cap. I, 1, b), a celebrar certos con-
tratos urbanísticos.
Outro exemplo sugestivo, sobre o qual nos debruçaremos espe-
cificamente também na P. III, Cap. I, 4.1., é o da execução de um
plano municipal de ordenamento do território pela via da concessão
A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 35

de urbanização (artigo 124.°). Mas diga-se, desde já que, em nosso


entender, o contrato de concessão de urbanização é claramente um
contrato de delegação de uma função ou de uma actividade pública,
na medida em que atribui ao contratante particular a responsabi-
lidade pela execução de uma tarefa ou função pública, concreta-
mente, a urbanização de uma unidade de execução que o município
tinha definido como tarefa sua. Como sublinha PEDRO GONÇALVES,
naquele tipo de contratos, o contratante privado acha-se “incumbido
de actuar em vez da Administração na prossecução de fins institu-
cionais desta”, consubstanciando os mesmos “um instrumento de
privatização da Administração, na medida em que têm, por via de
regra, como objecto actividades públicas de natureza comercial e
económica, susceptíveis de serem geridas segundo uma lógica em-
presarial”34.

Do exposto conclui-se que se verificaram alterações significa-


tivas no complexo de tarefas jurídico-urbanísticas prosseguidas pela
Administração e pelos particulares, bem como ao nível dos papéis
que tradicionalmente cada um destes actores desempenhava. Será
que, actualmente, ainda tem sentido perspectivar o urbanismo exclu-
sivamente como uma tarefa ou função pública?
No actual Direito do Urbanismo não há razões para pôr em
causa a validade geral de uma estruturação dualizada assente na dis-
tinção entre tarefas públicas e tarefas privadas. Do ponto de vista
dogmático, foi esta concepção tradicional que, justificadamente,
impôs a clara demarcação ou separação entre uma esfera pública, a
do Estado, e uma esfera privada, a da Sociedade. A oposição e con-
frontação entre os dois pólos permitiu estabelecer uma distinção
linear e precisa entre tarefas públicas e tarefas privadas. Contudo,
apesar de defendermos a persistência das dicotomias tradicionais
entre público e privado como uma marca da actualidade35, não tem

34 PEDRO GONÇALVES (2003: 74-75).


35 PEDRO GONÇALVES (2005: 227).
36 Contratos Urbanísticos

sentido, no contexto económico-social em que nas últimas décadas


floresceu o Direito do Urbanismo (seguramente, já bem distinto
daquele em que emergiu), continuar a postular uma rígida estrutura-
ção das tarefas jurídico-urbanísticas.
Propomos, por isso, uma alteração fundamentada no sentido de
admitir o relevo de valorações ancoradas na assumpção de elemen-
tos ilustradores do id quod plerumque accidit como ponto de partida
para uma reconfiguração ou ampliação do mapa das tarefas pros-
seguidas no âmbito do Direito do Urbanismo. Como vimos, as
actuais zonas de entrelaçamento e de miscigenização entre interes-
ses privados e interesses públicos criaram uma série de fluxos recí-
procos que sustentam a divisão daquelas tarefas em dois subgrupos:
por um lado, tarefas estaduais e tarefas públicas não estaduais e,
por outro, tarefas privadas de interesse público e tarefas privadas de
interesse privado.
Em primeira linha, o urbanismo é uma tarefa estadual e uma
tarefa pública não estadual. Por conseguinte, à Administração
cabem as funções de planeamento, gestão e controlo das actividades
com reflexos na ocupação, uso e transformação do solo. No entanto,
a execução de algumas dessas tarefas públicas não estaduais pode
ser confiada a entidades privadas, titulares de direitos ou interesses
urbanísticos, quer através da própria lei, quer pela via da figura con-
tratual. Aliás, de entre os vários domínios de intervenção adminis-
trativa, o urbanismo apresenta-se como um dos mais abertos à auto-
nomização das tarefas privadas de interesse público. Hoje em dia,
uma boa parte da intervenção no território é feita em conjunto com
os particulares. Estes realizam diversas obras de urbanização im-
postas por lei, cedem gratuitamente ao município as parcelas para
implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utiliza-
ção colectiva, bem como as infra-estruturas que devam integrar o
domínio municipal, celebram contratos de concessão de urbani-
zação, através dos quais assumem a responsabilidade pela execução
de uma tarefa pública (concretamente, a urbanização de uma uni-
dade de execução que o município tinha definido como uma tarefa
A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 37

sua), etc.. Neste sentido, os actores privados co-responsabilizam-se


e co-partilham com a Administração as acções com incidência na
ocupação, uso e transformação do território.
No direito alemão, esta concepção foi já recebida no §11 do
Código do Urbanismo. Neste sentido, KRAUTZBERGER sublinha que
“no § 11 do Código do Urbanismo, o legislador alemão, ao referir-
-se às tarefas de ordenamento urbanístico, define-as como uma
tarefa comum do sector público e privado, sem que isso ponha em
causa a premissa segundo a qual o planeamento e o ordenamento são
da competência da Administração Pública”36.
Em suma, o urbanismo continua a ser uma missão ou uma
tarefa essencialmente pública. No entanto, neste ramo especial do
Direito Administrativo, é particularmente visível que os actores pri-
vados desenvolvem acções marcadas pelo objectivo primordial (e,
por vezes, até exclusivo) da satisfação de interesses públicos, facto
que abriu espaço ao desenvolvimento do sector específico das tare-
fas privadas de interesse público, que revestem enorme importância
no Direito do Urbanismo do nosso tempo. É inquestionável que,
actualmente, grande parte da intervenção no território é da iniciativa
de privados, que promovem operações urbanísticas e, por conse-
guinte, desenvolvem acções num espaço de regulamentação jure
publico. Com efeito, em resultado do esbatimento das fronteiras
entre o Estado e a Sociedade (e da percepção do potencial endógeno
desta última), o novo modelo de relacionamento simbiótico (e de
interpenetração) entre estes dois pólos não mais postula uma sepa-
ração rígida entre as esferas de actuação pública e de actuação pri-
vada, concorrendo, assim, para a afirmação de que o particular é no
moderno Direito do Urbanismo um actor que, ex lege ou more con-
tractu, serve a prossecução de interesses públicos.

36 KRAUTZBERGER (2007: 407).


38 Contratos Urbanísticos

3. Concertação, Contratação e Neocontratualismo


no Direito do Urbanismo

No quadro das transformações ocorridas no Direito do Urba-


nismo, merece particular destaque a formação daquilo que se pode
designar por urbanismo de concertação, locução que expressa duas
ideias: a primeira é a de que os planos urbanísticos são o produto de
um trabalho de concertação entre o Estado, as autarquias locais e
outros entes públicos; a segunda é a de que no procedimento de for-
mação dos planos, bem como na sua execução surgem várias formas
de participação ou de concertação entre a Administração e os par-
ticulares, de feição e de recorte variado.
Quer isto dizer que na concertação podemos discernir uma
ambivalente função, associada à teleonomologia que conforma a sua
mobilização, a qual opera em dois níveis logicamente diferenciados:
num plano intensivo-vertical, fala-se de uma concertação entre enti-
dades públicas; num plano extensivo-horizontal, observa-se uma
concertação entre entidades privadas e entidades públicas.
A primeira, também designada “concertação de interesses”,
constitui uma expressão do princípio da colaboração entre vários
sujeitos de direito público na elaboração dos planos e apresenta-se
como uma nova forma de actuação das entidades públicas no proce-
dimento da sua formação, que consiste na procura de uma solução
de consenso quanto às opções fundamentais dos planos entre todos
os sujeitos de direito público que colaboram na elaboração dos mes-
mos. Neste sentido, destacam-se, no regime de acompanhamento
dos planos de pormenor e de urbanização, a conferência de servi-
ços37 (artigo 75.°-C, n.os 3 a 5, do RJIGT), no domínio da organiza-

37 A conferência de serviços é uma técnica, inspirada no direito italiano, que


consiste na reunião das entidades interessadas na situação concreta, para promo-
ver, pelo contacto directo, o diálogo e a troca de pontos de vista para uma decisão
final consensual – ALVES CORREIA (2008: 400-401). Considerada como “o instru-
mento-príncipe da simplificação administrativa”, destinado a favorecer a celeri-
A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 39

ção administrativa responsável pela elaboração e aprovação dos ins-


trumentos de gestão territorial, as comissões de acompanhamento
para a elaboração dos planos directores municipais (artigos 75.°,
75.°-A e 75.°-B do RJIGT), as quais funcionam como verdadeiras
“comissões de conciliação de interesses”, e as comissões consultivas
para acompanhar a elaboração do Programa Nacional de Política e
Ordenamento do Território, dos planos regionais de ordenamento do
território e dos planos intermunicipais de ordenamento do território
(artigos 31.°, 56.° e 65.° do RJIGT)38.
Com efeito, a existência de tais organismos resulta da necessi-
dade de os planos traduzirem uma harmonização e uma concertação
entre os diferentes interesses públicos e entre estes e os interesses
dos particulares. Neste sentido, apresentam-se como uma condição
normativo-funcional de eficiência do sistema jurídico urbanístico.
No fundo, são um balão de oxigénio pelo qual o sistema respira e

dade do procedimento e a coordenação dos diferentes interesses, a conferência de


serviços tem como finalidade obter da parte dos diversos sujeitos públicos inte-
ressados, e avaliá-los numa única sede, todos os elementos determinantes para a
instrução no âmbito dos procedimentos mais complexos.
38 Cumpre aqui notar que a existência de organismos de concertação de

interesses públicos (e privados) coenvolvidos na ocupação, uso e transformação


do solo exige uma atenta reflexão, na medida em que apresenta importantes refle-
xos no plano da renovação dos modelos institucionais da organização adminis-
trativa do urbanismo. A este propósito recorde-se que a Administração do urba-
nismo ou o sector da organização administrativa especificamente voltado para a
prossecução do interesse público urbanístico não se apresenta como uma estrutura
autoritária, burocrática e distante dos cidadãos, antes integra no seu seio, à luz do
artigo 267.°, n.° 1, CRP, órgãos cuja missão é o estabelecimento de consensos
entre vários sujeitos de direito público e entre estes e os particulares. Eis o que se
passa, no domínio da organização administrativa responsável pela elaboração e
aprovação dos IGT, com as referidas comissões de acompanhamento para a ela-
boração dos planos directores municipais (artigos 75.°, 75.°-A e 75.°-B, do
RJIGT) ou com a previsão de comissões consultivas para acompanhar a elabo-
ração do PNPOT, dos PROT e dos PIMOT (cf. os artigos 31.°, 56.° e 65.°,
do RJIGT).
40 Contratos Urbanísticos

que impede a lenta asfixia criada pela burocratização e pela morosi-


dade procedimental administrativa que, não raras vezes, acabam por
desmotivar entidades públicas e privadas ao longo do procedimento
de formação dos planos.
No que diz respeito à concertação entre entidades públicas e os
particulares, coloca-se a questão de saber, por um lado, de que
modo (e até onde) podem estes influenciar, durante o procedimento
de formação dos planos municipais de ordenamento do território, as
concretas soluções urbanísticas a plasmar nos mesmos e, por outro,
de que instrumentarium jurídico se servem para esse efeito.
A este propósito, é sabido que o nosso legislador consagrou
dois níveis de intensidade da participação: a participação-audição e
a participação-negociação ou concertação. A primeira traduz-se na
formulação de observações, sugestões, reclamações e pedidos de
esclarecimento, ao longo do período de elaboração do plano, tanto
sobre os objectivos deste, como sobre a proposta do plano (artigos
6.°, n.° 2, 33.°, 40.°, 48.°, 58.°, 65.° e 77.°, do RJIGT). Já a segunda
constitui um nível especialmente qualificado de participação que,
nas palavras de LAUBEDÈRE/MODERNE/DEVOLVÉ, representa “um
novo estilo de Administração”, alicerçado “num método de troca de
pontos de vista e de negociação entre a Administração Pública e os
administrados interessados, com vista a tentar discernir em comum
uma linha de conduta”39. Segundo BARBOSA DE MELO, “o seu objec-
tivo primordial está na elaboração de um trabalho colectivo perma-
nente e profundo, dos objectivos e meios que a Administração há-de
in concreto proclamar como sendo de interesse público e, por isso,
como sendo uma incumbência e uma competência dela própria”. Na
verdade, “uma decisão concertada, qualquer que seja a sua forma
jurídica final, pressupõe, em suma, o processo dinâmico, bilateral
e iterativo da negociação”, sendo o seu quid specificum não “o con-
teúdo da decisão ou os seus efeitos jurídicos, mas o modo ou o pro-
cesso de formação dela”. Em todo o caso, o acordo pode assumir

39 LAUBEDÈRE/MODERNE/DEVOLVÉ (1984: 53).


A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 41

uma pluralidade de formas: “ora traduzindo-se numa mera decla-


ração comum de intenções, ora tomando a forma jurídica de acto
administrativo unilateral, ora atingindo, mesmo, a forma con-
tratual”40.
Esta última hipótese é, actualmente, muito frequente e dela
pode resultar, em certos termos, a celebração de contratos urbanís-
ticos entre a Administração e os particulares, tanto no procedimento
de elaboração dos planos, como na sua execução.
A contratação urbanística constituiu, inovadoramente, um dos
primeiros domínios em que se afirmou a contratualização da acti-
vidade administrativa41. Em rigor, aquele tipo de contratação nas-
ceu e desenvolveu-se em torno dos contratos de execução dos pla-
nos. Sob ponto de vista cronológico, os contratos de execução
representaram, assim, as primeiras espécies da contratação urbanís-
tica, ocupando em exclusividade o espaço que ao contrato era reser-
vado no Direito do Urbanismo. Historicamente, sem desconsiderar
nem desvalorizar profundas diferenças, há que reconhecer que
parte da moderna contratação urbanística encontra uma correspon-
dência em várias fórmulas jurídicas já utilizadas ou, pelo menos, a
sua esfera de influência.
Desde a segunda metade do século XIX que o contrato urba-
nístico era utilizado na praxis no âmbito da expropriação por utili-
dade pública. Para a prossecução de várias tarefas, como a constru-
ção de caminhos-de-ferro, canais e estradas, precisava o Estado de
adquirir vários bens dos particulares, mormente terrenos, o que
criou condições favoráveis para a aplicação do contrato como alter-
nativa ao acto ablativo da propriedade42.
Com efeito, “o contrato urbanístico foi uma realidade sempre
presente na história do Direito do Urbanismo, ainda que não corres-

40 BARBOSA DE MELO (1983: 32-34).


41 BORELLA (1998: 420); PUGLIESE (1971: 1469). Entre a doutrina italiana, é
unânime a aceitação de que foi, sobretudo, “no domínio do urbanismo que se afir-
mou a «contratualização da actividade administrativa»”.
42 CANO MURCIA (2006: 23); OCHOA GÓMEZ (2006: 59).
42 Contratos Urbanísticos

ponda com exactidão à mesma filosofia que inspira os que são cele-
brados na nossa época”43. Ao longo das últimas décadas do século
XX, um pouco por toda a Europa (infra, P. II, Cap. I, 2.), a expan-
são da contratação urbanística alicerçou-se no desenvolvimento de
esquemas de flexibilização destinados a alargar as possibilidades
de configuração jurídica ao dispor da Administração quando esta
exerce o seu poder, bem como na necessidade de conferir maior efi-
cácia e eficiência à actividade administrativa44.
Se o termo contratação nos remete no Direito do Urbanismo
de imediato para os contratos de execução dos planos45, isto é, para
a utilização do contrato no âmbito do “urbanismo operativo”, o
mesmo não sucede com a expressão neocontratualismo. Esta con-
voca uma relação jurídica contratual nova, pela via do qual a Admi-
nistração se obriga a exercer em certos termos os seus poderes pú-
blicos de planeamento. No fundo, o contrato define o modo ou o
sentido em que os referidos poderes hão-de ser exercidos e, por-
tanto, a figura contratual penetra já no domínio do “urbanismo regu-
lamentar”, ou seja, no campo da definição de regras urbanísticas,
onde se inclui a elaboração, alteração ou revisão de planos urbanís-
ticos. Como veremos, a admissibilidade de tais contratos, desig-

43 CANO MURCIA (2006: 23).


44 ASSINI/MANTINI (2007: 152).
45 Em face da importância que os contratos de execução revestem, analisa-

remos na Parte III a contratação referente ao reparcelamento do solo urbano


(artigo 131.°, n.os 6, 8 e 9, do RJIGT); os contratos integrativos dos sistemas de
execução dos planos municipais (artigos 122.°, 123.° e 124.°, do RJIGT); os pro-
gramas de acção territorial (artigo 121.° do RJIGT); a contratualização para
concretização dos mecanismos de perequação previstos nos planos directa e ime-
diatamente vinculativos dos particulares (artigos 139.°, n.° 6, e 141.°, n.° 4, e
140.°, do RJIGT); os contratos de mediação no controlo prévio das operações
urbanísticas (artigos 24.°, n.os 2, alínea b), e 5, e 25.°, n.os 1, 3 e 6, do RJUE; arti-
gos 46.° e 47.° e 55.° do RJUE), os contratos no domínio da reabilitação urbana
(artigos 18.° e 34.° do RJRU) e a contratação no âmbito da expropriação por uti-
lidade pública (artigos 11.° e 33.° a 37.° do CE).
A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 43

nados contratos para planeamento, foi expressamente consagrada


nos artigos 6.°-A e 6.°-B do RJIGT, preceitos introduzidos pelo DL
316/2007.
Este novo contratualismo no Direito do Urbanismo consubs-
tancia uma forma de contratação urbanística complexa, porquanto o
contrato passa a invadir a área da definição autoritária e unilateral
das regras de ocupação, uso e transformação do espaço, ao mesmo
tempo que envolve a penetração de capitais privados na planificação
urbanística46. Numa clara linha de reforço da contribuição dos acto-
res privados para a governação pública (de resto, bem patente no
exórdio do RJIGT47), os contratos para planeamento criam uma
nova governance multiagente no âmbito do urbanismo, o que, por
sua vez, implica que o legislador proceda a uma disciplina detalhada
dos limites a que estes contratos se encontram sujeitos. Além disso,
enquanto fonte de transformação do espaço municipal, constituem

46 Nas palavras de CIVITARESE (1999: 166), “os privados são coenvolvidos


directamente na fase criativa das decisões gerais de planeamento urbanístico, dei-
xando o acordo de ser confinado tão-somente à fase de execução dos planos”; na
mesma linha, PUGLIESE (1999: 70-79).
47 Como veremos melhor, o DL 316/2007 introduziu alterações significa-

tivas ao RJIGT que se traduziram na criação de condições favoráveis à contra-


tação para planeamento. Contam-se entre as mais relevantes: o reforço da
dimensão estratégica dos planos directores municipais (artigo 84.°); a maior fle-
xibilidade (e abertura) do conteúdo dos planos municipais de ordenamento do
território, em particular dos planos de urbanização e planos de pormenor (artigo
88.° e 91.°); a simplificação e a eficiência dos procedimentos de elaboração, alte-
ração e revisão dos IGT de âmbito municipal, de forma a conferir maior operati-
vidade ao sistema de gestão territorial, bem como a avaliação ambiental dos pla-
nos urbanísticos; e a previsão do plano de pormenor com efeitos registais
(artigos 92.°, n.° 3, 92.°-A e 92.°-B), que passa a constituir uma figura jurídica
nova na dogmática do Direito do Urbanismo, com lugar próprio no âmbito dos
instrumentos de gestão territorial, configurando-se simultaneamente como um
instrumento de planeamento e de execução de planos e que, por isso, para ser
concretizado, dispensa um subsequente procedimento administrativo de controlo
prévio.
44 Contratos Urbanísticos

um instrumento da acção administrativa adequado ao desenvolvi-


mento da policy urbanística, na linha do reconhecimento do private
role in public governance, bem patente na conhecida afirmação de
FREEMAN, segundo a qual “o objectivo prosseguido é o de aprovei-
tar, na máxima medida possível, a capacidade privada para servir
objectivos públicos”48.
O Direito do Urbanismo é um domínio particularmente rico de
manifestações contratuais. Como melhor veremos no Parte II, a con-
tratação urbanística reveste natureza multifacetada ou pluriforme e,
portanto, no contrato urbanístico estão implicados diferentes tipos
contratuais: contratos sobre o exercício de poderes públicos – con-
tratos com objecto passível de acto administrativo ou contratos deci-
sórios (contratos substitutivos de acto administrativo, contratos
pelos quais a Administração se compromete a praticar ou a não pra-
ticar acto administrativo e contratos através dos quais a Adminis-
tração se obriga a praticar um acto administrativo com um certo
conteúdo) e contratos normativos (contratos integrativos do proce-
dimento de aprovação dos planos) – contratos de delegação de fun-
ções ou serviços públicos e contratos de solicitação de produtos e
de serviços ao mercado.
Ora, estas relações horizontais de concertação entre sujeitos
públicos e privados tornaram bem visíveis a inadequação dos tra-
dicionais sistemas de actuação urbanística da Administração.
Recorde-se que, em geral, os meios tradicionais de actuação urba-
nística inseriam-se num rigoroso quadro de comandos unilaterais,
praticados no exercício de poderes jurídico-administrativos, quer
sob a forma de acto normativo (o regulamento administrativo), quer
sob a forma de decisão concreta e individual (o acto administrativo).

48 FREEMAN (2000-B: 549). De facto, é justamente essa lógica que funda-


menta, em nosso entender, o neocontratualismo no Direito do Urbanismo: por um
lado, a contratualização para reforçar os mecanismos de participação dos particu-
lares no procedimento de formação dos planos e, por outro, a contratualização
para garantir a execução dos planos municipais.
A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 45

Na verdade, até há não muito tempo, o agir urbanístico estava ali-


cerçado em dois pilares fundamentais.
Por um lado, um pilar normativo referente à emanação de nor-
mas jurídico-administrativas no exercício de poderes públicos, que
abrangem, inter alia, as normas dos planos, maxime dos plano muni-
cipal de ordenamento do território, dos regulamentos municipais de
urbanização e ou de edificação e dos regulamentos municipais rela-
tivos ao lançamento e liquidação das taxas e prestação de caução
que, nos termos da lei, sejam devidas pela realização de operações
urbanísticas (artigos 3.° e 116.°, n.° 5, do RJUE).
Por outro, um segundo pilar, constituído por decisões unila-
terais emitidas ao abrigo de poderes de Direito Administrativo.
Neste nível, encontramos, entre o mais, os actos administrativos
de gestão urbanística (v.g., actos de controlo da actividade urba-
nística dos particulares, tais como licenças e admissões de comu-
nicações prévias de operações urbanísticas, e expropriações urba-
nísticas).
Pois bem, foi com base nestes dois pilares que se alicerçaram
modos de agir imperativos, autoritários e unilaterais da Administra-
ção urbanística. Daí que a evolução que se tem vindo a verificar no
Direito do Urbanismo com a introdução de formas contratuais em
domínios reservados por natureza à actuação unilateral da Admi-
nistração conduza, paulatinamente, a um certo afastamento do seu
ponto referencial de origem ou da sua matriz originária.
Deste modo, actualmente, deve falar-se também num terceiro
pilar no âmbito das formas típicas de actuação urbanística: o pilar
contratual, o qual absorve todo um conjunto de instrumentos con-
vencionais utilizados no Direito do Urbanismo entre a Adminis-
tração e os particulares (ou entre entidades administrativas) com o
objectivo de definir consensualmente determinados aspectos jurí-
dicos relativos à programação do uso do território. Parece-nos, por
isso, que a consolidação deste terceiro pilar representou um “salto
qualitativo” no Direito do Urbanismo, maxime porque teve o ine-
gável mérito de enquadrar jurídica e normativamente uma série de
46 Contratos Urbanísticos

actuações urbanísticas informais, atípicas e correntes no quoti-


diano da Administração.
Em suma, se o Direito do Urbanismo começou por ser um ramo
de definição autoritária e unilateral de regras de ocupação, uso e
transformação do solo, perante o universo das alterações referidas,
é hoje muito claro que a procura de uma solução de consenso quanto
às opções fundamentais dos planos entre todos os sujeitos de direito
público que colaboram na elaboração dos mesmos, o protagonismo
que os actores privados assumem na prossecução de interesses
públicos, a amplitude da contratação urbanística no âmbito da exe-
cução dos mesmos e o desenvolvimento do neocontratualismo no
Direito do Urbanismo reclamam a especial atenção do jurista para a
inadiável tarefa de estruturação, seja no plano intensivo-vertical,
seja extensivo-horizontal, de um Direito do Urbanismo de colabo-
ração e de concertação.
Desatando o nó górdio, este será o grande desafio do Direito do
Urbanismo do século XXI. O esforço que o legislador ordinário tem
expendido no sentido de reforçar a intervenção dos particulares nos
processos urbanísticos concretiza as exigências de uma participação
baseada na concertação (artigo 21.°, n.° 2) e do recurso à con-
tratualização com os actores privados [artigos 5.°, alínea h), 16.°,
n.° 2, e 17.°] formuladas pela LBPOTU. Aliás, o próprio Programa
Nacional de Política e Ordenamento do Território consagra, inter
alia, como medidas prioritárias de política de ordenamento do terri-
tório e urbanismo “incentivar novas parcerias para o desenvolvi-
mento de programas integrados de reabilitação, revitalização e
qualificação das áreas urbanas” e promover “um urbanismo pro-
gramado e de parcerias e operações urbanísticas perequativas e
com auto-sustentabilidade financeira”.
Nos últimos anos, em Portugal, é frequente a falta de sintonia
entre os planos urbanísticos e a realidade operacional. A prática tem
demonstrado que sem um urbanismo de colaboração e de concerta-
ção não é possível concretizar as escolhas urbanísticas que a Admi-
nistração toma em função do interesse público. Não se trata de uma
A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contratação Administrativa 47

mera questão de filosofia administrativa ou de interiorização de uma


nova cultura. Pelo contrário, o urbanismo de colaboração e de con-
certação assume-se como uma condição normativo-funcional de efi-
ciência do sistema urbanístico, sem o qual nunca será possível
lograr um grau de realização optimizado do interesse público urba-
nístico.
Por isso, já não é admissível, no nosso tempo, que o papel
da Administração se reduza apenas à mera definição de regras de
ocupação, uso e transformação do espaço e de controlo das mesmas.
É necessário “fechar o círculo do planeamento enquanto processo”,
convocando os actores privados no sentido de promover o consenso
e a colaboração na concretização das decisões programadas pela
Administração.
No nosso horizonte de pensamento, está, pois, a afirmação de
que o Direito do Urbanismo é, actualmente, o reflexo por excelência
ou a expressão máxima do princípio da participação e da colabora-
ção no Direito Administrativo em geral.
PARTE II
CONTRATOS URBANÍSTICOS:
DO CONTRATO URBANÍSTICO
EM GERAL
PARTE II
CONTRATOS URBANÍSTICOS:
DO CONTRATO URBANÍSTICO EM GERAL

CAPÍTULO ÚNICO

O CONTRATO URBANÍSTICO: DESENHO DE UM INSTITUTO

1. Conceito de Contrato Urbanístico

Os contratos urbanísticos constituem uma realidade de difícil


definição, abrangendo uma pluralidade de figuras muito distintas,
cada uma com a sua regulamentação própria. Como refere HUERGO
LORA, “a expressão convénio urbanístico […] não remete para uma
figura jurídica unitária (ou para um conjunto de figuras às quais se
aplique, em parte, um regime jurídico comum)”49. Na verdade, o
conceito de contrato urbanístico é variável, elástico e complexo,
englobando um conjunto de negócios jurídicos diversos que, lato
sensu, têm o denominador comum de serem celebrados em ordem
ao cumprimento de tarefas jurídico-urbanísticas50. Neste sentido, ao
jurista cumpre determinar o subconceito de contrato urbanístico em

49 HUERGO LORA (1998-A: 27-28). No mesmo sentido, OCHOA GÓMEZ

(2006: 35-37) sublinha que este tipo de “acção convencional tem aparência polié-
drica […] é um conceito síntese no qual se subsumem realidades de difícil redu-
ção à unidade”. Cf. também SENDÍN GARCÍA (2008: 11-12), CANO MURCIA (2006:
29), ARREDONDO GUTIÉRREZ (2003: 22), BUSTILLO BOLADO/CUERNO LLATA (2001:
26). Com efeito, o contrato urbanístico não pode ser reconduzido a uma figura
jurídica unitária, sendo antes definido em função do seu objecto ou da matéria
sobre a qual incide – ESTÉVEZ GOYTRE (2006: 453).
50 SENDÍN GARCÍA (2008: 11).
52 Contratos Urbanísticos

face do conteúdo ou dos aspectos substanciais que este visa regular.


Por isso, não será de estranhar, como veremos neste capítulo, a am-
plitude e a riqueza que o fenómeno contratual atinge no Direito do
Urbanismo, constituindo este um terreno particularmente fértil de
inúmeras manifestações contratuais.
Não obstante os termos “contrato” ou “acordo” serem, frequen-
temente, empregues ao longo da legislação urbanística [v.g., artigos
129.°, n.° 1, 142.°, n.° 2, do RJIGT, 46.°, n.os 1 e 2, do RJUE relati-
vamente a “acordo” e 6.°-A, 123.°, n.° 2, e 124.°, do RJIGT, 25.°,
n.° 3, e 55.°, do RJUE no que respeita a “contrato”], nem a LBPOT,
nem o RJIGT ou o RJUE definem contrato urbanístico, não se
colhendo também neles (individual ou colectivamente considera-
dos) um regime global do mesmo. No entanto, tendo em conta aque-
les preceitos, é possível identificar alguns elementos essenciais
comuns à generalidade dos contratos urbanísticos:

a) Acordo de vontades

O contrato urbanístico é, antes de mais, um acordo, livre e vo-


luntário51, de vontades opostas, mas harmonizáveis entre si. En-
quanto facto gerador de uma relação jurídica administrativa, este
acordo é produto de uma certa direcção da vontade das partes no
sentido de desencadear transformações na ordem jurídica. Nele se
cruzam, portanto, duas ou mais declarações de vontade52, com con-
51 Por se tratar de um negócio jurídico voluntário, ao contrato urbanístico,

que quanto à sua natureza jurídica deve ser entendido como um contrato admi-
nistrativo especial, vão aplicar-se as normas jurídicas do Código Civil que tu-
telam a formação da vontade negocial dos contratantes (ex vi artigo 284, n.° 3,
do CCP).
52 A declaração de vontade, além de condição de validade, constitui ainda

um elemento verdadeiramente constitutivo ou integrante do contrato. Trata-se


de uma “vontade dirigida a efeitos práticos (em regra económicos), com intenção
de que esses efeitos sejam juridicamente tutelados e vinculantes” – MANUEL DE
ANDRADE (1966: 123).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 53

teúdos diversos e até opostos, que têm em vista estabelecer uma


composição unitária de interesses ou a produção de um resultado
jurídico unitário53. Da oposição das declarações de vontade da
Administração e do particular (que prosseguem interesses contrários
susceptíveis de serem individualizados ou individualizáveis) nasce
o acordo bilateral, cujo elemento propulsor reside no mútuo con-
senso54 dos contraentes – consensus facit contractum.
O contrato urbanístico distingue-se, desde logo, do acto admi-
nistrativo de gestão urbanística. Esta expressão designa todos os
actos administrativos que são praticados no âmbito da realização de
operações de transformação urbanística do solo, em especial, no
controlo das operações urbanísticas. Sendo um acto unilateral de
autoridade (decisão, na terminologia do artigo 120.° do CPA),
depende apenas da declaração da Administração. Pelo contrário, o
contrato urbanístico surge constitutivamente marcado pela nota do
consenso, cujos efeitos jurídicos só se produzem por serem o resul-
tado da união de duas (ou mais) declarações de vontade concor-
dantes.
Por outro lado, os contratos urbanísticos não se confundem com
os acordos urbanísticos. Como ensina MANUEL DE ANDRADE, nesta
“categoria, primeiramente aventada pelos publicistas […], concor-
rem várias declarações de vontade com o mesmo conteúdo (não con-
teúdos opostos ou análogos)”, não sendo os declarantes “portadores
de interesses contrários”55. Pois bem, nestas hipóteses, não há con-
trato, já que as declarações de vontade “caminham no mesmo sen-
tido, reflectindo interesses paralelos”56. É o caso do acordo entre

53 Ob. cit.: 38; ANTUNES VARELA (2003: 216).


54 De acordo com MARCELLO CAETANO (2005: 591 ss.) o mútuo consenso
deve ser considerado um elemento essencial do contrato administrativo, a par da
capacidade dos contraentes, do objecto possível, do elemento formal e do fim de
interesse público.
55 MANUEL DE ANDRADE (1966: 41).
56 ANTUNES VARELA (2003: 217).
54 Contratos Urbanísticos

municípios para a constituição de uma associação de municípios de


fins múltiplos ou de fins específicos (Lei n.° 45/2008, de 27/08), que
prossiga a realização de atribuições urbanísticas.
Estaremos, assim, perante a figura que na dogmática do Direito
Administrativo se designa por acto complexo ou acordo (atto com-
plesso, Vereinbarung). Seguindo de perto ROGÉRIO SOARES, “no con-
trato as duas declarações, apesar de terem o mesmo fim imediato,
prosseguem interesses colidentes; já no acto complexo os interesses
são não colidentes”57. A necessidade de esclarecer o sentido dos
actos jurídicos plurilaterais que não revestem as características de
contrato urbanístico prende-se com o facto de ser possível encontrar
no Direito do Urbanismo declarações de vontade de diferentes sujei-
tos de direito público que não prosseguem interesses colidentes, e
que, por isso, devem ser qualificadas como acordos urbanísticos –
pense-se no acordo entre dois ou mais municípios associados para o
efeito de elaboração de um plano intermunicipal de ordenamento do
território quanto à definição das opções e dos objectivos fundamen-
tais a consagrar no mesmo – solução que resulta da interpretação dos
artigos 61.°, 64.°, n.° 1, e 67.°, do RJIGT.

b) Entre dois ou mais sujeitos de direito, sendo um deles


necessariamente um membro da Administração Pública
que age nessa qualidade (enquanto tal)

Os contratos urbanísticos são negócios jurídicos bilaterais ou


plurilaterais celebrados entre uma (ou várias) entidade(s) pública(s)

57 ROGÉRIO SOARES (1978: 164). BARBOSA DE MELO (2002: 20 ss.); ZANO-


BINI (1950: 205 ss.); SANDULLI (1978: 449 ss.). Cf. também MELO MACHADO
(1937: 258-259): “JELLINEK admitia, além do contrato, como acto plurilateral, a
Vereinbarung. Esta produzir-se-ia sempre que várias vontades, que isoladamente
não poderiam produzir certo efeito de direito, se transformam numa vontade juri-
dicamente unitária […], no contrato encontram-se as vontades próprias dos con-
traentes in idem placitum”.
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 55

e uma (ou várias) entidade(s) particular(es). Mas há também con-


tratos urbanísticos somente entre entidades públicas (contratos inte-
radministrativos) e até, em determinadas circunstâncias especiais,
contratos urbanísticos apenas entre particulares (desde que uma das
entidades contratantes esteja investida de uma especial capacidade
de direito público).
No que respeita ao número e ao modo de composição das decla-
rações de vontade, podemos afirmar que o contrato urbanístico é
constituído por duas ou mais partes. O facto de, em regra, serem
apenas duas as partes contratuais leva a que nos refiramos prefe-
rentemente a bilateralidade (em vez de plurilateralidade), sem pre-
juízo da existência de contratos urbanísticos tripartidos ou trian-
gulares que associam três entidades de distinta natureza jurídica
(artigo 131.°, n.os 8 e 9, do RJIGT, e 55.°, n.° 2, do RJUE).
Subjacente ao poder de “auto-regulamentação dos interesses
concretos e contrapostos das partes”58 encontra-se o princípio bá-
sico da autonomia da vontade. Se no caso do contraente particular,
é em homenagem ao princípio básico da liberdade contratual (artigo
405.° do Código Civil) – corolário da autonomia privada – que se
reconhece a liberdade negocial para a criação de acordos vinculati-
vos, o mesmo não acontece em relação à Administração quando esta
celebra contrato administrativo, na medida em que está, originária e
necessariamente, investida de um estatuto jurídico-público que deli-
mita e condiciona as possibilidades e formas da sua actuação.
Contudo, enquanto expressão densificadora – e aglutinadora –
de uma ineliminável exigência axiológico-normativa, o princípio da
autonomia pública contratual da Administração não pode deixar de
ser convocado nesta sede como a possibilidade genérica de qualquer
entidade pública recorrer aos contratos administrativos para realizar
as atribuições que estiverem a seu cargo.
A este respeito estatui o artigo 278.° do CCP que “na prosse-
cução das suas atribuições, e sempre que esteja em causa o exercí-

58 ANTUNES VARELA (2003: 232).


56 Contratos Urbanísticos

cio da função administrativa, os contraentes públicos podem cele-


brar quaisquer contrato administrativo, salvo se outra coisa resultar
da lei ou da natureza das relações a estabelecer”. Respeitados os
princípios da competência, da legalidade e da proporcionalidade
(artigos 280.° e 281.°), a Administração goza de autonomia pública
no estabelecimento de vínculos contratuais. Recordando o ensina-
mento de SÉRVULO CORREIA, o conceito de autonomia pública
define-se como “a permissão da criação, no âmbito dos acto admi-
nistrativo e dos contrato administrativo, de efeitos de direito não
predeterminados por normas jurídicas e titularidade e exercício do
correspondente poder, isto é, de margem de livre decisão na criação
de efeitos de direito nas situações concretas regidas pelo Direito
Administrativo”59. Segundo PEDRO GONÇALVES, a liberdade de esco-
lha da forma60 contrato administrativo “só representa uma «liber-
dade» na medida em que a Administração Pública faz uma opção,
escolhendo a forma contrato em detrimento de uma outra forma de
acção (acto administrativo ou contrato de direito privado)”61.

59 SÉRVULO CORREIA (1987: 470).


60 Mas como adverte PEDRO GONÇALVES (2003: 37), vigora “entre nós uma
regra ou um princípio de liberdade de escolha da forma contrato administrativo
como instrumento de regulação das relações jurídicas administrativas – trata-se,
insiste-se, numa liberdade de escolha da forma, mas não de uma liberdade de
escolha do conteúdo do contrato”. Isto porque “a regra geral de admissibilidade
da forma contrato administrativo não autoriza naturalmente a Administração a
incluir no contrato o conteúdo que lhe aprouver, pois, nesse âmbito, há que ter em
conta as exigências da legalidade administrativa. Ao contrário dos contratos entre
particulares (no âmbito do direito privado), em que vigora um princípio de livre
construção do conteúdo (artigo 405.°, n.° 1, do Código Civil), que decorre da
autonomia privada, a fixação do conteúdo do contrato administrativo está limi-
tada pelo princípio da legalidade – ob. cit.: 93.
61 Ob. cit.: 38. Mas esta alternativa na escolha das formas administrativas

não significa necessariamente que a Administração possa exercer pela via pactí-
cia todo o tipo de poder ou competência legalmente prevista. Importará, por isso,
indagar as exactas implicações do princípio da legalidade da actividade adminis-
trativa no plano contratual, o que se, por uma lado, conduz à ideia de que não é
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 57

Portanto, a liberdade de utilizar o contrato administrativo é um


poder ou uma capacidade da Administração que resulta do princí-
pio da autonomia pública contratual, apresentando-se como uma
forma de acção administrativa que, como regra geral, pode ser usada
em alternativa, quer ao acto administrativo62, quer ao contrato de
direito privado.
Ora, adquirido que as partes têm o poder de fixar a disciplina
juridicamente vinculativa dos seus próprios interesses mediante
acordos vinculativos, coloca-se a questão de saber quem é que, efec-
tivamente, pode figurar como sujeito de um contrato urbanístico.
A este respeito, será necessário distinguir entre entidades públicas e
entidades privadas63 com capacidade para celebrar contratos urba-
nísticos, sendo certo que, no contexto da relação jurídica que se esta-
belece entre as partes do contrato, pelo menos, uma delas deve ser

necessário uma norma autorizativa específica para utilizar a forma contrato admi-
nistrativo (ex vi artigo 278.° do CCP), por outro, ela ter-se-á por afastada sempre
que a lei expressamente a excluir – para mais desenvolvimentos, SÉRVULO COR-
REIA (1987: 659 e 678 ss.) e PAULO OTERO (2003: 836 ss.). FILIPA CALVÃO (2008:
350 ss.) afirma que “a decisão de contratar por via consensual, em vez de unila-
teralmente, tem carácter discricionário, razão por que só será admissível nos casos
em que a lei não fixe vinculadamente uma outra forma de actuação ou aquela não
se revele incompatível com a natureza da relação jurídica. Isso mesmo vem pre-
visto no artigo 278.° do CCP: “salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza
das relações a estabelecer”.
62 Já em 1987 SÉRVULO CORREIA defendia como válido no nosso ordena-

mento jurídico-administrativo o princípio segundo o qual desde que “a natureza


dos efeitos jurídicos a produzir seja compatível com o tipo de conduta, a escolha
entre acto administrativo e contrato administrativo é em regra livre: uma vez que
um princípio geral faculta ambas as formas de actuação à Administração, a deci-
são de usar uma qualquer delas não é objecto de uma reserva específica de norma
jurídica; esta respeita directamente ao conteúdo do acto, isto é, à natureza dos
efeitos de direito a produzir” – SÉRVULO CORREIA (1987: 566-567).
63 Sobre a distinção entre entidades públicas e entidades privadas, VITAL

MOREIRA (1997: 257 ss.); FREITAS DO AMARAL (2006: 581 ss.); PEDRO GONÇAL-
VES (2005: 249 ss.).
58 Contratos Urbanísticos

necessariamente um membro da Administração Pública que aja


nessa qualidade (enquanto tal).

(i) Sujeitos Públicos


Quanto às pessoas colectivas públicas, importa, desde logo,
assinalar que, em geral, a capacidade para celebrar contratos urba-
nísticos está associada à personalidade jurídica pública. Como subli-
nha PEDRO GONÇALVES, ao contrário do que sucede com os parti-
culares, “a capacidade para celebrar contratos no âmbito do Direito
Administrativo é inerente à própria personalidade jurídica pú-
blica”64. Acresce que a celebração de contratos urbanísticos por
parte de pessoas colectivas públicas exige que estas actuem nessa
qualidade, investidas de poderes públicos. Saber quais são, em con-
creto, as entidades públicas que podem celebrar contratos urbanísti-
cos é uma questão cuja resposta não pode ser alcançada em via
geral, isto é, convocando apenas as normas constantes do CCP, mas
algo que resulta da análise da legislação urbanística. Por essa razão
é que, em nosso entender, só podem celebrar contratos urbanísticos
aquelas entidades adjudicantes que, por força de lei especial,
tenham competências em matéria de planeamento e gestão urbanís-
tica ou de concretização de um sistema de execução urbanística já
delimitado pela Administração.
Atendendo às pautas normativas que definem o quadro de
repartição de competências urbanísticas entre os poderes públicos,

64 PEDRO GONÇALVES (2003: 79). Note-se que “sujeito ou parte do contrato

é, do lado da Administração, a entidade pública, e não qualquer órgão que a ela


pertença: é aquela, e não este, que dispõe da capacidade para a celebração de con-
tratos” – Ob. cit.: 79. Da capacidade para celebrar contratos, que pertence à pes-
soa colectiva pública, distinguem-se a competência para decidir contratar, que é
a competência de que um órgão de uma entidade pública dispõe para decidir o
emprego do contrato, e a competência para contratar, isto é, a competência para
a outorga do contrato em nome da entidade pública – Ob. cit.: 81.
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 59

concluímos que existem, fundamentalmente, dois grandes grupos ou


classes de sujeitos públicos com capacidade para celebrar contratos
urbanísticos. Do primeiro grupo fazem parte o Estado, as Regiões
Autónomas e as Autarquias Locais que, como é sabido, são entida-
des públicas por natureza ou “entidades públicas primárias” que se
integram na Administração Pública em sentido orgânico65.
Assim, o Estado66 é competente para celebrar contratos com os
municípios que têm por objecto a elaboração, alteração ou revisão
de instrumentos de gestão territorial. Neste sentido, o legislador
prevê expressamente a possibilidade de se concluírem contratos
interadministrativos que visam essencialmente regular as formas de
adequação ou de adaptação67 (bem como os prazos para esse efeito)
de um plano municipal de ordenamento do território preexistente a
um plano especial de ordenamento do território ou a um plano regio-
nal de ordenamento do território posteriormente aprovado. Os ter-
mos utilizados pelo legislador nas normas dos artigos 6.°-A, n.° 7,
49.° e 59.°, n.° 2, alínea a), do RJIGT apontam claramente para a
celebração de contratos entre o Estado e os municípios sobre esta
matéria, que integram a categoria de contratos interadministrativos,

65 FREITAS DO AMARAL (2006: 30).


66 No ordenamento urbanístico português, o Estado (artigo 65.°, n.° 4, da
CRP) é competente, designadamente, para elaborar e aprovar as normas gerais
sobre a ocupação, uso e transformação do solo e para elaborar e aprovar o PNPOT
(Lei n.° 58/2007, de 4/09), os PROT, os PS e os PEOT, para ratificar, em certos
termos, os planos directores municipais, para fiscalizar, em determinadas con-
dições [artigos 105.°, n.° 1, alínea b), e 104.°, n.° 8, alíneas a) e b), do RJIGT], a
observância pelas câmaras municipais e pelos particulares das disposições dos
planos e para adoptar medidas de tutela de legalidade urbanística (embargo e
demolição de obras e reposição do terreno), no caso de operações urbanísticas
desconformes com medidas preventivas de planos especiais de ordenamento do
território ou violadoras de planos especiais ou municipais de ordenamento do ter-
ritório (artigos 114.°, n.° 2, do RJIGT e 108.°-A, do RJUE).
67 Sobre a figura da alteração por adaptação dos planos urbanísticos,

ALVES CORREIA (2008: 580 ss.).


60 Contratos Urbanísticos

mais especificamente, contratos interadministrativos de adaptação


[artigo 97, n.° 1, alíneas a) e c), do RJIGT]68.
As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira69 são, igual-
mente, competentes para celebrar contratos com os municípios que

68 Quando um plano de nível superior é aprovado, um dos mecanismos que

procura prevenir os conflitos ou as colisões entre normas de planos consiste,


segundo ALVES CORREIA (2008: 523-524), “na indicação das modificações que ele
implica nos planos de nível inferior” (mecanismo consagrado no artigo 25.°, n.°
1, do RJIGT). Na mesma linha se situam os artigos 49.° e 59.°, n.° 2: o primeiro
estabelece que a Resolução do Conselho de Ministros que aprova o PEOT deve
consagrar as formas e os prazos, previamente acordados com as câmaras munici-
pais envolvidas, para a adequação dos planos municipais de ordenamento do ter-
ritório e dos PIOT, quando existam (os termos utilizados pelo legislador apontam
claramente para a celebração de contratos entre o Estado e os municípios sobre
esta matéria, que integram a categoria dos contratos interadministrativos); o
segundo determina, na sua a), que a Resolução do Conselho de Ministros que
aprova o PROT deve consagrar também as formas e os prazos, previamente acor-
dados com as câmaras municipais envolvidas, para adequação dos planos muni-
cipais de ordenamento do território abrangidos e dos PIOT quando existam, e, na
sua b), que a mesma deve identificar as disposições dos planos municipais de
ordenamento do território abrangidos incompatíveis com a estrutura regional do
sistema urbano, das redes, das infra-estruturas e dos equipamentos de interesse
regional e com a estrutura regional de protecção e valorização ambiental, para
efeitos da alteração por adaptação daqueles, nos termos do artigo 97.°, n.° 1, alí-
nea c) – ALVES CORREIA (2008: 524-525). Como exemplos, podemos citar as
Resoluções do Conselho de Ministros n.° 68/2002, de 8/04 [que aprovou o PROT
da Área Metropolitana de Lisboa (PROTAML)], n.° 70/2002, de 9/04 [que apro-
vou o PROT da Zona Envolvente da Albufeira do Alqueva (PROZEM)], n.°
93/2002, de 8/05 [que aprovou o PROT da Zona dos Mármores (PROZOM)], e
n.° 102/2007, de 3/08, alterada pela Resolução do Conselho de Ministros
188/2007, de 28/12 (que aprovou a revisão do PROT do Algarve).
69 As Regiões Autónomas têm competência legislativa nos domínios do

urbanismo e do ordenamento do território, com respeito pelos limites ao poder


legislativo das mesmas, plasmados nos artigos 112.°, n.° 4, 227.°, n.° 1, alíneas a)
a c), e 228.°, da CRP. De um modo geral, podemos afirmar que lhes são cometi-
dos, no respectivo âmbito territorial, os poderes anteriormente indicados a propó-
sito do Estado. Para mais desenvolvimentos, ALVES CORREIA (2008: 129-132).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 61

têm por objecto a elaboração, alteração ou revisão de instrumentos


de gestão territorial. Tais contratos interadministrativos têm como
objecto a adaptação dos planos municipais de ordenamento do terri-
tório aos planos regionais de ordenamento do território, aos planos
sectoriais e aos planos especiais de ordenamento do território, desig-
nadamente aos Planos de Ordenamento da Orla Costeira.
Já os municípios são, por excelência, os actores públicos pri-
mários da contratação urbanística. Tal deve-se ao facto de eles
serem os sujeitos competentes para elaborar e aprovar os planos
mais importantes de eficácia plurisubjectiva (os planos municipais
de ordenamento do território) e os regulamentos municipais sobre
urbanizações e edificações, para promover a execução coordenada e
programada dos mesmos planos e, em geral, para praticar os actos
de gestão urbanística, isto é, para praticar os actos de controlo das
actividades que se traduzem na realização de transformações urba-
nísticas no solo (v.g., licenciamento e comunicação prévia das ope-
rações de loteamento e das obras de urbanização e das obras de edi-
ficação).
Num segundo grupo de entidades públicas que podem figurar
como sujeitos de contratos urbanísticos inserem-se os institutos
públicos, as associações públicas e as empresas municipais do sec-
tor empresarial local que possuam estatuto de direito público. No
que toca aos institutos públicos, é inquestionável que o Instituto da
Habitação e da Reabilitação Urbana (integrado na Administração
indirecta do Estado) pode celebrar com outras entidades públicas e
privadas uma pluralidade de contratos urbanísticos no âmbito da
urbanização, da reabilitação urbana, do mercado dos solos e da
habitação (domínio este intimamente ligado ao urbanismo), que
vemos plasmados no artigo 3.°, n.° 2, alíneas d) e f) e n.° 3, alíneas
o), p), s), z), aa), do DL 223/2007, de 30/05. A título exemplifica-
tivo, tais contratos podem revestir a forma de contratos-programa
e de contratos de desenvolvimento [artigo 3.°, n.° 39, alínea o)] ou
de parcerias público-privadas [artigo 3.°, n.° 2, alínea d) e n.° 3,
alínea p)].
62 Contratos Urbanísticos

Quanto às associações públicas, ainda que o fenómeno da con-


tratação urbanística assuma aqui menor relevância, há que reconhe-
cer que tais entidades podem, igualmente, celebrar contratos urba-
nísticos, mais especificamente contratos interadministrativos.
Centraremos exclusivamente a nossa atenção nas associações
de municípios. Estas podem ser de dois tipos, de fins múltiplos ou
de fins específicos70 – artigo 2.°, n.° 1, da Lei n.° 43/2008, de 27/08.
As Associações de Municípios de fins múltiplos, denominadas
Comunidades Intermunicipais, são pessoas colectivas de direito
público constituídas por municípios que correspondam a uma ou
mais unidades territoriais definidas com base nas NUTS III, adop-
tando o nome destas (artigo 2.°, n.° 2). Deste modo, as comunidades
intermunicipais correspondem a unidades territoriais definidas com
base nas Nomenclaturas das Unidades Territoriais Estatísticas de
nível III (artigo 4.°, n.° 1) e têm como órgãos representativos a
assembleia intermunicipal e o conselho executivo (artigo 7.°, n.° 1).
A este compete, no âmbito da gestão territorial, “elaborar os plano
intermunicipais de ordenamento do território respectivos” [artigo
16.°, n.° 2, alínea e) e n.° 4], que, posteriormente, serão aprovados
pela assembleia intermunicipal [artigo 13.°, alínea h)].
Como é sabido, os planos intermunicipais de ordenamento do
território não têm eficácia plurisubjectiva, isto é, não vinculam
directa e imediatamente os particulares. Não obstante, é possível
conceber a celebração de contratos interadministrativos que tenham
por objecto planos intermunicipais de ordenamento do território.
Neste sentido, é necessário distinguir dois tipos de relações inter-
subjectivas: o plano das relações entre as Comunidades Intermuni-
cipais e o Estado e o das relações entre as Comunidades Intermuni-
cipais e os Municípios. No primeiro nível, inserem-se os contratos

70 As Associações de Municípios de fins específicos são pessoas colectivas


de direito privado criadas para a realização em comum de interesses específicos
dos municípios que as integram, na defesa de interesses colectivos de natureza
sectorial, regional ou local (artigo 2.°, n.° 4).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 63

interadministrativos de adaptação de um plano intermunicipal de


ordenamento do território preexistente a um plano especial de orde-
namento do território ou a um plano regional de ordenamento do ter-
ritório superveniente [artigo 49.° e 59.°, n.° 2, alínea a), do RJIGT]
– contratos celebrados entre as comunidades intermunicipais e o
Estado; no segundo nível, encontram-se os contratos interadminis-
trativos de adaptação de planos directores municipais preexistentes
a um plano intermunicipal de ordenamento do território superve-
niente [artigo 60.° em conjugação com o artigo 61.° do RJIGT] –
contratos concluídos entre os municípios integrantes da Comuni-
dade Intermunicipal e a Comunidade Intermunicipal.
Já as empresas municipais do sector empresarial local que pos-
suam estatuto de direito público também podem figurar como sujei-
tos de contratos urbanísticos. Antes de mais, cumpre aqui notar que
o sector empresarial local é regulado pelo RJSEL, Lei n.° 53-F/2006,
de 29/12, o qual estabelece a disciplina aplicável às empresas muni-
cipais, intermunicipais e metropolitanas (artigo 2.°, n.° 1). No qua-
dro geral das formas organizativas de carácter empresarial de âmbito
local, só as empresas municipais é que, em rigor, podem ser sujeitos
de contratos urbanísticos71. Por conseguinte, apenas as empresas
municipais, em certas circunstâncias, podem desempenhar relevan-
tes tarefas de gestão urbanística, utilizando, para tanto, instrumentos
contratuais convenientes à prossecução do seu objecto72.

71 Cremos que não tem qualquer relevância analisar o estatuto subjectivo

das empresas intermunicipais e metropolitanas no contexto da contratação urba-


nística.
72 É importante advertir que a criação de tais empresas municipais não está

abrangida pela proibição estatuída no artigo 5.°, n.° 1, na medida em que não está
aqui em causa o “desenvolvimento de actividades de natureza administrativa ou
de intuito exclusivamente mercantil”. Ao invés, o objecto destas empresas muni-
cipais consiste na realização de operações de urbanização de acordo com um
plano já feito e sistemas já delineados (essas é que são tarefas exclusivamente
administrativas), não tendo, além disso, natureza mercantil.
64 Contratos Urbanísticos

Como refere PEDRO GONÇALVES73, “a noção de empresa muni-


cipal perfilhada no RJSEL acolhe um princípio de dualismo organi-
zativo, oferecendo aos municípios a possibilidade de instituição de
empresas no formato de sociedade constituída nos termos da lei
comercial ou no formato de entidade empresarial. Neste segundo
caso, em contraste com o primeiro, a empresa adquire estatuto de
pessoa colectiva de direito público” – artigo 3.°, n.os 1 e 2. Assim,
uma das configurações que a empresa municipal pode assumir é a de
entidade empresarial local: nos termos do artigo 33.°, trata-se de
uma “pessoa colectiva de direito público, com natureza empresa-
rial”, o que significa que estamos diante de uma empresa (uma pes-
soa de natureza empresarial) com personalidade de direito público.
Para além disso, as entidades empresariais locais têm autonomia
administrativa, financeira e patrimonial. Como é normal com as pes-
soas de natureza colectiva, a lei estabelece que a capacidade jurídica
dessas entidades abrange todos os direitos e obrigações necessários
ou convenientes à prossecução do seu objecto (artigo 35.°)74. Sendo
assim, podem celebrar contratos urbanísticos com outras entidades
públicas e privadas no âmbito da gestão urbanística.
Isto porque a possibilidade de constituição de entidades empre-
sariais locais no âmbito da gestão urbanística não está excluída pela
lei. Ao invés, tal dependerá dos municípios ponderarem as virtuali-
dades inerentes ao recorte fisionómico, à estrutura organizativa e às
modalidades de “Administração Pública” deste tipo de empresas
municipais75. Contudo, como veremos, o mais frequente será o
município confiar a prossecução das tarefas municipais de gestão
urbanística a empresas municipais em formato de sociedade consti-
tuídas nos termos da lei comercial.

73 PEDRO GONÇALVES (2007-B: 81).


74 PEDRO GONÇALVES (2007-B: 106).
75 Sobre as regras de constituição e regime jurídico das entidades empresa-

riais locais, PEDRO GONÇALVES (2007-B: 106 ss.).


O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 65

(ii) Sujeitos Privados


São, igualmente, sujeitos de contratos urbanísticos as entidades
privadas que estejam investidas de uma especial capacidade de
direito público e estipulem o contrato com base nessa posição. Em
rigor, quanto a estas, pensamos que se deve começar por destrinçar,
no contexto geral das entidades privadas com funções administrati-
vas e poderes públicos de autoridade, entre Administração Pública
em forma privada e Administração Pública delegada76.
A primeira consiste na criação, por iniciativa pública ou em par-
ceria público-privada, de entidades formalmente privadas, comum-
mente designadas entidades administrativas privadas. Estas são
entidades privadas em sentido formal-organizatório que estão sob a
influência dominante de entidades públicas77. A este propósito,
PAULO OTERO fala de uma “Administração indirecta privada”78, uma
vez que tais entidades estão materialmente integradas na Adminis-
tração, como Administração Pública em forma privada.

76 Seguindo de perto PEDRO GONÇALVES, a criação de entidades administra-

tivas privadas e a delegação de funções públicas em entidades particulares cons-


tituem medidas de privatização orgânica da Administração – no primeiro caso,
de privatização orgânica formal, no segundo de privatização orgânica material.
A privatização orgânica, enquanto modalidade de privatização no âmbito da exe-
cução de tarefas públicas, tem “subjacente um processo de transferência de res-
ponsabilidades públicas”, à luz do qual “uma entidade privada vê-se investida da
responsabilidade da execução de uma tarefa pública, cabendo-lhe assumir, com
autonomia, a gestão ou a direcção da tarefa de que fica incumbida” – PEDRO GON-
ÇALVES (2005: 391). Neste processo está envolvida a entrega de funções públicas
a entidades particulares e, por isso, pode afirmar-se que “a privatização orgânica
dá lugar ao «exercício privado de funções públicas»” – Ob. cit.: 395. Além disso,
note-se que a privatização orgânica tem implicações no âmbito da organização
administrativa (aprofundamento da pluralização administrativa) e na transferên-
cia de responsabilidades públicas, o que explica a exigência de um regime jurí-
dico especialmente rigoroso – para mais desenvolvimentos, Ob. cit., 391 ss.
77 PEDRO GONÇALVES (2005: 397).
78 PAULO OTERO (2003: 829); também PEDRO GONÇALVES (2005: 433).
66 Contratos Urbanísticos

Já a segunda representa uma forma de delegação de funções


públicas em entidades particulares, que assumem, com autonomia, a
responsabilidade da execução de uma tarefa pública. Neste sentido,
o acto de entrega de uma tarefa pública “assume a natureza de «con-
cessão» ou «delegação»”79, podendo tratar-se de uma concessão
legal ou administrativa. Os dois conceitos – delegação e concessão
– assinalam a transferência do exercício de poderes pertencentes a
uma entidade pública que se mantêm na titularidade desta, apesar da
transferência80. A delegação de poderes públicos em entidades pri-
vadas81 (maxime, a delegação a empresas concessionárias, sobre a
qual centraremos a nossa atenção) representa uma figura jurídica
autónoma que, nas palavras de PAULO OTERO, consubstancia uma
“delegação atípica”82, não subsumível em qualquer tipo abstracto de
delegação legalmente definido e regulamentado83.
Pois bem, no âmbito do Direito do Urbanismo existem entida-
des administrativas privadas, dotadas de poderes públicos, que exer-
cem funções públicas de autoridade. Tais entidades, de natureza
societária, podem pertencer ao sector empresarial do Estado ou ao
sector empresarial local.
O sector empresarial do Estado integra as empresas públicas,
quer dizer, as sociedades constituídas nos termos da lei comercial
nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam
exercer, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta,
uma influência dominante (artigo 3.° do RJSEE).

79 Ob. cit.: 396.


80 Em rigor, enquanto o conceito de delegação se revela mais adequado
para exprimir a outorga do exercício de poderes públicos a entidades privadas, o
conceito de concessão traduz a entrega do exercício de actividades públicas a enti-
dades privadas com base em actos ou contratos de concessão – PEDRO GONÇAL-
VES (2005: 682).
81 VITAL MOREIRA (1997: 544).
82 PAULO OTERO (1987: 92 ss.).
83 Sobre o problema da identificação da delegação de poderes públicos em

entidades privadas, PEDRO GONÇALVES (2005: 691 ss.).


O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 67

Neste contexto, situam-se as sociedades gestoras das interven-


ções previstas no Programa Polis. As Sociedades Polis exercem
importantes poderes públicos no âmbito do urbanismo e estão pre-
vistas no âmbito de dois Programas Polis (criados pela Resolução
do Conselho de Ministros n.° 26/2000, de 15/05, com a designação
de Programa de Requalificação Urbana e Requalificação Ambien-
tal das Cidades, e pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 90/
/2008, de 3/06, com o nome de Polis Litoral – Operações Integra-
das de Requalificação e Valorização da Orla Costeira84). Em ambos
os casos, e para a gestão das intervenções em cada uma das cidades
beneficiárias do programa, foram constituídas Sociedades Polis –
sociedades comerciais de capitais exclusivamente públicos, consti-
tuídas com a participação maioritária do Estado e minoritária dos
municípios territorialmente abrangidos. Ora, estas empresas públi-
cas podem, no cumprimento das funções de que estão incumbidas,
celebrar contratos urbanísticos, directamente relacionados com o
seu objecto social, como sucede com a contratação de obras, neces-
sárias para as operações previstas no plano estratégico.
Ao nível municipal, analisado o modelo de Administração indi-
recta em forma de direito público (entidades empresariais), importa,
agora, considerar as empresas municipais que representam modelos
de Administração indirecta em forma de direito privado (sociedades
constituídas nos termos da lei comercial)85. A possibilidade dos

84 O segundo Programa Polis, destinado à realização de um conjunto de


operações de requalificação e valorização de zonas de risco e de áreas naturais
degradadas no litoral, foi, como vimos, aprovado pela Resolução do Conselho de
Ministros n.° 90/2008, de 3 de Junho. A referida Resolução determina que cada
conjunto de operações que integram o Polis Litoral seja executado por uma
empresa pública, a constituir sob a forma de sociedade comercial de capitais
exclusivamente públicos e, além disso, prevê, para a realização das operações que
integram o Polis Litoral, a constituição de sociedades gestoras de operações Polis
Litoral, para as seguintes áreas: Ria Formosa (criada pelo DL 92/2008, de 3 de
Junho), Litoral Norte (DL 231/2008, de 28 de Novembro) e Ria de Aveiro (DL
11/2009, de 12 de Janeiro).
85 PEDRO GONÇALVES (2007-B: 82).
68 Contratos Urbanísticos

municípios constituírem empresas societárias está expressamente


prevista no artigo 3.°, n.° 1, do RJSEL. Como referimos, no domí-
nio do Direito do Urbanismo, o mais frequente será o município
confiar a prossecução das tarefas municipais de gestão urbanística a
empresas societárias.
Nesta linha, inserem-se, designadamente, as Sociedades de
Reabilitação Urbana, criadas pelos municípios, e nas quais estes
detêm a totalidade do capital social (artigo 2.°, n.° 1, do DL 104/
/2004, de 7/05), podendo, em casos de excepcional interesse pú-
blico, ser sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos,
com participação municipal e estadual. Segundo o artigo 3.°, n.° 1,
daquele DL, as Sociedades de Reabilitação Urbana regem-se pelo
RSEL ou pelo RSEE, consoante a maioria do capital social seja
detida pelo município ou pelo Estado. Significa isto que as Socieda-
des de Reabilitação Urbana apresentam-se ou como empresas muni-
cipais ou como empresas públicas (do Estado).
O objecto social das SRU é promover a reabilitação urbana de
zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão
urbanística dentro de uma determinada zona de intervenção, sendo,
para esse efeito, investidas de um significativo leque de poderes
públicos urbanísticos (artigo 6.° do referido DL, que alude expres-
samente a “poderes de autoridade”). Definida a unidade de inter-
venção e delineado, num plano regulamentar, o trabalho a realizar
na operação de reabilitação, segue-se, agora, num plano operativo, a
execução da reabilitação. Esta deve ser “prioritariamente levada a
cabo pelos proprietários e demais titulares de direitos reais sobre os
imóveis a recuperar” (artigo 13.°, n.° 1, do citado DL), nos termos
de um contrato celebrado com a SRU, pela própria SRU ou por uma
entidade – parceiro privado – com a qual a SRU tenha celebrado o
designado contrato de reabilitação urbana86. A estes contratos,
regulados nos artigos 31.° e seguintes do referido diploma, voltare-

86 PEDRO GONÇALVES (2005: 914) – para quem este contrato é um contrato

administrativo.
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 69

mos mais à frente (infra, Parte III, Capítulo I, 4.6.). Mas diga-se,
desde já, que o contrato de reabilitação urbana é um contrato admi-
nistrativo que surge no domínio dos sistemas de execução dos pla-
nos municipais de ordenamento do território, mais especificamente,
no âmbito do procedimento de reabilitação urbana a cargo da SRU,
e constitui um instrumento contratual ao serviço da realização con-
junta das obras de reabilitação urbana, em que a escolha dos parcei-
ros privados é feita mediante concurso público.
Por outro lado, no que diz respeito à delegação de poderes pú-
blicos em entidades privadas, verificamos que a legislação urbanís-
tica prevê a figura da delegação a empresas concessionárias, as
quais podem ser empresas municipais87 ou, na maior parte das
vezes, entidades “genuinamente” privadas que, agindo com base em
actos ou contratos de concessão, participam no exercício da função
administrativa e ficam investidas de poderes públicos de autoridade.
Com efeito, o artigo 124.° do RJIGT regula a figura da conces-
são de urbanização88 no âmbito do sistema de imposição adminis-

87 Embora o artigo 124.° do RJIGT não refira expressamente a possibili-

dade de a concessão de urbanização poder ser feita por um município a uma


empresa municipal, nada impede, em nosso entender, que tal possa ser feito.
Todavia, admitir tal hipótese conduzir-nos-á a uma outra discussão: pode o muni-
cípio conceder livremente a tarefa municipal de urbanização de uma área a uma
“sua” empresa ou, em vez disso, está obrigado a relacionar-se com ela nos mes-
mos termos em que se relaciona com a generalidade dos “operadores económi-
cos”, devendo, por isso, submeter-se ao procedimento do direito da contratação
pública que regulamentam a selecção de contratantes e a adjudicação de contratos
públicos? A resposta a esta summa quaestio está dependente de saber se essa con-
cessão de urbanização constitui uma “adjudicação ao mercado” ou um “negócio
dentro de casa” (contratação in house). Se estivermos perante uma “relação in
house”, não têm aplicação as normas sobre contratação pública. Essencial se
torna, por isso, verificar, em cada caso, a existência dos requisitos que caracte-
rizam aquela relação. Para uma análise mais detalhada deste tema, BERNARDO
AZEVEDO (2008: 115-145) e PEDRO GONÇALVES (2007-B: 173-189).
88 Sobre esta concreta fattispecie contratual centraremos a nossa atenção na

Parte III, Capítulo I, 4.1.


70 Contratos Urbanísticos

trativa. Em nosso entender, o contrato de concessão de urbanização


é claramente um contrato de delegação de uma função ou de uma
actividade pública, na medida em que atribui ao contratante parti-
cular a responsabilidade pela execução de uma tarefa ou função
pública, concretamente, a urbanização de uma unidade de execução
que o município tinha definido como tarefa sua. Naquele tipo de
contratos, o contratante privado acha-se “incumbido de actuar em
vez da Administração na prossecução de fins institucionais desta”,
consubstanciando os mesmos “um instrumento de privatização da
Administração, na medida em que têm, por via de regra, como
objecto actividades públicas de natureza comercial e económica,
susceptíveis de serem geridas segundo uma lógica empresarial”89.
Finalmente, como referimos, os contratos urbanísticos mais fre-
quentes são aqueles que são celebrados entre uma pessoa pública e
uma entidade privada com vista a regular relações jurídicas admi-
nistrativas. Interessa-nos, hic et nunc, saber quais as entidades “ge-
nuinamente” privadas, que não pertencem nem integram a Adminis-
tração Pública90. Neste sentido, partes do contrato urbanístico são,
ainda, todas as pessoas, singulares ou colectivas, que sejam titulares
de direitos ou interesses urbanísticos. Ora, se no caso das pessoas
singulares, isso se afigura como uma evidência [artigo 5.°, alíneas f)
e h), da LBPOTU], o mesmo não acontece com as pessoas colecti-
vas. E isto porque as pessoas colectivas – “criadas livremente por
particulares, segundo o formato típico do direito privado”91 – nem
sempre são titulares de interesses urbanísticos. Pense-se, v.g., na
hipótese de uma empresa discográfica ou de panificação serem parte
de um contrato urbanístico. Naturalmente, tal não fará qualquer sen-
tido. Por isso, será sempre necessário que o objecto social da pessoa
colectiva privada esteja conexionado com a actividade jurídica ur-
banística.

89 PEDRO GONÇALVES (2003: 74-75).


90 Sobre o conceito de particular, PEDRO GONÇALVES (2005: 431).
91 VITAL MOREIRA (1997: 269).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 71

Em síntese, de tudo o que aventámos podemos concluir que o


contrato urbanístico disciplina uma relação jurídica que se estabe-
lece entre dois ou mais sujeitos de direito, sendo um deles necessa-
riamente um membro da Administração Pública que age nessa qua-
lidade (enquanto tal), isto é, que celebra esse contrato no exercício
de uma capacidade jurídica de direito público.
Ora, isto exclui claramente daquele conceito contratos que ver-
sam sobre matéria urbanística, mas que são concluídos exclusiva-
mente entre particulares, no exercício de uma capacidade jurídica
de direito privado. É o que acontece, designadamente, com os con-
tratos referidos nos artigos 122.°, n.° 2, 123.°, n.° 2, alínea a), e
131.°, n.° 8, do RJIGT. Como veremos, esses contratos não são con-
tratos urbanísticos em sentido estrito, mas contratos que versam
sobre matéria urbanística.

c) Juridicamente vinculativo

Apenas se deve qualificar como contrato urbanístico o acordo


de vontades reciprocamente aceite que seja entendido como juridi-
camente vinculativo para as partes. O contrato urbanístico constitui,
portanto, um instrumento jurídico vinculativo, é um acto com força
obrigatória para cada um dos contraentes – é a lex contractus92.
Aliás, é apenas por força da vontade das partes que o contrato urba-
nístico se apresenta como constitutivo de efeitos jurídicos de Direito
Administrativo. Nas palavras de MARCELLO CAETANO, “a ordem
jurídica considera obrigatório e unilateralmente indestrutível o vín-
culo criado por mútuo consenso”93.
Significa isto que o contrato urbanístico goza de efeitos jurídi-
cos obrigatórios, permitindo a qualquer uma das partes accionar os
Tribunais Administrativos com o fim de obter a condenação da outra

92 ANTUNES VARELA (2003: 233).


93 MARCELLO CAETANO (2005: 572).
72 Contratos Urbanísticos

ao cumprimento dos vínculos jurídico-administrativos que prove-


nham do mesmo. O não cumprimento desses vínculos jurídico-
-administrativos confere, em certos termos, legitimidade a qualquer
dos contraentes para deduzir pedidos que visem obter a efectivação
da responsabilidade contratual e das indemnizações a que haja lugar
por danos imputáveis ao incumprimento contratual (o que implicará
determinar o tipo de indemnização devida e o cálculo do montante
da mesma).
Diferentes dos contratos urbanísticos são os acordos ou negó-
cios informais, através dos quais as partes definem um determinado
compromisso que carece de vinculatividade ou obrigatoriedade ju-
rídica. A actividade administrativa informal de carácter bilateral,
“também designada por actuação informal de cooperação, onde se
integram actos com designações múltiplas – v.g., protocolos, acor-
dos, negociações prévias – que têm a nota comum de representar
um qualquer «contacto» entre a Administração e os particulares
ou entre entidades públicas expresso num acordo” pode constituir
um “instrumento fundador de um certo comprometimento (não jurí-
dico) assumido pela Administração quanto ao exercício dos seus
poderes”94.
Exemplo típico é o protocolo celebrado entre uma empresa de
metais pesados e o município mediante o qual se comprometem
a desenvolver todos os esforços no sentido de definir uma estraté-
gia de diminuição dos índices de poluição na área em que aquela
empresa se encontra localizada. Deste acordo não resultam para as
partes quaisquer obrigações jurídico-administrativas, nem qualquer
poder jurídico de exigir o seu cumprimento95. Como refere PEDRO
GONÇALVES, “a característica essencial da actuação informal reside
na ausência de vinculatividade jurídica, uma vez que o acto infor-
mal produz meros efeitos de facto, nada impondo ou proibindo no

94PEDRO GONÇALVES (2003: 51-52).


95Sobre o sentido, admissibilidade e utilidade dos acordos informais,
PEDRO GONÇALVES (2003: 50 ss.).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 73

plano jurídico”96. Não estamos, por isso, perante um contrato urba-


nístico, mas em face de um simples negócio informal que versa
sobre matéria urbanística97.
Questão diferente é a de saber se entre as obrigações típicas do
contrato urbanístico existe ou não um vínculo jurídico de interde-
pendência ou de reciprocidade. Será o contrato urbanístico um con-
trato bilateral ou sinalagmático?
Como é sabido, o sinalagma liga entre si as prestações essen-
ciais de um contrato bilateral através de um vínculo de reciproci-
dade. Significa isto que não só nascem obrigações para ambas as
partes, como essas obrigações se encontram entrelaçadas ou unidas
por um nexo de correspectividade98.
Assim acontece nos contratos urbanísticos em sentido estrito,
os quais, em nossa opinião, devem ser considerados contratos sina-
lagmáticos e, como tal, não só geram obrigações para ambas as par-
tes, como ainda qualquer dos contraentes pode exigir do outro
o cumprimento das obrigações assumidas. Mas, como veremos me-
lhor, esta vinculação recíproca não significa que, em homenagem ao

96 PEDRO GONÇALVES (2001: 756-757).


97 Numa outra perspectiva (distinta daquela que associa a informalidade à
falta de vinculatividade), PEDRO GONÇALVES (2003: 79) classifica como negócios
informais os “acordos” celebrados entre órgãos administrativos, que não têm
capacidade para celebrar contratos, dado não possuírem personalidade jurídica.
Um exemplo desse tipo de acordos informais são os designados acordos preli-
minares, através dos quais dois ou mais órgãos “se concertam para determinar o
conteúdo de um acto a praticar por um deles” – ROGÉRIO SOARES (1978: 131). Tal
actuação informal insere-se dentro do próprio procedimento administrativo (não
o substitui). Constitui exemplo, no âmbito do Direito do Urbanismo, o acordo
celebrado entre a assembleia municipal e a câmara municipal do mesmo muni-
cípio quanto às linhas fundamentais de um contrato para planeamento a celebrar
pela câmara municipal, acordo que vincula aquele órgão e que, sob ponto de vista
material, representa uma forma da câmara municipal não correr o risco de vir
a ser recusada a aprovação pela assembleia municipal do plano objecto de con-
tratação.
98 ANTUNES VARELA (2003: 396-397).
74 Contratos Urbanísticos

interesse público, a lógica da função não conduza, em certas con-


dições, ao incumprimento do contrato urbanístico. A ideia de acei-
tação do particular de se submeter a um regime jurídico-público
marcado pela supremacia contratual da Administração constitui uma
das traves-mestras do conceito de contrato urbanístico em sentido
estrito que propomos. Tendo em conta que abordaremos esse as-
sunto mais tarde, cabe apenas salientar que o carácter sinalagmático
do contrato urbanístico não se confunde com o problema resultante
do não cumprimento dos vínculos obrigacionais que provenham do
mesmo, sendo estes dois planos completamente distintos.
Por outro lado, definimos o contrato urbanístico como um
acordo de vontades livre e voluntário. Para além de ser produto de
uma certa direcção da vontade das partes, cria obrigações unidas
por um nexo de correspectividade que têm como fonte não a lei, mas
o mútuo consenso dos contraentes. Quer isto dizer que os contra-
tos urbanísticos “não se podem limitar a estabelecer direitos e obri-
gações para as partes que já resultam previamente da lei”99. No
fundo, o contrato urbanístico haverá de estabelecer algo de novo,
segundo a vontade das partes, e não figurar apenas como uma forma
de “obter a sujeição dos particulares a obrigações decorrentes da
lei”100. Por essa razão, não considerarmos os contratos de enqua-
dramento de obrigações legais previstos no nosso direito positivo
como verdadeiros contratos urbanísticos, na medida em que as obri-
gações que emergem destes contratos têm como fonte a lei e não
a vontade das partes. A nossa legislação designa-os como contratos,
embora o “traço característico destes acordos não seja a liberdade
negocial, mas a adesão do particular a uma ou mais cláusulas conti-
das na lei”101. Por isso, parece-nos que a denominação correcta é a
de contratos de enquadramento de obrigações legais. É o que suce-
derá com a celebração do contrato de urbanização a que se refere o

99 MAGRI (2004: 560).


100 Ob. cit., loc. cit.
101 Ob. cit.: 564.
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 75

artigo 55.°, n.° 3, do RJUE, quando nesse contrato se estabelecerem


cláusulas que sejam uma mera reprodução das obrigações que,
designadamente, para o loteador resultam da lei (artigo 53.° do
RJUE) – v.g., realização das obras de urbanização de acordo com
os projectos aprovados e dentro do prazo fixado para a sua con-
clusão102.

d) Submetido a um regime substantivo de direito público

Sob ponto de vista material, o regime jurídico do contrato urba-


nístico apresenta-se como um regime substantivo de direito público.
Determinante para a administratividade do contrato urbanístico é,
portanto, a sua sujeição a um regime substantivo de direito público,
distinto do regime jurídico dos contratos de direito privado da
Administração. Em rigor, “trata-se de um regime jurídico que, na
sua essência, se caracteriza por conferir à entidade pública uma
posição de supremacia jurídica sobre o seu contratante: aquela enti-
dade fica pois investida de certos poderes públicos de autoridade
– por vezes designadas «prerrogativas exorbitantes» – que desigua-
lizam as posições em que as partes estão colocadas”103.
O regime especial do contrato administrativo, que confere à
Administração um leque de poderes públicos extra-contratuais, con-
firma, ao nível dos contratos, o princípio da prevalência do interesse
público. Atenta a realidade normativa (designadamente o CCP),
vários são os factores que, em concreto, permitem identificar a natu-

102 Sobre os deveres e os ónus jurídicos a cargo do requerente e beneficiá-


rio do licenciamento de operações de loteamento e obras de urbanização, ALVES
CORREIA (1993: 92 ss.). Já o mesmo não sucederá quando no contrato figurem,
especificamente, aspectos relativos ao incumprimento definitivo, mora e incum-
primento defeituoso ou ao modo de aplicação de sanções administrativas con-
tratuais.
103 PEDRO GONÇALVES (2003: 33).
76 Contratos Urbanísticos

reza administrativa do contrato urbanístico, à luz do artigo 1.° do


CCP. Com efeito, a compreensão do conceito de contrato adminis-
trativo104 não pode hoje abstrair-se de uma aproximação ao que a
este respeito dispõe o CCP. O ambicioso objectivo do legislador, que
o levou a incluir no Código mais que as normas exigidas pela trans-
posição das directivas comunitárias relativas à contratação pública,
conduziu à previsão de um regime – o constante da Parte III – apli-
cável a certos contratos da Administração: “os contratos públicos
que revestem a natureza de contrato administrativo”, para utili-
zarmos a terminologia acolhida pelo artigo 1.°, n.° 1. Ora, a simples
leitura desta norma aponta no sentido de que o CCP distingue clara-
mente dois tipos contratuais, embora louvando-se em critérios diver-
sos: o universo dos contratos públicos é identificado a partir daque-
les que se encontram sujeitos à Parte II (adoptando uma perspectiva
procedimental, ancorada no critério da concorrência, tão caro ao
direito comunitário); o âmbito do contrato administrativo é recor-
tado em função do regime substantivo de Direito Administrativo
(que, enquanto tal, pauta a “vida” do contrato). É por este motivo
que, embora a maioria105 dos contratos administrativos constituam
contratos públicos, estes últimos não se reconduzem, em exclusivo,
aos primeiros.
A aparente evidência desta conclusão comporta, porém, resul-
tados jurídicos não despiciendos: o reconhecimento do contrato
administrativo como figura autónoma, dotada de um regime jurídico
próprio, esclarece eventuais dúvidas sobre a sua sobrevivência e
impede qualquer unificação dos contratos de direito privado e dos
contratos administrativos sob a égide do conceito de contratos pú-

104 Sobre o regime do contrato administrativo no CCP, VIEIRA DE ANDRADE


(2008: 340 ss.).
105 Mas não a totalidade, visto que existem contraentes públicos que não

são entidades adjudicantes, como sucede com os referenciados no n.° 2 do


artigo 3.°. Chamando já a atenção para este ponto, PEDRO GONÇALVES (2007-B:
38, n. 10).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 77

blicos106. Esta distinção não impede, contudo, a existência de ele-


mentos aproximativos no regime jurídico de ambas as espécies: eis
o que sucede tendencialmente quanto ao procedimento de for-
mação dos contratos, aplicando-se as normas sobre «contratação
pública» indiferenciadamente a contratos de direito privado e con-
trato administrativo – consequência directa da apontada diversi-
dade de critérios.
Do n.° 6 do artigo 1.° do CCP decorre quais os elementos cons-
titutivos do conceito de contrato administrativo, sendo possível
distinguir entre elementos subjectivos e elementos objectivos ou fac-
tores de administratividade. Relativamente aos primeiros, só estare-
mos diante de um contrato administrativo se, pelo menos, uma das
partes for um dos contraentes públicos enunciados no artigo 3.°107.
Maior complexidade reveste a compreensão dos elementos objecti-
vos consagrados nas várias alíneas do n.° 6, que distingue, sucessi-
vamente, entre vários factores de administratividade: qualificação
legal [alínea a), I]; manifestação da vontade das partes [alínea a),
II]; carácter público do objecto imediato ou mediato [alínea b) e c)];
contratos que a lei submete ou admite que sejam submetidos a um
procedimento de formação regulado por normas de direito público
e em que a prestação do co-contratante possa condicionar ou substi-
tuir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente
público108.

106 Neste sentido, no âmbito do CCP, já se vem pronunciando parte da


doutrina – MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA (2007: 28 ss.); PEDRO GONÇALVES (2007-
-A: 37).
107 Atente-se, porém, que a alínea b) do n.° 1 do artigo 3.° associa um ele-

mento objectivo à identificação dos contraentes públicos, pois que, no caso das
entidades (de natureza pública ou privada) mencionadas no n.° 2 do artigo 2.°,
estas só constituirão contraentes públicos quando os contratos por si celebrados
sejam, por vontade das partes, qualificados como contratos administrativos ou
submetidos a um regime substantivo de direito público.
108 Aproximamo-nos, neste ponto, da posição de PEDRO GONÇALVES (2007-

-A: 38 ss.).
78 Contratos Urbanísticos

Atenta a heterogeneidade dos tipos contratuais incluídos no


conceito de contrato urbanístico, revela-se facilmente compreen-
sível que a natureza administrativa deste último não resulta da con-
vocação de apenas um dos factores mencionados, mas, pelo contrá-
rio, depende do concreto contrato que se está a analisar. Assim, v.g.,
o contrato de concessão do domínio municipal, previsto no artigo
47.° do RJUE, deve a sua natureza administrativa à expressa quali-
ficação legal, embora sempre se tivesse de entender como tal, em
virtude da natureza pública do respectivo objecto mediato (parti-
cularmente nítida quando se trate do domínio público municipal);
por sua vez, o contrato para planeamento consubstancia um contrato
administrativo, designadamente por se tratar de um contrato relativo
ao exercício de funções dos órgãos do contraente público (carácter
público do objecto contratual).
Ora, como principiámos por observar, a disciplina jurídica do
contrato administrativo encontra-se plasmada na Parte III, da qual
emerge uma “preferência de regulação das relações contratuais jurí-
dicas administrativas por um regime de direito administrativo”109.
Assumindo-se o contrato administrativo como fonte da relação ju-
rídica administrativa – que, nessa medida, será disciplinada, em
primeira linha, pelas cláusulas e demais elementos integrantes do
contrato (artigo 279.° do CCP) – o regime jurídico do contrato admi-
nistrativo é, por princípio, um regime substantivo de Direito Admi-
nistrativo: neste sentido, o artigo 280.° do CCP esclarece que o
regime dos contratos administrativo se pode encontrar plasmado em
lei especial (como sucede relativamente à maioria dos contratos
urbanísticos) ou, na falta ou insuficiência desta, pelas normas cons-
tantes da Parte III do CCP (que corporizam uma espécie de regime
geral do contrato administrativo); em tudo o que não estiver regu-
lado em lei especial ou na Parte III do CCP, serão sucessivamente
aplicáveis, a título subsidiário, os princípios gerais de Direito Admi-
nistrativo e, com as necessárias adaptações, as restantes normas de

109 PEDRO GONÇALVES (2008: 571).


O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 79

Direito Administrativo e, apenas num último nível, as disposições


constantes da lei civil, também com as necessárias adaptações.
O facto de os vários tipos de contratos urbanísticos se encon-
trarem disciplinados por lei especial aponta claramente no sentido
de que a figura contrato urbanístico não possui um regime jurídico
unitário, precisamente por englobar uma pluralidade de figuras con-
tratuais, dotadas de especificidades próprias, não subsumíveis na
mesma categoria de contrato administrativo. Por isso, sendo o con-
trato urbanístico uma figura marcada por uma acentuada hetero-
geneidade, já que nela estão reunidos vários tipos contratuais, a
questão de saber a que categoria de contrato administrativo perten-
cem os contratos urbanísticos não pode ser resolvida de forma gené-
rica, mas de acordo com o quid specificum de cada contrato. Umas
vezes, estarão em causa contratos de delegação de funções ou ser-
viços públicos, outras vezes contratos sobre o exercício de poderes
públicos, e, em certas hipóteses, inclusive, contratos de solicitação
de produtos e de serviços ao mercado.
Além disso, constituindo o contrato urbanístico um contrato
administrativo, como se comprova pelo facto de o recorte fisionó-
mico da disciplina daquele compartilhar traços de inequívoca seme-
lhança com o contrato administrativo em geral, pensamos que, den-
tro deste conceito, o contrato urbanístico se assume, quanto à sua
natureza jurídica, como um contrato administrativo especial110,
uma species do genus contrato administrativo.
Por fim, estando o contrato urbanístico submetido a um regime
substantivo de direito público, resta saber que implicações a nível
processual existem. Assim, por exemplo, a forma processual própria
para pedir a anulação de uma cláusula contratual ilegal não é a acção
administrativa especial (pedido de impugnação de acto adminis-
trativo – artigos 50.° ss. do CPTA), mas a acção administrativa
comum [pedido de invalidação de contrato – artigo 37.°, n.° 2, alí-

110 SIERRA (1996: 24-25); FERRANDIS (1998: 91); LÓPEZ RAMÓN (2007:

114); ARREDONDO GUTIÉRREZ (2003: 31, 39).


80 Contratos Urbanísticos

nea h), do CPTA], o que significa que haverá que observar as regras
especiais de legitimidade relativas a contratos previstas no artigo
40.° do CPTA111.

e) Tendo em vista disciplinar o regular exercício da actividade


urbanística

Sob ponto de vista teleológico, o contrato urbanístico confi-


gura-se como uma forma da acção administrativa que tem como fim
disciplinar o regular exercício da actividade urbanística. Na parte
final deste número teremos oportunidade de reflectir sobre a insufi-
ciência do critério teleológico como key element por si só definidor
do substrato de contrato urbanístico e que constitui a base ou o fun-
damento de uma concepção ampla de contrato urbanístico, que não
subscrevemos.
Em todo o caso, a importância deste elemento essencial (co-
mum à generalidade dos contratos urbanísticos) não é despicienda,
uma vez que nos permite identificar o corpus ou o elemento fáctico
subjacente a cada contrato. Este visa disciplinar aspectos que se
inserem sempre no contexto da actividade urbanística globalmente
considerada. Sendo assim, a questão que se coloca é a de saber o que
se deve entender por actividade urbanística.
De um modo geral, a actividade urbanística engloba as tarefas
jurídico-públicas de planeamento e de gestão urbanística. Prima
facie, a actividade de planeamento significa a actividade desenvol-
vida pelos órgãos administrativos do Estado, das Regiões Autóno-
mas e dos Municípios, traduzida na elaboração e aprovação de ins-
trumentos de gestão territorial, de acordo com o quadro normativo
estabelecido pelo legislador.
Com efeito, o plano urbanístico constitui um instrumento es-
sencial da acção administrativa, que assenta numa “programação e

111 Para mais desenvolvimentos, VIEIRA DE ANDRADE (2007: 190 ss.).


O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 81

coordenação de decisões administrativas individuais com incidên-


cia na ocupação do solo”112. O plano é, assim, considerado como
“o eixo em torno do qual gira a disciplina do urbanismo”113, o “nú-
cleo central ou o instituto fundamental de todo o Direito do Urba-
nismo”114.
Mas o planeamento municipal, enquanto processo de elabora-
ção complexa, não se esgota apenas na mera aprovação de um con-
creto instrumento de gestão territorial. O planeamento é uma activi-
dade que tem como fim a emanação de um plano, ao passo que este
é o produto da referida actividade. Como sublinha ALVES CORREIA,
“o vocábulo planificação expressa, assim, uma ideia de acção, de
procedimento, enquanto o plano é algo que concretiza, que espelha
o resultado do procedimento de planificação ou de planeamento”.
Com efeito, é concebível “a continuação da planificação ou do pla-
neamento, após a aprovação do plano (o que atesta a negação do
carácter rígido e imutável do plano)”115. Para exprimir esta última
ideia é utilizada a expressão “planificação contínua, com o signi-
ficado de que a actividade de planificação é perspectivada como
um processo complexo, que compreende também a gestão, processo
esse que, por sua vez, é concebido como um processo contínuo,
que exige um eficiente sistema de acompanhamento e monitoriza-
ção”116. Este conceito, também designado por plano-processo117,
comprova que a actividade de planeamento diz respeito não só à ela-
boração de planos, mas também à sua execução e monitorização,
devendo, portanto, ser vista como um todo unitário e congruente,
uma vez que integra uma pluralidade de etapas sucessivas e articu-
ladas segundo determinados princípios.

112 Sobre a concepção e as funções do plano urbanístico, ALVES CORREIA


(2008: 363-369).
113 GÓMEZ LOBATO (1989: 47); RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 45).
114 ALVES CORREIA (2008: 355).
115 Ob. cit.: 346-347.
116 Ob. cit.: 347.
117 PEREIRA (1990: 12).
82 Contratos Urbanísticos

Por sua vez, a actividade de gestão urbanística abrange “não


apenas a actividade de execução dos planos urbanísticos”, “mas
igualmente todas as actividades relacionadas com a ocupação, uso e
transformação do solo, quer sejam realizadas sob a direcção, pro-
moção, coordenação ou controlo daquela, não enquadradas no con-
texto específico da execução de um plano urbanístico”118. Significa
isto que os conceitos de gestão urbanística e de execução dos pla-
nos não são inteiramente coincidentes. A “execução das prescrições
dos planos integra-se no âmbito da gestão urbanística, constituindo
o conteúdo normal e institucionalmente mais relevante desta. Mas o
conceito de gestão urbanística é mais amplo do que o de execução
dos planos urbanísticos”119. Pode haver gestão urbanística, sem que
haja, simultaneamente, execução de planos: tal sucederá sempre que
não exista plano urbanístico para executar.
Um exemplo concreto de um acto administrativo de gestão
urbanística, sem que seja simultaneamente um acto administrativo
de execução de um plano urbanístico, encontra-se no artigo 42.° do
RJUE, cujo n.° 1 determina que o licenciamento de operação de
loteamento que se realize em área não abrangida por qualquer
plano municipal de ordenamento do território está sujeito a parecer
prévio favorável da CCDR – o qual, de harmonia com o que dispõe
o n.° 2 do mesmo preceito, se destina a “avaliar a operação de lotea-
mento do ponto de vista do ordenamento do território e a verificar a
sua articulação com os instrumentos de desenvolvimento territorial
previstos na lei”.
Tendo em conta, porém, que a totalidade dos municípios do
Continente dispõe de planos directores municipais (e vários deles
de planos de urbanização e de pormenor) e, bem assim, que a
LBPOTU e o RJIGT contêm a disciplina jurídica da execução dos
planos municipais, entendendo esta actividade como a actividade
normal de gestão urbanística, pode concluir-se que, actualmente,

118 ALVES CORREIA (1993: 65).


119 Ob. cit.: 64.
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 83

a parte mais relevante da gestão urbanística é a que corresponde à


execução dos planos.

Em conclusão, sabendo que toda a noção deve ter em conta as


características essenciais do regime jurídico que pretende exprimir,
entendemos que o contrato urbanístico é um acordo de vontades
juridicamente vinculativo celebrado entre dois ou mais sujeitos de
direito, sendo um deles necessariamente um membro da Adminis-
tração Pública que age nessa qualidade (enquanto tal), submetido
a um regime substantivo de direito público, que tem em vista disci-
plinar o regular exercício da actividade urbanística.
Não obstante a multiplicidade de figuras contratuais de recorte
variado e natureza diversa que existem no domínio do Direito do
Urbanismo, verdadeiramente, este conceito estrito de contrato urba-
nístico reúne as principais características que julgamos que este ins-
tituto apresenta quando uma entidade pública recorre ao mesmo
com o fim de realizar as atribuições urbanísticas que estiverem a seu
cargo – v.g., artigos 6.°-A, 124.°, n.° 2, e 131.°, n.os 6 e 8, do RJIGT,
artigos 24.°, n.° 2, alínea b), e n.° 5, e 25.°, n.os 1, 3 e 6, e 46.° e 47.°,
do RJUE.
Sob ponto de vista dogmático, é, também, possível conceber
um conceito amplo de contrato urbanístico. À luz desta concepção,
contrato urbanístico seria todo e qualquer contrato com fins urba-
nísticos. Isto significa que, independentemente da sua natureza e da
identidade dos contraentes, qualquer contrato que tenha como fim
precípuo influenciar o regular exercício da função urbanística ou
que verse sobre matéria urbanística será sempre concebido como
um contrato urbanístico. Trata-se de um conceito que faz depender
a natureza urbanística de um contrato da acentuação da teleologia
imanente ao mesmo.
A excessiva amplitude desta noção de contrato urbanístico
torna-a, em termos práticos, um conceito meramente de construção,
formal e insusceptível de nos oferecer um instrumento operativo que
o jurista possa mobilizar para a resolução de casos jurídicos deci-
84 Contratos Urbanísticos

dendos e com um lugar próprio na arquitectura da contratação


pública actual. Veja-se o caso de um contrato, claramente de natu-
reza jurídico-privada, celebrado exclusivamente entre dois parti-
culares no âmbito do sistema de compensação, que seria consi-
derado contrato urbanístico apenas em resultado de incidir sobre
matéria urbanística (artigo 122.°, n.° 2, do RJIGT).
Por isso, entendemos que, dentro do conceito genérico de con-
trato com fins urbanísticos, há que autonomizar uma outra catego-
ria, mais estrita – o contrato urbanístico –, que abrange apenas os
contratos que comungam dos elementos essenciais que expusemos.

2. A Contratação Urbanística no Direito Comparado

Uma vez delineado o conceito de contrato urbanístico, impõe-


-se fazer um rápido excurso pelo direito comparado, com o objec-
tivo de determinar o sentido da contratação urbanística no âmbito
de experiências jurídicas próximas da nossa. Com efeito, os ensina-
mentos colhidos no direito comparado permitir-nos-ão obter uma
adequada percepção da diversidade de formas, objectivos e regimes
próprios dos contratos urbanísticos. Assim, um rápido excurso pelos
ordenamentos jurídicos italiano, inglês, espanhol e alemão120 reve-

120 Para efeitos de equilíbrio da nossa exposição, optámos por não desen-
volver a parte relativa ao Direito do Urbanismo francês, uma vez que este se apre-
senta como o ordenamento mais restritivo ao fenómeno da contratação urbanís-
tica, especialmente do contrato para planeamento. No Direito do Urbanismo
francês, o procedimento contratual é aceite sem reservas, no âmbito do “urba-
nismo operativo”, isto é, no domínio das acções ou operações urbanísticas
(actions ou opérations d’aménagement), as quais designam o conjunto dos actos
dos entes públicos locais ou dos institutos públicos de cooperação intermunicipal
que visam conduzir e autorizar as acções ou operações definidas no artigo L.300-
-1 do Code de l’Urbanisme e assegurar a sua harmonização. Os objectivos das
acções ou operações urbanísticas enumeradas no referido preceito do Código do
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 85

lar-nos-á concepções diferentes no que tange à contratação urbanís-


tica e no alcance da mesma no horizonte do direito positivo.

2.1. Direito Italiano

De acordo com o artigo 117.° da Constituição Italiana, o qual


elenca as matérias de competência legislativa exclusiva do Estado e
as matérias de competência legislativa concorrente do Estado e das

Urbanismo são a execução de “um projecto urbano” e de uma política local de


habitação, a organização da manutenção, da execução e do acolhimento de acti-
vidades económicas, o favorecimento do desenvolvimento dos equipamentos de
lazer e de turismo, a construção de equipamentos colectivos, a luta contra a insa-
lubridade, a promoção da “renovação urbana”e a salvaguarda e valorização do
património construído e não construído e dos espaços naturais – LARMOLETTE/
/MORENO (2008: 235-237) e JACQUOT/PRIET (2006: 451-455).
É, neste contexto, que, por exemplo, o artigo L.300-4 daquele Código prevê
a possibilidade do Estado e os entes públicos territoriais, bem como os institutos
públicos por eles criados, conceder a realização das operações urbanísticas a qual-
quer pessoa que para isso tenha vocação, devendo a atribuição da concessão ser
submetida pelo concedente “a um procedimento de publicidade que permita a apre-
sentação de várias ofertas concorrentes” – LARMOLETTE/MORENO (2008: 241-244).
Diversamente, são muitas as reticências do direito francês para admitir a
figura do contrato no “urbanismo regulamentar”, ou seja, no campo da definição
de regras urbanísticas, incluindo a elaboração, alteração ou revisão de planos.
Esta reticência, de origem jurisprudencial, inspira-se na tradição do direito fran-
cês, segundo a qual “a autoridade de polícia não pode recorrer ao procedimento
contratual”, sendo, por isso, interditos, neste domínio, “os pactos sobre decisões
futuras”.
A mesma pode ser atenuada pela lei, mas, como sublinha FRIER, P.-L., só o
poderá fazer em certas condições, respeitando sempre as exigências do princípio
constitucional da igualdade, de modo a impedir a opacidade dos procedimentos e
o favorecimento indevido de certos particulares – FRIER, P.-L. (2005: 13-15).
Todavia, não se encontra no ordenamento jurídico urbanístico francês qualquer
norma legal habilitadora de uma negociação pela Administração com os parti-
culares do conteúdo de um plano urbanístico em curso de elaboração, alteração ou
revisão.
86 Contratos Urbanísticos

Regiões, cabe a estas últimas o poder de legislar, em concorrência


com o Estado, sobre as matérias de “governo de território” (expres-
são que veio substituir o termo urbanismo), salvo a determinação
dos princípios fundamentais, que é reservada à legislação estadual.
Este preceito, em vez de enumerar as matérias de competência legis-
lativa regional – como sucedia anteriormente –, passou a indicar as
matérias de competência legislativa estatal (sistema típico dos Esta-
dos Federais).
O sistema tradicional da planificação urbanística italiana insti-
tuído pela Lei Geral Urbanística de 1942, Legge n.° 1150, ainda em
vigor, criou um modelo de planeamento fortemente hierarquizado,
que articula vários planos urbanísticos a partir de níveis diferen-
ciados. A este propósito, fala-se de uma sequenza gradualista121 de
planos, de uma arquitectura institucional “a piramide rovesciata”122,
nos termos da qual os planos de nível superior vinculam os planos
de nível inferior à observância das suas prescrições, não se admi-
tindo, portanto, soluções flexíveis ou mitigadas nas relações entre
normas dos planos. Este rígido sistema coloca no vértice da pirâ-
mide os Piani Territoriale di Coordinamento, a nível intermédio os
Piani Comunali [Piano Regolatore Generale (doravante, PRG),
Programma di Fabbricazione, Piano Intercomunale] e na sua base
os Piani Attuativi (Piano Particolareggiati di Esecuzione), que con-
têm prescrições mais detalhadas das previsões dos PRG123.
A Lei Geral de 1942, “que introduziu sobre todo o território
nacional o sistema dos planos urbanísticos”124, já sofreu diversas
alterações, entre as quais se destaca a produzida pela Lei n.° 765/
/1967, denominada Legge Ponte (pois seria a ponte normativa de
passagem para uma nova lei urbanística geral nunca aprovada), que
introduziu modificações profundas, p.ex, as convenzioni di lottizza-

121 SALVIA (2008: 33).


122 ASSINI/MANTINI (2007: 360).
123 SALVIA (2008: 34).
124 CIVITARESE/URBANI (2000: 43).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 87

zioni, os standards urbanistici generali como limitações à acti-


vidade de construção, a obrigatoriedade de aplicação de misure di
salvaguardia na presença de um novo instrumento urbanístico, a
realização de opere di urbanizzazione primaria como condição para
a concessão de licença de construção etc. Além daquela, outras leis
incidiram, directa ou indirectamente, sobre normas e institutos pre-
vistos pela Lei de 1942: é o caso da Lei n.° 847/1964, relativa à defi-
nição de obras de urbanização, da Lei n.° 1187/1968, que prevê a
obrigação do PRG considerar a totalidade do território municipal, da
Lei n.° 47/1985, respeitante à simplificação dos procedimentos de
planificação urbanística municipal, da Lei n.° 142/1990, de reforma
das autonomie locali, da Lei n.° 136/1999, que introduz uma nova
disciplina para os PRG e para os planos de execução, etc.125.
No campo da organização administrativa do urbanismo, a evo-
lução institucional verificada ao longo das últimas décadas produziu
uma “autêntica diáspora”126 de atribuições e competências das enti-
dades, órgãos e serviços com funções urbanísticas, falando-se, por
isso, de um “sistema di pianificazione multilivello”127. Ao Estado
cumpre arquitectar as linhas fundamentais do ordenamento do terri-
tório nacional, sendo essa tarefa repartida por vários Ministérios,
como o Ministerio delle Infrastrutture, o Ministerio dei Transporti
[estes dois últimos sucederam ao antigo Ministerio dei Lavori Pub-
blici], o Ministerio dell’Ambiente e della tutela del Territorio e del
Mare e o Ministerio per i Beni e le Attività Culturali128.
A nível regional, o poder legislativo é, em regra, exercido pelo
Consiglio Regionale e o poder administrativo pela Giunta Regio-

125 Para uma análise do corpus normativo estatal do Direito do Urbanismo

e do elenco de alterações à Lei de 1942, CIVITARESE/URBANI (2000: 44).


126 ASSINI/MANTINI (2007: 289).
127 SALVIA (2008: 107). Segundo SALVIA (2008: 43), “os problemas organi-

zativos tornaram-se mais complexos a partir da instituição das Regioni” e, poste-


riormente, da “atribuição de funções urbanísticas às Province e às Città Metropo-
litane”.
128 ASSINI/MANTINI (2007: 289).
88 Contratos Urbanísticos

nale, pelo Consiglio Regionale e por departamenti e servizi buro-


cratici. As funções que as Regioni desempenham são de dois tipos:
funzione di direzione e controllo, dirigida a uma heterocoordena-
ção dos sujeitos públicos que agem no âmbito regional (province,
comuni), e funzione precettiva, através da qual são emanadas as
prescrições urbanísticas a observar no território regional. A pri-
meira, também designada funzione di indirizzo, é exercida, essen-
cialmente, pela via do Piano Territoriale Regionale, instrumento de
planeamento existente em quase todas as regiões italianas, as quais
disciplinam autonomamente as relações com os entes provinciais.
O Piano Territoriale Regionale é um plano de coordinamento di
area vasta, que interliga as políticas gerais e regionais, com refe-
rência aos mais importantes destinos do uso do solo (zonas indus-
triais, empreendimentos turísticos, zonas de preservação) e às gran-
des infra-estruturas (auto-estradas, aeroportos). Ao contrário dos
nossos PROT, são “planos de directivas, mas não apenas de directi-
vas”129, uma vez que algumas das suas disposições incidem directa-
mente sobre a esfera jurídica dos particulares. Além disso, numa
lógica de reductio ad unum, tendem a unificar a planificação urba-
nística e a planificação paisagístico-ambiental130. Já no exercício
da função perceptiva, a região não se limita a ditar linhas e critérios
de orientação, antes cria prescrições urbanísticas conformativas do
território e da propriedade, podendo, para tanto, aprovar planos ter-
ritoriais com finalidades específicas – v.g., piano regolatore per le
aree e i nuclei di sviluppo industriale, piani di bacino, piano pae-
sistico, piani dei parchi nazionali131.
No livello provinciale, as Province gozam, desde a Lei n.° 142/
/1990 – Legge di riforma delle autonomie locali –, de competências

129 SALVIA (2008:59).


130 Hoje, fala-se, inclusive, de uma nova tipologia de plano: o Piano Urba-
nistico Territoriale com specifica considerazione dei valori paisistici ed ambien-
tali, que unifica as prescrições urbanísticas e ambientais – SALVIA (2008:59).
131 CIVITARESE/URBANI (2000:109).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 89

programatórias e de coordenação da planificação urbanística muni-


cipal, sendo a sua principal incumbência aprovar o Piano Territo-
riale di Coordinamento Provinciale (aprovado pela Provincia, mas
sempre com a participação das Comuni na sua elaboração). Este
plano é de importância capital, uma vez que estabelece “as orien-
tações que devem ser adequadas à conformação dos usos do solo a
nível municipal”132, incidindo sobre a planificação municipal pri-
mária com efeitos (directos ou reflexos) sobre os interesses dos pro-
prietários133.
Por outro lado, prevêem-se para os territórios delimitados por
Aree Metropolitane dois níveis administrativos: a Città Metropo-
litana, constituída por municípios ligados entre si por um nexo de
continuidade territorial, e as Comuni, situadas no interior da área
metropolitana. Ainda que as relações entre estes dois entes variem
de região para região, é possível afirmar que, em regra, algumas fun-
ções anteriormente confiadas aos municípios não só no âmbito da
planificação territorial e da defesa dos solos, mas também no domí-
nio dos transportes e das redes rodoviárias, possam ser atribuídas
à cidade metropolitana, quando possuam carácter supramunicipal e
devam, por razões de eficiência, ser desenvolvidas de forma coor-
denada na área metropolitana134. Além disso, a cidade metropoli-
tana, enquanto “autorità di area vasta”, pode aprovar um Piano di
Coordinamento Metropolitano que, frequentemente, tende a absor-
ver o PRG municipal135.

132 ASSINI/MANTINI (2007:303).


133 Não se deve confundir este plano com o Piano Territoriale di Coordi-
namento previsto na Lei Geral de 1942, o qual também abrange áreas vastas, mas
é um plano de directivas, elaborado e aprovado a nível ministerial, de adopção
facultativa, supra-ordenado aos instrumentos de planeamento municipais, que
coordena e orienta as soluções urbanísticas desses planos, designadamente atra-
vés da identificação de zonas reservadas para certos destinos específicos e das
limitações legais à construção. CIVITARESE/URBANI (2000: 53).
134 SALVIA (2008: 61).
135 Daí que, hoje, a doutrina entenda que “os poderes urbanísticos dos muni-

cípios compreendidos nas áreas metropolitanas se tenham degradado a uma fun-


90 Contratos Urbanísticos

Por seu turno, o Município assume-se, historicamente, como o


protagonista do Direito do Urbanismo, sendo o titular das principais
funções estritamente “urbanistico-edilizie”, relativas quer à confor-
mação e gestão do território, quer ao controlo do uso dos solos136.
Tais funções são repartidas entre o Consiglio Comunale, a Giunta
Comunale e o Dirigente. Ao Consiglio, órgão fundamental do “indi-
rizzo” político-administrativo do município, cabe, em geral, emanar
prescrições urbanísticas, aprovar os planos urbanísticos, programar
a sua execução e elaborar programas de obras públicas. Já a Giunta
não adopta planos urbanísticos, mas é no seio desta que, frequente-
mente, são feitas as propostas dos planos que serão apresentadas ao
Consiglio para adopção, bem como a discussão da maioria dos con-
tratos urbanísticos. Refira-se, ainda, que o Dirigente exerce a função
de controlo dos solos, concedendo permissi edilizie e fiscalizando os
“abusi edilizi”, podendo para tanto aplicar sanções.
No âmbito municipal, o sistema italiano de planeamento urba-
nístico estabelece uma distinção básica entre os instrumentos de
planificação gerais [strumenti di programmazione generale] e os
instrumentos de execução [strumenti di attuazione]. Os primeiros
são constituídos pelo piano regolatore generale (PRG) e pelo pro-
gramma di fabbricazione. Este é um instrumento de planificação
simplificado, destinado às comuni minori que não estão obrigadas
a adoptar um PRG. Já o PRG é um plano dotado de eficácia pluri-
subjectiva, que abrange a totalidade do território municipal, e o seu
conteúdo típico compreende a localização de áreas destinadas a
obras e equipamentos públicos, a divisão do espaço municipal em
zonas (zonamento) e a identificação do seu destino, a indicação do
património cultural e ambiental, bem como a individualização das
áreas a requalificar137. Note-se que os mesmos são adoptados pelos

ção mais circunscrita de execução” – SALVIA (2008: 61). No mesmo sentido, CIVI-
TARESE/URBANI (2000: 113).
136 CIVITARESE/URBANI (2000: 114).
137 SALVIA (2008: 67 ss.); ASSINI/MANTINI (2007: 359 ss.).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 91

municípios (Consiglio Comunale), mas são as regiões que os apro-


vam (podendo estas confiar essa tarefa às províncias ou até aos pró-
prios municípios). Ainda que o PRG possa ser executado directa-
mente sem mediação de um piano attuativo, em regra, é o piano
particolareggiato que executa as previsões do PRG. Para além
deste, existem outros instrumentos de execução do PRG, tais como
o piano convenzionato di lottizzazione, o piano per l’edilizia econo-
mica e popolare, o piano per gli insediamenti produttivi, o piano di
recupero ad iniziativa pubblica138.
Ora, é, precisamente, neste quadro institucional que tem evo-
luído, desde a década de 60, a urbanistica contrattata, quer dizer,
a “tendência para disciplinar o urbanismo por contrato”139. Entre a
doutrina italiana, é unânime a aceitação de que foi, sobretudo, “no
domínio do urbanismo que se afirmou a «contratualização da activi-
dade administrativa»”140. De facto, “o artigo 8.° da Lei n.° 765/1967
codificou a «urbanistica contrattata» na fase de execução dos planos
reguladores gerais”141. Este conceito convoca uma teia de “relações
de concertação, expressas em obrigações formalmente assumidas
por actores, públicos e privados, frequentemente, definidas como
pacto, contrato ou acordo urbanístico”142. Tais figuras contratuais,
correntemente designadas convenzioni urbanistiche, accordi di pia-
nificazione ou accordi in materia urbanistica, podem ser celebradas
“tanto nas relações entre entes administrativos, como nas relações
entre a Administração Pública e os particulares”143.

138 PARENTE (2007: 187).


139 BARBANENTE (2007: 24).
140 BORELLA (1998: 420); PUGLIESE (1971: 1469).
141 BORELLA (1998: 420).
142 BARBANENTE (2007: 24). Já segundo MANGINI (2007: 278), “a urbanis-

tica contrattata situa-se no âmbito de uma governance pluralística, municipal e


desierarquizada, através da qual a Administração procura definir um ordenamento
urbanístico com base em acordos com privados”.
143 URBANI (2000: 222). As convenzioni urbanistiche celebradas entre a

Administração e os particulares integram-se no artigo 11.° da Lei n.° 241/1990


92 Contratos Urbanísticos

As primeiras convenzioni urbanistiche que assumiram destaque


na literatura jurídica italiana foram as convenzioni di lottizzazione,
previstas no artigo 28.° da Lei Geral Urbanística, na versão da Lei
n.° 765/1967144. Esta lei veio admitir, inovadoramente, que “uma
certa organização conformadora do território municipal fosse, de
facto, estabelecida através de uma relação consensual com os priva-
dos”145. Através destes contratos, os proprietários ou os promotores
imobiliários podem propor um plano de ordenamento urbanístico de
uma certa área à Administração municipal. São levadas a cabo uma
série de negociações (trattative) que têm em vista alcançar um con-
senso entre ambas as partes relativamente ao modelo de organização
do território daquela área. Atingido esse consenso, os particulares
assumem uma série de obrigações relativas à realização de obras de
urbanização, operando-se uma transferência para os mesmos dos
encargos de urbanização daquelas áreas. Aprovado o piano conven-
zionato di lottizzazione, ele funciona como um instrumento urbanís-
tico de execução alternativo ao piano particolareggiato, o que sig-
nifica que estamos perante um plano contratualizado ou que foi
objecto de contratualização com os actores privados e que funciona

– Legge sul procedimento amministrativo –, enquanto os accordi tra amministra-


zioni cabem no artigo 15.° da mesma lei. Estes últimos, subespécie dos accordi
organizativi, reconduzem-se a accordi di programma [previstos, in generale, no
artigo 27.° da Lei n.° 142/1990], os quais, em geral, articulam acções administra-
tivas conjuntas, designadamente dos municípios, das províncias, das regiões ou da
Administração estadual e têm em vista a definição, financiamento e execução de
obras públicas ou a construção de infra-estruturas. No plano específico da urba-
nistica contrattata, interessam-nos, sobretudo, os accordi di programma aventi
ad oggetto atti di pianificazione urbanistica ou accordi di pianificazione, previs-
tos, pex, no artigo 14.° da Lei Regional n.° 6/1995, de Emilia Romagna, e que são
celebrados nos casos em que seja necessária uma acção coordenada de vários
sujeitos públicos, tendo em vista definir ou alterar actos de programação ou de
planificação atribuídos pela referida lei regional à competência de diversas enti-
dades administrativas – CIVITARESE/URBANI (2000: 352).
144 CIVITARESE (1999: 170-174).
145 CIVITARESE/URBANI (2000: 246).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 93

como piano attuativo do PRG, razão pela qual a doutrina afirma que
o “piano di lottizzazione representa o primeiro exemplo histórico de
contratação para planeamento”146.
Para além destas, encontramos, no ordenamento urbanístico ita-
liano, convenzioni per l’edilizia residenziale pubblica [artigo 35.°
da Lei n.° 865/1971], convenzioni per gli insediamenti produttivi
[artigo 27.° da Lei n.° 865/1971], convenzioni per la realizzazione
diretta delle opere di urbanizzazione in luogo del pagamento degli
oneri della concessione edilizia [artigo 14.° da Lei n.° 10/1977],
convenzioni relative ai piani di recupero [art. 30.° da Lei n.° 457/
/1978], convenzioni relative al recupero degli insediamenti abusivi
[artigo 29.° da Lei n.° 47/1985], convenzioni per i parcheggi [artigo
11.° da Lei n.° 122/1989], convenzioni di scambio edificatori
(“oppure di concessione di diritti edificatori in cambio di opere di
urbanizzazione”) [artigo 16.° da Lei n.° 179/1992], convenzioni di
concessione edilizia [artigo 2.° da Lei n.° 662/1996], patti territo-
riali [artigo 8.° da Lei n.° 662/1996]. Igualmente, no âmbito contra-
tual, existem programmi integrati di interventi [artigo 16.° da Lei
n.° 179/1992], que conduzem à conclusão de convenzioni di con-
cessione di diritti edificatori in cambio di opere di urbanizzazione
e programi di recupero urbano [artigo 11.° da Lei n.° 493/1993],
que implicam a celebração de convenzioni urbanistiche di recupero.
Com efeito, em resultado da consagração de uma multiplicidade de
figuras contratuais no Direito do Urbanismo italiano, grande parte
da doutrina considera que “o movimento de linha central do sistema
de planificação territorial de uma conformação autoritária para uma
configuração consensual pode considerar-se uma directriz consoli-
dada no quadro da tendência da política italiana de descentralização
administrativa”147.
Em geral, pode afirmar-se que “o contrato tornou-se um instru-
mento e uma regra da planificação urbanística, intervindo não só a

146 SALVIA (2008: 107).


147 PARENTE (2007: 181).
94 Contratos Urbanísticos

valle (a jusante) do processo de planificação, quer dizer, na fase ope-


rativa ou de execução, mas também a monte (a montante) desse
mesmo processo, isto é, na fase decisória”148. No primeiro caso, es-
tamos perante contratos que se subsumem na categoria mais ampla
dos contratos de gestão urbanística [convenzioni attuative, conven-
zioni di edilizia, accordi di perequazioni, accordi di compensazioni
etc.], os quais, segundo URBANI, “não levantam quaisquer proble-
mas, na medida em que as decisões foram já tomadas anteriormente
pela Administração através da fixação unilateral das prescrições
urbanísticas”, estando, por isso, “o conteúdo do acordo já predeter-
minado pelo plano” [le regole sono già fissate]149. Já no segundo
caso, a procura do consenso entre a Administração e os particulares
é feita ainda no âmbito do procedimento de planificação, razão pela
qual esses contratos se designam contratos para planeamento ou
accordi sulle prescrizioni urbanistiche o procedimentali [accordi di
scambio, accordi ad evidenza pubblica, accordi premiali]150. Assim,

148 SEBASTIANELLI (2006: 2).


149 URBANI (2005-A: 224), URBANI (2005-B: 2).
150 “Na sequência da passagem de uma «urbanistica per provvedimenti»

para uma «urbanistica per accordi», a Lei n.° 241/1990 introduziu no ordena-
mento italiano o princípio do recurso aos acordos interadministrativos [artigo
15.°] e aos acordos entre a Administração e os privados [artigo 11.°] ” – URBANI
(2005-C: 2). Os accordi sulle prescrizioni urbanistiche integram-se no artigo 11.°
daquela Lei [l’amministrazione procedente può concludere, senza pregiudizio dei
diritti dei terzi, e in ogni caso nel perseguimento del pubblico interesse, accordi
con gli interessati al fine di determinare il contenuto discrezionale del provvedi-
mento finale ovvero, nei casi previsti dalla legge, in sostituzione di questo – artigo
11.°, n.° 1] e podem ser accordi procedimentali, rectius, acordos em que a Admi-
nistração se compromete a tomar ou a não tomar uma determinada decisão com
um certo conteúdo (assim sucede com os casos em que o município apenas con-
cede a licença de construção em áreas desprovidas de obras de urbanização pri-
mária, depois da celebração de um acordo com o particular para a sua realização)
ou accordi sostitutivi, isto é, acordos que substituem actos administrativos (o caso
do acordo de cedência de bens imóveis substitutivo do acto de expropriação dos
mesmos). Note-se que a Lei n.° 241/1990 foi alterada pela Lei n.° 15/2005, que
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 95

na chamada fissazione negoziata delle prescrizioni urbanistiche,


os actores privados estão directamente envolvidos na fase criativa
das opções urbanísticas do território e, por essa razão, tais acordos
têm que ser ratificados pelo Consiglio Comunale para constituírem
fonte de obrigações151. No fundo, nas palavras de URBANI, “trata-se
de uma co-determinação público-privada das decisões urbanísticas a
montante das normas vigentes do plano, acordadas em função da
modificação das decisões existentes”152.
Todavia, algumas experiências legislativas regionais [Toscana,
artigo 24.° da Lei n.° 5/1995, Basilicata, artigo 14.° da Lei n.° 23/
/1999, Emilia Romagna, artigo 28.° da Lei n.° 20/2000, Calabria,
artigo 20.° da Lei n.° 19/2002] conduziram, nos últimos anos, a uma
alteração no modelo de plano urbanístico municipal. Na verdade, a
acentuação do carácter estratégico do planeamento municipal es-
teve na base da criação de um novo modelo de plano – o piano strut-
turale –, que deverá substituir o piano regolatore generale, com o
qual se pretende uma planificação mais elástica e menos conflitual,
orientada para a definição das grandes opções fundamentais (inva-
rianti) do território. Este plano desempenha as seguintes funções:
uma função estratégica (que é a de constituir um guia para o con-
junto dos actos planificatórios ulteriores do município); a de indi-
vidualizar as partes do território destinadas a ser preservadas de
transformações substanciais; e a de indicar as áreas destinadas à
tranformação. Quanto a esta última função, o plano estrutural não
poderá impor, ao contrário do que sucede com o piano regolatore
generale, vínculos precisos de localização sobre propriedades sin-
gulares, antes deverá limitar-se a indicar critérios-guia, a desen-
volver e a densificar num segundo momento (piano operativo)153.

apenas adicionou o §4-bis ao artigo 11.°, no sentido de reforço da transparência e


da publicidade de tais acordos.
151 CIVITARESE (1999: 166); PUGLIESE (1999: 73).
152 URBANI (2000: 224).
153 SALVIA (2008: 88-90).
96 Contratos Urbanísticos

Assim, não se ditam específicas destinações dos solos, nem se de-


fine o conteúdo da propriedade: a lógica é a de “se non ti prometto
niente, non puoi pretendere niente”154. Ao invés, o plano estrutural
individualiza estratégias, objectivos, finalidades, “invarianti”, “sal-
vaguardie”, os quais são mais compromissos da Administração do
que obrigações dos privados.
Enquanto a conformação do território é tarefa do plano estru-
tural, a conformação das propriedades singulares é realizada pelo
plano operativo. Este, dotado de enorme elasticidade e flexibilidade
em resultado da “reduzida massa prescritiva” do plano estrutural,
determina quais as áreas sujeitas a transformação urbana, abrindo,
assim, amplos espaços para a contratualização. Neste sentido, o ar-
tigo 18.° da Lei Regional n.° 20/2000 da Região, de Emilia Ro-
magna, “generalizou de modo explícito a possibilidade dos entes
locais concluírem acordos com os particulares nos procedimentos de
planificação”155, introduzindo, no âmbito do planeamento urbanís-
tico municipal, uma figura contratual especial designada accordo
integrativo di provvedimento156 ou “acordo com os particulares na
formação do conteúdo discricionário da planificação”157, que cor-
responde ao contrato para planeamento objecto da nossa inves-
tigação. Estes contratos, também denominados accordi di piani-
ficazione, estão, por força do artigo 30.°, §10 da mencionada Lei,
sujeitos a concurso público, dando, assim, efectivo cumprimento ao
princípio da concorrência. O artigo 18.°, preceito normativo que já
gerou acessos debates doutrinais, tem o seu campo de aplicação por
excelência no âmbito do plano operativo municipal, bem como no
domínio dos planos de execução, sendo amplamente discutida a pos-
sibilidade de o contrato ter como objecto o plano estrutural, já que
este versa sobre aspectos gerais ou estratégicos da planificação do

154 URBANI (2000: 66).


155 MAGRI (2004: 539, nota).
156 Ob. cit.: 540.
157 ASSESSORATO (2004: 4).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 97

território municipal158. De qualquer modo, independentemente da


concepção que se perfilhe, certo é que o artigo 18.° instituiu, como
figura geral, “um acordo que consubstancia uma forma nova de par-
ticipação dos privados na determinação das escolhas do ordena-
mento do território”159.
Em suma, URBANI qualifica o actual Direito do Urbanismo ita-
liano como um Direito do Urbanismo “consensual, caracterizado
por uma co-determinação público-privada do ordenamento urba-
nístico, a qual se manifesta [inter alia] na celebração de «acordos
procedimentais sobre o conteúdo da planificação urbanística», no
recurso a «módulos contratuais no domínio da execução da planifi-
cação urbanística» e na existência de uma verdadeira «co-planifica-
ção entre poderes públicos»”160. Nas certeiras palavras de NIGRO,
assiste-se, no ordenamento italiano, a uma “programmazione con-
cordata dell’assetto urbano e l’attuazione ne anch’essa concordata di
tale programmazione”161.

2.2. Direito Inglês

As especificidades características do sistema inglês162 (o plan-


led system163) – de matriz essencialmente diversa dos ordenamentos

158 Em sentido afirmativo, MAGRI (2004: 543 ss.); em sentido negativo


CUGURRA (2005: 159).
159 ASSESSORATO (2004: 7).
160 URBANI (2000: 74-96).
161 NIGRO (1995: 39).
162 Circunscreveremos a nossa atenção ao planning law vigente em Ingla-

terra, sem nos debruçarmos com pormenor sobre os sistemas em vigor na Escó-
cia, no País de Gales e na Irlanda do Norte.
163 A expressão – hoje corrente na delineação do sistema inglês de planning

law – deve-se a Sir George Young, que a utilizou no âmbito da discussão condu-
cente ao Planning and Compensation Act 1991: “the approach shall leave no
doubt about the importance of the plan-led system”. CULLINGWORTH/NADIN
(2006: 112).
98 Contratos Urbanísticos

continentais – determinam que a apreciação deste modelo seja re-


cortada em quatro níveis fundamentais: identificação da legislação
aplicável, breve descrição da organização administrativa no domínio
do planeamento urbanístico, aferição dos instrumentos de planea-
mento existentes e apreciação da amplitude da contratação urbanís-
tica no horizonte do planning law.
Não é de estranhar que, no Reino Unido, as necessidades de
planeamento urbanístico tenham constituído uma consequência
directa da Revolução Industrial, em resultado dos graves problemas
verificados com o afluxo das populações às cidades e o consequente
crescimento das mesmas. Claro está que, nesta época, as preocupa-
ções dos poderes públicos incidiam precipuamente sobre os pro-
blemas de saúde pública, motivo que orientava a legislação com
implicações urbanísticas emanada durante esse período164. Sem pre-
juízo da normação entretanto emitida, só em 1932, com o Town and
Country Planning Act (TCPA 1932), se dá um salto qualitativo em
matéria de disciplina jurídica do planeamento, na medida em que se
percepciona que a necessidade de planeamento atinge todo o terri-
tório (e não só o das cidades): indo mais além, poderemos quase
afirmar que, neste momento, o imperativo do planeamento entronca
agora na temática mais ampla do ordenamento do território165.
Embora entretanto largamente modificado e sucessivamente
actualizado166 (maxime, pelo TCPA 1947167), a normação sobre pla-

164 Sublinhando já a extrema relevância da Revolução Industrial no planea-


mento urbanístico britânico, BLACKHALL, (2005: 1 ss.). Em geral, sobre a evo-
lução histórica do Planning Law, TELLING/DUXBURY (2006: 1 ss.); CULLING-
WORTH/NADIN (2006: 15 ss.).
165 Sem prejuízo do carácter ainda muito incipiente do planeamento: à luz

do TCPA 1932, o procedimento de elaboração de planos poderia demorar três


anos, sendo aprovados pelo Parlamento e, como tal, assumindo força de lei – com
todos os entraves que isso implicava para a sua posterior alteração ou revisão –
CULLINGWORTH/NADIN (2006: 18).
166 Pense-se, v. g. nas importantíssimas alterações introduzidas nesta legis-

lação, para responder aos problemas que afectavam as zonas bombardeadas


O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 99

neamento consagrada no TCPA conhece um novo fôlego em 1990


(TCPA 1990), através da emissão dos designados Planning Acts168,
através dos quais o Parlamento erigiu os planning obligations agree-
ments (também designados, mercê da localização sistemática do res-
pectivo regime jurídico, Section 106 agreements).
A compilação de 1990 permanece em vigor, mas largamente
alterada pelo Planning and Compulsory Purchase Act de 2004
(PCPA 2004), que introduziu reformas fundamentais na matéria que
nos ocupa, anunciando um novo paradigma no planeamento urba-
nístico169. Como resulta das notas explicativas para o efeito elabo-
radas pelo Parlamento170, o propósito fundamental do Planning and
Compulsory Purchase Act 2004 residiu no cumprimento do pro-
grama do Governo, na parte em que se exigia a agilização do sis-

durante a II Guerra Mundial, bem como a revisão operada em 1947 (TCPA 1947),
com o objectivo de compilar e actualizar toda a legislação anterior sobre planea-
mento e que constitui o quadro sobre o qual se desenvolveu o actual regime do
planeamento, tendo ocorrido consolidações idênticas em 1962, 1968 e 1971 –
sobre esta matéria, cf. BLACKHALL (2005: 5 ss.); MOORE (2007: 39 ss.); TELLING/
/DUXBURY (2006: 7 ss.).
167 Sobre a relevância do TCPA 1947 como o statutory instrument que fun-

dou o planeamento físico na Grã-Bretanha do pós-guerra, AMOS (1987: 12 ss.).


168 Além do Town and Country Planning Act 1990, foram ainda emanados

o Planning (Listed Buildings and Conservation Areas) Act 1990, o Planning


(Hazardous Substances) Act 1990, e o Planning (Consequential Provisions) Act
1990.
169 A disciplina do planeamento no Reino Unido assume ainda maior com-

plexidade que a deixada entrever no texto. Efectivamente, o TCPA 1990 – alte-


rado pelo Planning and Compensation Act 1991, pela Town and Country Plan-
ning (General Permitted Development) Order 1995 e pelo PCPA 2004 – constitui
o núcleo normativo fundamental do regime do planeamento aplicável em Ingla-
terra e no País de Gales. Sem prejuízo de algumas disposições do PCPA 2004 se
aplicarem igualmente na Escócia, o sistema de planeamento escocês obedece
essencialmente às regras do Town and Country Planning (Scotland) Act 1997 e
pelo Planning etc. (Scotland) Act 2006. Na Irlanda do Norte, vigora, nesta maté-
ria, a Planning (Northern Ireland) Order 1991.
170 Planning and Compulsory Purchase Act 2004: 1.
100 Contratos Urbanísticos

tema de planeamento britânico, com impactos ao nível da acelera-


ção de procedimentos, da eficiência e da simplificação – em plena
consonância com os documentos preparatórios do mesmo (quer
a declaração política Sustainable Communities – Delivering through
Planning, de 07/2002, quer o livro verde sobre o planeamento –
Planning: Delivering a Fundamental Change –, publicado em
2001). O mote reside agora no imperativo do «desenvolvimento sus-
tentável» (sustainable development) – como decorre, aliás, da sec-
ção 39 do mesmo diploma171.
Mais recentemente, e na senda do White Paper do Governo bri-
tânico Planning for a Sustainable Future172, o Parlamento aprovou,
em 26/11/2008, o Planning Act 2008, tendo em vista fornecer o
enquadramento para dar resposta à necessidade de renovação das
infra-estruturas britânicas. Como logo se compreende, a ambição
dos objectivos que presidiu à emissão desta nova legislação ultra-
passa largamente o ordenamento territorial, contendendo, de igual
forma, com o planeamento sectorial (ao nível de projectos relativos
a certos tipos de energia, transporte, água, águas residuais e resí-
duos)173. Assim, foi criado um regime específico de development
consent para «projectos de infra-estruturas de relevante interesse
nacional» (nationally significant infrastructure projects)174, com o
objectivo de simplificação administrativa, quer através da diminui-
ção do número de requerimentos e autorizações necessários à res-
pectiva consecução, quer mediante a constituição de uma entidade
administrativa independente – a Infrastructure Planning Commis-
sion – com competências em matéria de development consent.

171 Daí que, CULLINGWORTH/NADIN (2006: 131) o concebam como “the

statutory objective for the planning system”, ao abrigo do PCPA 2004. Cf. tam-
bém Planning and Compulsory Purchase Act 2004: 11.
172 Planning for a Sustainable Future (White Paper), The Stationery Office,

London, 2007.
173 Cf. as Explanatory Notes referentes ao Planning Bill (2008).
174 Sobre os projectos englobados nesta noção, vide secções 14 e seguintes

do Planning Act 2008.


O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 101

Se a determinação da legislação em vigor se revela um impor-


tante mecanismo para o conhecimento do sistema inglês, a percep-
ção do mesmo só se torna real, quando se compreende em que ter-
mos o funcionamento do britânico planning law é levado a cabo
pelas autoridades administrativas, seja a nível central – através do
Secretary of State –, seja no âmbito regional, seja pelas autoridades
locais de planeamento (local planning authorities): se ao Governo
central se encontra cometida a definição da política de planeamento
e a definição das respectivas directrizes, às regiões e, sobretudo, ao
Governo local cabe a respectiva implementação (com impacto na
preparação de planos, controlo do ordenamento e conservação
ambiental)175.
Remonta ao The Minister of Town and Country Planning Act,
de 1943, a primeira previsão de um membro do Governo com res-
ponsabilidades na execução consistente e continuada da política
respeitante à utilização e ordenamento do território176. Nos tempos
hodiernos, as funções relativas ao planeamento são assumidas, a
nível governamental, por um Secretário de Estado (Secretary of
State), o qual se identificará com o Deputy Prime Minister (First
Secretary of State)177, quando exista, e que, na actual composição do
Gabinete (a partir de 5 de Maio de 2006), se encontram cometidas
ao Secretary of State for Communities and Local Government. Além
de responsável pela definição do quadro nacional da política de
planeamento (exercido sobretudo, quer sob a forma de circulares,
quer mediante as Planning Policy Guiding Notes – plano de por-
menorG –, progressivamente substituídas pelos Planning Policy
Statements – plano de pormenorS), o Secretary of State possui com-
petências de direcção (gerais e especiais, incluindo o poder de, em
certos casos, emitir directrizes tendo como destinatárias as local

175 MCELDOWNEY (2003: 75).


176 BLACKHALL (2006: 5); TELLING/DUXBURY (2006: 22 ss.).
177 Sobre a figura do Deputy Prime Minister, associada, desde 2001, à do

First Secretary of State, BRADLEY/EWING (2003: 268).


102 Contratos Urbanísticos

planning authorities), competências normativas (cabendo-lhe a


emissão de orders e regulations nesta matéria), competências admi-
nistrativas stricto sensu (v.g. aprovando determinadas actuações das
autoridades locais de planeamento ou confirmando as orders de
revogação ou modificação de planning permissions) e competências
para-judiciais (tendo o poder de decidir os appeals contras actua-
ções das local planning authorities que não carecem da sua apro-
vação e que lhes são dirigidos pelos sujeitos afectados por essas
actuações, formando um autêntico case law, ainda que não subordi-
nado à regra do binding precedent)178.
A histórica preocupação de descentralização (também a nível
administrativo)179 possui repercussões importantes no sistema britâ-
nico de planning – daí a importância assumida pelas entidades
regionais e locais.
Nas regiões180, as Regional Development Agencies (RDA) não
detêm competências de planeamento urbanístico, pelo que qualquer
operação de development que pretendam levar a cabo carecerá sem-
pre de uma planning permission da autoridade de planeamento
local. Por outro lado, os planos estratégicos próprios destas agên-
cias também não prevalecem sobre os planos locais, impondo-se
antes uma conciliação entre as RDA e as local planning authorities
da área abrangida181. Tal não significa um total apagamento das
regiões no processo de planeamento, já que se encontra cometida
aos Regional Planning Bodies (isto é, assembleias compostas por

178 Sobre as competências do Secretary of State, TELLING/DUXBURY (2006:


24 ss.).
179MCELDOWNEY (2003: 69 ss.).
180São nove as regiões inglesas: East Midlands, East of England, London,
North East, North West, South East, South West, West Midlands, Yorkshire and
The Humber.
Para uma compreensão dos órgãos das regiões cujas competências conten-
dem com matéria de planeamento (Government Offices, Regional Development
Agencies e Regional Bodies), v. CULLINGWORTH/NADIN (2006: 56 ss.).
181 Cf. BLACKHALL (2005: 21).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 103

representantes – eleitos – do governo local e de outros interesses


comunitários e económicos182) a preparação da Regional Spatial
Strategy, da Regional Sustainability Framework e da Integrated
Regional Strategy.
Já a nível local, como decorre da secção 1 do TCPA 1990, as
competências de planeamento são desenvolvidas pelo sistema das
autoridades locais de planeamento (local planning authorities), en-
contrando-se divididas essencialmente183 em três sectores: áreas não
metropolitanas (os designados shire counties), áreas metropolitanas
(metropolitan areas)184 e Grande Londres185.
Nas áreas não metropolitanas, a organização administrativa es-
trutura-se em dois níveis (two-tier system ou two-tier structure): o
council e o district. Em matéria de planeamento, as competências
encontram-se, por isso, partilhadas entre o county council e o dis-
trict council, assumindo-se o primeiro como county planning aut-
hority em todo o county e constituindo o segundo a district planning
authority para o respectivo district. Todavia, em cidades de menor
dimensão e em algumas zonas rurais, encontramos um sistema de

182 De acordo com a Secção 2 (3) e (4) do PCPA 2004, pelos menos 60%

dos membros dos Regional Planning Bodies têm de ser membros dos seguintes
órgãos (authorities) dentro da região: district council; county council; metropoli-
tan district council; National Park authority; Broads authority.
Decorre ainda da Regulation 4 que também 30% dos membros dos Regio-
nal Planning Bodies não podem ser membros dos referidos órgãos – cf. Planning
Police Statement 11: Regional Spatial Strategies, Deputy of the Office Prime
Minister, London, 2004, p. 7.
183 E estamos a considerar apenas o território de Inglaterra, excluindo o País

de Gales (ainda que o mesmo se encontre abrangido pelo âmbito de aplicação do


PCPA 2004), a Escócia e a Irlanda do Norte.
184 São áreas metropolitanas: Greater Manchester, Tyne and Wear, Mersey-

side, South Yorkshire, West Midlands e West Yorkshire.


185 Sobre a evolução do Governo local até este estádio, cf. as sínteses de

CULLINGWORTH/NADIN (2006: 62 ss.); para uma perspectivação actual das entida-


des locais de planeamento, cf. os quadros sinópticos constantes das pp. 64 e s., e
68 e ss. [ob. cit.], TELLING/DUXBURY (2006: 35) e WADE/FORSYTH (2004: 109 ss.).
104 Contratos Urbanísticos

nível único (single tier structure), pelo que todas as competências de


planeamento estão devolvidas aos unitary councils.
Diversamente, nas áreas metropolitanas, onde vigora uma
estrutura unitária (district), possuindo um “multi-purpose local
government”, onde não existem divisões (e, em consonância,
órgãos) de níveis hierárquicos diversos186, a autoridade local de
planeamento consiste apenas no metropolitan district council, ao
qual se encontram cometidas todas as competências no âmbito do
planeamento.
Uma estrutura unitária vigora também na área correspondente à
Grande Londres, cabendo aos vários London boroughs e à Corpo-
ration of the City of London as tarefas de planeamento, em articula-
ção com a Greater London Authority (a qual compreende um Mayor
e uma assembleia eleitos).
Em termos materiais, o sistema de planning law desenvolve-se
em redor do conceito de development, que compreende, de acordo
com a secção 55 (1) do TCPA 1990187, a conclusão de tarefas rela-
cionadas com as actividades de edificação, engenharia188 e extrac-

186 COLE/BOYNE (1996: 67 ss.).


187 Secção 55 (1): Subject to the following provisions of this section, in this
Act, except where the context otherwise requires, “development” means the car-
rying out of building, engineering, mining or other operations in, on, over or
under land, or the making of any material change in the use of any buildings or
other land.
O facto de a definição de development se encontrar recheada de conceitos
dotados de larga amplitude tem conduzido a algumas dúvidas – cf. BLACKHALL
(2005: 65 e ss.), relativamente aos desafios colocados pelo significado de devel-
opment. Para uma explicitação mais sintética das noções avançadas, TELLING/
/DUXBURY (2006: 101 ss.). Cf., ainda, MOORE (2007: 73 ss.).
188 A noção de engineering constituiu objecto de clarificação na decisão

proferida no caso Fayrewood Fish Farms Ltd. v. Secretary of State for the Envi-
ronment (1984), sendo consideradas como engineering operations as operações
de qualquer tipo habitualmente desenvolvidas por engenheiros, isto é, operações
que pressuponham as capacidades e qualificações (skills) de um engenheiro. Cf.
BLACKHALL (2005: 69).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 105

ção de recursos do subsolo189 ou a realização de outras operações


em, sobre ou sob os solos ou a execução de qualquer alteração mate-
rial no uso de quaisquer edifícios ou solos.
Por sua vez, nos termos da secção 38 (2) e (3) do PCPA 2004,
o conceito de development plan abarca: na área da Grande Londres,
a spatial development strategy e os development plan documents
(considerados como um todo), adoptados e aprovados relativamente
a essa área; para o resto de Inglaterra, a regional spatial strategy da
região respectiva e os development plan documents, adoptados e
aprovados relativamente à área em causa. O development plan cons-
titui, pois, o ponto de partida para o ordenamento do território e
determinação do uso dos solos, já que todas as planning applica-
tions têm de se conformar com o conteúdo do mesmo.
Como já se depreende das noções avançadas, e diversamente do
que sucede noutros sistemas jurídicos (desde logo, no português),
não existe no Reino Unido um instrumento de ordenamento para
todo o território nacional. Em Inglaterra, o poder central emana ape-
nas os já referidos Planning Policy Statements (PPS, que paulati-
namente substituem as anteriores Planning Policy Guides – PPG),
os quais têm como função recortar a definição da política de pla-
neamento e que, em virtude da razoabilidade e da consistência das
soluções aí contidas, influenciam com efectividade o conteúdo dos
development plans.
Com a entrada em vigor do PCPA 2004, o sistema anterior –
composto pelos structure plans (da responsabilidade dos county
councils), pelos unitary plans (preparados pelas unitary authorities)
e pelos local plans (elaborados pelos district/borough councils)190 –

189 Conceito que aparece esclarecido na secção 55 (4): For the purposes of
this Act mining operations include (a) the removal of material of any description
(i) from a mineral-working deposit; (ii) from a deposit of pulverised fuel ash or
other furnace ash or clinker; or (iii) from a deposit of iron, steel or other metal-
lic slags; and (b) the extraction of minerals from a disused railway embankment.
190 Sinteticamente, sobre este sistema, SPEER/DADE (2001: 8 ss.); MOORE

(2007: 40 ss.); CULLINGWORTH/NADIN (2006: 109 ss.).


106 Contratos Urbanísticos

foi substituído por um sistema constituído pelas Regional Spatial


Strategies191 (RSS, da responsabilidade dos Regional Planning Bo-
dies, reconhecidos pelo Secretary of State) e pelo Local Develop-
ment Framework (LDF, cometido às local planning authorities).
Sem prejuízo do estabelecimento de estratégias sub-regionais
(Sub-regional strategies), a relevância das RSS surge claramente
perceptível no PPS11: Regional Spatial Strategies192, onde se acen-
tua não só a circunstância de as mesmas fazerem parte do develop-
ment plan, como ainda o facto de os Local Development Documents
terem de se conformar com as soluções daquelas [relação de con-
formidade, tal-qualmente decorre secção 24 (1) (a) do PCPA 2004].
De acordo com a secção 5 (3) do PCPA 2004, a elaboração e a revi-
são das RSS devem levar em consideração, inter alia, a definição da
política de planeamento do Secretary of State e as RSS das regiões
vizinhas (ou, no caso de regiões contíguas a Londres, a Spatial
Development Strategy desta última)193. Uma das inovações introdu-
zidas pelo PCPA 2004 nesta matéria residiu na promoção da partici-
pação das comunidades (community involvement), alcançada pela
imposição da publicação e publicitação de uma declaração sobre as
políticas a desenvolver na RSS [cf. secção 6 (1)].
No âmbito local, o sistema de planeamento surge completado
pelo Local Development Framework (LDF), que, como a designa-
ção sugere, não se assumindo como um plano, estabelece a moldura
para a definição do regime da utilização dos solos, constituindo,
nessa medida, a “colecção dos local development documents (LDD)
emanados pela local planning authority, que, em conjunto, defi-
nem a estratégia de planeamento para a área respectiva”194. No LDF

191 No caso da Grande Londres, designadas como Spatial Development


Strategy.
192 Planning Police Statement 11.
193 Para uma compreensão do conteúdo das RS, v. o quadro sinóptico cons-
tante de CULLINGWORTH/NADIN (2006: 104).
194 Planning Policy Statement 12 (2008: 3). No quadro da organização
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 107

incluem-se, desde logo, dois tipos de planning documents: os deve-


lopment plan documents (DPD) e os supplementary plan documents
(SPD). Relevância decisiva possuem os DPD que, enquanto parte do
development plan, revestem natureza normativa (statutory) e consti-
tuem a base para todas as decisões relacionadas com o ordenamento
territorial195.
Em qualquer dos casos, e na medida em que consubstanciam
LDD, estes planning documents devem, nos termos da secção 19 (2)
do PCPA 2004, observar a política nacional desenhada pelo Secre-
tary of State, bem como a Community Strategy e as RSS das regiões
contíguas, conformando-se ainda com as opções delineadas pela
RSS (ou, no caso de Londres, da Spatial Development Strategy) da
área em que se inscrevem. O DLF compreende ainda um local deve-
lopment scheme, um statement of community involvement e annual
monitoring reports, podendo também incluir local development or-
ders e simplified planning zones (quando existam196).
No interior do LDF, assumem ainda especial relevância os
action plans, relativamente a áreas que carecem de alterações (de
utilização) significativas ou de conservação, destinando-se a imple-
mentar medidas de reabilitação urbana ou protecção de áreas sensí-
veis. Quando se trate de medidas dirigidas à modificação, cabe aos
action plans identificar a distribuição dos usos e o respectivo inter-
relacionamento, bem como estabelecer a calendarização das medi-
das propostas; estando em causa medidas de conservação, os action
plans definem as formas de preservação e valorização da área em
causa, incluindo a definição de áreas que necessitam de medidas
especiais de protecção e que se encontram sujeitas a específicos con-

administrativa local, em regra, existe um City Council (ou District Council ou


County Council), uma Executive Board e um Council Leader.
195 Sobre o conteúdo dos DPD, TELLING (2006: 79); CULLINGWORTH (2006:

119 ss.); para mais desenvolvimentos, Planning Policy Statement 12 (2008: 7 ss.).
196 Sobre estas cf., MOORE (2007: 35 ss.) e TELLING/DUXBURY (2006:

156 ss.).
108 Contratos Urbanísticos

trolos do development. Além disso, o action plan desempenha a


relevante função de constituir o instrumento privilegiado de con-
senso: os action plans podem contribuir para promover um con-
senso, que se assumirá como a estratégia correcta para uma de-
terminada, esclarecendo igualmente as formas da respectiva
implementação; definida essa estratégia, permite impulsionar a con-
certação entre os proprietários e a Administração, a qual funciona
como alternativa ao desencadeamento de procedimentos expropria-
tivos (compulsory purchase)197.
Os efeitos previstos pelos diversos documentos que compõem
o LDF pressupõem uma participação acentuada dos interessados,
como decorre da exigência do statement of community involvement
(SCI). Mediante esta, são chamados ao procedimento de elaboração
(ou revisão) do LDF todos aqueles que manifestem interesse nas
matérias relativas às operações de development a empreender sobre
a área em causa. Só após a redacção da SCI são elaborados os
restantes planning documents (incluindo, logicamente, os action
plans), que, nessa altura, devem ponderar o conteúdo da mesma
(secção 19, do PCPA 2004)198.
Dentro do quadro assim definido, podem, então, ter lugar as
várias operações incluídas no conceito de development, impondo-se
agora o controlo dessas operações (planning control) à luz dos ins-
trumentos referidos. O papel principal pertence aqui à planning per-
mission, enquanto acto (autorizativo) exigido para construir ou alte-
rar a utilização dos solos ou dos edifícios (isto é, para concretizar
uma operação de development)199, e cuja obtenção pressupõe um
requerimento nesse sentido (planning application)200. Ora, se a par-

197 Cf. Planning Policy Statement 12 (2008: 25), que seguimos de perto.
198 TELLING (2006: 80).
199 Nos termos da secção 57 (1) do TCPA 1990, “planning permission is

required for the carrying out of any development of land”.


200 A planning permission não se revela exigível para todas as operações de

development, encontrando-se excepções à necessidade da sua obtenção – sobre


esta questão, TELLING (2006: 139 ss.).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 109

ticipação dos interessados no momento da elaboração dos develop-


ment plans se reconduz ao community involvement a que nos referi-
mos, é no planning control que a mesma assume carácter consti-
tutivo, admitindo a contratualização, mediante a celebração de
acordos com as autoridades de planeamento (planning bodies) com-
petentes.
A introdução dos planning agreements no ordenamento britâ-
nico ficou essencialmente a dever-se, como sublinhámos, ao TCPA
1990201; logo em 1991, e em virtude do abuso verificado na reali-
zação de acordos que promoviam essencialmente os interesses pri-
vados202, os planning agreements foram substituídos pelas planning
obligations (secção 12 do Planning and Compensations Act 1991).
De acordo com a secção 106 do TCPA 1990 (sob a epígrafe Plan-
ning obligations)203, qualquer interessado (person interested in
land) pode, por acordo (ou por outra forma204), assumir uma obri-
gação dirigida a: restringir as operações de development ou o uso do

201 Embora já a secção 34 do TCPA 1932 conferisse às local planning aut-


horities o poder de celebrar planning agreements com os proprietários de imóveis,
com o objectivo de disciplinar a utilização ou as operações de development a
empreender sobre os solos. Cf., para uma evolução, MOORE (2007: 317 ss.).
202 TELLING (2006: 289).
203 Estamos a reportar-nos à secção 106, não na redacção original, mas na

introduzida pela secção 12 do Planning and Compensation Act 1991, que aditou
ao TCPA também as secções 106A e 106B, referentes à matéria de que nos ocu-
pamos. Por sua vez, o Planning Act 2008 acrescentou ainda a secção 106C. Sobre
o impacto do PCPA 2004 nesta matéria, TELLING (2006: 288, 303 ss.).
O regime das planning obligations não se encontra todo plasmado na lei (em
Acts of Parliament), verificando-se inúmeras remissões para regulations, dirigi-
das a complementar a disciplina estatuída no TCPA 1990 – cf., v.g., secções 106
(12) e 106A (9).
204 As planning obligations podem não ser assumidas por contrato, mas

através de unilateral undertakings, que constituem não um substituto do acordo,


mas uma alternativa. Admite-se, pois, que o promotor se vincule à adopção de
determinados comportamentos se, v.g., lhe for assegurado o deferimento de uma
planning permission. Sobre esta matéria, TELLING (2006: 294 ss.).
110 Contratos Urbanísticos

solo; exigir determinadas operações ou actividades a desenvolver


em, sobre ou sob o solo; exigir uma específica utilização do solo;
exigir o pagamento de uma determinada quantia à local planning
authority (em data determinável ou periodicamente). As planning
obligations designam, por conseguinte, os contratos privados cele-
brados entre um promotor de operações urbanísticas (development)
e uma local planning authority205, através dos quais o primeiro
assume relativamente à segunda determinadas obrigações (de pen-
dor negativo – como sucede quando estabelecem restrições ao deve-
lopment – ou positivo – como acontece quando impõem ao promo-
tor a adopção de uma conduta ou o pagamento de uma quantia)206,
cujo cumprimento ocorre aquando da execução de uma planning
permission207. Nesta medida, impõe-se que as planning obligations
respeitem o princípio da proporcionalidade, afigurando-se ade-
quadas à consecução do planeamento previsto, directamente rela-
cionadas com a operação de development proposta, necessárias à sua
realização, e razoáveis, tendo em conta o tipo e a amplitude da ope-
ração urbanística em causa208.
As planning obligations só são válidas se decorrentes de do-
cumento autêntico, no qual expressamente se qualifique a obri-
gação assumida como planning obligation e se identifiquem quer
o obrigado (bem como o interesse que o mesmo tem sobre o

205A iniciativa tanto pode partir do promotor (com o objectivo de alcançar


uma planning permission), como da local planning authority (que, perante uma
application, só deferirá a planning permission se o interessado se comprometer a
cumprir determinadas obrigações). Sobre os problemas suscitados por esta última
hipótese, BLACKHALL (2005: 211 ss.).
206 Sobre a tipologia das planning obligations (Affordable Housing, Open

Space and Environment, Transport and Travel Schemes, Community Work and
Employment, Education e outros), Valuing Planning Obligations in England
(2006: 8).
207 Ob. cit.: 5.
208 Ob. cit.: 6. Cf. também TELLING (2006: 301 ss.) e BLACKHALL (2006:

204, 208 ss.).


O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 111

solo209), quer a local planning authority [secção 106 (9), do TCPA


1990]. Recorde-se que esta última tem competência para exigir
coactivamente o cumprimento da planning obligation nos termos
da secção 106 (6) e (7) do TCPA 1990, sem prejuízo da possibili-
dade de recurso a um processo de injunction [secção 106 (5), do
TCPA 1990].
Podem modificar-se ou extinguir-se planning obligations atra-
vés das formas e dos procedimentos previstos nas secções 106A e
106B do TCPA 1990, i. é, por acordo entre as partes [igualmente
outorgado por documento autêntico – secção 106A (2), do TCPA
1990] ou por requerimento à local planning authority competente.
Nesta última hipótese, e caso o requerimento não seja deferido, tem
o promotor legitimidade para recorrer (mediante appeal) para o
Secretary of State (secção 106B, do TCPA 1990).
O Planning Act 2008 estendeu esta possibilidade aos promoto-
res de nationally significant infrastructure projects (acompanhada
da introdução de algumas alterações nas secções 106 e seguintes do
TCPA 1990): sob o regime assim delineado, os acordos desenvolvi-
dos designam-se como development consent obligations, por se
encontrarem dependentes não de uma planning permission, mas de
um development consent. Diversamente do que sucede com as plan-
ning obligations, as development consent obligations só podem ser
modificadas ou extintas pela Infrastructure Planning Commission
(ou, em certos casos, pelo Secretary of State), embora caiba às local
planning authorities a competência para a sua execução coactiva210.
A complexidade do sistema das planning obligations, bem como
os abusos que a respectiva utilização tem, em alguns casos, impli-
cado, levou a questionar não só se se revestiriam de real importân-
cia para a prossecução dos interesses públicos urbanísticos (já que

209 De acordo com a secção 106 (4) do TCPA 1990, pode ficar consignado
que a planning obligation só goza de eficácia enquanto o promotor mantiver o seu
interesse no solo, sujeitando-a, por isso, a uma condição resolutiva.
210 Cf. também as Explanatory Notes ao Planning Bill, cit., p. 46.
112 Contratos Urbanísticos

os promotores tentariam “comprar” as planning permissions), como


ainda se não constituiriam um meio de as local planning authorities
procurarem obter ganhos injustificados211. Todavia, e, por um lado,
urge acentuar que as mesmas permitem a consecução de tarefas pú-
blicas, mediante financiamento privado, por acordo com os parti-
culares; por outro lado, e para salvaguardar o princípio da prosse-
cução do interesse público, vem-se acentuando que a possibilidade
da intervenção de privados no sistema de planeamento deve encon-
trar-se subordinada sempre à tutela do interesse público urbanístico,
nunca se destinando a servir os interesses privados (que apenas
serão satisfeitos se e quando, pontualmente, coincidirem com inte-
resses públicos)212.
Em suma, no direito inglês, a participação dos interessados no
momento da elaboração dos development plans cifra-se essencial-
mente no community involvement, a qual assume um carácter alar-
gado, já que são chamados ao procedimento de elaboração (ou revi-
são) do LDF todos aqueles que manifestem interesse nas matérias
relativas às operações de development a empreender sobre a área
em causa.
Como vimos, o LDF estabelece a moldura para a definição do
regime da utilização dos solos, na medida em que incorpora os local
development documents. Ao contrário do que sucede com os deve-
lopment plan documents, grande parte dos documentos que integram

211 BLACKHALL (2005: 200 ss.).


212 A relevância desta ideia justifica a sua formulação em docs do anterior
Office of the Deputy Prime Minister (http://www.communities.gov.uk/docu-
ments/planningandbuilding/pdf/147396.pdf, Dezembro 2008), onde expressa-
mente se sublinha que “o sistema de planeamento não existe para proteger inte-
resses de uma pessoa contra as actividades de outra, apesar de, em alguns casos,
os interesses privados poderem coincidir com o interesse público. (…) A questão
essencial não é [saber] se os proprietários ou possuidores dos imóveis experi-
mentam perdas financeiras ou outras, mas se a proposta afecta inaceitavelmente
os benefícios ou os usos actuais do solo ou dos edifícios, que deverão ser prote-
gidos no interesse público” (cf. ponto 29).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 113

o LDF não têm carácter vinculativo para os proprietários dos solos,


ou seja, as suas previsões não são estritas, precisas ou detalhadas
na definição os tipos e modalidades de ocupação do espaço. Por
isso, o carácter não vinculativo, em parte, do LDF possibilita a sua
adaptação no momento da aprovação das planning permissions. Se
a participação dos interessados no momento da elaboração dos deve-
lopment plans se reconduz ao community involvement, é no plan-
ning control que a mesma assume carácter constitutivo, admitindo
a contratualização, mediante a celebração de acordos com as autori-
dades de planeamento competentes. Claro está que se tratará sempre
de uma contratualização ex post, mas é precisamente o facto de
estarmos perante um instrumento de planeamento pouco detalhado
e preciso que conduzirá à ductilização do regime das planning per-
missions – com a consequência não despicienda de viabilizar uma
maior amplitude na negociação entre actores privados e públicos
pela via das planning obligations.
Do exposto conclui-se que, no contexto dos vários ordenamen-
tos jurídicos europeus, a contratação urbanística possui um campo
particularmente vasto e fértil no sistema inglês de planeamento
urbanístico.

2.3. Direito Espanhol

No ordenamento jurídico espanhol, a Constituição de 1978 esta-


belece as linhas fundamentais do urbanismo e do ordenamento do
território, condensando um conjunto de regras e de princípios consti-
tucionais que são objecto de tratamento autónomo no texto constitu-
cional. Para além dos artigos 47.°, relativo à regulación de los usos del
suelo, e 137.°, que desenha a organización territorial del Estado, assu-
mem relevo, entre os seus preceitos mais significativos, os artigos
148.° e 149.°, referentes às competências autonómicas e estaduais.
Os artigos 148.° e 149.° da Lei Básica, referentes às competên-
cias autonómicas e estaduais, definem o quadro de distribuição de
114 Contratos Urbanísticos

competências legislativas entre os poderes públicos nas matérias de


urbanismo e de ordenamento do território. A partir da entrada em
vigor daquela Lei Fundamental, as Comunidades Autónomas pas-
saram a gozar de competência exclusiva nas matérias de ordena-
mento do território, de urbanismo e de habitação (artigo 148.°, 1.
3.ª) – reflexo da opção pelo chamado Estado de las Autonomías213.
Assim, da lista de competências exclusivas das Comunidades Autó-
nomas fazem parte o urbanismo e o ordenamento do território e,
por conseguinte, apenas indirectamente pode o Estado influir nessas
matérias214. Em rigor, o legislador estadual tem competência apenas
para “regular as condições básicas que garantam a igualdade no
exercício do direito de propriedade do solo em todo o território
nacional, assim como para disciplinar outras matérias com inci-
dência no urbanismo, tais como a expropriação, as valorizações,
a responsabilidade das Administrações Públicas e o procedimento
administrativo comum”215. Como ensina GONZÁLEZ PÉREZ, “às
Comunidades Autónomas cumpre desenhar e desenvolver as suas
próprias políticas em matéria urbanística. Ao Estado corresponde,
por sua vez, exercer certas competências que incidem sobre tal ma-
téria, devendo, contudo, evitar o mais possível condicioná-la”216.

213 LÓPEZ RAMÓN (2007: 40).


214 LÓPEZ RAMÓN (2007: 40). Por isso, o Estado não pode predeterminar um
modelo concreto de planeamento territorial, uma vez que essa é uma missão que
cabe às Comunidades Autónomas.
215 ESTÉVES GOYTRE (2006: 28); Para além disto, ao Estado compete cons-

truir obras públicas de interesse geral, implantar infra-estruturas e sistemas de


transportes, estabelecer a coordenação geral da actividade económica, proteger os
espaços naturais e o património histórico-artístico. Em síntese, o Estado não pos-
sui competências urbanísticas em sentido próprio – a intervenção directa e ime-
diata nestas matérias cabe às Comunidades Autónomas –, embora disponha de
competências horizontais (scilicet, que incidem indirectamente sobre o ordena-
mento do território e o urbanismo) e sectoriais (isto é, que programam e concre-
tizam políticas de desenvolvimento económico e social com incidência espacial –
LÓPEZ RAMÓN (2007: 40); SANTIAGO IBAÑEZ (2007: 85 ss.).
216 GONZÁLEZ PÉREZ (2008: 85).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 115

Remonta à Lei estadual de 12/05/1956 – Ley del Suelo y Orde-


nación Urbana – a instituição do sistema espanhol de planificação
urbanística. Segundo ESTÉVES GOYTRE, “a Lei de 1956 é o antece-
dente imediato da legislação urbanística actual”, já que “muitos dos
seus postulados, mutatis mutandis, continuam hoje vigentes”217. Na
verdade, foi a partir da sua aprovação que se encarou o planeamento
como a base fundamental e necessária de toda a ordenação urbanís-
tica e se generalizou a figura dos planos territoriais218. A “majestosa
arquitectura planificadora”219 deste sistema criou um modelo de
planes territoriales sucesivos, articulados a partir de níveis dife-
renciados: delineando um esboço piramidal, situava-se no vértice
daquela figura o Plan Nacional de Urbanismo, que “estabelecia as
grandes directivas da ordenação do território”220, a nível intermédio
os Planes Provinciales que visavam “coordenar os «planes munici-
pales generales», assim como estatuir normas de edificação em
municípios carecidos de instrumentos de planeamento”221 e na sua
base os Planes Municipales Generales, configurados como instru-
mentos de ordenamento integral do espaço municipal. Contudo, este
sistema não foi, na sua globalidade, concretizado no território nacio-
nal – o Plan Nacional nunca foi elaborado e poucos foram os Pla-
nes Provinciales aprovados –, o que motivou várias alterações à Lei
de 1956222.

217 ESTÉVES GOYTRE (2006: 5).


218 MENÉNDEZ REXACH (2001: 20).
219 RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 56).
220 RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 56).
221 LÓPEZ RAMÓN (2007: 46).
222 Primo, pela Ley de 2 de mayo de 1975, à qual se sucedeu Texto Refun-

dido de 1976. Secundo, pela Ley de 25/07/1990, à qual se seguiu o Texto Refun-
dido de 1992. Tertio, através da aprovação da Ley 6/1998, de 13/04, sobre Régi-
men del Suelo e Valoraciones (com as modificações introduzidas pelo Real
Decreto-Ley 4/2000, de 23-6, de Medidas Urgentes de Liberalización en el Sec-
tor Inmobiliario y Transportes), que definiu as condições básicas para o exercício
do direito de propriedade do solo. Quarto, por via da Ley 8/2007, de 28-5, de
116 Contratos Urbanísticos

Actualmente, é a Ley de Suelo, de 2007 (nos termos do Texto


Refundido de 2008), que regula as condições básicas que garantem
a igualdade no exercício dos direitos e no cumprimento dos deve-
res constitucionais relacionados com o solo em todo o território
estadual e estabelece as bases económicas e ambientais do seu
regime jurídico, da sua valorização e da responsabilidade patrimo-
nial das Administrações Públicas na matéria223. Prescinde, pela
primeira vez, de regular técnicas especificamente urbanísticas, tais
como os tipos de planos ou as classes dos solos inerentes àqueles.
Além disso, as suas previsões são genéricas e não tem a pretensão
de configurar, nem sequer indirectamente, um concreto modelo
urbanístico. Por isso, GONZÁLEZ PÉREZ sustenta que “não se trata
de uma Lei urbanística, mas de uma Lei referida ao regime do solo
e à igualdade no exercício dos direitos constitucionais a ela asso-
ciados”224.
Para além das leis estaduais, no edifício normativo do sistema
espanhol de urbanismo e ordenamento do território, são, sobretudo,
as leis autonómicas que assumem maior importância, já que deter-
minam o modelo concreto de planeamento urbanístico adoptado em
cada Comunidade Autónoma225 ou, no dizer de MEILÁN GIL, são
estas que “têm a última palavra na definição do que é propriamente
o urbanismo”226. Na verdade, tais leis determinam o modelo concreto
de planeamento urbanístico adoptado em cada Comunidade Autó-
noma227. Com efeito, as Comunidades Autónomas apresentam-se
como os entes públicos que regulam o ordenamento do território e o

Suelo, que revogou e substituiu a Ley 6/1998, sendo, actualmente, a que se encon-
tra em vigor, nos termos do Texto Refundido de 2008.
223 PAREJO ALFONSO (1997: 13-22); MEILÁN GIL (2008-A: 11).
224 GONZÁLEZ PÉREZ (2008: 86); PAREJO ALFONSO (2008: 75 ss.).
225 RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 57).
226 MEILÁN GIL (2008-A: 34).
227 RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 57).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 117

urbanismo com a plenitude da competência legislativa228 e norma-


tiva229, possuindo, ainda, diversas competências sectoriais com
incidência territorial230.
Traçado um “esboço” propedêutico de alguns aspectos capitais
que envolvem o corpus normativo estatal e autonómico do ordena-
mento do território e urbanismo, partimos, agora, para a prospecção
dos problemas relativos aos níveis organizativos que se estabelecem
entre os diversos actores públicos com competências naquelas maté-
rias, bem como aos tipos de instrumentos de planeamento que cada
um deles pode aprovar.
O ordenamento do território e o urbanismo constituem um do-
mínio onde se verifica uma concorrência de atribuições e compe-
tências entre a Administração estadual, autonómica e municipal,
apresentando-se, assim, como um espaço aberto à intervenção con-
corrente de vários entes públicos231. Ao Ministerio de Fomento
cumpre executar a política do Governo em matéria de infra-estru-
turas e de transportes de competência estadual. Este Ministério

228 Entre as primeiras leyes de ordenación del territorio autonómicas, des-

tacam-se a de Cataluña (1983) e de Madrid (1984). A partir de 1987, assistiu-se


a um surto legislativo na generalidade das Comunidades Autónomas: Navarra
(1994), Valencia (1994), Galicia (1995), Castilla y León (1998), Aragón (1999),
Canarias (2000), Madrid (2001), Navarra (2002), Galicia (2002), Cataluña (2004),
Valencia (2005) etc.. Em muitos casos, existem leis já de 2.ª e de 3.ª geração –
LÓPEZ RAMÓN (2007: 46).
229 Em rigor, são estas, e não o Estado, que criam normas que afectam direc-

tamente o ordenamento urbanístico, as quais abrangem, inter alia, o planeamento,


a gestão urbanística, a intervenção no mercado imobiliário e o estatuto da pro-
priedade.
230 V. g., a construção de obras públicas, infra-estruturas e de sistemas de

transportes no seu território e a protecção do meio ambiente, dos recursos hídri-


cos e do património cultural.
231 Nas palavras de MEILÁN GIL (2008-B: 4), “existem três actores a tomar

em conta: o Estado, as Comunidades Autónomas e os municípios, que represen-


tam interesses que se entrecruzam ou inter-relacionam”.
118 Contratos Urbanísticos

conta com uma Dirección de Planificación y Coordinación Territo-


rial, responsável pela elaboração da planificación estratégica de las
infraestructuras y los transportes. O Ministerio de Vivienda executa
a política governamental em matéria de acesso à habitação, sendo
coadjuvado por duas Direcciones Generales, uma de Arquitectura y
Política de Vivienda e outra de Urbanismo y Política del Suelo. Ora,
tendo em conta o facto de o sistema de planeamento urbanístico
espanhol se apresentar como um esquema de planificación ideada
en cascata232, é no âmbito estatal que se situa o primeiro escalão de
planos, constituído por planos de carácter sectorial – o Plan Direc-
tor de Infraestructuras, o Plan General de Carreteras, o Plan de
Vivienda ou o Plan Hidrológico Nacional –, os quais não são planos
urbanísticos em sentido próprio, mas têm uma importância inques-
tionável sobre essa matéria233.
Ao nível autonómico, a legislação de cada Comunidade Autó-
noma define o quadro específico da organização administrativa do
urbanismo234. Por isso, no segundo escalão de planos, encontramos
uma série de instrumentos de planeamento territoriais autonómicos
com diversas nomenclaturas e conteúdos distintos. Assim, existem

232 LÓPEZ RAMÓN (2007: 26).


233 SANTOS DIEZ/JALVO MÍNGUEZ (2001: 125).
234 Porém, em regra, é comum a todas elas a existência, quer de uma Con-

sejería de Ordenación del Territorio, Urbanismo y Vivienda (órgão da Adminis-


tração autonómica que desenvolve e coordena a execução das políticas em maté-
ria de ordenamento do território e urbanismo, define a estratégia regional de
ocupação do espaço e tutela o meio ambiente), quer da Consejería de Transportes
e Infraestructuras (que executa as políticas regionais em matéria de transportes e
de infra-estruturas). A competência autonómica em matéria de ordenamento do
território e urbanismo é, substancialmente, uma competência de coordenação.
Segundo MENÉNDEZ REXACH (2001: 43), essa coordenação estabelece-se entre as
diferentes políticas sectoriais da própria Comunidade Autónoma, entre as políti-
cas do Estado com incidência territorial e os objectivos do ordenamento do terri-
tório das Comunidades Autónomas, entre o ordenamento territorial de uma
Comunidade Autónoma e o ordenamento territorial das comunidades limítrofes e
entre o ordenamento do território e o planeamento urbanístico municipal.
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 119

instrumentos de carácter supramunicipal, tais como: os Planes Di-


rectores Territoriales de Coordinación (de âmbito supraprovincial,
provincial ou comarcal, são instrumentos que afectam a totalidade
ou parte do território de uma Comunidade Autónoma, estabelecendo
políticas sectoriais e programas de obras públicas que podem influir
no ordenamento urbano, em particular, no espaço municipal); as
Directrices de Ordenación del Territorio (funcionam como o marco
geral de referência para a formação dos restantes instrumentos de
ordenamento, delimitando as áreas subtraídas à realização de activi-
dades urbanísticas ou fixando critérios para a localização e execução
de infra-estruturas e equipamentos públicos – em regra, são, poste-
riormente, desenvolvidas através de Planes Territoriales Integra-
dos); os Planes e Proyectos Sectoriales de Incidencia Supramunci-
pal (têm como função regular a parte do solo destinado à construção
de infra-estruturas, dotações e instalações de interesse público cuja
incidência transcenda o espaço municipal em que se localizem); os
Planes Metropolitanos (circunscritos a municípios ligados entre si
por um nexo de continuidade territorial, estabelecem um modelo ter-
ritorial assente na definição de critérios e políticas de ordenamento
do meio físico e paisagístico, de vias de comunicação e redes de
transportes, das necessidades de habitação e da quantificação da
oferta de espaço residencial, desempenhando, ainda, uma função de
compatibilização entre os instrumentos de planeamento municipal);
e os Planes de Ordenación Intermunicipal (abrangem a totalidade
ou parte das áreas territoriais pertencentes a dois ou mais municípios
vizinhos, articulando políticas que versam sobre o ordenamento de
áreas situadas em términos municipales colindantes)235.

235 Por todos, SANTOS DIEZ/JALVO MÍNGUEZ (2001: 125 ss.), ESTÉVEZ GOY-
TRE (2006: 165 ss.), RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 56 ss.) Prima facie, os instrumen-
tos supramunicipais são configurados como instrumentos de ordenación del ter-
ritorio, ao passo que a ordenación urbanística propriamente dita é realizada
através dos instrumentos municipais. Esta qualificação, meramente tendencial,
não deixa de considerar que o urbanismo e o ordenamento do território são duas
realidades complementares ou, nas palavras de MENÉNDEZ REXACH (2001: 48), “el
120 Contratos Urbanísticos

Finalmente, no terceiro escalão de planos, situamo-nos no âm-


bito municipal236, que compreende os instrumentos de planeamento
urbanístico municipais, os quais se caracterizam, em geral, por se-
rem de carácter vinculativo. Neste sentido, é comum distinguir-se
entre instrumentos de planeamiento general municipal, instrumen-
tos de planeamiento de desarrollo del planeamiento general e otros
instrumentos de planeamiento237. Os primeiros “abrangem a totali-
dade do espaço municipal e possuem carácter integral, estabelecem
a estrutura geral e organizatória do território ordenado e os aspectos
básicos do conteúdo do direito de propriedade do solo”238. Neste
grupo, inserem-se os Planes Generales de Ordenación Urbana, as
Normas Complementarias y Subsidiarias de Planeamiento Munici-
pales e os Proyectos de Delimitación de Suelo Urbano.
O Plan General constitui um instrumento de ordenamento inte-
gral do espaço municipal e tem como objectivo definir a estrutura
geral do território sobre o qual incide. Segundo RAMÓN FERNÁNDEZ,
ao Plan General compete “estabelecer o modelo territorial, a sua
estrutura básica e as determinações fundamentais das quais depende
a definição dos direitos e deveres dos proprietários do solo orde-
nado”239. A sua função primordial consiste na determinação das
classes de suelo (urbano, urbanizable y no urbanizable). No que

urbanismo es ordenación del territorio «concretizada»”. Por isso, importará sem-


pre saber até onde chegam as competências urbanísticas e de ordenamento do ter-
ritório das Comunidades Autónomas e onde começam as competências munici-
pais. É que, em rigor, o urbanismo “é uma competência primariamente municipal,
facto bem visível na Ley de Bases del Régimen Local, que inclui entre as matérias
de competência municipal a «ordenação, gestão, execução e disciplina urbanística
[artigo 25.2., d)] – MENÉNDEZ REXACH (2001: 50). Para desenvolvimentos, SAN-
TIAGO IBAÑEZ (2007: 64 ss.), MEILÁN GIL (2008-B: 6 ss.) e RAMÓN FERNÁNDEZ
(2008: 33 ss.).
236 Ao nível municipal, dispõem de competências urbanísticas os Ayunta-

mientos, os Alcaldes e os Concejales.


237 ESTÉVEZ GOYTRE (2006: 90); SANTOS DIEZ/JALVO MÍNGUEZ (2001: 126).
238 Ob. cit.: 126.
239 RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 64).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 121

toca ao suelo urbano, o Plan General estabelece uma qualificação


urbanística tendencialmente completa, indicando usos, intensidades,
tipologias, emplazamientos de dotaciones, alienaciones y rasantes,
plazos y condiciones de edificación, aspectos que serão desenvolvi-
dos ex post em instrumentos de planeamento mais detalhados240.
Sob ponto de vista procedimental, o Plan General “está configurado
como um procedimento bifásico, correspondendo ao município a
sua aprovação inicial e provisória e à Comunidade Autónoma a
aprovação definitiva”241.
Já as Normas Complementarias y Subsidiarias de Planeamiento
Municipales são instrumentos de planeamento urbanístico que têm
em vista completar as determinações dos Planes Generales ou, in-
clusive, regular directamente o ordenamento do espaço municipal,
na ausência daqueles planos. Mercê da sua función supletoria em
relação aos Planes Generales, proporcionam uma “normativa
mínima sobre clasificación y aprovechamiento del suelo, urbaniza-
ción y edificación […], evitando la lacra del «urbanismo sin
plan»”242. Por último, os Proyectos de Delimitación de Suelo Ur-

240 LOPEZ RAMÓN (2007: 100). No entanto, é admissível que o Plan Gene-

ral actue directamente, podendo delimitar unidades de execução de forma a asse-


gurar um desenvolvimento urbano harmonioso e uma justa repartição de benefí-
cios e encargos pelos proprietários abrangidos – ob. cit.: 100. É também cometido
ao Plan General a fixação do aproveitamento médio para os sectores ou âmbitos
em que se pode dividir o suelo urbanizable (aspectos que, em regra, são desen-
volvidos pela via dos Planes Parciales), a qual reveste grande importância, dado
que “precisa o conteúdo do direito de propriedade e facilita as operações de ges-
tão e execução do planeamento” – RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 63).
241 MEILÁN GIL (2008-B: 8). Este procedimento permite à Administração

autonómica coordenar as decisões urbanísticas dos diferentes municípios, bem


como de outros órgãos administrativos competentes nestas matérias. Deste modo,
“a aprovação definitiva implica um controlo de legalidade sobre o que é interesse
municipal e de oportunidade sobre o que seja expressão do interesse supramuni-
cipal – ob. cit.: 8. Sobre o sentido e alcance deste procedimento ESTÉVEZ GOYTRE
(2006: 158 ss.) e LÓPEZ RAMÓN (2007: 99 ss.).
242 Ob. cit.: 66.
122 Contratos Urbanísticos

bano são “instrumentos de planeamento urbanístico de carácter não


normativo que têm como finalidade balizar o perímetro dos terrenos
compreendidos no solo urbano dos Municípios que carecem de um
Plan General ou de Normas Complementarias y Subsidiarias de Pla-
neamiento Municipales”243. São, por isso, instrumentos de classifi-
cação do solo, que traçam o limite entre o suelo urbano y no urbani-
zable, na ausência daqueles instrumentos de planificação geral.
Por outro lado, os instrumentos de planeamiento de desarrollo
executam, de forma detalhada e pormenorizada, o modelo territorial
definido pelos instrumentos de planeamento geral. Neste contexto,
distinguem-se os planos que têm por objecto o desenvolvimento de
um determinado âmbito territorial, rectius, de uma parte do solo
urbanizável delimitado pelos planos gerais [Planes Parciales e Pla-
nes de Sectorización] daqueles que desenvolvem aspectos especiais
do planeamento [Planes Especiales e Estudios de Detalle]244.
Os Planes Parciales regulam detalhadamente o uso e o apro-
veitamento do solo urbanizável definido nos Planes Generales e nas
Normas Complementarias y Subsidiarias de Planeamiento Munici-
pales, assumindo, por isso, as vestes de planos de execução que têm
por objecto o ordenamento pormenorizado do solo classificado como
urbanizável pelos planos gerais. Por sua vez, os Planes de Sectoriza-
ción (denominação que grande parte das Comunidades Autónomas
atribui aos antigos Programas de Actuación Urbanística245, previs-

243 ESTÉVEZ GOYTRE (2006: 174).


244 SANTOS DIEZ/JALVO MÍNGUEZ (2001: 126).
245 Os Programas de Actuación Urbanística são “instrumentos de planea-

mento urbanístico que desenvolvem os Planes Generales de Ordenación Urbana


e têm como finalidade o ordenamento e urbanização de terrenos classificados
como solo urbanizável não programado” – ESTÉVEZ GOYTRE (2006: 189).
Recorde-se que o suelo urbanizable no programado identifica o solo que apenas
pode ser objecto de urbanização mediante a aprovação de Programas de Actua-
ción Urbanística. Por conseguinte, estes programas “constituem autênticos planos
urbanísticos com um nível de ordenamento análogo ao dos planos gerais, que
desenvolvem no que respeita ao solo urbanizável não programado” – Ob. cit.:
190; RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 67-68); PERALES MADUEÑO (2006: 144-147).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 123

tos no TR/76) são instrumentos que completam as determinações


estruturantes de ordenamento urbanístico definidas no Plan General
para um sector concreto do solo urbanizável inicialmente não deli-
mitado naquele plano246. Já os Planes Especiales são instrumentos
de desenvolvimento, em regra, do planeamento urbanístico geral
que obedecem a finalidades públicas específicas, cujo conteúdo
varia em função de uma multiplicidade de objectos possíveis: assim,
existem, v.g., Planes Especiales de Infraestructuras, de Protección
del Medio Físico y del Paisaje, de Reforma Interior e de Protección
del Patrimonio Cultural. Por último, os Estudios de Detalle não são
meros estudos de pormenor, constituindo antes autênticos instru-
mentos de planeamento urbanístico (têm natureza normativa), que
completam ou adaptam as determinações dos planos gerais ou dos
planos parciais e mediante os quais é possível estabelecer aliena-
ciones y rasantes, ordenar volúmenes ou incluir condiciones estéti-
cas y de composición de las edificaciones247.
Ora, a execução dos planos municipais de ordenamento do ter-
ritório é feita através do recurso a sistemas típicos – execução siste-
mática –, regulados na legislação urbanística autonómica, que en-
quadram a realização das operações urbanísticas e possibilitam a
perequação de benefícios e encargos decorrentes dos planos muni-
cipais. No plano estadual, desde o TR/76 que estão previstos três sis-
temas de execução: cooperación, expropriación y compensación.
Entretanto, as Comunidades Autónomas introduziram, na sua legis-

246 A delimitação de âmbitos ou de sectores concretos dentro do solo urba-

nizável não é, na sua globalidade, definido ex ante pelo Plan General, mas ex post
pelos Planes de Sectorización. Portanto, é pela via da aprovação destes planos que
os terrenos do suelo urbanizable no sectorizado adquirem carácter de suelo urba-
nizable sectorizado. Neste sentido, LOPEZ RÁMON afirma que estes planos são
“autênticos planes de ordenación de actuaciones urbanísticas” – ob. cit.: 101.
247 Por todos, RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 67 ss.) e ESTÉVEZ GOYTRE (2006:

187 ss.). Existem ainda outros instrumentos de planeamiento, como os Proyectos


de Urbanización ou os Catálogos, que não gozam de carácter normativo, mas que
são, normalmente, incluídos entre as figuras planificatórias.
124 Contratos Urbanísticos

lação urbanística, variáveis àqueles três sistemas, passando, deste


modo, a coexistir, por um lado, sistemas de gestão pública directa
[que se desdobram no sistema de expropriação, cooperação e exe-
cução subsidiária ou forçada] e, por outro, sistemas de execução
privada [que integram o sistema de concertação, de compensação e
de agente urbanizador248].
Foi, precisamente, no âmbito da execução dos planos munici-
pais, que, inicialmente, se desenvolveu a contratação urbanística.
Mesmo antes de o legislador ter definido as condições de admis-
sibilidade, o procedimento aplicável e os efeitos dos convenios
urbanísticos, há muito que na praxis jus-urbanística era possível
encontrar uma multiplicidade de acordos celebrados entre a Admi-
nistração e os particulares tendentes a concretizar as determinações
legais em matéria urbanística e a disciplinar os termos e as condi-
ções da execução dos planos municipais249, sendo ainda possível
encontrar lastros de concertação no âmbito da elaboração dos
planos250.

248 Neste sistema, a execução do plano é levada a cabo por um agente urba-
nizador, seleccionado mediante concurso público, de acordo com as condições
definidas nas bases do concurso e os termos fixados num convénio celebrado com
o município. A ele compete concertar livremente com os proprietários dos terrenos
a forma como estes participam na gestão urbanística (através da cedência de solo
e de dinheiro ou apenas de solo). Além disso, é beneficiário da expropriação de ter-
renos, no caso de haver proprietários que renunciem a participar nas operações de
execução do plano. A singularidade deste sistema, que apareceu, pela primeira vez
regulado na legislação da Comunidade Autónoma de Valência, radica no facto de
esse agente não necessitar de ser proprietário dos terrenos: é simplesmente um
empresário, que se compromete a realizar as obras de urbanização previstas no
programa de execução integrada do plano, suportando os custos correspondentes,
que serão compensados ou através de parcelas ou lotes edificáveis ou em dinheiro
pelos proprietários dos terrenos edificáveis do âmbito ou sector correspondente que
cooperem voluntariamente na execução do plano – para mais desenvolvimentos,
CRIADO SÁNCHEZ (2005: 105 ss.); SANTIAGO IBAÑEZ (2008: 8 ss.).
249 CANO MURCIA (2006: 29).
250 Com efeito, já em 1990, a jurisprudência espanhola tinha tomado posi-

ção relativamente a esta matéria: a Sentença de 01.11.1990 do Tribunal Supremo


O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 125

Tendo em conta a actual realidade normativa, prevêem-se, em


regra, dois tipos de convenios urbanísticos: os convenios de planea-
miento, cujo objecto é o conteúdo de planos a elaborar, a alterar ou
a rever e os convenios de gestión urbanística, através dos quais se
definem os termos e as condições que servem de base à gestão e exe-
cução de um plano já aprovado251. Assim, v.g., na Ley 5/1999, de
25/03, de Ordenación Urbanística de Aragón, encontram-se regula-
dos, quer os convenios de planeamiento (artigo 83.°), quer os con-
venios de gestión (artigo 84.°); a Ley 2/2001, de 25/06, de Ordena-
ción Territorial y Regimen Urbanístico del Suelo de Cantabria
acolhe convenios para la ejecución del planeamiento (artigo 261.°)
e convenios de gestión (artigo 262.°); a Ley 9/2001, de 17/07, del

espanhol determinou que o pacto pelo qual o particular se obriga a ceder a certo
Ayuntamento um terreno e este a garantir que se torne possível uma determinada
edificabilidade é um contrato, que tem, no entanto, a sua eficácia dependente de
a entidade administrativa acolher no plano o conteúdo do mesmo. Por outro lado,
afirmou-se na Sentença de 20.12.1991 do mesmo Tribunal que tais convénios não
podem limitar os poderes de planeamento e, mais recentemente, na Sentença de
15.03.97, que os convénios urbanísticos constituem uma forma de actuação fre-
quente na prática das administrações públicas, os quais são admissíveis na medida
em que não incidam sobre competências das quais a Administração não possa dis-
por por via contratual. Cf. MARTÍN HERNÁNDEZ (1995: 75-76); LÓPEZ PELLICER
(1996: 98-99).
A doutrina espanhola sustenta que os convenios urbanísticos constituíram o
primeiro marco histórico do chamado urbanismo concertado. É unânime a acei-
tação de que este paradigma nasce com a aprovação do III Plan de Desarrollo
Económico y Social (Ley 22/1972, de 10/05) que instituiu, em via geral, um
modelo público-privado de gestão urbanística, em que “a iniciativa privada com-
plementa ou substitui a gestão pública” – RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 93) – e se
“atribui aos agentes privados um peso específico na tomada de decisões primárias
sobre o modelo urbanístico ao permitir a sua participação activa nas decisões de
planificação” – OCHOA GOMÉZ (2006: 77). Daí que FERNÁNDEZ RODRÍGUEZ (1974:
98) fale, neste contexto, de um modelo fundador de “verdadeiras cidades de ini-
ciativa e promoção privada”.
251 SENDÍN GARCÍA (2008: 30), ARREDONDO GUTIÉRREZ (2003: 28); CANO

MURCÍA (2006: 38).


126 Contratos Urbanísticos

Suelo de la Comunidad de Madrid prevê convenios urbanísticos de


planeamiento (artigo 245.°) e convenios urbanísticos para la ejecu-
ción del planeamiento (artigo 246.°); o Decreto Legislativo 1/2004,
de 22/04, de Canarias prevê convenios urbanísticos de gestión con-
certada (artigo 109.°), convenios urbanísticos de ejecución empre-
sarial (artigo 119.°), convenios de planeamiento [artigo 236.°, 3.,
b)] e convenios de gestión [artigo 236.°, 3., a)]; a Ley 16/2005, de
30/12, da Comunidad Valenciana admite convenios urbanísticos de
planeamiento (disposição adicional 4.ª) e convenios urbanísticos de
gestión (disposição adicional 4.ª)252.
Sendo assim, nos nossos dias, praticamente todas as leis auto-
nómicas regulam a figura dos convenios urbanísticos nas suas diver-
sas modalidades. Segundo OCHOA GÓMEZ, as “disposições legislati-
vas autonómicas converteram-se no principal ponto de referência
em matéria de convénios urbanísticos” e evidenciam uma certa
“obsessão de rodear a prática convencional da máxima transparên-
cia, limites e publicidade”253. Na realidade, a dogmática da contra-
tação urbanística no país vizinho apresenta-se já “em idade adulta”,
revelando um certo estado ou grau de amadurecimento que, ao
longo desta dissertação, nos permitirá colher diversas soluções per-
tinentes no tratamento jurídico dos contratos urbanísticos.

2.4. Direito Alemão

O sistema urbanístico alemão assenta sobre o designado prin-


cípio da planificação urbanística de âmbito municipal em dois
degraus (Prinzip der Zweistufigkeit der Bauleitplanung): o plano de
utilização de zonas ou plano de zonamento (Flächennutzungsplan)
e o plano de urbanização ou plano de utilização do solo com fins de
edificação (Bebauungsplan). Se o primeiro se destina a disciplinar o

252 CANO MURCÍA (2006: 39-42).


253 OCHOA GÓMEZ (2006: 96).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 127

uso geral dos solos no interior do município, vinculando quer este


último, quer as demais autoridades públicas (sem que, todavia,
esteja dotado de eficácia plurisubjectiva), ao segundo encontra-se
cometida a tarefa de estabelecer vinculativamente para os cidadãos
a natureza e a intensidade de utilização dos solos (integrados em
sectores determinados do município), sem contrariar as disposições
contidas no Flächennutzungsplan254 [§§ 5 a 7 e §§ 8 a 10, do
BauGB]. Em qualquer das hipóteses, e por força do § 1/4 do
BauGB, impende sobre os planos uma obrigação de adaptação,
impondo o referido preceito que os planos urbanísticos se adaptem
(anpassen) aos fins de ordenamento do território, estabelecidos nos
planos de ordenamento do território que abrangem toda a área de um
Land (Raumordnungsplänen für das Landesgebiet) e nos planos
regionais, que se referem a uma parte do território do Land (Regio-
nalplänen).
Sem perder de vista as eventuais dificuldades emergentes da
celebração de qualquer contrato de direito público (relacionadas,
primacialmente, com a possibilidade de modificação de exigências
legais por via contratual)255, o Direito do Urbanismo alemão consa-
gra, em termos muito latos, a possibilidade de os municípios cele-
brarem contratos urbanísticos (städtebauliche Verträge), caracteri-
zando-se a prática urbanística alemã pela nítida tendência para o
consenso, logo a partir dos anos 90 do século passado. Encontrando
já antecedentes nos instrumentos legais de execução dos planos
(Planverwirklichungsgebote), previstos desde a Städtebauförde-
rungsgesetz de 1971, a admissibilidade dos contratos urbanísticos
está hoje plasmada no § 11 do BauGB256. A intervenção legislativa
nesta matéria surge orientada por um triplo propósito: constituir um
instrumento de redução da conflitualidade entre o município e os

254 Sobre o sentido e o alcance destes instrumentos de planeamento, ALVES


CORREIA (1989: 203-206, n. 61 e 62), ainda actual, apesar das subsequentes alte-
rações legislativas.
255 BICK (2001: 155).
256 BICK (2001: 154); KRAUTZBERGER (2006: 1).
128 Contratos Urbanísticos

promotores, promover a correcta definição da tarefa urbanística


como tarefa comum do sector público e do sector privado e legiti-
mar a prática da celebração de contratos no âmbito urbanístico257.
O objecto destes contratos é indicado, exemplificativamente,
no § 11/1, frases 1 a 4, do BauGB258, estatuindo o n.° 4 do mesmo
preceito que “a admissibilidade de outros contratos urbanísticos não
é afectada” pela referida indicação exemplificativa259. Permite,
assim, o direito germânico não apenas os contratos de gestão urba-
nística, isto é, aqueles que têm por objecto “a preparação ou a reali-
zação de operações urbanísticas pelo co-contratante a expensas
suas” (die Vorbereitung oder Durchführung städtebaulicher Mas-
snahmen durch Vertragspartner auf eigene Kosten), mas também
os contratos para planeamento, ou seja, aqueles que têm por objecto
“a elaboração de planos urbanísticos, bem como, sendo necessário,
do relatório ambiental” (die Ausarbeitung der Städtebaulichen Pla-
nungen sowie erforderlichenfalls des Umweltambémerichts), viabi-
lizando dentro destes os contratos na fase preparativa ou no decor-
rer do planeamento urbanístico260.
Aliás, o § 12 do BauGB reconhece um tipo específico de con-
trato urbanístico, próximo daquele que qualificaremos como con-
trato urbanístico integral261: o designado “contrato de execução de
um plano urbanístico relativo a um projecto” (Durchfürhrungsver-
trag zum vorhabenbezogene Bebauungsplan), que constitui como

257 KRAUTZBERGER (2006: 1); KRAUTZBERGER (2007: 407); BICK (2001: 154).
258 Para uma consideração pormenorizada dos vários tipos contratuais pre-
sentes nas citadas disposições, BÖNKER (2004: 410-419); LÖHR (2007: 270-278).
259 Aliás, o próprio BauGB admite, noutros preceitos, a existência de con-

tratos urbanísticos diversos dos elencados no § 11: assim acontece, v.g., com o
contrato através do qual o Gemeinde delega num privado a preparação e reali-
zação de diligências procedimentais (§ 4b – cf. infra, em texto), com o contrato
de urbanização (§124) ou com o contrato de reabilitação urbana (§171 c). Cf.
KRAUTZBERGER (2006: 2).
260 KRAUTZBERGER (2007-A: 408).
261 Infra, parte III, capítulo II, 1.
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 129

que “um protótipo legal de um contrato para planeamento e um con-


trato de execução” (ein Prototyp eines städtebaulichen Planungs-
und Durchführungsvertrages)262. Aquele preceito prevê a existência
de planos de urbanização relacionados com projectos concretos
(vorhabenbezogenen Bebauungsplan) que, uma vez emitidos, cons-
tituem pressuposto suficiente para basear as operações de licencia-
mento. Ora, esses planos, referindo-se sempre a um projecto deter-
minado, assentam num contrato (um contrato administrativo)
celebrado entre o município e o promotor do projecto263, cuja pro-
posta é apresentada por este último e que tem como pressuposto a
assunção (por parte do particular) dos custos do planeamento e da
obrigação de realização das infra-estruturas e de concretização do
projecto, dentro de um prazo determinado (embora, por via de regra,
susceptível de prorrogação por decisão do município, desde que o
promotor apresente razões objectivas para tal). O procedimento pre-
visto pelo § 12 possui, assim, uma tripla componente: o projecto de
desenvolvimento urbanístico acordado com o município, o contrato
de execução e o plano de urbanização relacionado com o projecto.
Disciplinado, com algum pormenor, pelo citado § 12, o regime
jurídico deste tipo de contratos urbanísticos possui especificidades
interessantes: assim sucede, por exemplo, com a atribuição de uma
posição jurídica especial (besondere Rechtsstellung) ao contraente
privado (§ 12/2), no que se refere à iniciativa do procedimento de
planeamento (impondo à Administração Pública que se pronuncie
sobre a abertura do mesmo) e à participação (relacionada com os
dados do estudo de impacto ambiental); igualmente relevante se afi-
gura a possibilidade de alteração do titular do projecto (Träger-

262 KRAUTZBERGER (2007-A: 410).


263 Se, em regra, o promotor do projecto é proprietário dos terrenos abran-
gidos pelo plano, tal não se revela obrigatório – como sublinha KRAUTZBERGER
(2007-B: 285), na senda de alguma jurisprudência, imprescindível é que o pro-
motor possua uma autorização que confira a possibilidade de utilização (desde
logo, para finalidades de construção) dos terrenos.
130 Contratos Urbanísticos

wechsel), que carece de consentimento do município, o qual apenas


poderá ser recusado, quando se conclua que coloca em perigo o pla-
neamento e a execução do projecto dentro do prazo acordado para
o cumprimento das obrigações (§ 12/5)264. A íntima relação entre o
concreto projecto, o plano urbanístico e a execução encontra-se cla-
ramente demonstrada no § 12/6, que impõe ao município a anulação
do plano, sempre que as obrigações relacionadas com a execução
urbanística não forem executadas dentro do prazo; tal anulação im-
porta, para o promotor do projecto, a perda de todos os direitos que
o contrato lhe havia conferido265.
A abertura manifestada pelo § 11 do BauGB conhece, porém,
importantes limites materiais e formais266. Assim, e desde logo, a
parte final do §11/1 do Baugesetzbuch determina que “a responsa-
bilidade do município para o procedimento de elaboração do plano
previsto na lei não é afectada” pela celebração de um contrato. E, na
mesma linha, o § 1/3, frase 2, do referido Código prescreve que não
é reconhecido qualquer direito subjectivo (Anspruch) à elaboração
de planos urbanísticos e regulamentos urbanísticos e que uma tal
pretensão não pode fundar-se num contrato: a previsão contratual de
um tal direito conduz à invalidade do contrato, de acordo com o
§ 59/1 da VwVfG. Como resulta da jurisprudência do Bundesver-
waltungsgericht, contrários a este preceito revelam-se a assunção
não só da obrigação de o município realizar activamente um deter-

264A permitir, na esteira de BÖNKER (2004: 441) afirmar um direito ao con-


sentimento para alteração do titular do projecto.
265 Sobre este contrato, BÖNKER (2004: 437-449); KRAUTZBERGER (2006: 4);

KRAUTZBERGER (2007-A: 410-411); KRAUTZBERGER (2007-B: 282-191).


266 Sem prejuízo dos demais limites emergentes dos §§ 56 e ss. da VwVfG,

que se aplicam supletivamente aos contratos urbanísticos, existindo entre estes


preceitos e o § 11 BauGB uma relação de norma geral/norma especial – BICK
(2001: 156). Repare-se, porém, que a natureza jurídica (pública ou privada) do
contrato urbanístico constitui uma questão discutida – BICK (2001:157); BÖNKER
(2004: 407-409) –, sendo ainda admissível que o mesmo contrato urbanístico con-
tenha elementos de direito público e de direito privado – LÖHR (2007: 266).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 131

minado planeamento (aktive Planung), como também da obrigação


de não elaborar qualquer plano267. Neste sentido, o contrato urba-
nístico assume-se como um contrato bilateral imperfeito (ou, na
expressiva terminologia alemã, um “contrato de troca claudicante”
– hinkender Austauschvertrag), em que a obrigação do município
representa um pressuposto, uma causa (uma base negocial) para a
contraprestação do particular, não se encontrando numa relação de
sinalagmaticidade com ela268. O facto de o município permanecer,
em qualquer caso, como “senhor do procedimento” (Herr des Ver-
fahrens) permite superar todas as críticas dirigidas à intervenção dos
privados no planeamento em consequência da falta de legitimidade
democrática para a elaboração de normas jurídicas vinculativas,
bem como abrir o procedimento à participação de todos os cida-
dãos269.
Por outro lado, o § 11/2, louvando-se no princípio da propor-
cionalidade e no princípio do equilíbrio prestacional (ambos fun-
damentados no § 56/1, frase 2, da VwVfG), estabelece que as pres-
tações acordadas devem ser adequadas às circunstâncias do caso:
neste sentido, exige-se uma proporcionalidade objectiva (objektive
Angemessenheit) – a pressupor uma correspectividade económica
entre as prestações dos contraentes ou, no mínimo, que, do lado da
Administração, não se verifique um “abuso de poder” –, bem como
uma proporcionalidade subjectiva (subjektive Angemessenheit) –
não se verificando a imposição da contratação aos particulares270.
Além disso, determina que a negociação não pode incidir sobre pres-
tações que constituam direitos do particular na ausência de contrato
(a designada Koppelungsverbot), impedindo que, por elas, a Admi-
nistração venha exigir ao particular uma contraprestação271: em

267 Decisão de 28/12/05, apud KRAUTZBERGER (2007: 408).


268 BICK (2001: 156).
269 LÖHR (2007: 266).
270 LÖHR (2007: 278-279).
271 A jurisprudência alemã já se tem debruçado sobre o sentido a conferir

a esta disposição, articulando amiúde as duas vertentes. Assim, v.g., entendeu o


132 Contratos Urbanísticos

causa está, pois, a proibição da “compra e venda de actos de auto-


ridade” (Verkauf von Hoheitsakten)272. Deste modo, e como forma
de tutela da posição jurídica do particular, a Koppelungsverbot exige
que a finalidade da contraprestação do contraente privado conste
expressa ou implicitamente do clausulado contratual273.
Em termos formais, o § 11/3 do citado Código preceitua que os
contratos urbanísticos devem revestir a forma escrita, a não ser que
outras disposições imponham de forma diversa274. À forma escrita
pode ainda associar-se o reconhecimento notarial, sempre que o
contrato pressuponha a transferência da propriedade de terrenos ou
se destine a fundamentar obrigações reais275.
A doutrina alemã qualifica os contratos urbanísticos como con-
tratos de direito público e, quanto aos que têm por objecto a ela-
boração de planos urbanísticos municipais, – que são os planos de
utilização de superfícies (Flächennutzungspläne) e os planos de
urbanização (Bebauungspläne) –, entende a mesma que estes só
podem incidir sobre os espaços abrangidos pela discricionariedade
de planeamento e que os mesmos contribuem para uma maior legi-

OVG de Lüneburg que o princípio da proporcionalidade exige que, de uma pers-


pectiva económica, exista uma relação de equilíbrio entre a prestação pública e
a prestação privada, não sendo legítimo que a autoridade administrativa, sob
pena de abuso de poder, imponha ao promotor encargos insuportáveis; por sua
vez, a Koppelungsverbot implica que o contrato não possa, por um lado, criar
ligações entre elementos que não tenham já uma relação interna e, por outro
lado, estabelecer uma dependência entre decisões de autoridade e contraparti-
das económicas, sem a respectiva autorização legislativa. Cf. KRAUTZBERGER
(2007: 410).
272 Decisão do Bundesverwaltungsgericht de 24/08/94, apud B ICK

(2001: 160).
273 BÖNKER (2004: 429).
274 Trata-se de uma disposição em tudo idêntica à do § 57 da VwVfG, que,

também supletivamente, impõe a adopção da forma escrita na celebração dos con-


tratos administrativos.
275 BÖNKER (2004: 426); KRAUTZBERGER (2007-B: 285), a propósito dos

Durchfürhrungsverträge zum vorhabenbezogene Bebauungsplan, do § 12.


O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 133

timação dos planos e para uma ponderação mais eficaz dos interes-
ses coenvolvidos na planificação urbanística276.
Atente-se, porém, que a interferência privada no planeamento
não se circunscreve à celebração de contratos para planeamento,
conhecendo o direito alemão a figura do “Verwaltungshelfer” (“aju-
dante da Administração Pública”). Sob a epígrafe “intervenção de
terceiro” (Einschaltung eines Dritten), o § 4b do BauGB prevê
que o município possa delegar num privado a tarefa de preparação e
execução de diligências procedimentais, com o propósito de acele-
rar o procedimento de planeamento. Além de propiciar uma coope-
ração especialmente intensa entre particulares e Administração no
planeamento, este expediente viabiliza a atribuição àqueles da tarefa
de execução de determinadas disposições procedimentais. Deste
modo, a figura em causa constitui uma expressão do fenómeno da
privatização funcional ou formal da Administração, mas já não de
privatização material, dado que a responsabilidade pela prossecução
da tarefa continua a pertencer ao município que, nas relações exter-
nas – com os cidadãos ou com outras entidades públicas –, por ela
terá de responder, não se encontrando o terceiro na posição de um
beliehener Unternehmer, antes constituindo um “ajudante da Admi-
nistração Pública”277.

3. Tipologia dos Contratos Urbanísticos

A diversidade existente no seio do instituto contrato urbanístico


– a que já, por diversas vezes, aludimos e que a explicitação das
experiências jurídicas estrangeiras evidenciou – impõe uma neces-
sária inflexão para o direito nacional, com o propósito de sistema-

276 BATTIS (2007: §1, 17 e 31 e 32, e §11, 265-280); HOPPE (2004: 406-437).
277 Assim, KRAUTZBERGER (2007: 413 s.).
134 Contratos Urbanísticos

tizar os vários tipos de contratos incluídos na noção esboçada. Os


contratos urbanísticos podem ser classificados atendendo a diver-
sos critérios. Entre outros, podemos considerar os seguintes: (I) o
objecto, (II) as partes, (III) o fim, (IV) o carácter necessário ou
meramente conveniente, (V) a inserção no procedimento adminis-
trativo, (VI) o âmbito da eficácia subjectiva, (VII) a natureza da
regulação do contrato, (VIII) a intensidade da regulação legal.

I) No que toca ao objecto, desdobram-se os contratos urbanís-


ticos em contratos para planeamento e contratos de execução.
Esta classificação bipartida dos contratos urbanísticos assenta
numa distinção entre contratos pre-plan – nascidos antes da forma-
ção de um plano urbanístico – e contratos post-plan – celebrados
depois da aprovação do mesmo. Neste sentido, o contrato urbanís-
tico é “um instrumento e uma regra da planificação urbanística,
intervindo não só a jusante do processo de planificação, quer dizer,
na fase operativa ou de execução [instrumento], mas também a mon-
tante desse mesmo processo, isto é, na fase decisória/programatória
[regra]”278. No primeiro caso, estamos perante contratos de execu-
ção de planos, enquanto no segundo face a contratos para planea-
mento.
Os contratos de execução são concluídos sobre a base de um
plano já aprovado e plenamente eficaz e visam definir os aspectos
concretos das prescrições urbanísticas em vigor, fixando os termos
e as condições para a sua concretização279. Assim, têm como
objecto disciplinar “as condições detalhadas de execução do plano
e os seus prazos”280, “nascem uma vez concluída a fase de pla-
neamento e contribuem para acelerar ou tornar mais eficiente a exe-
cução do mesmo”281. Sob ponto de vista cronológico, os contratos

278 SEBASTIANELLI (2006: 2); URBANI (2000: 69, 77).


279 OCHOA GÓMEZ (2006: 108-109).
280 SENDÍN GARCÍA (2008: 30).
281 BUSTILLO BOLADO/CUERNO LLATA (2001: 81-82).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 135

de execução representam as primeiras espécies (endémicas) da con-


tratação urbanística, constituindo, inovadoramente, um dos primei-
ros domínios em que se afirmou a contratualização da actividade
administrativa282. A importância que assumem na praxis jus-urba-
nística e na dogmática do Direito do Urbanismo justifica que lhes
dediquemos especial atenção na Parte III, Capítulo I, no qual anali-
saremos as classes ou modalidades de contratos de execução pre-
vistos no nosso ordenamento jurídico-urbanístico.
Por seu turno, o contrato para planeamento, talqualmente o
contrato de execução, é uma figura ampla que abrange diferentes
fattispecies contratuais, cada uma com a sua regulamentação pró-
pria. Não existe apenas um tipo de contrato de execução, assim
como não existe apenas uma modalidade de contrato para planea-
mento. De qualquer modo, podemos afirmar, sem reservas, que, lato
sensu, os contratos para planeamento são sempre celebrados na fase
de elaboração ou de formação de um plano urbanístico com o fim
de determinar as bases sobre as quais este irá repousar no futuro283.
Versam sobre aspectos relativos ao conteúdo do plano, tendo, em
qualquer caso, influência sobre as prescrições do mesmo. Possuem,
por isso, carácter inovatório sobre o planeamento urbanístico, de-
terminando, em larga medida, o modelo territorial de ocupação do
espaço municipal. No fundo, nas certeiras palavras de URBANI,
envolvem “uma codeterminação público-privada das decisões urba-
nísticas a montante das normas vigentes do plano”284. A sua recente
consagração legal (artigo 6.°-A do RJIGT) e os complexos proble-
mas que colocam justifica que lhes dediquemos o Capítulo II da
Parte III da nossa investigação (sobre as diferentes modalidades,
infra Parte III, Capítulo II, 1.).

282 BORELLA (1998: 420); PUGLIESE (1971: 1469).


283 OCHOA GÓMEZ (2006: 108).
284 URBANI (2000: 224).
136 Contratos Urbanísticos

II) Quanto às partes, os contratos urbanísticos podem ser:


a) Dependendo da qualidade das partes, contratos entre enti-
dades públicas e particulares, contratos entre entidades públicas
e contratos entre particulares. Uma vez que já analisámos a pro-
blemática dos sujeitos dos contratos urbanísticos no número ante-
rior, limitar-nos-emos a identificar as traves-mestras deste critério.
Os primeiros correspondem ao paradigma da contratação urbanís-
tica, pois, em regra, os contratos urbanísticos associam uma enti-
dade pública a uma entidade privada. São, portanto, aqueles que na
praxis jus-urbanística se celebram com maior frequência.
Os segundos correspondem aos contratos interadministrati-
285
vos , celebrados entre duas ou mais entidades públicas que exer-
cem a função administrativa (artigo 338.° do CCP): o artigo 6.°-A,
n.° 7, do RJIGT prevê a possibilidade de serem celebrados contratos
entre o Estado ou outras entidades públicas e as autarquias locais
que tenham por objecto a elaboração, alteração, revisão ou execução
de instrumentos de gestão territorial. Parece-nos que, nestes casos, o
que está em causa é a contratualização do conteúdo de uma norma
de natureza regulamentar com vista à aprovação da mesma286. Toda-
via, segundo o preceituado no artigo 6.°-A, n.° 2, tais contratos
incorporam-se no acto formal de aprovação, mas não o substituem.
Os últimos, ao contrário do que pode parecer à primeira vista,
não têm nada de surpreendente: essencial é que pelo menos um dos

285 ALEXANDRA LEITÃO afirma que estes contratos caracterizam-se por


serem: “(i) contrato administrativo; (ii) celebrados entre duas entidades adminis-
trativas; (iii) cujo objecto visa directa e imediatamente a prossecução dos fins
públicos constitucional e legalmente cometidos a essas entidades” – ALEXANDRA
LEITÃO (2008: 736).
286 É este também o sentido de ALEXANDRA LEITÃO (2008: 17). Como refere

a autora, “nada obsta a que sejam celebrados contratos procedimentais entre enti-
dades públicas, designadamente quando esteja em causa a emissão de uma norma
ou a prática de um acto administrativo que, apesar da competência de um das enti-
dades, implica a participação de outras entidades no procedimento administrativo
tendente à sua adopção” – Ob. cit: 17-18.
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 137

contraentes esteja investido de uma capacidade contratual de di-


reito público para a celebração de contratos urbanísticos287.
b) Dependendo do número de partes, os contratos urbanísticos
distinguem-se entre bilaterais (contrato entre uma entidade pública
e um particular ou entre duas entidades públicas) ou plurilaterais
(entre várias entidades públicas ou entre uma entidade pública e vá-
rios particulares). Exemplos de contratos urbanísticos plurilaterais
são: o contrato de urbanização previsto no artigo 131.°, n.os 8 e 9,
do RJIGT em que podem ser partes o município, os proprietários e
outras entidades interessadas; o contrato de urbanização (no âmbito
do sistema de compensação) celebrado entre o município, os pro-
prietários ou os promotores da intervenção urbanística e, eventual-
mente, outras entidades interessadas na execução do plano [artigo
123.°, n.° 2, alínea b), do RJIGT]; e o contrato de urbanização regu-
lado no artigo 55.°, n.° 2, do RJUE, no qual podem figurar como
partes o município, o proprietário e outros titulares de direitos reais
sobre o prédio e, facultativamente, as empresas que prestem servi-
ços públicos, bem como outras entidades envolvidas na operação de
loteamento ou na urbanização dela resultante, designadamente inte-
ressadas na aquisição dos lotes.

III) Quanto ao fim, podemos ter contratos urbanísticos de


colaboração, de atribuição e de coordenação.
Os contratos de colaboração são “contratos através dos quais a
Administração procura obter o concurso de particulares para a pros-
secução das tarefas de que legalmente está incumbida”288. Trata-se,
por conseguinte, de contratos que visam associar um particular ao
desempenho regular de atribuições administrativas. Exemplo típico
é o contrato de concessão de urbanização celebrado no âmbito do
sistema de imposição administrativa (artigo 124.° do RJIGT).

287 PEDRO GONÇALVES (2003: 82).


288 Ob. cit.: 65.
138 Contratos Urbanísticos

Dizem-se contratos de atribuição “os que investem o particular


de uma posição jurídica favorável ou que, em certos termos, facili-
tam o cumprimento de certas obrigações que sobre ele impendem”.
Nas palavras de MARCELO REBELO DE SOUSA, “visam a outorga, pela
Administração, de uma vantagem à sua contraparte”289. Tendo em
conta o facto de os contratos de colaboração também poderem en-
volver a outorga de vantagens ao co-contratante da Administração,
a diferença entre as duas categorias de contratos “está no facto de
apenas nos contratos de atribuição a outorga de vantagens ao co-
-contratante da Administração constituir a prestação típica, ou seja,
aquela que permite identificar o tipo contratual em causa”290. É o
caso do contrato-programa celebrado entre o Governo e as autar-
quias locais que tem como objecto a concessão de auxílios finan-
ceiros para a “reconversão de áreas urbanas de génese ilegal ou
programas de reabilitação urbana, quando o seu peso relativo trans-
cenda a capacidade e a responsabilidade autárquica nos termos da
lei” [artigos 6.°, n.° 2, alínea b), e 8.°, n.° 3, alínea d), da LFL (Lei
n.° 2/2007, de 15/01)].
Por fim, são contratos de coordenação os contratos celebrados
entre entidades públicas no âmbito do Direito Administrativo que
têm “como objecto o concerto da prossecução das respectivas atri-
buições”291 (v.g., os contratos interadministrativos de adaptação já
caracterizados).

IV) No que concerne ao carácter necessário ou meramente


conveniente, podemos afirmar que o contrato urbanístico surge ora
como uma alternativa ao exercício unilateral dos poderes públicos
urbanísticos ora como a única via que a lei determina para se cons-
tituir, modificar ou extinguir uma certa relação jurídica adminis-
trativa.

289 MARCELO REBELO DE SOUSA (2008: 52).


290 Ob. cit.: 52
291 Ob. cit., loc. cit.
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 139

A decisão de actuar por via consensual, em vez de unilateral-


mente, tem carácter discricionário, razão por que só será admissível
nas situações em que a lei não fixe vinculadamente uma outra forma
de actuação ou aquela não se revele incompatível com a natureza da
relação jurídica. Ora, isso mesmo vem previsto na parte final do
artigo 278.° do CCP (“salvo se outra coisa resultar da lei ou da natu-
reza das relações a estabelecer”). Nos termos deste preceito e “de
acordo com a opinião maioritária, para se ter por afastada a forma
contratual tem a lei de expressamente a excluir”292.
O contrato urbanístico fica assim a constituir uma figura de uti-
lização geral, apresentando-se como uma forma de acção admi-
nistrativa que pode ser utilizada em alternativa ao acto adminis-
trativo – vale, por isso, o princípio da alternatividade entre acto e
contrato. Assim sucederá nos casos em que é celebrado um contrato
para planeamento (artigo 6.°-A e 6.°-B do RJIGT) ou quando a
Administração recorre ao contrato de urbanização regulado no
artigo 55.° do RJUE.
Noutras ocasiões, o contrato urbanístico não será uma alterna-
tiva, mas a única forma que está ao alcance da Administração para
se regular uma determinada relação jurídica ou para se atingir um
objectivo concreto. E isto será assim sempre que estejamos perante
normas legais específicas de competências que apenas podem ser
exercidas por contrato (e não através de formas unilaterais de actua-
ção). Nestes casos, há uma imposição legal da forma contratual ou,
no dizer de PEDRO GONÇALVES, o contrato assume-se aqui “como
uma forma obrigatória, que a Administração não pode afastar”293.
Constituem exemplos impressivos: o contrato celebrado no âmbito
do procedimento de licenciamento de loteamento, obras de urbani-

292 FILIPA CALVÃO (2008: 350).


293 PEDRO GONÇALVES (2003: 40) – designa esse contrato como “um con-
trato com objecto exclusivo de contrato administrativo, que, nos termos da lei,
versa sobre um objecto que, em concreto, não pode figurar num acto administra-
tivo nem num contrato de direito privado” – Ob. cit.: 68.
140 Contratos Urbanísticos

zação e trabalhos de remodelação de terrenos (artigo 25.°, n.° 3, do


RJUE), mediante o qual o requerente assume determinadas obriga-
ções relativas à execução de trabalhos de construção de arruamen-
tos e de infra-estruturas e respectivos encargos inerentes à execu-
ção e funcionamento das mesmas; e o contrato de concessão de
urbanização previsto no artigo 124.° do RJIGT, norma que parece
ir ainda mais longe, exigindo (caso o município opte pela via indi-
recta) não apenas a forma contratual, mas também um certo tipo de
contrato.

V) No que respeita à inserção no procedimento administrativo,


podemos distinguir contratos urbanísticos finalizadores do proce-
dimento, preparatórios do procedimento e alternativos ao pro-
cedimento.
Em resultado da procedimentalização da actividade administra-
tiva, o contrato urbanístico surge no contexto de um procedimento
administrativo, que demarca com precisão as diversas fases em que
a figura contratual se situa. Assim, os contratos urbanísticos finali-
zadores do procedimento põem termo ao procedimento administra-
tivo294. Constitui um exemplo sugestivo o contrato concluído no
domínio da chamada expropriação amigável, que põe termo ao pro-
cedimento expropriativo (artigos 33.° e 37.° do CE).
Por seu turno, nos contratos urbanísticos preparatórios do pro-
cedimento, apesar da existência de um contrato, continua a ser
necessária a prática de um acto administrativo expresso, cujo con-
teúdo pode estar, total ou parcialmente, predeterminado pelas esti-
pulações do contrato. Neste sentido, veja-se infra o contrato referido
no primeiro exemplo do ponto 4.2. do Cap. II (Parte III).
Já os contratos urbanísticos alternativos ao procedimento não
se inserem em nenhum procedimento, substituem-no e tornam des-
necessário o início da tramitação do mesmo. É o caso dos contratos

294 ARREDONDO GUTIÉRREZ (2003: 20).


O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 141

celebrados entre a Administração e os particulares antes de desen-


cadeado qualquer procedimento expropriativo e que constituem uma
aquisição (“antecipada”) da propriedade privada por parte da Admi-
nistração – designada pela lei como aquisição pela via do direito
privado – artigo 11.° do CE.

VI) Quanto ao âmbito de eficácia subjectiva, desdobram-se os


contratos urbanísticos em contratos com eficácia entre as partes,
contratos com efeitos regulamentares e contratos com efeitos em
relação a terceiros. O contrato urbanístico, em correspondência com
o princípio geral do direito dos contratos vertido no artigo 406.°,
n.° 2 do Código Civil, consiste num acordo que, em princípio, gera
direitos e obrigações para os contraentes, isto é, os seus efeitos pro-
duzem-se apenas entre as partes. Se outra coisa não resultar directa-
mente da lei ou da natureza do contrato, “os direitos e obrigações
estipulados são portanto direitos e obrigações das partes do con-
trato entre si; quando assim é, estamos diante de contrato adminis-
trativo com efeitos jurídicos restritos às partes, com uma eficácia
parcial”295.
Porém, há casos em que os contratos celebrados entre uma enti-
dade pública e um particular (ou entre entidades públicas) possuem
uma eficácia normativa ou regulamentar. Quer dizer, “o contrato
contém cláusulas que, entre as partes – ad intra –, são cláusulas con-
tratuais (fixam direitos e obrigações recíprocas), e que, ao mesmo
tempo, fixam deveres de uma das partes em relação a terceiros, pes-
soas que não participaram no negócio mas que, no fim de contas, são
os destinatários ou beneficiários da actuação do contratante”296. Por
isso, estes contratos, designados por MARCELO REBELO DE SOUSA
como contratos com efeitos directos para terceiros, “além de pro-
duzirem efeitos inter partes, criam direitos e/ou deveres para pes-

295 PEDRO GONÇALVES (2003: 66).


296 Ob. cit., loc. cit.
142 Contratos Urbanísticos

soas estranhas ao círculo contratual, como decorrência imediata do


próprio conteúdo do contrato [ou, na expressão do artigo 40.°, n.° 2,
alínea b), do CPTA, contêm cláusulas estabelecidas em função de
terceiros]; aqueles efeitos podem produzir-se, quer em relação a pes-
soas determináveis, quer em relação a pessoas indetermináveis
(neste último caso, pode falar-se em contratos verdadeiramente re-
gulamentares)”297 – exemplo desse tipo é o contrato de concessão
de urbanização (artigo 124.° do RJIGT).
Por último, não devem confundir-se com os anteriores os con-
tratos que produzem efeitos jurídicos laterais – favoráveis ou des-
favoráveis – em relação a terceiros. Trata-se de contratos com efei-
tos reflexos para terceiros que “não afectam a esfera jurídica de
pessoas estranhas ao contrato em virtude do respectivo conteúdo
contratual mas sim em virtude da sua execução”298. Um exemplo
de um contrato urbanístico deste tipo é o contrato de concessão
no âmbito da gestão das infra-estruturas e dos espaços verdes e de
utilização colectiva entre o município e moradores ou grupos de
moradores das zonas loteadas e urbanizadas (artigos 46.°, n.° 1,
e 47.°, do RJUE).

VII) No que diz respeito à natureza da regulação do contrato,


distinguem-se os contratos decisórios dos contratos obrigacionais
(destrinçando-se estes últimos dos contratos com efeitos reais).

297 MARCELO REBELO DE SOUSA (2008: 53).


298 Ob. cit. Note-se que a distinção entre contratos com efeitos directos para
terceiros e contratos com efeitos reflexos para terceiros não é despicienda, assu-
mindo relevância decisiva no plano da determinação da legitimidade processual.
Assim, os terceiros gozam de legitimidade para exigir jurisdicionalmente a exe-
cução dos contratos com efeitos directos, na medida em que sejam titulares de
direitos decorrentes do seu conteúdo [artigo 40, n.° 2, alínea b), do CPTA], bem
como para arguir a invalidade dos contratos com efeitos reflexos, como modo de
impedir a execução que para si seja ou possa vir a ser prejudicial [artigo 40, n.° 1,
alínea g), do CPTA].
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 143

Os contratos decisórios são os que produzem imediatamente


efeitos constitutivos numa dada relação jurídica administrativa –
é o que se verifica, v.g., com o contrato previsto nos artigos 24.°,
n.° 2, alínea b), e 5, e 25.°, n.os 1, 3 e 6, do RJUE (infra, Capítulo
II, Parte III, 4.2).
Por sua vez, à categoria dos contratos obrigacionais pertencem
os contratos nos quais uma ou as duas partes assumem obrigações,
adquirindo a contraparte o direito de exigir o cumprimento dessas
obrigações299. Dentro dos contratos obrigacionais é ainda possível
precisar o âmbito das obrigações que deles emergem. Assim, pode-
remos ter contratos unilaterais, os quais geram obrigações só para
uma das partes (por ex., o contrato em que só a Administração as-
sume uma obrigação, v.g., de não praticar um certo acto administra-
tivo), e bilaterais (ou sinalagmáticos) que criam obrigações para
ambas as partes. Nestes contratos as partes assumem obrigações
recíprocas, quer dizer, ligadas entre si por um nexo de causalidade.
O artigo 327.°, n.° 1, do CCP refere-se expressamente aos contratos
sinalagmáticos (“contratos bilaterais”). Como referimos, entende-
mos que o contrato urbanístico em sentido estrito é um contrato
sinalagmático.
Acresce que, ao lado dos contratos urbanísticos com efeitos
meramente obrigacionais (v.g., o contrato que tem por objecto
a distribuição dos custos de urbanização entre os interessados
– artigo 142.° do RJIGT), existem contratos urbanísticos com
efeitos reais que implicam a transferência imediata (por mero
efeito do contrato) de bens imóveis entre particulares e a Admi-
nistração – pense-se nos casos de permutas de terrenos entre a
Administração e os particulares que têm lugar no domínio da pe-
requação de benefícios e encargos resultantes dos planos munici-
pais de ordenamento do território (artigo 139.°, n.° 6, do RJIGT)
ou ainda forma desse mesmo âmbito e, igualmente, o caso dos

299 MOTA PINTO (1999: 399).


144 Contratos Urbanísticos

contratos de urbanização e desenvolvimento urbano referidos no


artigo 92.°-A, n.° 4, do RJIGT.

VIII) Quanto à intensidade da regulação legal, depara-se-nos


o binómio contratos urbanísticos típicos ou secundum legem e con-
tratos urbanísticos atípicos ou praeter legem.
São típicos os contratos urbanísticos expressamente previstos
no ordenamento jurídico urbanístico. Em princípio, o conteúdo ou
o regime jurídico destes contratos é, em grande medida, definido
por lei. Por isso, podemos afirmar que “além de possuírem um
nome próprio (nomen iuris), que os distingue dos demais, consti-
tuem objecto de uma regulamentação legal específica”300. Toda-
via, esta asserção não significa que, talqualmente ocorre na dog-
mática civil, o contrato urbanístico típico seja objecto de
regulamentação nos seus elementos essenciais, objecto e conteúdo
obrigacional, já que a sua qualificação como típico resulta unica-
mente da sua previsão legal, que, na maior parte das vezes, se
limita a uma regulação mínima301. Constituem exemplos de con-
tratos urbanísticos típicos os que analisaremos no ponto 4 do Capí-
tulo I e os do Capítulo II (Parte III).
Já os contratos urbanísticos atípicos são aqueles que a lei urba-
nística não define nem caracteriza e, portanto, não são objecto de
uma disciplina normativa específica302. Constituem uma categoria
residual, na qual se incluem todos os contratos criados fora dos mo-
delos traçados e regulados na lei303. Os contratos para planeamento

300 ANTUNES VARELA (2003: 273).


301 ARREDONDO GUTIÉRREZ (2003: 25).
302 Segundo ARREDONDO GUTIÉRREZ (2003: 26), os contratos urbanísticos

atípicos são celebrados “entre a Administração urbanística e os particulares,


geralmente criadores de obrigações recíprocas para ambos, através dos quais se
pretende solucionar problemas concretos ou pontuais suscitados pela elaboração
e execução de planos urbanísticos e que não estão expressamente contemplados
na Lei”.
303 SENDÍN GARCÍA (2008: 21).
O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto 145

representavam o exemplo paradigmático de contratos urbanísticos


atípicos antes das alterações ao RJIGT pelo DL 316/07.
Poderia discutir-se, nesta sede, a questão da validade e dos
efeitos dos contratos urbanísticos atípicos à luz do princípio da
legalidade da Administração, como critério-base de aferição da
validade substancial de tais contratos e ponto de partida para o
exame da intra-sistemática ratio iuris fundamentante que perpassa
o núcleo do problema que consideramos. Somos de opinião que
não é possível formular um juízo geral sobre a admissibilidade
e/ou validade dos contratos urbanísticos atípicos, visto que só em
face do conteúdo ou das concretas cláusulas de cada contrato se
poderá responder a essa questão. Além disso, não estando inscrito
no Direito Administrativo um qualquer princípio de taxatividade
das formas de acção administrativa (numerus clausus), não há um
obstáculo de princípio a tais contratos – como, aliás, aponta a pró-
pria definição de contrato administrativo, constante do artigo 1.°,
n.° 6, do CCP, e a concepção do contrato administrativo como
forma de acção administrativa, de utilização geral, nos termos do
artigo 278.° do CCP. Não raras vezes, a realidade concreta está
“largamente à frente” da regulamentação legislativa, o que pode
acabar por reflectir a insuficiência do direito constituído para
dar resposta às exigências de realização concreta da juridicidade.
A contratação urbanística é uma realidade que nasceu e cresceu na
praxis urbanística e nela sempre proliferaram contratos atípicos.
Por isso, a questão da validade não reside na ausência de previsão
legal de tais contratos, mas no conteúdo ser ou não compatível
com a lei urbanística304.
Naturalmente, os contratos urbanísticos típicos correspon-
dem às espécies negociais mais importantes no comércio jurídico.

304 Claro que se contrato urbanístico atípico for utilizado como forma de
contornar uma proibição legal, aí já estaremos provavelmente em face de uma ile-
galidade. Mas já não será assim se o conteúdo e as concretas cláusulas do contrato
não violarem a lei. Neste sentido, SENDÍN GARCÍA (2008: 29).
146 Contratos Urbanísticos

Todavia, ao lado destes, os contratos urbanísticos podem também


ser, dentro da vasta categoria dos contratos atípicos, contratos
mistos, os quais reúnem elementos de dois ou mais negócios, total
ou parcialmente regulados na lei. Em lugar de “realizarem um ou
mais dos tipos ou modelos de convenção contratual incluídos no
catálogo da lei (contratos típicos ou nominados)”, as partes “cele-
bram por vezes contratos com prestações de natureza diversa ou
com uma articulação de prestações diferentes da prevista na lei,
mas encontrando-se ambas as prestações ou todas elas compreen-
didas em espécies típicas directamente reguladas na lei”305. É o
caso dos contratos urbanísticos integrais que analisaremos no
Capítulo II, 1. (Parte III).

305 ANTUNES VARELA (2003: 279-280).


PARTE III
CONTRATOS URBANÍSTICOS:
DO CONTRATO URBANÍSTICO
EM ESPECIAL
PARTE III
CONTRATOS URBANÍSTICOS:
DO CONTRATO URBANÍSTICO EM ESPECIAL

CAPÍTULO I

CONTRATOS URBANÍSTICOS NA EXECUÇÃO DOS PLANOS

1. O Papel dos Privados na Execução dos Planos Urbanísticos

Os planos municipais de ordenamento do território têm natu-


reza bicéfala ou cabeça de Jano, sendo compostos por uma parte de
regulamentação e outra de execução.
Uma das funções dos planos urbanísticos é a função de gestão
do território, traduzida na inserção nos planos de disposições espe-
cificamente pensadas para a execução ou concretização dos mesmos
(v.g., artigos 85.°, n.° 1, alíneas l) e m), 89.°, n.° 2, alínea c), e 92.°,
n.° 2, alínea d), do RJIGT)306. Os planos urbanísticos têm, assim,
uma vocação intrínseca de execução. De facto, “eles não têm, por
via de regra, apenas como finalidade a regulamentação do processo
urbanístico, desinteressando-se do modo e do quando da concretiza-
ção do modelo territorial por eles desenhado”. Ao invés, os planos
“encerram normalmente disposições que têm a ver com o problema
da execução concreta das suas previsões”307.
A actividade de execução dos planos urbanísticos assume,
assim, uma importância primordial, já que é, através dela, que se
efectiva a concretização do modelo territorial neles talhado e se rea-

306 ALVES CORREIA (2008: 369).


307 ALVES CORREIA (2006-A: 219).
150 Contratos Urbanísticos

lizam um conjunto de acções (de urbanização e de edificação), em


conformidade com a programação e as previsões nele estabelecidas.
Segundo CIVITARESE/URBANI, a execução constitui “o necessário
complemento da função preceptiva dos planos” e visa a “transfor-
mação do território segundo as regras gerais fixadas nos instrumen-
tos de planeamento”308. Se, na actividade de elaboração e de apro-
vação de instrumentos de gestão territorial, o plano é visto sob uma
perspectiva estática, é na fase da execução que o mesmo é visto de
uma perspectiva dinâmica ou, nas palavras de RAMÓN FERNÁNDEZ,
“como algo que caminha para a sua realização efectiva”309.
Ora, a execução dos planos é uma tarefa (pública) que cabe pri-
mordialmente à Administração (artigos 16.°, n.° 1, da LBPOTU e
118.°, n.° 1, do RJIGT), mas, como vimos, isso não significa que os
particulares não tenham uma significativa colaboração naquela acti-
vidade310. Pelo contrário, existe um dever legal de os particulares
colaborarem na execução dos planos urbanísticos (artigos 16.°,
n.° 3, da LBPOTU e 118.°, n.os 2 e 3, do RJIGT) e, por conseguinte,
o legislador conferiu-lhes um papel de grande relevo na execução
dos planos, ainda que subordinado às orientações e à actuação da
Administração Pública. Além disso, há que ter em consideração que
grande parte da intervenção no território é, actualmente, da ini-
ciativa dos actores privados, que promovem operações urbanísticas
marcadas pelo objectivo primordial de satisfação de interesses
públicos (v.g., a urbanização), desenvolvendo urbanisticamente cer-
tas áreas do espaço municipal. Daí fazer todo o sentido falar-se em
tarefas privadas de interesse público, sobretudo no domínio da exe-
cução dos planos. A isto acresce o facto de existir no domínio da
execução dos planos urbanísticos uma pluralidade de entidades pri-
vadas que exercem funções materialmente administrativas.

CIVITARESE/URBANI (2000: 195).


308

RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 156).


309
310 CRIADO SÁNCHEZ (2005: 35); GÓMEZ MANRESA (2006: 41); PERALES

MADUEÑO (2006: 101-102).


Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 151

Na verdade, a criação de entidades administrativas privadas


(v.g., as Sociedades Polis ou as Sociedades de Reabilitação
Urbana) e a delegação de funções públicas em entidades particu-
lares (v.g., a concessão de urbanização – artigo 124.° do RJIGT)
constituem medidas de privatização orgânica da Administra-
ção. No primeiro caso, de privatização orgânica formal, no
segundo de privatização orgânica material. Segundo PEDRO
GONÇALVES, a privatização orgânica, enquanto modalidade de
privatização no âmbito da execução de tarefas públicas, tem “sub-
jacente um processo de transferência de responsabilidades públi-
cas”, à luz do qual “uma entidade privada vê-se investida da res-
ponsabilidade da execução de uma tarefa pública, cabendo-lhe
assumir, com autonomia, a gestão ou a direcção da tarefa de que
fica incumbida”311. Neste processo está envolvida a entrega de
funções públicas a entidades particulares e, por isso, pode afirmar-
se que “a privatização orgânica dá lugar ao «exercício privado de
funções públicas»”312.
Mas o fenómeno da privatização na execução dos planos urba-
nísticos vai mais além do que a mera privatização funcional ou
orgânica, atingindo, mesmo, a dimensão de privatização material.
Na realidade, como iremos ver em seguida, o sistema de compensa-
ção configura-se como um sistema de execução privado313. A acti-
vidade envolvida neste sistema (artigo 122.° do RJIGT) passa, por
força de um processo de privatização material (parcial) de tarefas,
a pertencer ao domínio de intervenção dos particulares. Verifica-se,
assim, um processo de deslocação de uma tarefa ou função pública
(concretamente, a execução de um plano urbanístico enquadrada
num sistema de execução) para o sector privado, embora se man-
tenha a obrigação de a Administração garantir a execução do plano,

311 PEDRO GONÇALVES (2005: 391).


312 Ob. cit.: 395.
313 ALVES CORREIA (2006-A: 221); RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 155-157);

GÓMEZ MANRESA (2006: 120).


152 Contratos Urbanísticos

havendo, por isso, no sistema de compensação, uma privatização


material (parcial) de tarefas públicas314.

314 O processo de privatização material implica a transferência para os


sujeitos privados de tarefas de elevada importância social, mas isso não significa
uma “batida em retirada” ou um “rolling back” da acção administrativa, uma vez
que subsiste um “dever estadual de garantia”, isto é, um dever ou incumbência de
garantir a realização de certos fins (in casu, a execução do plano) – PEDRO GON-
ÇALVES (2005: 158-160). Aliás, o dever estadual de garantia, ao não excluir a
possibilidade de deslocação de tarefas públicas para o sector privado e o incentivo
e a activação da auto-regulação privada, reclama uma intervenção administrativa
tanto mais empenhada quanto maior é o risco que o processo de privatização
representa para a execução do plano. Ora, esta missão de gerir as consequências
da privatização impõe que, quando, no sistema de compensação, os proprietários
do solo não cumpram as obrigações assumidas necessárias à execução do plano,
deve o município escolher outro sistema de execução, actuando, deste modo, no
caso de falhanço do sistema de compensação.
Se esta lógica de actuação da Administração já garante ou assegura a reali-
zação de um certo fim público (a execução do plano), no ordenamento jurídico
espanhol, algumas Comunidades Autónomas foram ainda mais longe e introduzi-
ram, na sua legislação urbanística, o sistema de execução subsidiária (denomi-
nado também sistema de execução forçada), que, encontrando-se previsto na Lei
da Comunidade Autónoma de Aragão de 25 de Março de 1999 e na Lei da Comu-
nidade Autónoma de Madrid de 17 de Julho de 2001, constitui uma subespécie
dos sistemas de gestão pública directa e no qual a Administração realiza, com
carácter subsidiário, no caso de falhanço dos sistemas de execução privada, as
operações pendentes por conta dos proprietários ou do responsável inicial da
urbanização – GÓMEZ MANRESA (2006: 231); ESTÉVEZ GOYTRE (2006: 321).
Em face do exposto, podemos deparar-nos com duas hipóteses, consoante se
trate de uma substituição de um sistema de execução previsto no plano ou deli-
mitado na unidade de execução: assim, se o plano a executar for um plano de
urbanização ou um plano de pormenor, são estes que identificam os respectivos
sistemas de execução [artigos 88.°, alínea j), e 91.°, n.° 1, alínea j) do RJIGT] e,
portanto, a opção por outro sistema só poderá ocorrer no quadro de uma altera-
ção àqueles planos; já no caso de se tratar de uma execução directa do plano direc-
tor municipal, a escolha do sistema de execução só pode ocorrer no momento em
que se procede à delimitação da unidade de execução e, por isso, a sua substitui-
ção por um outro sistema de execução revelar-se-á mais fácil.
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 153

Finalmente, o fenómeno da privatização surge, também, no


âmbito do controlo prévio das operações urbanísticas. Neste sentido,
é importante sublinhar que a reforma legislativa do RJUE, intro-
duzida pela Lei n.° 60/2007, de 4 de Setembro, parece seguir uma
directriz liberalizadora, desregulamentadora e de simplificação
administrativa que se tem vindo a verificar em alguns ordenamentos
jurídicos, como o alemão, o italiano ou espanhol. É neste contexto
geral, de privatização de responsabilidades públicas e de activação
de responsabilidades privadas, que se inserem as tendências le-
gislativas de adopção de novos sistemas e modalidades de controlo
preventivo da legalidade de actuações privadas. Seguindo de perto
PEDRO GONÇALVES, os modelos instituídos podem variar: “ao lado
de casos em que o controlo prévio deixa de constituir uma incum-
bência pública e passa para a esfera de responsabilidade do próprio
interessado (sistemas de autocontrolo puro), surgem outros em que
a tarefa de fiscalização ex ante se vê devolvida e confiada a peritos
ou organismos independentes oficialmente acreditados para a pres-
tação de serviços de controlo e de certificação (sistemas de controlo
e certificação por terceiro: third party certification)”315.
Todavia, existem outros modelos, como o português, que não
pressupõem uma erradicação in toto do controlo público preven-
tivo316. De facto, na maior parte dos casos, este continua a ser exi-

315 PEDRO GONÇALVES (2009-B: 80).


316 Na sequência da referida reforma de 2007, verificou-se uma “diminui-
ção da intensidade dos controlos ex ante das operações urbanísticas” (substituição
de procedimentos de autorização por procedimentos de comunicação prévia, que
constituem formas de controlo público preventivo com decisão administrativa
permissiva fictícia) – PEDRO GONÇALVES (2008-B: 14). Noutros modelos europeus
(como o alemão ou o italiano), houve uma supressão de controlos públicos pré-
vios e uma substituição de procedimentos de autorização por procedimentos de
comunicação de início de actividade e, portanto, em vez de ser chamada a reali-
zar um controlo preventivo, a Administração vê-se incumbida de um controlo
sucessivo sobre actividades que os particulares iniciam sob a sua própria respon-
sabilidade. Para uma perspectiva de direito comparado, PEDRO GONÇALVES (2009-
-B: 79-88).
154 Contratos Urbanísticos

gido por lei e, portanto, constitui a regra no âmbito do controlo das


operações urbanísticas. Mas como não há regra sem excepção, exis-
tem no nosso ordenamento jurídico urbanístico situações em que o
controlo prévio é pura e simplesmente banido: são os casos de isen-
ção de controlo prévio. Esta expressão abrange todo aquele con-
junto de operações urbanísticas livres e, portanto, não sujeitas a
controlo preventivo pela Administração317. Contudo, as mesmas
estão submetidas à observância das regras jurídicas urbanísticas (em
especial, as normas constantes dos planos urbanísticos e as regras
técnicas de construção – ex vi artigos 6.°, n.° 8, do RJUE) e a fisca-
lização administrativa (art. 93.° do RJUE318).

317 Operações urbanísticas isentas de controlo prévio, entre nós, são as

obras de conservação [art. 6.°, n.° 1, alínea a), do RJUE]; as obras de alteração no
interior de edifícios ou suas fracções, à excepção dos imóveis classificados ou em
vias de classificação, que não impliquem modificações na estrutura de estabili-
dade das cérceas, da forma das fachadas e da forma dos telhados [art. 6.°, n.° 1,
alínea b)]; as obras de escassa relevância urbanística, definidas no art. 6.°-A,
n.° 1, para além de outras obras, como tal qualificadas em regulamento munici-
pal, desde que tais obras não sejam realizadas em imóveis classificados de inte-
resse nacional ou interesse público e nas respectivas zonas de protecção [artigos
6.°, n.° 1, alínea j), e 6.°-A, n.os 1, alíneas a) a g), e 2]; os actos que tenham por
efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial que se
situe em perímetro urbano, desde que as duas parcelas resultantes do destaque
confrontem com arruamentos públicos [artigo 6.°, n.° 1, alínea j) e n.° 4]; e os
actos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com des-
crição predial em áreas situadas fora dos perímetros urbanos se forem, cumulati-
vamente, cumpridas as seguintes condições: na parcela destacada, só vier a ser
construído um edifício que se destine exclusivamente a fins habitacionais e que
não tenha mais de dois fogos; e na parcela resultante se respeite a área mínima
fixada no projecto de intervenção em espaço rural em vigor ou, quando aquele não
exista, a área de unidade de cultura fixada nos termos da lei geral para a região
respectiva [artigo 6.°, n.° 1, alínea j), e n.° 5, alíneas a) e b)].
318 Nos termos do art. 93.°, n.° 1, do RJUE, “a realização de quaisquer ope-

rações urbanísticas está sujeita a fiscalização administrativa, independentemente


da sua sujeição a prévio licenciamento, admissão de comunicação prévia, auto-
rização de utilização ou isenção de controlo prévio”. Por sua vez, o n.° 2 do
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 155

Do exposto podemos concluir que a incumbência de controlo


preventivo encontra-se confiada ao próprio interessado (autocon-
trolo), o qual assume a (auto) responsabilidade da observância das
regras jurídicas urbanísticas pela operação urbanística promovida
(privatização de responsabilidades públicas e activação de respon-
sabilidades privadas). Neste cenário, podemos afirmar que, nos
casos de isenção de controlo prévio de operações urbanísticas pre-
vistos no RJUE, ocorre um fenómeno de efectiva privatização dos
procedimentos de autorização.

2. A Execução Sistemática e Assistemática de Planos

No que diz respeito à execução dos planos municipais de orde-


namento do território, atenta a realidade normativa, importa, desde
logo, salientar que, por um lado, o artigo 16.° da LBPOTU condensa
um naipe de princípios fundamentais no que concerne à execução
daqueles planos e, por outro, os artigos 118.° a 125.° do RJIGT en-
cerram a disciplina jurídica da programação e sistemas de execução
dos planos municipais de ordenamento do território.
Sensu lato, podemos afirmar que a execução de um plano muni-
cipal de ordenamento do território pode ser feita mediante três vias:
execução directa, execução sistemática e execução assistemática.
Estes dois últimos conceitos, provenientes do ordenamento jurídico

mencionado preceito normativo dispõe que “a fiscalização administrativa destina-


se a assegurar a conformidade daquelas operações com as disposições legais e
regulamentares aplicáveis e a prevenir os perigos que da sua realização possam
resultar para a saúde e segurança das pessoas”. Por conseguinte, nos casos de
isenção de controlo prévio, estamos perante um cenário em que a Administração
exerce apenas tarefas de natureza meramente repressiva, assentes em missões de
inspecção e de fiscalização de actividades privadas livremente iniciadas – trata-
se, por isso, de um controlo sucessivo ou ex post.
156 Contratos Urbanísticos

espanhol319, revelam-se decisivos para a compreensão do actual


modelo de execução plasmado no RJIGT.
Das três modalidades de planos municipais de ordenamento do
território apenas o plano director municipal é de elaboração obri-
gatória (artigo 84.°, n.° 4, do RJIGT), pelo que, apesar de não ser
esta a situação idealizada pelo legislador, é possível uma execução
directa das disposições do plano director municipal, quer dizer, uma
execução que não passa obrigatoriamente pela intermediação de um
ulterior plano de execução, seja este um plano de urbanização ou um
plano de pormenor [artigo 85.°, n.° 1, alínea j) e 2, do RJIGT]. No
entanto, a via normal de execução do plano director municipal é a
execução indirecta, isto é, a que tem lugar através da definição de
unidades operativas de planeamento e gestão e do estabelecimento
para cada uma delas dos respectivos objectivos e dos termos de refe-
rência para a necessária elaboração de planos de urbanização e de
pormenor [artigo 85.°, n.° 1, alínea l), do RJIGT).
Distinta da execução directa, é a execução assistemática de
planos municipais, ou seja, uma execução realizada fora do contexto
de unidades de execução320 – e, por isso, não enquadrada em
nenhum dos sistemas de execução tipificados na lei –, traduzida na
realização de operações urbanísticas isoladas e desligadas de uma
solução de conjunto e de qualquer parceria entre particulares e entre
estes e a Administração na execução dos planos. Em rigor, uma exe-
cução assistemática do plano director municipal será aquela que é
levada a cabo através de licenças ou comunicações prévias de ope-

319 RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 155 ss.); GÓMEZ MANRESA (2006: 61 ss.);

ESTÉVEZ GOYTRE (2006: 290 ss.) PERALES MADUEÑO (2006: 64 ss.).


320 Unidades de execução são as áreas do solo, devidamente delimitadas,

nas quais hão-de necessariamente desenvolver-se todas as operações jurídicas e


materiais em que se consubstancia a execução do plano. É com este sentido que o
artigo 119.°, n.° 2, do RJIGT determina que os sistemas típicos de execução dos
“planos e operações urbanísticas” desenvolvem-se no interior de unidades de exe-
cução, as quais são “delimitadas pela câmara municipal por iniciativa própria ou
a requerimento dos proprietários interessados”.
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 157

rações urbanísticas isoladas, tendo como objecto singulares parcelas


de solo, isto é, desligadas de uma urbanização programada e coor-
denada de várias parcelas incluídas no âmbito de um mesmo espaço
territorial.
Todavia, a situação desejada pelo legislador é que a execução
dos planos municipais de ordenamento do território seja feita me-
diante uma execução sistemática (artigo 119.°, n.os 1 e 2, do RJIGT).
Esta caracteriza-se pela referência a um conjunto de actuações pro-
gramadas e coordenadas que hão-de levar-se a cabo para urbanizar
várias parcelas incluídas num determinado âmbito territorial (cor-
respondente, em regra, a uma unidade de execução). A programação
das referidas actuações advém, justamente, do facto de as mesmas
se enquadrarem num dos três sistemas de execução previstos na lei:
o sistema de compensação, o sistema de cooperação e o sistema de
imposição administrativa (artigo 119.°, n.° 1, do RJIGT).

3. A Execução dos Planos por Contratos Urbanísticos

A opção pela contratualização no âmbito da execução dos pla-


nos encontra-se na própria LBPOTU, em cujo artigo 5.°, alínea h),
se proclama como princípio geral da política de ordenamento do
território e de urbanismo a contratualização, através do incentivo de
“modelos de actuação baseados na concertação entre a iniciativa
pública e a iniciativa privada na concretização dos instrumentos de
gestão territorial”. A mesma lei determina, no seu artigo 16.°, n.° 2,
a necessidade de serem previstas, para a execução coordenada e pro-
gramada dos instrumentos de planeamento territorial, “formas de
parcerias ou contratualização, que incentivem a concertação dos
diversos interesses”.
Iremos, assim, ver que o legislador abriu múltiplos espaços à
execução dos planos por contratos, celebrados entre a Administra-
ção e os particulares, sejam eles proprietários do solo, promotores
158 Contratos Urbanísticos

ou urbanizadores, entre dois ou mais entes públicos ou mesmo entre


dois ou mais sujeitos jurídicos privados. Centraremos, para já, a
nossa atenção apenas nas figuras contratuais, de recorte variado,
que surgem no domínio da execução dos planos, deixando para o
último capítulo o estudo do contrato para planeamento.
Entendemos que a classificação que rigorosamente traduz o
alcance da contratação urbanística ao nível do complexo das tarefas
jurídico-urbanísticas é a que distingue os contratos para planea-
mento dos contratos de execução. Quanto a estes últimos, há que
enquadrá-los de acordo com um critério funcional associado à teleo-
nomologia que conforma a sua mobilização e que se pode cumprir
em dois momentos logicamente diferenciados: de um lado, os con-
tratos que surgem no âmbito da execução sistemática, isto é, daquela
execução que ocorre por intermédio de sistemas que funcionam no
âmbito de unidades de execução, e do outro os contratos celebrados
no domínio da execução assistemática, ou seja, aquela que não se
enquadra em nenhum dos sistemas de execução tipificados na lei e
em que a concretização das operações urbanísticas é feita à margem
das unidades de execução.
Como referimos, o novo paradigma de execução dos planos
municipais de ordenamento do território delineado pelo legislador é
que essa mesma execução seja uma execução sistemática. Todavia,
não podemos ignorar que muitas das operações urbanísticas no
nosso país são ainda realizadas de forma isolada e desligada do con-
texto das unidades de execução321. É essa razão que explica o facto
de algumas figuras contratuais, que iremos tratar de seguida, pode-

321 Ainda que defendamos claramente a execução sistemática em detri-

mento da assistemática, devemos reconhecer que existem situações em que a deli-


mitação de uma unidade de execução não é possível ou é desnecessária, como
sucede, v.g., com a simples edificação de um prédio numa área urbana já conso-
lidada. Nestes casos, existem razões ponderosas para se admitir uma execução
assistemática do plano – sobre a questão da admissibilidade da execução assiste-
mática, ALVES CORREIA (2006-A: 220 ss.); RÁMON FERNÁNDEZ (2008: 160-161),
ESTÉVEZ GOYTRE (2006: 305 ss.).
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 159

rem situar-se tanto no domínio da execução sistemática como no da


execução assistemática. Daí ser possível afirmar que, em geral, os
contratos de execução dos planos serão sempre celebrados ou no
âmbito da execução sistemática (o status preferível) ou da execução
assistemática (o panorama não desejado), o que não significa que os
mesmos se apresentem como categorias estanques ou pertencentes
apenas a um desses dois âmbitos322.
Pois bem, apresentando-se o princípio da contratualização
como um princípio troncal do ordenamento jurídico urbanístico
[artigo 5.°, alínea h), da LBPOTU], vejamos como o RJIGT concre-
tizou, do ponto de vista prático-normativo, as orientações da Lei de
Bases no que respeita à previsão de figuras contratuais de execução
dos planos323.

4. Classes de Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos

4.1. Contratos Integrativos dos Sistemas de Execução dos


Planos Municipais de Ordenamento do Território

Uma importantíssima expressão do referido fenómeno contra-


tual encontra-se, justamente, nos sistemas de execução dos planos.

322 Em termos sumários, diga-se que, no caso de execução sistemática,


podem surgir contratos no âmbito específico de cada um dos sistemas de execução
(o sistema eleito em cada caso concreto) e no domínio do controlo das operações
urbanísticas (v.g., loteamento, reparcelamento e obras de edificação) que sejam
realizadas dentro das unidades de execução. No caso da execução assistemática,
por natureza, só podem surgir contratos no domínio específico do controlo das
operações urbanísticas, que individual e pontualmente sejam realizadas à margem
das unidades de execução.
323 Teremos, no Cap. II, a oportunidade de sublinhar a importância da exe-

cução dos planos pela via contratual no artigo 6.°-A, n.° 1, do RJIGT, preceito
normativo que articula os contratos para planeamento e os contratos de execução.
160 Contratos Urbanísticos

A fase de execução tem como pressupostos, por um lado, a prévia


existência de um instrumento de planeamento e, por outro, a deli-
mitação de uma área a sujeitar a intervenção urbanística (ou seja,
a delimitação de uma unidade de execução), a eleição do específico
sistema de execução e a aprovação dos correspondentes projectos de
urbanização324.
Cumpre aqui notar que, no caso de o plano a executar ser um
plano de urbanização ou um plano de pormenor, são estes que iden-
tificam os respectivos sistemas de execução [artigos 88.°, alínea j), e
91.°, n.° 1, alínea j), do RJIGT]. Já no que ao plano director munici-
pal diz respeito, o mesmo não acontece, pois não faz parte do seu
conteúdo material a identificação dos sistemas de execução, mas tão-
-só a programação da execução do mesmo, através da definição de
unidades operativas de planeamento e gestão, do estabelecimento dos
objectivos destas e da determinação dos termos de referência para
a elaboração dos planos de urbanização e de planos de pormenor que
incidirão sobre aquelas unidades territoriais [artigo 85.°, n.° 1, alínea
l), do RJIGT]. Deste modo, no âmbito do plano director municipal, a
identificação dos sistemas de execução caberá, em princípio, aos pla-
nos de urbanização e aos planos de pormenor que forem elaborados
e aprovados para as unidades operativas de planeamento e gestão.
Sendo assim, a questão que, agora, se coloca é a de saber por
via de que processos, modalidades ou sistemas típicos se executam
os planos municipais de ordenamento do território. Nos termos do
artigo 119.°, n.° 1, do RJIGT, os sistemas tipificados na lei para a
execução dos planos municipais de ordenamento do território e para
as operações urbanísticas são os sistemas de compensação, de coo-
peração e de imposição administrativa. Se, por um lado, estes três
sistemas partilham em comum o objectivo de assegurar não só a
execução do plano, mas também a perequação dos benefícios e
encargos dele resultantes, por outro, distinguem-se em função do
maior ou menor protagonismo dos proprietários abrangidos.

324 RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 158).


Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 161

O sistema de compensação encontra-se disciplinado no artigo


122.° do RJIGT e é aquele em que os particulares detêm maior pro-
tagonismo no procedimento de execução dos planos. Na realidade,
é aos particulares que pertence a iniciativa de execução do plano,
são eles que prestam ao município a compensação devida, de acordo
com as regras estabelecidas nos planos ou em regulamento muni-
cipal, e aos mesmos cabe, em conformidade com os critérios esta-
belecidos na lei e nos planos, proceder à perequação de benefícios
e encargos resultantes da execução do instrumento de planeamento
entre todos os proprietários e titulares de direitos inerentes à pro-
priedade abrangidos pela unidade de execução, na proporção do
valor previamente atribuído aos seus direitos (artigo 122.°, n.os 1
e 3, do RJIGT).
O retrato do esquema operativo do sistema de compensação
permite-nos identificar duas notas características específicas deste
sistema: por um lado, o carácter voluntário do sistema de compen-
sação, quer ao nível da sua constituição, quer sob ponto de vista do
seu funcionamento; e, por outro, são os proprietários que procedem
à perequação de benefícios e encargos resultantes da execução do
plano, de acordo com o princípio da solidariedade (“na proporção
do valor previamente atribuído aos seus direitos” – artigo 122.°,
n.° 3, in fine)325.
Uma vez eleito o sistema de compensação, o seu regime de fun-
cionamento, o cumprimento dos deveres urbanísticos (v.g., a elabora-
ção de um projecto de urbanização, a execução das obras de urbani-

325 Como afirma ESTÉVEZ GOYTRE (2006: 325-326), o sistema de compen-

sação é especialmente recomendado e “apresenta grandes vantagens quando os


terrenos pertencem a um só proprietário ou quando existe uma ampla maioria de
proprietários interessados na execução do plano […] e disponham de meios eco-
nómicos suficientes para realizar uma actividade de urbanização”. Este será, cer-
tamente, um sistema de execução que poderá ser eleito num plano de urbanização
ou de pormenor objecto de um contrato para planeamento (na modalidade de
contrato urbanístico integral), quando esteja assegurado o acordo com os pro-
prietários da área de intervenção do futuro plano, com vista à sua execução.
162 Contratos Urbanísticos

zação, as cedências de terrenos e as compensações devidas ao muni-


cípio) e a perequação de benefícios e encargos resultantes da execu-
ção do plano constituem, por força de um processo de privatização
material (parcial), uma tarefa ou incumbência dos actores privados.
Ora, no sistema de compensação os direitos e as obrigações dos
particulares que participam na unidade de execução são definidos
por contrato de urbanização (artigo 122.°, n.° 2, do RJIGT). Este
contrato urbanístico tem como objecto a integração do regime do
sistema de compensação, no que respeita à definição dos direitos e
obrigações dos participantes na unidade de execução. Trata-se de
um contrato que reveste natureza privada, no qual figuram como
partes apenas actores “genuinamente” privados. Não obstante ser
celebrado no quadro de um sistema de execução de um plano urba-
nístico e daí constituir uma espécie contratual que prossegue tam-
bém o interesse público, representa uma forma de auto-regulamen-
tação dos particulares que executam o plano em substituição da
Administração. Por conseguinte, o referido contrato não é um con-
trato urbanístico em sentido estrito.
Do exposto, podemos concluir que o sistema de compensação
é, nitidamente, um sistema de execução privado ou, nas palavras de
RAMÓN FERNÁNDEZ, “um sistema típico de autoadministração”326.
Na verdade, o sistema de compensação, “na medida em que atribui
aos proprietários de terrenos de uma unidade de execução a respon-
sabilidade de execução do plano e da realização das tarefas comple-
xas que lhe são associadas, tem como consequência a desoneração
do município da execução do plano e dos encargos administrativos
e financeiros nela implicados”327.
Detectando alguma “timidez” na interventio legislatoris ao
estabelecer o regime jurídico do sistema de compensação, ALVES
CORREIA afirma que “a disciplina jurídica do sistema de compensa-
ção, condensada nos diferentes números do artigo 122.° do RJIGT,

326 RAMÓN FERNÁNDEZ (2008: 162).


327 ALVES CORREIA (2006-A: 221).
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 163

é manifestamente incompleta e insuficiente, carecendo, por isso, de


ser desenvolvida”. Assim, “o sistema de compensação pressupõe
uma associação entre os proprietários ou os titulares de outros direi-
tos inerentes à propriedade abrangidos pela unidade de execução.
Mas a lei nada nos diz sobre o procedimento da constituição dessa
associação – designadamente, se é exigida a unanimidade dos pro-
prietários ou se basta o acordo dos proprietários titulares de uma
maioria qualificada da área abrangida –, sobre os estímulos e apoios
(de carácter financeiro, fiscal, etc.) à constituição da associação dos
proprietários, dada a falta, entre nós, de uma verdadeira tradição
associativa, ou, ainda, sobre os direitos e obrigações dos participan-
tes na unidade de execução”328.
Em sentido diverso, entendemos que o legislador criou inten-
cionalmente aqui uma lacuna intra-legal no regime dos sistemas de
execução dos planos, remetendo integralmente várias matérias ou
aspectos não contemplados no artigo 122.° para um contrato de
urbanização. Com efeito, o conteúdo do sistema de compensação
é integrado pela instituição contratual, que passa a possuir neste
domínio uma grande amplitude na regulação substantiva do funcio-
namento do concreto sistema de execução.
Por sua vez, no sistema de cooperação, regulado no artigo
123.°, os particulares têm um protagonismo mais reduzido do que
no sistema de compensação, mas ainda assim mais amplo do que o
que lhes está reservado no sistema de imposição administrativa.
Deste modo, no sistema de cooperação – em que a iniciativa e exe-
cução do plano pertence ao município, com cooperação dos parti-
culares interessados, actuando coordenadamente, de acordo com
a programação estabelecida pela câmara municipal e nos termos do
adequado instrumento contratual –, os direitos e as obrigações das
partes são definidos por contrato de urbanização, que pode assumir
as seguintes modalidades: contrato de urbanização, entre os pro-
prietários ou os promotores da intervenção urbanística, na sequência

328 Ob. cit., loc. cit..


164 Contratos Urbanísticos

da iniciativa municipal; ou contrato de urbanização entre o municí-


pio, os proprietários ou os promotores da intervenção urbanística e,
eventualmente, outras entidades interessadas na execução do plano
[artigo 123.°, n.° 2, alíneas a) e b), do RJIGT].
No primeiro caso, há um envolvimento maior por parte do
município do que aquele que existe no contrato de urbanização pre-
visto no artigo 122.°, n.° 2, mas, ainda assim, o município coloca-se
fora ou à margem da relação contratual. A sua actuação consiste
somente na promoção ou no fomento de um acordo entre entidades
particulares, do qual não pretende fazer parte. Ainda que este acordo
privado se situe no âmbito do sistema de execução de um plano
urbanístico e, por isso, prossiga também o interesse público, a sua
natureza é claramente jus-privatística e, portanto, não se perfila
como um contrato urbanístico em sentido estrito. O mesmo não
sucede no segundo caso, uma vez que aí o município dá mais um
passo em frente e envolve-se totalmente na relação contratual, figu-
rando como parte do contrato ao lado dos proprietários ou dos
promotores da intervenção urbanística e, eventualmente, de outras
entidades interessadas na execução do plano. Este contrato é, clara-
mente, um contrato urbanístico em sentido estrito.
Com efeito, o sistema de cooperação, ainda que atribua a ini-
ciativa de execução ao município, baseia-se numa colaboração entre
este sujeito de direito público e os interessados na execução do
plano, sendo os direitos e obrigações das partes objecto de contrato
de urbanização. Estamos, por isso, perante um sistema de execução
misto.
Analisando a previsão normativa do sistema de cooperação,
ALVES CORREIA defende que o mesmo também “carece de uma dis-
ciplina jurídica mais completa, de modo a cobrir vários aspectos não
contemplados no artigo 123.° do RJIGT, e que são indispensáveis ao
seu adequado funcionamento”329. À semelhança do que sublinhá-
mos a propósito do sistema de compensação, cremos, igualmente,

329 ALVES CORREIA (2006-A: 222).


Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 165

que o legislador, de forma intencional, pretendeu abrir espaço à con-


tratação com vista a possibilitar uma mais dúctil regulação deste
específico sistema de execução dos planos.
Finalmente, no sistema de imposição administrativa os parti-
culares detêm um escasso protagonismo na execução dos planos
municipais de ordenamento do território. O protagonismo pertence
ao município, que realiza directamente a complexidade de actos e
operações em que se traduz a execução do plano ou actua indirecta-
mente, mediante um contrato de concessão de urbanização com um
sujeito privado (artigo 124.°, n.° 1, do RJIGT). Este contrato é, indu-
bitavelmente, um contrato urbanístico em sentido estrito. De acordo
com o n.° 2 do artigo 124.°, “a concessão só pode ter lugar prece-
dendo concurso público, devendo o respectivo caderno de encargos
especificar as obrigações mínimas do concedente e do concessio-
nário ou os respectivos parâmetros, a concretizar nas propostas”.
A exigência de um procedimento de concurso público para a esco-
lha do concessionário de urbanização resulta de uma imposição do
direito comunitário da contratação pública. De facto, estando-se pe-
rante um sistema de execução indirecta do plano municipal de orde-
namento do território, no qual o empresário realiza as obras de urba-
nização em virtude de um contrato com a Administração Pública,
deve ser garantida a observância do princípio do direito comunitário
da livre concorrência.
De acordo com o artigo 124.°, n.° 3, “na execução do plano,
o concessionário exerce, em nome próprio, os poderes de inter-
venção do concedente”. Apresentando-se o sistema de concessão
como uma alternativa à gestão pela própria Administração, o
citado preceito legal afirma expressamente que o concessionário
exerce em nome próprio (e não em nome da Administração) os
poderes do concedente. Mas isso não significa que a Administra-
ção renuncie à tarefa concessionada. Ao invés, apenas abdica de a
executar pelos seus próprios meios e, por isso, assumirá sempre
uma responsabilidade de garantia, a qual postula, além do mais,
a fiscalização contínua do exercício da actividade concessio-
166 Contratos Urbanísticos

nada330. Em nosso entender, o contrato de concessão de urbaniza-


ção é claramente um contrato de delegação de uma função ou de
uma actividade pública, na medida em que atribui ao contratante
particular a responsabilidade pela execução de uma tarefa ou função
pública, concretamente, a urbanização de uma unidade de execução
que o município tinha definido como tarefa sua. Como sublinha
PEDRO GONÇALVES, naquele tipo de contratos, o contratante privado
acha-se “incumbido de actuar em vez da Administração na prosse-
cução de fins institucionais desta”, consubstanciando os mesmos
“um instrumento de privatização da Administração, na medida em
que têm, por via de regra, como objecto actividades públicas de
natureza comercial e económica, susceptíveis de serem geridas
segundo uma lógica empresarial”331.
Por outro lado, segundo o artigo 124.°, n.° 4, do RJIGT “o pro-
cesso de formação do contrato e a respectiva formalização e efeitos
regem-se pelas disposições aplicáveis às concessões de obras públi-
cas pelo município, com as necessárias adaptações”. Na ausência
de uma disciplina específica definida pelo RJIGT em relação ao
contrato de concessão de urbanização, deve entender-se que este
está submetido ao regime geral dos contratos de concessões de obras
públicas, condensado nos artigos 407.° a 428.° do CCP – regime
geral que abrange, entre o mais, os poderes e prerrogativas de auto-
ridade que o concessionário pode ser autorizado a exercer, o prazo
da concessão, as obrigações e os direitos do concessionário, os direi-
tos do concedente etc. – e, bem assim, que o mesmo deve ser res-
peitado na regulamentação que os municípios venham a adoptar
sobre aquele contrato, nos seus planos ou nos seus regulamentos de
urbanização e ou de edificação332.

330 PEDRO GONÇALVES (2005: 396).


331 PEDRO GONÇALVES (2003: 74-75).
332 De harmonia com o disposto no artigo 53.°, n.° 2, alínea q), da Lei n.°

169/99, de 18/09, compete à assembleia municipal autorizar a câmara municipal


a celebrar contratos de concessão de urbanização, no âmbito da execução dos pla-
nos municipais de ordenamento do território, e fixar as respectivas condições.
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 167

Na mesma linha, ALVES CORREIA sustenta que “também na ar-


quitectura do sistema de imposição administrativa, deveria o legis-
lador ter ido mais longe e ser mais completo e rigoroso”. Como refe-
rimos, somos da opinião que o legislador pretendeu, justamente, que
fosse o contrato de urbanização a completar ou a densificar a dis-
ciplina jurídica deste sistema de execução, no caso de actuação indi-
recta do município. E, por isso, o contrato representa o preenchi-
mento de uma lacuna intra-legal aberta pelo legislador e constitui
um modo particular de adaptar o regime do sistema de execução às
particularidades do caso concreto.
Em suma, sob ponto de vista funcional, as figuras contratuais
referidas têm em vista completar ou integrar o regime jurídico dos
sistemas de execução identificados. São, por isso, contratos inte-
grativos dos sistemas de execução dos planos, qualificação que jul-
gamos ser a mais apropriada e que decorre directamente da lei, na
medida em que o legislador remete uma grande parte do regime
substancial dos sistemas de execução para contratos a celebrar
entre as partes intervenientes. As pautas normativas (artigos 122.°,
n.° 2, 123.°, n.° 2 e 124.°, n.° 2, do RJIGT) dúvidas não deixam a
esse respeito, reservando à instituição contratual um papel ver-
dadeiramente marcante na configuração dos sistemas de execução
dos planos.

4.2. Contratos de Mediação no Regime de Controlo das


Operações Urbanísticas

Instrumentos jurídicos de grande relevo de execução dos planos


municipais de ordenamento do território são também o licencia-
mento e a comunicação prévia de operações urbanísticas, designa-
damente das operações de loteamento e obras de urbanização e de
obras de edificação. A disciplina jurídica daqueles actos de controlo
das operações urbanísticas encontra-se prevista no Regime Jurídico
da Urbanização e Edificação, no Regulamento Geral de Edificações
168 Contratos Urbanísticos

Urbanas e, ainda, nos regulamentos municipais de urbanização e de


edificação, bem como nos regulamentos municipais relativos ao lan-
çamento e liquidação das taxas que, nos termos da lei, sejam devi-
das pela realização de operações urbanísticas (as taxas por “realiza-
ção, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas primárias
e secundárias” e as taxas por concessão de licenças e admissões de
comunicações prévias).
O regime do controlo das operações urbanísticas constitui um
terreno particularmente fértil de manifestações contratuais. Assim
sucede com os (I) contratos que têm por objecto encargos relativos
a infra-estruturas urbanísticas e com os (II) contratos de coopera-
ção e de concessão do domínio municipal de gestão de infra-estru-
turas e dos espaços verdes e de utilização colectiva.
(I) Pertencem a este grupo dois tipos contratuais de enorme
importância no regime do controlo das operações urbanísticas e que
constituem contratos urbanísticos em sentido estrito. O primeiro
aparece-nos no seguinte contexto: no caso de existir um projecto de
decisão de indeferimento de um licenciamento de uma operação
urbanística com o fundamento de que esta constitui, comprovada-
mente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas ou
serviços gerais existentes ou implicar, para o município, a constru-
ção ou manutenção de equipamentos, a realização de trabalhos ou
a prestação de serviços por este não previstos, designadamente
quanto a arruamentos e redes de abastecimento de água, de energia
eléctrica ou de saneamento, ou com o fundamento da ausência de
arruamentos ou de infra-estruturas de abastecimento de água e
saneamento ou de a obra projectada constituir, comprovadamente,
uma sobrecarga incompatível para as infra-estruturas existentes,
pode o requerente obter o deferimento do pedido se, na audiência
prévia, se comprometer a realizar os trabalhos necessários ou a
assumir os encargos inerentes à sua execução, bem como os encar-
gos de funcionamento das infra-estruturas por um período mínimo
de 10 anos, celebrando para o efeito, antes da emissão do alvará,
um contrato relativo ao cumprimento das obrigações assumidas e
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 169

prestando caução adequada [artigos 24.°, n.os 2, alínea b), e 5,


e 25.°, n.os 1, 3 e 6, do RJUE]333.
Em face do exposto, podemos concluir que, quanto à sua natu-
reza jurídica, estamos perante um contrato com objecto passível de
acto administrativo, mais especificamente, um contrato obrigacio-
nal, por intermédio do qual a Administração se compromete, no âm-
bito de um determinado procedimento administrativo, a praticar um
acto administrativo com um certo conteúdo, in casu, o deferimento
do pedido de licenciamento da operação urbanística (artigo 25.°,
n.° 4, do RJUE).
O segundo tipo contratual surge-nos no âmbito das operações
de loteamento. Quando a execução das obras de urbanização envol-
ver, em virtude de disposição legal ou regulamentar ou por força de
convenção, mais de um responsável, a realização das mesmas pode
ser objecto de contrato de urbanização, sendo partes, obrigatoria-
mente, o município e o proprietário e outros titulares de direitos
reais sobre o prédio e, facultativamente, as empresas que prestem
serviços públicos, bem como outras entidades envolvidas na opera-
ção de loteamento ou na urbanização dela resultante, designada-
mente interessados na aquisição dos lotes. O referido contrato de
urbanização estabelece as obrigações das partes contratantes rela-
tivamente à execução das obras de urbanização e as responsabi-
lidades a que ficam sujeitas, bem como o prazo do cumprimento
daquelas. O interessado pode apresentar proposta de contrato de
urbanização juntamente com o requerimento inicial, comunicação

333 Mesmo em face da assunção pelo requerente dos custos das infra-estru-

turas gerais e da celebração do correspondente contrato com o município, pode


este indeferir o licenciamento, com base em outros fundamentos, designadamente
no caso de inexistência de consenso sobre o traçado das infra-estruturas ou sobre
o momento da sua execução. É o que parece resultar da expressão utilizada pelo
legislador, no artigo 25.°, n.° 1, do RJUE, “pode haver deferimento”. Assim, neste
sentido, F. PAULA OLIVEIRA/CASTANHEIRA NEVES/DULCE LOPES/FERNANDA MAÇÃS
(2009: 271-272). Em sentido contrário, defendendo que, naqueles casos, existe
uma obrigação de deferimento REIS/LOUREIRO (2008: 117).
170 Contratos Urbanísticos

e a qualquer momento do procedimento até à aprovação das obras


de urbanização, fazendo-se menção no alvará ou comunicação à
celebração do contrato de urbanização, quando houver lugar à
mesma (artigo 55.° do RJUE).
Ressalvado o caso em que se apresente como uma mera repro-
dução de obrigações legais, este contrato, na medida em que as res-
pectivas condições gerais, no caso de recurso ao mesmo, são defini-
das na própria deliberação da câmara municipal que defere o pedido
de licenciamento das obras de urbanização (artigo 53.° do RJUE) e,
além disso, é mencionado no alvará da licença das obras de urbani-
zação (artigo 55.°, n.° 4, do RJUE), constitui um contrato adminis-
trativo relativo ao modo de execução das obras de urbanização, em
que as condições de recurso ao mesmo são tomadas unilateralmente
pelo contraente público. Estamos, assim, face a um contrato que é
precedido de um acto administrativo (in casu, uma deliberação),
o qual exerce uma dupla função: a de constituir uma decisão de
recurso ao contrato administrativo e uma decisão normativa das
condições do mesmo.
(II) Inscrevem-se neste grupo contratos que têm também o seu
espaço privilegiado de aplicação no domínio das operações de
loteamento.
De facto, no contexto destas, a gestão das infra-estruturas e dos
espaços verdes e de utilização colectiva pode ser confiada a mora-
dores ou a grupos de moradores das zonas loteadas e urbanizadas,
mediante celebração com o município de acordos de cooperação ou
de contrato administrativo de concessão do domínio municipal. Os
primeiros podem incidir, nomeadamente, sobre limpeza e higiene,
conservação de espaços verdes existentes, manutenção dos equipa-
mentos de recreio e lazer e vigilância da área, de forma a evitar a sua
degradação.
Os segundos – cujos princípios a que devem subordinar-se são
estabelecidos em diploma próprio (ainda não aprovado) e que não
podem, sob pena de nulidade das cláusulas respectivas, proibir o
acesso e utilização do espaço concessionado por parte do público,
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 171

sem prejuízo das limitações a tais acesso e utilização que sejam


admitidos no referido diploma próprio, ainda a aprovar – devem ser
celebrados sempre que se pretenda realizar investimentos em equi-
pamentos de utilização colectiva ou em instalações fixas e não des-
montáveis em espaços verdes, ou a manutenção de infra-estruturas
(artigos 46.° e 47.° do RJUE). Sendo assim, neste último caso,
é inquestionável que estamos perante contratos urbanísticos em
sentido estrito.
A utilidade da qualificação contratos de mediação é empres-
tada pela sua aptidão para exprimir não apenas, no seu sentido eti-
mológico, a circunstância de estarmos face a contratos que intervêm
no âmbito do controlo prévio das operações urbanísticas, influindo
directamente sobre o sentido das decisões administrativas, mas,
sobretudo, pela especial vocação dos mesmos em constituírem uma
base de diálogo e de compromissos entre as partes tendo em vista a
concretização de operações urbanísticas e a consequente superação
de interesses conflituantes.

4.3. Contratos no Âmbito do Reparcelamento do Solo Urbano

O reparcelamento do solo urbano de acordo com as disposi-


ções do plano, enquanto instrumento jurídico de execução dos pla-
nos municipais de ordenamento do território (em especial, do plano
de pormenor), tem o seu regime definido nos artigos131.° a 134.° do
RJIGT. O tratamento dogmático que este instituto jurídico de Di-
reito do Urbanismo tem vindo a merecer por parte da doutrina exige
que nos debrucemos, de forma sintética, sobre o significado e objec-
tivos do mesmo, antes de partimos para a análise dos aspectos con-
tratuais propriamente ditos.
O reparcelamento do solo urbano é definido por ALVES COR-
REIA como “um processo de reordenamento dos terrenos, edificados
ou não, situados em regra no âmbito de aplicação de um plano, de
modo a constituir lotes de terreno que, pela sua localização, forma e
172 Contratos Urbanísticos

extensão, se adaptem aos fins de edificação ou a outro tipo de apro-


veitamento previsto no plano”334. Este conceito de reparcelamento
foi acolhido no artigo 131.°, n.° 1, do RJIGT: “a operação que con-
siste no agrupamento de terrenos localizados dentro de perímetros
urbanos delimitados em plano municipal de ordenamento do terri-
tório e na sua posterior divisão ajustada àquele, com a adjudicação
das parcelas resultantes aos primitivos proprietários ou a outras enti-
dades interessadas na operação”. O reparcelamento é, acima de
tudo, um instituto de remodelação ou de recomposição predial335,
distinto do loteamento. Neste último, “o terreno que se divide em
lotes é, por via de regra, fraccionado pela primeira vez e pertence
a um único proprietário. No reparcelamento, trata-se de uma nova
divisão (o prefixo re significa repetição), a qual pressupõe a exis-
tência de uma fragmentação”336.
Existem duas modalidades de reparcelamento urbano: o repar-
celamento de urbanização (Erschliessungsumlegung), cuja função
é transformar superfícies ainda não construídas em zonas aptas para
a edificação; e o reparcelamento de remodelação ou de reestrutura-
ção (Neuordnungsumlegung), que visa preparar uma área construída
para uma mudança de utilização determinada no plano337.

334 ALVES CORREIA (2006-A: 223).


335 Caracteriza-se por três etapas: o agrupamento dos imóveis, em regra,
terrenos, localizados numa determinada área; a nova divisão dos terrenos em lote
adequados à construção, em conformidade com as prescrições do plano; e a par-
tilha desses lotes entre os interessados (a Administração e os proprietários parti-
culares) ou do produto da sua cedência a algum ou alguns dos interessados ou a
terceiros.
336 ERNST/HOPPE (1981: 345); ALVES CORREIA (1989: 630).
337 A totalidade dos terrenos dá origem àquilo que se designa por massa de

concentração (Umlegungsmasse). Desta devem ser retirados as parcelas de terre-


nos para espaços verdes públicos, de equipamentos de utilização colectiva e de
infra-estruturas urbanísticas que, de acordo com a operação de reparcelamento,
devam integrar o domínio municipal. A parte restante constitui o que se denomina
massa de distribuição (Verteilungsmasse). A massa de terrenos edificáveis é
repartida entre os proprietários na proporção do valor do respectivo terreno à data
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 173

Os objectivos fundamentais do reparcelamento do solo urbano


são três: ajustar às disposições do plano a configuração e o aprovei-
tamento dos terrenos para construção; distribuir equitativamente,
entre os proprietários, os benefícios e encargos resultantes do plano;
e localizar as áreas a ceder obrigatoriamente pelos proprietários des-
tinados à implantação de infra-estruturas, espaços e equipamentos
públicos (artigo 131.°, n.° 2)338.
Estamos agora em condições de nos pronunciarmos sobre a rele-
vância do fenómeno contratual no âmbito do reparcelamento do solo
urbano. Assim, no que tange ao procedimento do reparcelamento, o
artigo 131.°, n.° 3 dispõe que “a operação de reparcelamento é da ini-
ciativa dos proprietários, directamente ou conjuntamente com outras
entidades interessadas, ou da câmara municipal, isoladamente ou em
cooperação”. No caso de a iniciativa ser dos proprietários, a opera-
ção de reparcelamento deve ser iniciada por requerimento dirigido
ao presidente da câmara municipal, instruído com o projecto de
reparcelamento e subscrito por todos os proprietários dos terrenos
abrangidos, bem como pelas demais entidades interessadas, no caso
de iniciativa conjunta (artigo 131.°, n.° 4). Neste caso, a operação de
reparcelamento é licenciada pela câmara municipal, sendo as rela-
ções entre os proprietários e entre estes e as outras entidades interes-
sadas reguladas por contrato de urbanização (artigo 131.°, n.os 6 e 8).
Em face da sua natureza jus-privatística, este contrato não se apre-
senta como um contrato urbanístico em sentido estrito.

do início do processo ou na proporção da sua área nessa data (podendo, no


entanto, os proprietários fixar, por unanimidade, outro critério). Significa isto que
“os critérios de repartição mais frequentes são o da repartição por valores e o da
repartição por superfícies (o qual se caracteriza por partir da relação entre as
áreas dos terrenos pertencentes aos diversos proprietários)”, o que faz do repar-
celamento um instrumento de execução dos planos especialmente vocacionado
para eliminar “toda e qualquer desigualdade de tratamento dos proprietários do
solo localizado numa mesma área ou zona” – ALVES CORREIA (2006-A: 224).
338 Advirta-se que os efeitos do reparcelamento estão condensados nas alí-

neas a), b) e c) do artigo 133.°, n.° 1, do RJIGT.


174 Contratos Urbanísticos

Na hipótese de a iniciativa da operação pertencer ao município,


a mesma inicia-se com a aprovação da delimitação da área a sujei-
tar a reparcelamento (artigo 131.°, n.° 5). Em tal situação, a opera-
ção de reparcelamento é aprovada pela câmara municipal, sendo as
relações entre os proprietários dos terrenos (e, eventualmente, outras
entidades interessadas no reparcelamento) e o município reguladas
por contrato de desenvolvimento urbano (artigo 131.°, n.os 6 e 8),
o qual é, sem dúvida, um contrato urbanístico em sentido estrito.
Quando a iniciativa da operação de reparcelamento urbano per-
tencer ao município, cabe à câmara municipal a elaboração e a apro-
vação do projecto de reparcelamento. A adesão dos proprietários dos
terrenos abrangidos na área a sujeitar a reparcelamento àquele pro-
jecto tem lugar através da subscrição do respectivo contrato de
desenvolvimento urbano. Mas sempre que algum ou alguns dos pro-
prietários manifestem o seu desacordo relativamente ao projecto de
reparcelamento, pode a câmara municipal promover a aquisição dos
respectivos terrenos pela via do direito privado ou, quando não seja
possível, mediante o recurso à expropriação por utilidade pública
(artigo 131.°, n.° 7)339. No caso de aquisição pelo município, é o
próprio legislador que qualifica expressamente essa aquisição como

339 Importa, ainda, salientar que os projectos de reparcelamento devem ser


sempre tramitados e decididos em aplicação das normas do RJUE respeitantes ao
loteamento – precisamente porque o conceito amplo de loteamento fornecido pelo
artigo 2.°, alínea i), do RJUE engloba no seu seio a constituição de lotes resultante
do reparcelamento de um ou vários prédios –, estando o “reparcelador” (rectius,
a entidade que tomou a iniciativa da operação de reparcelamento) sujeito aos mes-
mos ónus e obrigações jurídicas que recaem sobre o loteador, designadamente as
cedências obrigatórias de terrenos e a realização de obras de urbanização. Note-
-se, igualmente, que a operação de reparcelamento não carece de ser licenciada ou
aprovada pela câmara municipal nos casos em que a mesma se situar em área
abrangida por plano de pormenor que contenha as menções constantes das alíneas
a) a d), h) e i) do artigo 91.°, n.° 1, i.é, quando tenha um conteúdo suficientemente
denso, podendo, nessas situações, concretizar-se através dos contratos de urbani-
zação ou dos contratos de desenvolvimento urbano e registo destes contratos e do
plano de pormenor, nos termos dos artigos 92.°-A e 92.°-B.
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 175

um contrato de direito privado da Administração (critério da qua-


lificação legal) e, por isso, não estamos perante um contrato urba-
nístico em sentido estrito.
Os contratos celebrados no âmbito do reparcelamento do solo
urbano, sejam eles contratos de urbanização ou contratos de desen-
volvimento urbano, podem prever a transferência para as outras
entidades interessadas no reparcelamento dos direitos de comercia-
lização dos prédios ou dos fogos e de obtenção dos respectivos pro-
ventos, bem como a aquisição do direito de propriedade ou de super-
fície (artigo 131.°, n.° 9). Quer isto dizer que as parcelas ou lotes
resultantes da operação de reparcelamento, bem como os edifícios
neles construídos podem ser transferidos, em propriedade plena ou
direito de superfície, para outras entidades interessadas no reparce-
lamento, para além dos proprietários e do município, nas condições
a estabelecer naqueles contratos. Tais contratos podem limitar-se a
prever a transferência para as outras entidades interessadas na ope-
ração de reparcelamento dos direitos de comercialização dos prédios
ou dos fogos e de obtenção dos respectivos proventos. É esta a razão
por que, na noção de reparcelamento do solo urbano, se referiu que
a adjudicação das parcelas resultantes do reparcelamento pode ser
feita aos primitivos proprietários ou a outras entidades interessadas
naquela operação (artigo 131.°, n.° 1). E é a mesma razão pela qual
se sublinhou que a repartição da massa de distribuição pode tradu-
zir-se também no produto da cedência das parcelas ou lotes emer-
gentes do reparcelamento a algum ou alguns dos proprietários ou
outras entidades interessadas na operação ou a terceiros.
Cumpre aqui notar que o reparcelamento surge também asso-
ciado aos planos de pormenor com efeitos registais (artigos 92.°,
n.° 3, 92-A.° e 92.°-B). Neste sentido, o plano de pormenor com
efeitos registais constitui título bastante para a individualização no
registo predial dos prédios resultantes da operação de reparcelamento
nele prevista, dispensando um subsequente procedimento adminis-
trativo de controlo prévio desta operação urbanística. Para tanto,
é necessária, para além da apresentação da certidão de plano de por-
176 Contratos Urbanísticos

menor que contenha as especificações constantes do artigo 91.°,


n.° 1, alíneas a) a d), h) e i), acompanhada das peças escritas e de-
senhadas que suportam as operações de transformação fundiária
previstas, a apresentação do acordo de reestruturação da compro-
priedade ou de um dos contratos previstos no n.° 8 do artigo 131.°,
isto é, de um contrato de urbanização ou de um contrato de desen-
volvimento urbano (artigo 92.°-A, n.° 3).
Por fim, a perspectivação do reparcelamento como instrumento
jurídico privilegiado de execução do plano de pormenor resulta do
artigo 92.°-A, n.° 3, no qual se dispõe que, na situação de repar-
celamento, o registo depende da apresentação de um dos contratos
previstos no artigo 131.°, n.° 8, ou seja, de “um contrato de urbani-
zação (que regula as relações entre os proprietários e entre estes
e outras entidades interessadas na operação de reparcelamento) ou
de um contrato de desenvolvimento urbano (que disciplina as rela-
ções entre aqueles e o município) e, bem assim, do artigo 131.°,
n.° 10, do RJIGT”340, no qual se estabelece que, estando a operação
de reparcelamento abrangida por plano de pormenor que contenha
as menções referidas, “pode concretizar-se através dos contratos
referidos nos números anteriores e registo efectuado nos termos dos
artigos 92.°-A e 92.°-B”. Neste caso, a operação de reparcelamento
não está sujeita a licenciamento ou aprovação da câmara municipal.

4.4. Contratos no Contexto da Expropriação Urbanística em


Sentido Clássico

A expropriação por utilidade pública, enquanto instrumento de


execução dos planos, é uma expropriação acessória ao plano, já que
se traduz na expropriação de imóveis e direitos a eles inerentes
necessários à execução das disposições dos planos. O artigo 128.°,
n.° 1, do RJIGT contém uma norma geral habilitadora do recurso

340 ALVES CORREIA (2008: 634).


Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 177

à expropriação para execução dos planos municipais de ordena-


mento do território, ao estabelecer que “a Administração pode ex-
propriar os terrenos e edifícios que sejam necessários à execução
dos planos municipais de ordenamento do território”. Como é sa-
bido, o artigo 14.°, n.os 2, 3 e 4, do Código das Expropriações atri-
bui competência à assembleia municipal para declarar a utilidade
pública das expropriações da iniciativa da Administração local
autárquica que sejam necessárias à execução de um plano de urba-
nização ou de um plano de pormenor eficaz.
Embora a expropriação clássica, cuja credencial constitucional
se encontra no artigo 62.°, n.° 2 e 165.°, n.° 1, alínea e), da CRP, se
apresente como “um acto (unilateral) de privação ou de subtracção
de um direito de conteúdo patrimonial e na sua transferência para
um sujeito diferente, para a realização de um fim público”, não lhe
é totalmente estranho o fenómeno contratual. É o que sucede, por
um lado, com a obrigação de a entidade interessada na expropriação,
antes de requerer a declaração de utilidade pública, diligenciar no
sentido de adquirir os bens por via do direito privado, celebrando
para o efeito um contrato com o titular dos bens a expropriar, salvo
nos casos de expropriação urgente ou nas situações em que, jurídica
ou materialmente, não for possível a aquisição por essa via.
Estamos no domínio do que ALVES CORREIA designa como pré-
-procedimento da expropriação341 constituído por um conjunto de
actos preliminares que a entidade que pretende obter determinados
bens ou direitos patrimoniais para a prossecução do interesse pú-
blico deve praticar, com vista a adquiri-los pela via do direito pri-
vado e, assim, evitar o recurso à expropriação (artigo 11.° do CE).
Quer isto dizer que esta fattispecie contratual situa-se fora do pro-
cedimento expropriativo, antes da prática do acto de declaração de
utilidade pública. Estes contratos são expressamente qualificados
pelo legislador (critério da qualificação legal) como contratos de di-

341 ALVES CORREIA (2000: 93).


178 Contratos Urbanísticos

reito privado. A sujeição dos mesmos a algumas formalidades espe-


cificadas no artigo 11.° não é suficiente para os converter em con-
tratos administrativos342.
Por outro lado, já no âmbito do procedimento expropriativo,
tem lugar o acordo que a entidade expropriante deve procurar obter
com o expropriado e os demais interessados no âmbito da denomi-
nada expropriação amigável, antes de avançar para a discussão liti-
giosa da indemnização, sobre os seguintes aspectos: o montante da
indemnização; o pagamento da indemnização ou de parte dela em
prestações, os juros respectivos e o prazo de pagamento destes; o
modo de satisfazer as prestações; a indemnização através da cedên-
cia de bens ou direitos; a expropriação total; e as condições aces-
sórias – acordo esse que, no caso de sucesso, é formalizado ou por
escritura de expropriação amigável ou auto de expropriação ami-
gável, conforme os casos (artigos 33.° a 37.° do CE).
Este acordo constitui um contrato administrativo que põe termo
ao procedimento expropriativo, cujo acto constitutivo é a declaração
de utilidade pública. Por isso, representa um exemplo típico de um
contrato urbanístico finalizador do procedimento administrativo.
Mesmo que a entidade beneficiária da expropriação (a entidade
expropriante, na terminologia do CE) seja uma entidade de direito
privado, esta, ao celebrar o acordo de expropriação amigável, exerce
uma função materialmente administrativa. Em primeiro lugar, por-
que o celebra no contexto de um procedimento expropriativo, o qual
constitui um procedimento estruturalmente jurídico-público. Em se-
gundo lugar, porque, independentemente da natureza da entidade,
o procedimento expropriativo é sempre – até por razões constitucio-
nais – dirigido exclusivamente à satisfação de interesses públicos,
estaduais ou municipais. Quer dizer, trata-se de um procedimento
funcionalizado à satisfação de funções materialmente administra-
tivas. É esta a sua justificação e finalidade jurídico-constitucional,
condição inderrogável da sua legalidade e licitude.
342 Em sentido diverso, qualificando este contrato como um contrato admi-

nistrativo, DULCE LOPES (2003: 23).


Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 179

4.5. Contratação no Âmbito dos Mecanismos de Perequação

O artigo 135.° do RJIGT atribui aos proprietários o direito à dis-


tribuição perequativa dos benefícios e encargos decorrentes dos ins-
trumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares. E o artigo
136.°, n.° 1 do mesmo diploma legal veio impor, correlativamente, à
Administração Pública o dever de incluir, nos referidos instrumentos
de planeamento, mecanismos directos ou indirectos de perequação, de
acordo com os critérios definidos nos artigos 138.° a 142.°. Existe,
portanto, nas palavras de ALVES CORREIA, “um direito dos proprietá-
rios do solo à perequação” e “um dever de previsão nos mesmos pla-
nos de mecanismos directos ou indirectos de perequação”.
A aplicação dos mecanismos de perequação dos benefícios e
encargos realiza-se no âmbito dos planos de pormenor ou das uni-
dades de execução, segundo os critérios adoptados no plano direc-
tor municipal (artigo 136.°, n.° 2). Para ALVES CORREIA faz todo o
sentido que a aplicação destes mecanismos tenha lugar no âmbito
dos planos de pormenor ou das unidades de execução, “pois a justa
distribuição de benefícios e encargos só é totalmente realizada com
o conhecimento exacto do produto final da urbanização, isto é,
quando há desenho urbano, fenómeno que só acontece no plano de
pormenor ou na unidade de execução”343.
De harmonia com o disposto no artigo 119.°, as unidades de
execução são áreas delimitadas pela câmara municipal por iniciativa
própria ou a requerimento dos proprietários interessados, para efei-
tos de execução dos planos, através dos sistemas típicos indicados
na lei (sistemas de compensação, de cooperação e de imposição
administrativa). Segundo o artigo 120.°, n.° 1, a delimitação de uni-
dades de execução consiste na fixação em planta cadastral da área
a sujeitar a intervenção urbanística e com identificação de todos os
prédios abrangidos. Uma tal delimitação deverá ser feita de forma
a assegurar um desenvolvimento urbano harmonioso e a justa re-

343 ALVES CORREIA (2008: 738).


180 Contratos Urbanísticos

partição de benefícios e encargos pelos proprietários abrangidos,


devendo integrar as áreas a afectar a espaço público ou equipamen-
tos previstos nos planos de ordenamento. Note-se, ainda, que as uni-
dades de execução podem corresponder a uma unidade operativa de
planeamento e gestão, à área abrangida por um plano de pormenor
ou a parte desta (artigo 120.°, n.° 3)344.
Por outro lado, de acordo com o artigo 137.°, os mecanismos de
perequação compensatória a prever nos planos municipais de orde-
namento do território devem prosseguir diversos objectivos, sendo
o da redistribuição das mais-valias atribuídas pelo plano aos pro-
prietários o objectivo essencial daqueles mecanismos345. Nos ter-
mos do artigo 138.°, n.° 1 os municípios podem, designadamente,
utilizar os seguintes mecanismos: o estabelecimento de um índice
médio de utilização; o estabelecimento de uma área de cedência
média; e a repartição dos custos de urbanização. O mecanismo do
índice médio de utilização consiste na fixação pelo plano de um
direito abstracto de construção correspondente a uma edificabi-
lidade média que é determinada pela construção admitida para cada
propriedade ou conjunto de propriedades, por aplicação dos índices
e orientações urbanísticos estabelecidos no plano (artigo 139.°,
n.° 1). A edificabilidade média é determinada pelo quociente entre
a soma das superfícies brutas de todos os pisos acima e abaixo do
solo destinados à edificação, independentemente dos usos existentes
e admitidos pelo plano, e a totalidade da área ou sector abrangido
por aquele (artigo 139.°, n.° 3). No tocante ao direito concreto de
construir, resulta o mesmo dos actos de licenciamento de operações

344 O plano director municipal integra, igualmente, no seu conteúdo mate-

rial a definição dos “critérios de perequação compensatória de benefícios e encar-


gos decorrentes da gestão urbanística a concretizar nos instrumentos de planea-
mento previstos nas unidades operativas de planeamento e gestão”, devendo o
plano de urbanização e o plano de pormenor estabelecer, entre o mais, “a estrutu-
ração das acções de perequação compensatória a desenvolver na área de inter-
venção” [artigos 85.°, n.° 1, alínea s), 88.°, alínea i), e 91.°, n.° 1, alínea l)].
345 ALVES CORREIA (2008: 749).
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 181

urbanísticas, os quais devem ser conformes aos índices e parâmetros


urbanísticos estabelecidos no plano (artigo 139.°, n.° 2).
Conforme determinam os n.os 5 e 6 do artigo 139.°, quando
a edificabilidade do terreno for inferior à média, o proprietário de-
verá, quando pretenda urbanizar, ser compensado de forma ade-
quada, compensação essa que deverá ser prevista em regulamento
municipal, através das seguintes medidas alternativas ou comple-
mentares: desconto nas taxas que tenham de suportar ou aquisição
pelo município, por permuta ou compra, da parte do terreno menos
edificável.
Por seu turno, quando a edificabilidade do terreno for superior
à média, o proprietário deverá, aquando da emissão do alvará, ceder
para o domínio privado do município uma área com a possibilidade
construtiva em excesso, cedência essa que será contabilizada como
cedência para equipamento, já que se destina a compensar o muni-
cípio pela área que, para esse efeito, por permuta ou compra, terá de
adquirir noutro local (artigo 139.°, n.os 7 e 8)346.
De harmonia com o que dispõe o artigo 140.°, n.os 1 e 2, pode
o plano estabelecer que a compensação, em vez de ser feita através
do município, nos termos referidos antecedentemente, seja efec-
tuada entre proprietários. Deste modo, o plano pode permitir que os
proprietários que, de acordo com as disposições do mesmo, possam
construir acima da edificabilidade média, adquiram o excesso a essa
potencialidade àqueles que, igualmente nos termos do plano, dispo-
nham de um direito concreto de construção inferior à mesma, de-
vendo essas transacções ser obrigatoriamente comunicadas à câmara
municipal e sujeitas a inscrição no registo predial. Esta variante do

346 O “índice médio de utilização aponta, assim, para uma distinção entre a
edificabilidade potencial de um terreno, correspondente a um direito abstracto de
construir de que gozam todos os proprietários dos terrenos situados no âmbito do
plano de pormenor ou da unidade de execução, e a edificabilidade efectiva de um
terreno, que é aquela que resultar do acto de licenciamento da operação urbanís-
tica” – ALVES CORREIA (2008: 751).
182 Contratos Urbanísticos

mecanismo de compensação do índice médio de utilização é deno-


minada pelo legislador como “compra e venda do índice médio de
utilização”.
Por sua vez, o mecanismo de perequação traduzido na fixação de
uma área de cedência média é regulado no artigo 141.°. Nos termos
dos n.os 1 e 2 deste preceito, o plano pode fixar uma área de cedência
média de parcelas de terrenos, aquando da emissão do alvará de lotea-
mento, parcelas essas destinadas a infra-estruturas e pequenos espa-
ços públicos que irão servir directamente o conjunto a edificar ou a
zonas verdes urbanas, equipamentos e vias sem construção adjacente,
conforme o previsto no plano. Quando a área de cedência efectiva for
superior à área de cedência média, o proprietário deverá, quando pre-
tenda urbanizar, ser compensado de forma adequada, compensação
essa que deve ser prevista em regulamento municipal, através das
seguintes medidas alternativas ou complementares: desconto nas
taxas ou aquisição da área em excesso pelo município, por compra ou
permuta (artigo 141.°, n.os 3 e 4). Ao contrário, quando a área de
cedência efectiva for inferior à média, o proprietário terá de compen-
sar o município, em numerário ou espécie, nos termos que forem afi-
xados em regulamento municipal (artigo 141.°, n.° 5).
No tocante ao mecanismo de perequação denominado reparti-
ção dos custos de urbanização, estatui o artigo 142.°, n.° 1 que a
comparticipação naqueles custos – custos esses que, de harmonia
com o n.° 3 do mesmo preceito, são os relativos às infra-estruturas
gerais e locais – pode ser determinada pelos seguintes critérios, iso-
lada ou conjuntamente: o tipo ou a intensidade de aproveitamento
urbanístico determinados pelas disposições dos planos ou a superfí-
cie do lote ou da parcela. Por sua vez, o n.° 2 do mesmo preceito
estatui que o pagamento dos custos de urbanização pode realizar-se,
por acordo com os proprietários interessados, mediante a cedência
ao município, livre de ónus ou encargos, de lotes ou parcelas com
capacidade aedificandi de valor equivalente. E o n.° 3 do mesmo
artigo determina que são designadamente considerados custos de
urbanização os relativos às infra-estruturas gerais e locais.
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 183

Posto isto, estamos em condições de compreender o âmbito es-


pecífico em que surge o contrato enquanto fonte disciplinadora de
relações estabelecidas entre a Administração e os particulares (e es-
tes entre si) localizadas no quadro dos mecanismos de perequação
dos benefícios e encargos resultantes dos planos municipais de
ordenamento do território.
Desde já, note-se que a lei prevê, neste contexto, o recurso a
figuras contratuais como forma de concertar a concretização das
opções urbanísticas determinadas naqueles planos. Assim, no índice
médio de utilização, encontramos contratos de aquisição pelo muni-
cípio, sejam de permuta ou de compra e venda, da parte do terreno
menos edificável, quando a edificabilidade do terreno for inferior à
média, acordos de cedência de proprietários para o domínio privado
do município de áreas com a possibilidade construtiva em excesso,
nas hipóteses em que a edificabilidade do terreno for superior à
média, e contratos de compra e venda do índice médio de utilização
entre proprietários de terrenos, nas situações em que o plano o per-
mitir [artigos 139.°, n.os 6, alínea b), e 7, e 140.°].
Na área de cedência média, têm lugar, de igual modo, os con-
tratos de aquisição pelo município, pelas vias do contrato de per-
muta ou de compra e venda, da área em excesso (à área de cedência
média) cedida pelo proprietário, bem como os acordos de cedência
de áreas ao município pelos proprietários, quando a área de cedên-
cia efectuada for inferior à cedência média [artigo 141.°, n.os 4, alí-
nea b), e 5].
Finalmente, na repartição dos custos de urbanização, vamos
encontrar acordos de cedência dos proprietários interessados ao
município de lotes ou parcelas, livres de ónus ou encargos, com
capacidade aedificandi de valor equivalente aos custos de urbaniza-
ção, para pagamento destes (artigo 142.°, n.° 2).
Todas estas fattispecies contratuais de aquisição de terrenos por
permuta ou compra constituem contratos de direito privado da
Administração. A circunstância de serem celebrados no âmbito da
perequação compensatória não nos permite configurá-los como con-
184 Contratos Urbanísticos

trato administrativo. O legislador apenas refere que o município


“compra” ou “permuta”, mas não regula mais nada. Quer dizer, ele
não sujeitou estes contratos a um conjunto de regras especiais ou
a um regime jurídico especial. Por isso, entendemos que estes con-
tratos celebrados no âmbito da perequação compensatória não são
contratos urbanísticos em sentido estrito.

4.6. Contrato no Âmbito da Reabilitação Urbana

Actualmente, a renovação urbana constitui um dos temas de


Direito do Urbanismo que maior destaque tem merecido por parte
da doutrina europeia347. Enquanto máxima do urbanismo pós-
moderno (urban renewal), perfila-se como uma das principais poli-
cies instituídas por vários modelos de ordenamento do território
europeus, sendo, igualmente, um instrumento efectivo de melhoria
e tutela do ambiente urbano.
No ordenamento jurídico português, a política de renovação
urbana não está enquadrada por uma lei específica, à semelhança da
Loi SRU francesa, mas encontra-se prevista na LBPOTU [artigo 6.°,
alíneas h), i) e j)] como um dos objectivos da política de orde-
namento do território e de urbanismo. Existem, por isso, diversos
instrumentos jurídicos previstos no nosso ordenamento jurídico ao
serviço deste instituto (v.g., a reabilitação urbana para as áreas crí-
ticas de recuperação e reconversão urbanística e áreas urbanas de
génese ilegal, o Programa Polis).
Mas antes de mais, diga-se que o conceito de renovação urbana
é mais amplo do que as noções de requalificação ou de reabilitação
urbanas. O artigo 1.°, n.° 2 do RJRU348 define a reabilitação urbana

347 SANTIAGO IBÁÑEZ (1998: 180 ss.); DEMOUVEAUX (2002: 125); ARROYO
JIMÉNEZ (2006: 50 ss.); FRANCESCO (2006: 21 ss.).
348 O Regime Excepcional de Reabilitação Urbana para as zonas críticas

de recuperação e reconversão urbanística, bem como o Regime Jurídico das SRU


Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 185

como sendo “o processo de transformação do solo urbanizado, com-


preendendo a execução de obras de construção, reconstrução, alte-
ração, ampliação, demolição e conservação de edifícios, tal como
definidas no regime jurídico da urbanização e da edificação, com
o objectivo de melhorar as suas condições de uso, conservando o seu
carácter fundamental, bem como o conjunto de operações urbanís-
ticas e de loteamentos e obras de urbanização que visem a recupe-
ração de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e recon-
versão urbanística”.
O Regime Jurídico da Reabilitação Urbana reveste-se de par-
ticular importância, dado que cria as Sociedades de Reabilitação
Urbana, configuradas como empresas municipais e das quais os
municípios detêm a totalidade do capital social (artigo 2.°, n.° 1),
podendo, em casos de excepcional interesse público, ser sociedades
anónimas de capitais exclusivamente públicos com participação
municipal e estadual (artigo 2.°, n.° 2)349. De qualquer modo, e nos
termos do artigo 6.°, n.° 2, considera-se transferido do município
para as SRU o exercício de um conjunto de poderes de autoridade
para a prossecução da tarefa de reabilitação urbana.
Ora, este diploma prevê, no capítulo dedicado ao “procedi-
mento de reabilitação urbana a cargo da SRU”, o procedimento por
via de acordo, no âmbito do qual deparamos com a figura contra-
tual como instrumento de realização das obras de reabilitação
urbana.
Nos termos do artigo 18.° daquele Decreto-Lei, na sequência
da notificação do documento estratégico elaborado pela SRU para

foram criados, na sequência da autorização legislativa conferida pela Lei n.°


106/2003, de 10/12, pelo DL 104/2004, de 7/05 (RJRU).
349 Note-se que as referidas sociedades gozam de várias prerrogativas,

designadamente: a competência para licenciar ou autorizar as operações de lotea-


mento e as obras de construção executadas pelos proprietários ou por parceiros
privados [artigos 6.°, n.° 1, alínea a), 9.°, n.° 2 e 10.°], o poder de expropriar imó-
veis destinados à reabilitação urbana, bem como o poder de constituir servidões
administrativas [artigos 6.°, alínea b), 21.° e 22.°].
186 Contratos Urbanísticos

a unidade de intervenção, os proprietários de um mesmo edifício


poderão: assumir directamente a reabilitação do edifício, estabe-
lecendo com a SRU um contrato em que se fixam prazos, quer para
a sujeição das obras a comunicação prévia ou licença, quer para a
execução das mesmas; ou acordar com a SRU os termos da reabili-
tação do seu edifício, encarregando aquela de proceder a essa reabi-
litação, mediante o compromisso de pagamento das obras, acrescido
de comissão de gestão a cobrar pela SRU e das demais taxas devi-
das nos termos da lei, devendo para este efeito a SRU enviar a cada
proprietário uma proposta de contrato, bem como a menção de dis-
ponibilidade para dar início imediato às negociações [artigo 18.°,
n.os 1, alínea a) e b), e 3]. Se neste último caso dúvidas não existem
de que se trata de um contrato administrativo, o mesmo não sucede
na primeira situação, pois aí a fronteira entre aquilo que reveste
natureza pública ou ainda privada é muito ténue. De qualquer modo,
ainda que sobre esse ponto não nos possamos alongar muito, enten-
demos que a fixação de prazos pelo contrato constitui um aspecto
predominantemente administrativo, uma vez que a fixação dos mes-
mos e o respectivo cumprimento constituem elementos importantes
para a prossecução do interesse público da reabilitação urbana. Sob
ponto de vista substantivo, os aspectos do regime jurídico deste con-
trato parecem-nos, assim, mais próximos de possuir natureza pú-
blica e, por isso, consideramos que o mesmo deve ser qualificado
como um contrato urbanístico em sentido estrito.
Maior importância revestem os contratos previstos no artigo
34.° do RJRU, designados na epígrafe da referida norma como con-
tratos de reabilitação urbana. Decorre do RJRU que a promoção
das tarefas de reabilitação urbana pode ser levada a cabo directa-
mente pela SRU ou pode esta celebrar contratos de reabilitação
urbana com parceiros privados, escolhidos por concurso público
(artigo 33.°) que se encarregam de executar a reabilitação da uni-
dade ou unidades de intervenção, ou de parte destas (artigo 31.°).
Sob a epígrafe “contrato de reabilitação urbana”, o artigo 34.° disci-
plina o conteúdo contratual, prevendo, como obrigação do parceiro
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 187

privado, a execução da reabilitação da totalidade ou de parte de uni-


dades de intervenção, em vez da SRU (n.° 1); complementarmente,
é possível que o contrato preveja a transferência desta última para o
parceiro privado dos direitos de comercialização dos imóveis reabi-
litados e de obtenção dos respectivos proventos, podendo ficar acor-
dada a aquisição do direito de propriedade ou do direito de super-
fície dos bens a reabilitar ou a atribuição de um mandato de venda
por conta da SRU (n.° 2). Como decorre da conjugação destes pre-
ceitos com algumas das alíneas do n.° 4 [v.g., alíneas a), b), g) ou
h)], a celebração do contrato de reabilitação urbana tem como fina-
lidade precípua a assunção por um parceiro privado da posição jurí-
dica detida pela SRU, nomeadamente o exercício de poderes de
autoridade, como sucede com a condução dos procedimentos expro-
priativos – a permitir concluir pela natureza administrativa destes
contratos, nos termos do artigo 1.°, n.° 6, alínea c), II, do CCP350; no
mesmo sentido opera ainda o âmbito dos poderes de fiscalização
conferidos à SRU pelo artigo 35.°. Nesta medida, o contrato de rea-
bilitação urbana constitui o último passo para a concretização do
processo de devolução de poderes públicos em cascata, desenhado
pelo RJRU: dos municípios para as SRU e destas para os parceiros
privados.

4.7. Programas de Acção Territorial (PAT)

Uma outra relevante expressão do fenómeno contratual no


domínio da execução dos planos municipais de ordenamento do ter-
ritório é constituída pelos Programas de Acção Territorial (PAT),
previstos nos artigos 17.° da LBPOTU e 121.° do RJIGT. Lato

350 Concebendo-os já como contrato administrativo, PEDRO GONÇALVES


(2005: 914). Adoptando uma posição diversa, mas sem justificar, SUZANA TAVA-
RES DA SILVA (2006: 387) entende que os contratos de reabilitação urbana se
encontram subordinados ao direito privado.
188 Contratos Urbanísticos

sensu, são instrumentos contratuais de enquadramento das actua-


ções das entidades públicas e privadas, que definem objectivos a
atingir em matéria de transformação do território, especificam as
acções a realizar pelas entidades envolvidas e estabelecem o escalo-
namento temporal dos investimentos necessários. De acordo com as
directivas para os instrumentos de gestão territorial constantes do
Programa Nacional de Política e Ordenamento do Território, os Pro-
gramas de Acção Territorial devem ser utilizados no âmbito da exe-
cução dos planos directores municipais, tanto no domínio da cola-
boração entre sujeitos públicos, como na colaboração entre sujeitos
jurídicos privados, para enquadrar investimentos da Administração
do Estado no território do município, articulando-os com os investi-
mentos municipais que lhes devem ser complementares, e para
enquadrar grandes operações urbanísticas da iniciativa dos particu-
lares, articulando-as com os objectivos da política de ordenamento
do território e urbanismo do município.
Os Programas de Acção Territorial devem também ser utili-
zados para negociar, programar e contratualizar a elaboração de pla-
nos de urbanização e de planos de pormenor, a realização das ope-
rações fundiárias necessárias à execução destes planos, a realização
de infra-estruturas urbanas e territoriais e de outras obras de urbani-
zação e edificação neles previstas, bem como a implantação de equi-
pamentos públicos e privados de utilização colectiva, fornecendo à
condução dessas actuações urbanísticas as necessárias segurança
jurídica, programação técnica e transparência.
De modo semelhante ao acordo de programa (accordo di pro-
gramma) do Direito do Urbanismo italiano, inserido nas formas de
programação contratualizada (programmazione contrattata)351, os
Programas de Acção Territorial são figuras contratuais cuja finali-
dade é coenvolver uma pluralidade de sujeitos, públicos e privados,
em intervenções mais ou menos complexas, destinadas ao desenvol-

351 Para uma caracterização destas figuras, SALVIA (2008: 130-131), CIVI-
TARESE/URBANI (2000: 349-352).
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 189

vimento urbanístico de uma área. Visam, desta forma, superar a abs-


tracção da planificação e fazer convergir na realização dos progra-
mas concretos os sujeitos públicos a quem estão confiados o pla-
neamento e a execução dos planos urbanísticos e os particulares
interessados e, bem assim, definir os tempos de execução dos mes-
mos planos.
Poderá dizer-se, em síntese, que os Programas de Acção Terri-
torial, tal como foram concebidos pelo nosso legislador, comungam
de duas características essenciais: uma de natureza contratual, na
medida em que unem, pela via contratual, uma multiplicidade de
sujeitos (públicos e privados) na execução dos planos; e outra de
índole temporal, na medida em que graduam os tempos de actuação
das intervenções urbanísticas previstas para uma determinada área.
Vistos sob o prisma desta segunda característica, os Programas de
Acção Territorial aproximam-se do instituto italiano dos programas
plurianuais de execução (programmi pluriennuali di attuazione),
cuja função é regular os tempos de execução dos instrumentos urba-
nísticos espaciais, dando corpo à denominada planificação tempo-
ral, a qual apresenta objectivos distintos da planificação espacial,
pois esta visa a definição do ordenamento (forma) do território, não
obstante a estreita conexão entre elas.
Naquela primeira dimensão, os Programas de Acção Territorial
são contratos urbanísticos em sentido estrito. Mais especificamente,
revestem a natureza de contratos-programa urbanísticos, na medida
em que comportam características nucleares dos clássicos contratos-
-programa (definem metas e objectivos escalonados no tempo, con-
têm um cronograma de execução temporal a diversos níveis, bem
como um cronograma de execução financeira ou de investimentos
financeiros, etc)352.

352 Poderíamos, igualmente, equacionar a sua inserção no âmbito dos con-


tratos de parceria. A este respeito, quando muito, apenas os qualificaríamos como
contratos dinamizadores de parceria em sentido amplo, na medida em que fazem
apelo a uma associação duradoura (ou, pelo menos, relativamente duradoura),
190 Contratos Urbanísticos

5. Da Aplicação do CCP aos Contratos de Execução dos Planos

A matéria da contratação urbanística não pode apenas ser dis-


cutida ou reportada aos ordenamentos jurídicos urbanísticos nacio-
nais. O facto do objecto desta investigação exigir um diálogo per-
manente entre o Direito do Urbanismo e o Direito Administrativo
não dispensa a ampliação desse diálogo ao Direito Comunitário.
Enquanto parte integrante do ordenamento dos diversos Estados-
-Membros, o Direito Comunitário condiciona também a problemá-
tica inerente à contratação urbanística.
Neste último ponto, abordaremos, ainda que de forma sumária,
a questão de saber se os contratos celebrados entre os contraentes
públicos (para utilizarmos a expressão do artigo 3.° do CCP), desig-
nadamente os municípios, e os particulares, para efeitos de execução
dos planos, estão sujeitos às exigências do direito comunitário da
contratação pública, constantes, num primeiro momento, da Di-
rectiva n.° 93/37/CEE, do Conselho, de 14/06, e, actualmente, da
Directiva n.° 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 31/03, entre as quais se contam a observância dos princípios da
transparência, da igualdade e da concorrência e a submissão, em
certas circunstâncias, a um procedimento concursal, com publicação
no respectivo anúncio no JOUE – exigências essas que foram verti-
das para o direito interno português pelo CCP.
A suscitação, hic et nunc, da referida questão tem como causa
próxima a Sentença do TJ (UE) no caso La Scala 2001353. Este

embora não institucionalizada (i.é, trata-se de uma “associação” entre diferentes


entidades que não implica a criação de um novo ente jurídico agregador das diver-
sas vontades), entre entidades públicas ou entre diversas entidades públicas e pri-
vados. Sobre a noção de parcerias público-privadas institucionalizadas, VIEIRA DE
ANDRADE/LICÍNIO LOPES (2009); PEDRO GONÇALVES (2009).
353 Acórdão Ordine degli Architetti delle province di Milano e o. c. Comune

di Milano, de 12.07.2001, P. C-399/98 (CJ, 2001, princípio. I-5409 ss.). Sobre a


referida Sentença, CUGURRA (2002: 193 ss.); GÓMEZ MANRESA (2006: 103 ss.) e
LÓPEZ RAMÓN (2007: 147 ss.).
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 191

aresto foi desencadeado pela questão prejudicial colocada àquela


instância jurisdicional comunitária pelo Tribunal Administrativo
Regional da Lombardia da conformidade do direito italiano – que
permite ao construtor (titular de uma licença de construção ou de um
projecto de loteamento aprovado) a realização directa das obras de
urbanização, por conta da contribuição devida à comuna para as
despesas de equipamento – com o princípio da concorrência cons-
tante da Directiva então em vigor (Directiva n.° 93/37/CE) e, mais
concretamente, com referência, por um lado, à imputação dos actos
praticados pelo Município de Milão relacionados com a aprovação
do projecto de obras denominado Projecto Scala 2001, que com-
preende as obras de restauro do Teatro alla Scala, o acondiciona-
mento de determinados edifícios municipais, bem como a constru-
ção do novo Teatro degli Arcimboldi, com um aparcamento anexo;
e, por outro, à assunção pelo promotor da urbanização da zona de
enclave do último dos teatros citados, em cumprimento do contrato
urbanístico subscrito pelo Município, e por conta da sua contribui-
ção para os encargos de urbanização, da elaboração do projecto e da
construção da estrutura exterior do referido teatro.
Na citada Sentença, o TJ decidiu que “a Directiva n.° 93/37,
relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas
de obras públicas, opõe-se a uma legislação nacional em matéria de
urbanismo quando esta permite, à margem dos processos previstos
por esta directiva, a realização directa pelo titular da licença de
construção ou do projecto de loteamento aprovado de uma obra de
equipamento, contra dedução total ou parcial da contribuição devida
a título de concessão da licença, e cujo valor seja igual ou superior
ao limiar fixado pela referida directiva” (ponto 103).
Não é este o local apropriado para analisar o impacto da men-
cionada Sentença no ordenamento urbanístico português. Temos, no
entanto, por seguro que a doutrina que dela emana não se aplica a
todas aquelas situações em que os contratos urbanísticos celebrados
entre o município ou outros contraentes públicos e os proprietários
do solo para efeitos de execução dos planos municipais de ordena-
192 Contratos Urbanísticos

mento do território se limitam a modelar uma obrigação legal que


incide sobre estes de realizar as obras de urbanização ou de suportar
o seu custo, no âmbito dos quais o município não tem a possibili-
dade de eleger o co-contratante, porque, de acordo com a lei, este
deve ser necessariamente o proprietário dos terrenos que se vão
urbanizar. De facto, pode dizer-se, por um lado, que, ao celebrar tais
contratos urbanísticos, a Administração não renuncia a nada, nem
se compromete a satisfazer qualquer contraprestação patrimonial;
por outro lado, que, celebrando os referidos contratos urbanísticos,
o proprietário não fica investido na qualidade de concessionário das
obras de urbanização, nem a sua obrigação de realizar as obras de
urbanização resulta de tais contratos, antes tem a sua génese numa
imposição legal.
Por estas razões, entendemos que, em todos os casos em que
exista uma obrigação legal de os proprietários do solo realizarem as
obras de urbanização, ainda que o cumprimento da mesma seja en-
quadrado por um contrato urbanístico celebrado com o município,
não é necessária a abertura de um procedimento concorrencial,
mesmo nos casos em que o custo das obras de urbanização ultra-
passe o limite dos 5 150 000 euros [art 7.°, alínea c), Directiva
n.° 2004/18/CE, na redacção do Regulamento (CE) 1422/2007, de
4/12]. Esta solução aplica-se, v.g., aos contratos de urbanização
celebrados no âmbito dos sistemas de execução dos planos munici-
pais de ordenamento do território de compensação e de cooperação
e no domínio da execução das obras de urbanização pelo loteador.
Pensamos que a referida solução encontra suporte no artigo 5.°,
n.° 1, do CCP, na parte em que determina que as normas respeitan-
tes ao regime procedimental dos contratos públicos não é aplicável
à formação de contratos a celebrar por entidades adjudicantes “cujo
objecto abranja prestações que não estão nem sejam susceptíveis
de estar submetidas à concorrência de mercado, designadamente em
razão da sua natureza ou das suas características” (it. nosso). De
facto, entendemos que, nos casos anteriormente apontados, estamos
perante prestações contratuais que não são susceptíveis de estar sub-
Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos 193

metidas à concorrência de mercado, precisamente porque a pres-


tação contratual só pode ser cumprida pelo proprietário do solo.
O que nos leva a concluir que é da natureza e das características
daquela prestação que decorre a inaplicabilidade de um procedi-
mento concorrencial na formação de um contrato meramente en-
quadrador dos termos em que a mesma deve ser satisfeita pelo pro-
prietário do solo. No caso do loteador isso é especialmente
impressivo, pois só ele está em condições de concretizar as obri-
gações que decorrem da lei354.

354 Cf. também o Acórdão Jean Auroux e o. c. Commune de Roanne, de


18.01.2007, P. C-220/2005 (CJ, 2007, pp. I-385 e ss.), onde o Tribunal se debru-
çou sobre a questão de determinar se um contrato pelo qual uma primeira entidade
adjudicante encarrega uma segunda entidade adjudicante da realização, no inte-
resse geral, de uma operação de ordenamento urbano, no âmbito da qual esta
segunda entidade adjudicante entrega à primeira obras destinadas a satisfazer as
suas necessidades, e no termo da qual a primeira entidade adjudicante passa auto-
maticamente a ser proprietária de outros terrenos e obras que não foram alienados
a terceiros (as conventions publiques d’aménagement, previstas no artigo L.300-
-4 do Code de l’Urbanisme) constitui um contrato de empreitada de obras públi-
cas na acepção do artigo 1.° da Directiva n.° 93/37/CEE, de 14/06. Embora reco-
nheça que o objecto da convenção de ordenamento urbano ultrapassa a realização
de obras (envolvendo a realização global de um projecto urbano ou de determi-
nadas políticas urbanas em todos os seus elementos, nomeadamente, a montagem
do projecto, a gestão administrativa e jurídica, a aquisição dos terrenos através de
expropriação e a instituição dos processos de adjudicação dos contratos), o TJ
entende que estão em causa contratos que, parcialmente, contêm elementos do
contrato de empreitada de obras públicas, o que permite o respectivo enquadra-
mento no âmbito da Directiva n.° 93/37 e, por consequência, a sujeição aos pro-
cedimentos pré-contratuais aí previstos.
Actualmente, em resultado da alteração ao artigo L.300-4 do Code de l’Ur-
banisme, introduzida pela Lei n.° 2005/809, de 20/07, as operações de ordena-
mento, realizadas em regime de concessão, estão sujeitas a um procedimento con-
cursal, em termos semelhantes à nossa concessão de urbanização – LARMOLETTE/
/MORENO (2008: 241-244).
Finalmente, a temática da contratação urbanística é, igualmente, influenciada
pelo Acórdão do TJ (Segunda Secção) de 21.02.2008 – Comissão v. República
Italiana (P. C-412/04). Segundo o mencionado aresto, não cumpre as obrigações
194 Contratos Urbanísticos

Pelo contrário, as exigências comunitárias em matéria de con-


tratação pública aplicam-se plenamente no sistema de execução dos
planos municipais de ordenamento do território de imposição admi-
nistrativa, quando haja lugar à concessão de urbanização. Nesse
sentido, julgamos, ao invés do que sucede nas hipóteses acima refe-
ridas, que estamos face a contratos cuja formação não escapa à
lógica concorrencial e, por isso, a aplicabilidade da Parte II do CCP
parece-nos um dado seguro. Aliás, tais exigências são, inteiramente,
respeitadas pelo nosso ordenamento jurídico urbanístico – artigo
124.°, n.os 2 e 4, do RJIGT.

que lhe incumbem por força da Directiva n.° 93/37, relativa à coordenação dos
processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, um Estado-Membro
que autoriza a adjudicação directa de trabalhos e obras ao titular de uma licença
de construção ou de um plano de urbanização aprovado, quando uma obra se
encontrar dividida em vários lotes, unicamente no caso de o montante estimado
de cada um desses lotes, considerado individualmente, exceder o limiar de apli-
cação da mesma directiva. A circunstância de uma disposição de direito nacional
que prevê a realização directa, pelo titular de uma licença de construção ou de um
plano de urbanização aprovado, de uma obra de urbanização, com dedução total
ou parcial da contribuição devida a título de concessão da licença, fazer parte de
um conjunto de regras em matéria de urbanismo com características próprias
e prosseguindo uma finalidade específica, distinta da Directiva n.° 93/37, não é
suficiente para excluir a realização directa do âmbito de aplicação da directiva
quando os elementos necessários para que ela se aplique estiverem reunidos,
mesmo quando é o promotor do loteamento a realizar as referidas obras de urba-
nização.
CAPÍTULO II

REGIME JURÍDICO DO CONTRATO PARA PLANEAMENTO:


A FISIONOMIA DO CONTRATO

1. Conceito, Modalidades e Natureza: Contratos para Planeamento


em Sentido Estrito, Contratos Urbanísticos Integrais, Contratos para
Planeamento no Âmbito das Edificabilidades Estritas, Contratos
Interadministrativos de Adaptação e Contratos de Concepção ou de
Aquisição de Planos Urbanísticos

A admissibilidade dos contratos para planeamento foi expressa-


mente consagrada nos artigos 6.°-A e 6.°-B do RJIGT, preceitos
introduzidos pelo DL 316/2007, que tiveram o inegável mérito de pôr
termo a um cenário de indefinição e de autêntica nebulosa jurídica
que pairava no ordenamento urbanístico português, maxime no que
respeita ao específico recorte fisionómico dos contratos para planea-
mento (v.g., condições de admissibilidade, objecto, procedimento
aplicável, limites e efeitos). O enquadramento normativo dos con-
tratos para planeamento foi justificado pelo legislador, no exórdio do
DL 316/2007, mediante o recurso aos princípios da concertação de
interesses públicos e privados envolvidos na ocupação do território,
da contratualização e da autonomia pública contratual, tendo, ainda,
o legislador vincado a necessidade de clarificar “os princípios funda-
mentais a que se encontram sujeitos por força da irrenunciabilidade
e indisponibilidade dos poderes públicos de planeamento, da trans-
parência e da publicidade, tendo em conta os limites decorrentes das
regras gerais relativas à contratação pública”.
196 Contratos Urbanísticos

Mas antes da recente reforma legislativa, há muito que na pra-


xis jus-urbanística encontrávamos contratos ou acordos cujo objecto
era o conteúdo de planos a elaborar, a alterar ou a rever. Na reali-
dade, os contratos para planeamento nasceram e desenvolveram-se
à margem de um reconhecimento legal expresso: eles já existiam
antes de o direito os regular. Contudo, alguns deles viviam na som-
bra, mergulhados na escuridão da noite, em travessas obscuras e
ruas clandestinas, subtraídos às exigências de transparência e de pu-
blicidade, imunes à fiscalização administrativa e ao controlo judi-
cial e, por isso, constituíam práticas relativamente às quais se susci-
tavam as mais sérias dúvidas quanto à respectiva legalidade.
O cenário descrito não é muito diferente daquele a que se podia
assistir no resto da Europa. Em certos países, como é o caso de Es-
panha, Itália e Alemanha, a contratação urbanística nasceu e desen-
volveu-se em torno dos contratos de execução dos planos. Inicial-
mente, os contratos para planeamento não eram admitidos de iure
condito. De iure condendo, a doutrina dividia-se entre aqueles que
afirmavam e negavam a admissibilidade de um contrato desse tipo,
suscitando-se as mais variadas dúvidas quanto à natureza jurídica
do mesmo355. Em todo o caso, uma parte significativa da doutrina,
de feição mais vanguardista, respondia afirmativamente à questão
da admissibilidade de tais contratos, desde que observados certos
limites. Mas na prática, o contrato para planeamento era admitido
sob muitas reservas, o que acaba por explicar o facto de este ter as-
sumido, durante largos anos, as vestes de um negócio informal antes
da sua expressa consagração legal nos diversos ordenamentos jurí-
dicos europeus356.
355 Diversos Autores discutiam se estaríamos face a um verdadeiro contrato,
público ou privado; se o mesmo revestiria natureza obrigacional ou apenas deveria
ser visto como um mero negócio informal; se, pelo contrário, seria reconduzível à
figura do acto administrativo com especificidades próprias, SIERRA (1996: 24-25);
FERRANDIS (1998: 91); BUSTILLO BOLADO/CUERNO LLATA (2001: 84); CIVITARESE/
/URBANI (2000: 343); ASSINI/MANTINI (2007: 153); LÓPEZ RAMÓN (2007: 114).
356 Para um excurso sobre a referida consagração nos ordenamentos jurídi-

cos italiano, espanhol e alemão Parte II, Capítulo I, 2.


Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 197

Em Portugal, vários Autores pronunciavam-se no sentido de


uma séria e comprometida intervenção do legislador nesta matéria.
Nessa linha, ALVES CORREIA defendia que deveria “o legislador in-
tervir rapidamente no sentido de definir as condições de admissibi-
lidade, o procedimento aplicável e os efeitos dos contratos para pla-
neamento”357. No mesmo sentido, F. PAULA OLIVEIRA /DULCE LOPES
alertavam para “a conveniência de aprovação de legislação especí-
fica que definisse os contornos particulares que estes contratos assu-
mem no domínio urbanístico”358.
Apesar de tudo, mesmo na ausência de previsão legal, enten-
diam estes autores que se devia responder afirmativamente à ques-
tão da admissibilidade no nosso ordenamento jurídico de contratos
para planeamento, desde que, naturalmente, fossem observados
determinados limites. Tal juízo resultava, desde logo, do princípio
da autonomia contratual da Administração, condensado no artigo
179.°, n.° 1, do CPA, nos termos do qual os órgãos administrativos,
na prossecução das atribuições da pessoa colectiva em que se inte-
gram, podem celebrar contrato administrativo, salvo se outra coisa
resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer, e, bem
assim, do princípio da não tipicidade do contrato administrativo,
condensado no artigo 178.°, n.° 2, cujo sentido é o da desvinculação
da Administração a formas contratuais rígidas e o da legitimidade
do recurso à via contratual, mesmo na ausência de habilitação legal
específica. Com efeito, ALVES CORREIA sustentava que “não ha-
vendo, no nosso ordenamento jurídico urbanístico, qualquer norma
que obstaculize o recurso a formas contratuais tendo por objecto o
conteúdo dos planos municipais de ordenamento do território, nem
sendo os mesmos incompatíveis com a natureza ou a essência des-
tes instrumentos de planeamento, devemos concluir, à luz daqueles
princípios da contratação administrativa, pela legitimidade da utili-

357 ALVES CORREIA (2006-B: 400-401).


358 F. PAULA OLIVEIRA/DULCE LOPES (2003: 78-79). Também FREIRE (2004:
438) afirmava que “a segurança jurídica e os direitos dos administrados exigem a
intervenção do legislador no sentido de enquadrar devidamente estes acordos”.
198 Contratos Urbanísticos

zação de contratos, acordos ou convénios destinados a influenciar as


concretas soluções urbanísticas a consagrar nos planos municipais
de ordenamento do território”359.
Para além disso, eram apontadas inúmeras vantagens à contra-
tação para planeamento: por um lado, o reforço da participação
democrática, a partilha e a co-responsabilização, tudo princípios
de boa governança; por outro, ajustam-se ou conciliam-se, de uma
forma adequada, interesses públicos e privados, promove-se a agili-
zação de procedimentos administrativos, adapta-se a acção adminis-
trativa a situações especiais ou não previstas na lei e estimula-se
uma colaboração mais efectiva dos particulares do que a que resul-
taria de uma actuação da Administração de carácter unilateral360.
Ora, o caminho aberto pela doutrina foi aclarado e iluminado
pelo novo RJIGT, por via do qual se enquadrou jurídica e normati-
vamente os contratos para planeamento, estabelecendo as regras e os
limites a que estes contratos se encontram sujeitos.
O artigo 6.°-A, n.° 1, do RJIGT prevê a possibilidade de os inte-
ressados na elaboração, alteração ou revisão de um plano de urbani-
zação ou de um plano de pormenor apresentarem à câmara munici-
pal propostas de contratos que tenham por objecto a elaboração de
um projecto de plano, sua alteração ou revisão, bem como a respec-
tiva execução. Em rigor, esta disposição legal não esgota todos os
tipos de contratos para planeamento previstos no nosso ordena-
mento jurídico urbanístico. Na verdade, sob ponto de vista teleoló-
gico, o contrato para planeamento é uma figura contratual que
abrange todo e qualquer acordo de vontades que tenha em vista
influenciar o conteúdo de um plano urbanístico. Expendendo um
esforço no sentido de identificar as concretas fattispecies contratuais
que integram o genus contrato para planeamento, podemos afirmar
que existem contratos para planeamento em sentido estrito (artigo
6.°-A, n.° 1), contratos urbanísticos integrais (artigo 6.°-A, n.° 1),
359 ALVES CORREIA (2006-B: 401).
360 F. PAULA OLIVEIRA/DULCE LOPES (2003: 70); ALVES CORREIA (2006-
-B: 400).
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 199

contratos para planeamento no âmbito das edificabilidades estritas


(artigo 6.°-A, n.° 1), contratos interadministrativos de adaptação
(artigo 6.°-A, n.° 7) e contratos de concepção ou de aquisição de
planos urbanísticos [artigo 16.°, n.° 2, alínea e), do CCP].
No contrato para planeamento em sentido estrito o interessado
na elaboração, alteração ou revisão de um plano de urbanização ou
de um plano de pormenor acorda com o município somente os
aspectos relativos ao conteúdo daqueles planos, não se estipulando
os termos e as condições da sua execução. Quer dizer, trata-se de um
contrato que prepara as decisões de classificação e de qualificação
do solo que o plano deverá adoptar. No fundo, o contrato para pla-
neamento em sentido estrito intervém apenas a monte (a montante)
do processo de planificação, isto é, na fase decisória e não a valle
(a jusante) do mesmo, quer dizer, na fase operativa ou de exe-
cução361 e, por isso, é um contrato que influi sobre as previsões a
consagrar no plano, mas não contempla quaisquer regras relativas
à sua execução. Ainda que este não seja o paradigma contratual ins-
tituído pelo legislador no artigo 6.°-A, n.° 1, não se pode afirmar que
à luz daquele preceito normativo seja proibido celebrar contratos
desta espécie, desde que o município não utilize este para encomen-
dar planos sem pagar um preço, pois aí o terreno que pisa é o da ile-
galidade. Aliás, haverá casos em que terá todo o sentido admitir uma
hipótese desse tipo. Pense-se, v.g., no caso de uma associação que
tutela interesses urbanísticos ou ambientais que pretende apresentar
uma proposta de contrato para a elaboração de um plano de porme-
nor para uma área determinada, mas não revela qualquer interesse
em prosseguir com a execução do plano.
No entanto, esse não é o cenário idealizado pelo nosso legisla-
dor. E isto porque o artigo 6.°-A, n.° 1 permite que os interessados
apresentem à câmara municipal propostas de contratos que tenham
por objecto a elaboração, alteração ou revisão de um projecto de
plano de urbanização ou de plano de pormenor (contrato para pla-

361 SEBASTIANELLI (2006: 2); URBANI (2000: 69, 77).


200 Contratos Urbanísticos

neamento), bem como a respectiva execução (contrato para exe-


cução). Aliam-se, nesta disposição legal, os contratos para planea-
mento e os contratos para execução dos planos de urbanização e dos
planos de pormenor, estabelecendo entre os mesmos uma confluência
basilar, facto que nos leva a conceber os contratos em que se acorda
simultaneamente o planeamento e a execução como contratos urba-
nísticos integrais. No fundo, trata-se de, inovadoramente, englobar no
mesmo contrato, por um lado, os aspectos relativos ao conteúdo do
plano e, por outro, a definição das regras relativas à sua execução.
Os contratos urbanísticos integrais gozam da nota da trans-
versalidade, na medida em que contêm as bases que hão-de consti-
tuir o padrão de referência não só para a elaboração do futuro plano,
mas também para a sua execução. Nos contratos urbanísticos inte-
grais podemos discernir uma ambivalente função associada à teleo-
nomologia que conforma a sua mobilização e que se cumpre em dois
momentos logicamente diferenciados: um orientado para a fixação
do conteúdo de um plano urbanístico (isto é, para a concepção de
um plano de urbanização ou de um plano de pormenor), outro vol-
tado para a execução das prescrições do mesmo. Ao contrário dos
contratos para planeamento em sentido estrito, são contratos para
planeamento complexos, uma vez que integram as duas fases que
definem a actividade urbanística em geral, scilicet, o planeamento e
a execução urbanística. Daí designarmos estes contratos urbanísti-
cos como integrais, expressão que, em nosso entender, é sugestiva
do carácter globalizante e aglutinador desta concreta fattispecie con-
tratual. Além disso, verdadeiramente, só podemos dizer que o inte-
resse público fica integralmente satisfeito quando a Administração
celebra um contrato deste tipo, porquanto fica assegurada a execu-
ção do plano urbanístico. Por essa razão é que o legislador aliou no
artigo 6.°-A o contrato para planeamento aos contratos de execu-
ção, criando um regime de dois em um, que facilita e promove uma
satisfação global do interesse público urbanístico362.
362 Se investigarmos o direito comparado, verificamos que são muito seme-

lhantes aos contratos urbanísticos complexos regulados em algumas leis autonó-


Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 201

Já os contratos para planeamento no âmbito das edificabilida-


des estritas (artigo 6.°-A, n.° 1) são um expediente que a Adminis-
tração Pública, frequentemente, utiliza na praxis jurídico-urbanís-
tica com a finalidade de influenciar as decisões de ordenamento
urbanístico ou de renovar e aperfeiçoar as determinações constan-
tes dos instrumentos de planeamento a elaborar ou a alterar. Tais
contratos, ao contrário dos anteriores, não versam sobre um projecto
global de urbanização de uma área. Pelo contrário, procedem à re-
classificação ou requalificação de certas zonas ou franjas do espaço
municipal, de modo a permitir a implantação de certos usos urba-
nísticos de especial interesse para as partes contratantes363.
Em regra, são celebrados no contexto de uma especial preten-
são do município em adquirir certas parcelas de terrenos (aquelas e
mais nenhumas – vinculação situacional) em termos de o plano a
elaborar ou a alterar responder de modo mais adequado às necessi-
dades de interesse público. Por isso, o município celebra contratos
com os particulares proprietários de bens imóveis através dos quais
se compromete a reconhecer determinadas capacidades edificativas
(ainda não admitidas pelos instrumentos de planeamento em vigor),
procedendo, para tanto, à elaboração ou alteração de um plano de
urbanização ou de um plano de pormenor que concretize o disposto
nesses contratos.
É o caso do contrato através do qual o município se compro-
mete a alterar o plano de urbanização ou o plano de pormenor com
o fim de qualificar terrenos, atribuindo-lhes determinados índices de
utilização urbanística, vinculando-se o proprietário, em contrapar-
tida, a ceder gratuitamente ao município certas áreas de terrenos; ou
da celebração de um contrato pelo município quanto ao pagamento
da “justa indemnização” por expropriação de um terreno, na fase da
expropriação amigável, pela via da consagração de um determinado

micas espanholas ou ao Durchfürhrungsvertrag zum vorhabenbezogene Be-


bauungsplan, espécie contratual mencionada no § 12 do BauGB.
363 MAZZA (2005: 15).
202 Contratos Urbanísticos

aproveitamento urbanístico – não admitido pelas normas em vigor


naquele momento – no futuro plano, relativamente a outra parcela
de terreno pertencente ao expropriado.
O contrato para planeamento em sentido amplo abrange, igual-
mente, os contratos interadministrativos de adaptação previstos no
artigo 6.°-A, n.° 7, que visam essencialmente regular as formas de
adequação ou de adaptação364 (bem como os prazos para esse
efeito) de um plano municipal preexistente a um plano especial de
ordenamento do território ou a um plano regional de ordenamento
do território posteriormente aprovado. É inquestionável que estes
contratos pertencem à família do contrato para planeamento, na
medida em que têm como objecto planos urbanísticos e daí a razão
pela qual, sob ponto de vista sistemático, estão inseridos no artigo
6.°-A365.
Por último, os contratos de concepção ou de aquisição de pla-
nos urbanísticos são contratos através dos quais um particular se
obriga a exercer a tarefa de elaborar um projecto de plano urbanís-
tico em conformidade com o indirizzo definido pela Administração
e mediante o pagamento de um preço. Na terminologia do CCP,
este contrato constitui um contrato de elaboração ou aquisição de
planos (artigo 20.°). No fundo, trata-se de um contrato de aquisi-
ção de serviços (artigo 450.°): o particular desempenha o papel de
um prestador de serviços que a entidade pública contratou no mer-
cado concorrencial com o fim de conceber um projecto de um
plano urbanístico mediante o pagamento de um preço. Essa tarefa
implicará, de acordo com as exigências constantes do DL 292/
/95 de 14/11366, a constituição de uma equipa técnica multidiscipli-

364 Sobre a figura da alteração por adaptação dos planos urbanísticos,


ALVES CORREIA (2008: 580 ss.).
365 Em especial, sobre os acordos endoprocedimentais para a alteração dos

planos, JOÃO MIRANDA (2002: 142 ss.).


366 Este Decreto-Lei procedeu à fixação de regras mínimas de qualificação

técnica para a elaboração de planos de urbanização e de pormenor e dos projectos


de operações de loteamento. Para tanto, determinou a constituição de equipas
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 203

nar, de modo a assegurar a presença e intervenção, na elaboração de


planos de urbanização e de pormenor, de formações especializadas
na planificação urbanística. Em todo o caso, a actividade do con-
traente particular tem como destinatário imediato a Administração,
o que significa que tem uma “mera eficácia ad intra, ou seja, no
âmbito de uma relação que subsiste apenas entre ele e a entidade
pública que o contratou”367.
Naturalmente, a celebração deste tipo de contratos implicará
sempre a necessidade de se assegurar que o interesse público será
satisfeito sob a proposta mais vantajosa. Tendo em conta o facto de
existirem vários operadores económicos interessados naquela solici-
tação da Administração, é indispensável dar cumprimento ao prin-
cípio da concorrência, na medida em que em causa está uma pres-
tação “susceptível de estar submetida à concorrência de mercado”
(artigo 16.°, n.° 1, do CCP), in casu, a “aquisição de serviços”
[artigo 16.°, n.° 2, alínea e)]368 – no que respeita à escolha do pro-

multidisciplinares de que façam parte profissionais detentores de formações téc-


nicas diversificadas e complementares.
367 PEDRO GONÇALVES (2003: 73).
368 A este propósito, não podemos deixar de manifestar a nossa discordân-

cia relativamente à identificação do conteúdo deste tipo de contratos (e conse-


quente distinção em face dos contratos previstos no artigo 6.°-A, n.° 1, do RJIGT)
sustentada por F. PAULA OLIVEIRA (2009: 55-74). Expondo alguns exemplos de
contratos de elaboração e de aquisição de planos, “quer pela consulta à 2.ª Série
do Diário da República […], quer por uma pesquisa, ainda que sumária, através
de qualquer motor de busca, à internet” (ob. cit.: 55), afirma a Autora que, em
comum, nos referidos contratos, “os encargos com a elaboração do plano (in-
cluindo os honorários da equipa) são sempre da responsabilidade do contratante
privado, não sendo assumidos quaisquer encargos por parte do município a este
propósito”; além disso, sustenta que nestes contratos “convém distinguir aqui
duas coisas distintas: o preço contratual e o valor do contrato”. Deste modo, ape-
sar de a Administração não pagar um preço contratual pela aquisição do projecto
de plano, “tal não significa que o contrato seja um contrato sem valor […], dado
que, nos termos do artigo 17.° do CCP, o valor do contrato a celebrar é o valor
máximo do benefício económico que, em função do procedimento adoptado, pode
204 Contratos Urbanísticos

cedimento de formação destes contratos, cf. artigos 20.°, n.° 4, 27.°,


n.° 1, alínea g), 219.°, n.os 1 e 2 do CCP.

ser obtido pelo adjudicatário com a execução de todas as prestações que constituem
o seu objecto”; “assim, nos contratos a que nos temos estado a referir, não obstante
a entidade pública adjudicante não pague um preço pela proposta de plano que lhe
é apresentada pelo particular, a verdade é que este, caso a sua proposta de plano
venha a ser aprovada, ainda que com modificações, não deixa de obter uma ime-
diata vantagem económica, que não tinha antes de celebrar o contrato […] concre-
tizada na aprovação do plano nos termos em que o propõe” – ob. cit.: 60; 67-70.
Em nosso entender, não está aqui em causa qualquer contrato de elaboração
e de aquisição de planos (artigo 20.° do CCP). Como vimos, este constitui um con-
trato de aquisição de serviços. Nos termos do artigo 450.° do CCP, “entende-se por
aquisição de serviços o contrato pelo qual um contraente público adquire a pres-
tação de um ou vários tipos de serviços mediante o pagamento de um preço” (it.
nosso). Ora, nos contratos caracterizados pela citada Autora, a Administração não
paga um preço pela aquisição do plano, sendo imputado à entidade que presta o ser-
viço os encargos financeiros resultantes da sua elaboração, ao contrário do que
pressupõe a própria fattispecie contratual de aquisição de serviços. Ainda que fosse
possível aplicar o disposto no artigo 17.° do CCP às aquisições de serviços, a lógica
do valor do contrato não faz qualquer sentido no que concerne aos contratos para
planeamento, na medida em que o benefício económico atribuído ao particular con-
cretizado na aprovação de um plano com um determinado conteúdo por ele pro-
posto constitui uma prestação típica de um contrato sobre o exercício de poderes
públicos (mais concretamente, do contrato para planeamento regulado no artigo
6.°-A, n.° 1, do RJIGT) e não de um contrato de solicitação de produtos e de ser-
viços ao mercado. Sobre as prestações típicas do mesmo, infra, P. III, Cap. II, 5.1.
Em síntese, não existe qualquer diferença entre o “contrato para planea-
mento como contrato sobre o exercício de poderes públicos” e o “contrato para
planeamento como atribuição aos privados da tarefa de elaboração do plano” que
a mencionada Autora propõe (ob. cit.: 17-54; 55-72). Com efeito, não só a inte-
gração destas duas fattispecies contratuais se afigura como jurídica e dogmatica-
mente incorrecta, como também, sob ponto de vista material, nos parece pouco
razoável a diferente aplicação do princípio da concorrência ao mesmo tipo de con-
trato, tendo o argumento do urbanismo como uma tarefa ou função pública ser-
vido um duplo escopo: por um lado, para negar a sujeição do contrato para pla-
neamento previsto no artigo 6.°-A, n.°1, do RJIGT à lógica da concorrência e, por
outro, para afirmar a submissão do contrato de elaboração e de aquisição de pla-
nos às regras da contratação pública (ob. cit.: 41-42; 68).
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 205

Colocando no balão de ensaio os elementos da essência do


contrato para planeamento, como se deverá proceder à sua espe-
cífica qualificação jurídica? Quer dizer, como deve ser entendido
o contrato para planeamento sob ponto de vista da sua natureza
jurídica?
Em primeiro lugar, debrucemo-nos apenas sobre os contratos
para planeamento incluídos no artigo 6.°-A, n.° 1, do RJIGT. Desde
logo, dir-se-á, sem reservas, que, tendo os plano municipal de orde-
namento do território, de acordo com artigo 69.° RJIGT, a natureza
de regulamentos administrativos369, objecto do contrato para pla-
neamento é, por conseguinte, a elaboração, alteração ou revisão
de um regulamento administrativo. A índole pública do respectivo
objecto aponta, de imediato, para a presença de um contrato admi-
nistrativo, em consonância com as considerações tecidas a propósito
da caracterização dos contratos urbanísticos: afinal, o contrato para
planeamento constitui um dos tipos de contratos urbanísticos admis-
síveis. Além disso, uma leitura atenta do artigo 6.°-A levar-nos à
conclusão de que não se trata de um tipo de contrato de solicitação
de produtos e de serviços ao mercado ou de um contrato de delega-
ção de funções ou de serviços públicos.
Deste modo, este contrato não é configurado como um instru-
mento que a Administração utiliza para adquirir bens e serviços ou
com o fim de delegar um certo serviço público, mas como um autên-
tico instrumento do exercício do poder administrativo. Ora, estando
em causa, por um lado, um contrato cujo objecto é a elaboração de
um regulamento e, por outro, o exercício contratual de poderes
públicos, a imediata conclusão que se retira é a de que estamos
perante um tipo ou uma species do genus contrato sobre o exercício
de poderes públicos [“demais contratos sobre o exercício de pode-
res públicos” – artigos 1.°, n.° 6, alínea b) e 336.° do CCP].
Nesta categoria ampla, poder-se-ia pensar reconduzir os con-
tratos para planeamento a contratos com objecto passível de acto

369 Para mais desenvolvimentos, ALVES CORREIA (2008: 618 ss.).


206 Contratos Urbanísticos

administrativo, mais especificamente, a contratos por intermédio


dos quais a Administração se compromete, no âmbito de um deter-
minado procedimento administrativo (contratos intraprocedi-
mentais/endoprocedimentais), a praticar ou a não praticar um acto
administrativo ou a praticar um acto administrativo com um certo
conteúdo (contratos obrigacionais)370. É, justamente, nesta catego-
ria de contratos sobre o exercício de poderes públicos, que FILIPA
CALVÃO enquadra os contratos para planeamento. Todavia, não
deixa a Autora de sublinhar que, no caso dos contratos para pla-
neamento, a vinculação do contraente público não diz respeito à
emissão de acto administrativo, mas a actos jurídicos de natureza
normativa ou regulamentar371.
Pois bem, em rigor, o enquadramento dos contratos para pla-
neamento (que envolvem, ex natura, a aprovação de uma norma de
natureza regulamentar) na categoria de contratos com objecto pas-
sível de acto administrativo não nos parece correcto: se estes últi-
mos estão relacionados com a emissão de actos administrativos, já
os primeiros envolvem, ex natura, a aprovação de uma norma de
natureza regulamentar, pelo que a assimilação entre ambos sob a
égide da mesma figura jurídica conduz a seu desvirtuamento, justa-
mente na medida em que ignora as diferenças entre as referidas for-
mas de actuação administrativa de autoridade (acto administrativo e
regulamento administrativo).

370 PEDRO GONÇALVES (2003: 76).


371 “De notar que o contraente público pode também vincular-se por contrato
à emissão futura de actos jurídicos de outra natureza, como sucederá com planos
ou até contratos (vide, por exemplo, a possibilidade de contratualização da elabo-
ração, alteração, revisão ou execução de plano de urbanização ou de pormenor,
prevista no artigo 6.°-A do DL 380/99, de 22 de Setembro”) – FILIPA CALVÃO
(2008: 335 nota). No mesmo sentido, F. PAULA OLIVEIRA (2009: 19) qualifica os
contratos para planeamento como contratos obrigacionais ou endoprocedimentais,
que neste contexto integram outras formas de actuação da Administração (actua-
ções de natureza regulamentar, como é o caso dos planos), embora reconheça que
a regra é a de que aqueles contratos se referem a acto administrativo.
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 207

No Capítulo I, 4., analisámos diversas modalidades de contratos


de execução e reconduzimos algumas delas a contratos com objecto
passível de acto administrativo – v.g., artigos 24.°, n.os 2, alínea b),
e 5, e 25.°, n.os 1, 3 e 6, do RJUE [supra, I, 4.2, (I)]. Neste sentido,
será a mesma coisa, sob ponto de vista da qualificação jurídica,
a Administração vincular-se a atribuir uma licença no âmbito do
controlo prévio das operações urbanísticas ou a aprovar uma norma
regulamentar?
Não nos parece. Ao invés, defendemos que os contratos para
planeamento devem, quanto à sua natureza jurídica, ser qualificados
como contratos normativos, mediante os quais as partes acordam
voluntariamente a elaboração, alteração ou revisão de uma norma de
tipo regulamentar (o plano urbanístico), bem como o conteúdo da
mesma. Como refere ALEXANDRA LEITÃO, o “objecto destes contra-
tos é a conformação do conteúdo de uma norma, que depois é adop-
tada de modo unilateral, ou – mais raramente – podem substituir a
própria norma. Os primeiros são contratos integrativos do proce-
dimento”, “os segundos, pelo contrário, são contratos substitutivos
da própria norma, que assume forma contratual”372. Trata-se de uma
qualificação que tem origens na doutrina alemã que, dentro do con-
ceito amplo de contrato normativo, distingue entre Normsetz-
ungsvertrag – enquanto contrato através do qual a Administração se
vincula a emanar determinadas normas – e Normenvertrag – desig-
nação que identifica o contrato destinado a substituir as normas
administrativas. Ora, os Normsetzungsverträge não prescindem do
desencadeamento (anterior, concomitante ou posterior) do procedi-
mento administrativo dirigido à emissão das normas jurídicas con-
tratualizadas (que vigorarão apenas se e na medida em que ficarem
consagradas no diploma final emanado pelo órgão competente), por-
quanto o seu objecto imediato consiste, da parte da Administração,
na obrigação de emitir um regulamento. Pelo contrário, no caso dos
Normenverträge, o objecto imediato do contrato identifica-se com

372 ALEXANDRA LEITÃO (2006: 12).


208 Contratos Urbanísticos

as próprias normas jurídico-administrativos, que constituem o res-


pectivo conteúdo373.
Assim, de acordo com esta terminologia, entendemos que os
contratos para planeamento se configuram como contratos integrati-
vos do procedimento de aprovação dos planos, enxertando-se justa-
mente no âmbito do procedimento complexo tendente à elaboração,
modificação ou revisão dos planos cujas normas são contratualiza-
das. Por outro lado, e agora pela negativa, o facto de, como decorre
do artigo 6.°-A, n.° 3, o contrato não substituir o plano na definição
do regime do uso do solo, apenas adquirindo eficácia para tal efeito
na medida em que vier a ser incorporado no plano, afasta a respec-
tiva qualificação como contrato substitutivo.
Em suma, os contratos para planeamento devem ser entendidos,
quanto à sua natureza jurídica, como contratos normativos (na acep-
ção de Normseztungsverträge), mais especificamente, contratos
integrativos do procedimento de aprovação dos planos.
No entanto, não devemos pensar que as considerações avança-
das esgotam o problema da natureza jurídica dos contratos para pla-
neamento. Verdadeiramente, a concepção do contrato para planea-
mento como um contrato normativo respeita apenas à qualificação
da prestação nuclear do contrato, a aprovação do plano. No entanto,
o mesmo contém, igualmente, outras cláusulas específicas que con-
dicionam o modo de exercício dos poderes públicos. Daí o contrato
para planeamento ser um contrato que pode assumir uma certa geo-
metria variável: dele resultam, para a Administração Pública, não só
obrigações contratuais em sentido estrito, mas também a “obriga-
ção” de praticar actos administrativos.
Importa não confundir esta última obrigação com outras obri-
gações jurídico-administrativas de cumprir o disposto no contrato –
por exemplo, a obrigação de iniciar ou desencadear o procedimento

373AXER (2000: 56 ss.), com um enfoque especial, não tanto nos contratos
celebrados no âmbito do direito do urbanismo, mas nos contratos celebrados nos
diversos horizontes do direito da segurança social.
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 209

de elaboração, alteração ou revisão do plano é, claramente, uma


obrigação de praticar um acto administrativo, na medida em que
“o conteúdo que ela acolhe representa o exercício antecipado de um
poder público unilateral da entidade pública contratante”, que
“poderia figurar, com sentido, num acto administrativo isolado (pra-
ticado fora do contexto de uma relação contratual)”374; mas já a
obrigação de garantir a necessária articulação entre a elaboração,
alteração ou revisão do plano e os restantes instrumentos de gestão
territorial, assegurando, para tanto, os contactos necessários com
as demais entidades da Administração Pública, constitui uma mera
obrigação de facere (para uma análise pormenorizada das pres-
tações típicas do contrato para planeamento, infra, 5.1).
Com efeito, entendemos que os contratos para planeamento
em sentido estrito são contratos sobre o exercício de poderes públi-
cos, mas contratos sobre o exercício do poder público mistos ou com
objecto misto, assumindo a parte relativa à aprovação do plano natu-
reza normativa (portanto, natureza de contrato normativo) e a parte
respeitante à prática de actos administrativos no contexto da relação
contratual natureza decisória (por conseguinte, natureza de contrato
com objecto passível de acto administrativo).
A miscigenização do objecto contratual é ainda mais impres-
siva quando se trata de contratos urbanísticos integrais. Talqual-
mente os anteriores, também estes apresentam feição ambivalente,
mas, uma vez que compreendem, ainda, a fase de execução (são, por
isso, transversalmente integrais), a tarefa de qualificação jurídica
materializa-se num acervo de dificuldades acrescidas. Não obstante,
entendemos que também estes contratos se configuram como con-
tratos sobre o exercício de poderes públicos mistos ou com objecto
misto, assumindo a parte relativa à prática de actos administrativos
no contexto da relação contratual de formação do plano natureza
decisória (por conseguinte, natureza de contrato com objecto passí-
vel de acto administrativo), a parte referente à aprovação do plano

374 PEDRO GONÇALVES (2003: 125).


210 Contratos Urbanísticos

natureza normativa (portanto, natureza de contrato normativo) e a


parte respeitante à sua execução natureza decisória (quer dizer, natu-
reza de contrato com objecto passível de acto administrativo375).

2. Objecto

O DL 316/2007 introduziu alterações significativas ao RJIGT,


que se traduziram na criação de condições favoráveis à contratação
para planeamento.
A alteração introduzida pelo DL 316/2007 ao RJIGT incidiu
fundamentalmente no âmbito municipal do sistema de gestão ter-
ritorial, em especial na parte respeitante ao procedimento de forma-
ção dos planos, tendo, em geral, como objectivos primordiais a
simplificação e a flexibilização dos processos de ordenamento do
território. Na verdade, algumas das alterações com repercussão no
edifício normativo do Direito do Urbanismo projectaram-se nas
dimensões material e procedimental dos planos municipais de orde-
namento do território.
Ao nível substancial, observa-se, desde logo, uma maior flexi-
bilidade (e abertura) dos conteúdos dos planos municipais de orde-
namento do território, em particular dos planos de urbanização e de
pormenor. A este respeito, note-se que estes planos são configurados
como actos de conteúdo variado e heterogéneo, sendo o seu con-
teúdo documental constituído por duas partes: uma escrita e outra
desenhada. Quanto ao plano director municipal, a sua parte escrita
é integrada pelo regulamento – o qual define um modelo de organi-
zação municipal do território, estabelecendo um conjunto de ele-

375Neles se incluindo, no quadro dos sistemas de execução dos planos, a


contratualização de actos de controlo das operações urbanísticas – v.g., licença
e comunicação prévia de operações de loteamento, reparcelamento e obras de edi-
ficação.
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 211

mentos que são enumerados, exemplificativamente, nas diversas alí-


neas do artigo 85.°, os quais constituem o conteúdo material
daquele plano –, bem como por estudos de caracterização do terri-
tório municipal, por um relatório, que explicita os objectivos estra-
tégicos e as opções de base territorial adoptadas para o modelo de
organização espacial, bem como a respectiva fundamentação téc-
nica, suportada na avaliação das condições económicas, sociais, cul-
turais e ambientais para a sua execução, por um relatório ambiental,
e por um programa de execução, contendo designadamente disposi-
ções indicativas sobre a execução das intervenções municipais pre-
vistas, bem como sobre os meios de financiamento das mesmas
[artigo 86.°, n.os 1, alíneas a), e 2, a), b), c) e d)]. Por seu lado, a
parte desenhada é composta pela planta de ordenamento, que repre-
senta o modelo de organização espacial do território municipal, de
acordo com os sistemas estruturantes e a classificação e a qualifica-
ção dos solos e ainda as unidades operativas de planeamento e ges-
tão definidas, e pela planta de condicionantes, que identifica as ser-
vidões e restrições de utilidade pública em vigor que possam
constituir limitações ou impedimentos a qualquer forma específica
de aproveitamento [artigo 86.°, n.° 1, alíneas b) e c)]. Ora, as referi-
das alterações operadas por via legislativa ao RJIGT não se reflecti-
ram na configuração legal dos PDM, tendo antes reforçado a sua
dimensão estratégica e a sua caracterização como um instrumento
de enquadramento e de referência dos demais planos de âmbito
municipal e do desenvolvimento das intervenções sectoriais da
Administração do Estado (artigo 84.°, n.os 1 e 2).
Por seu turno, o plano de urbanização tem, igualmente, o seu
conteúdo documental constituído por uma parte escrita e uma parte
desenhada. A primeira é constituída pelo regulamento – o qual
concretiza, para uma determinada área do território municipal,
a política de ordenamento do território e de urbanismo, fornecendo
o quadro de referência para a aplicação das políticas urbanas e defi-
nindo a estrutura urbana, o regime de uso do solo e os critérios de
transformação do território, estabelecendo um acervo de elementos
212 Contratos Urbanísticos

que são enumerados, exemplificativamente, no artigo 88.°, os quais


constituem o seu conteúdo material376 (conteúdo este que, na se-
quência das alterações introduzidas pelo DL 316/2007, assume um
carácter aberto, devendo o mesmo ser apropriado às condições da
área territorial a que respeita, aos objectivos das políticas urbanas
e às transformações previstas nos termos de referência e na delibe-
ração municipal que determinou a elaboração do plano de urbani-
zação) –, e, bem assim, por um relatório, que explicita os objectivos
estratégicos do plano e a respectiva fundamentação técnica, por um
relatório ambiental, sendo caso disso, e por um programa de exe-
cução, contendo designadamente disposições indicativas sobre a
execução das intervenções municipais previstas, bem como sobre os
meios de financiamento das mesmas [artigo 89.°, n.os 1, alíneas a),
e 2, a), b) e c)]. A segunda é composta pela planta de zonamento,
que representa a estrutura territorial e o regime de uso do solo da
área a que respeita, e pela planta de condicionantes [artigo 89.°,
n.° 1, alíneas b) e c)]. Pois bem, a reconhecida necessidade de alar-
gamento do âmbito de intervenção da figura do PU, ditada pelas
características dos actuais processos de ocupação territorial para fins
turísticos, industriais e comerciais levou a que aquele deixasse de ter
por objecto apenas áreas incluídas no perímetro urbano (e o solo
rural complementar) para poder abranger outras áreas do território
municipal não incluídas no perímetro urbano, mas que, de acordo
com os objectivos e prioridades do PDM, possam ser destinadas a
usos e funções urbanas, como sucede com empreendimentos turísti-
cos, parques industriais, etc. (artigo 87.°).

376 O novo RJIGT introduziu importantes alterações nos objectos e conteúdos

materiais dos planos de urbanização. Quanto a este último aspecto, consagrou-se


o princípio (válido também para o plano de pormenor) de que os mesmos, “sem pre-
juízo da tipicidade associada, devem adoptar um conteúdo material apropriado às
condições da área territorial a que respeitam e aos objectivos previstos nos termos
de referência e na deliberação municipal que determina a sua elaboração”, real-
çando-se, também neste aspecto, a responsabilização municipal pela definição dos
objectivos estratégicos e operativos dos respectivos processos de planeamento.
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 213

Por último, também o plano de pormenor vê o seu conteúdo


documental composto por uma parte escrita e uma parte desenhada.
A primeira integra o regulamento – o qual desenvolve e concretiza
propostas de ocupação de qualquer área do território municipal e
estabelece um naipe de elementos que são indicados, exemplifica-
tivamente, no artigo 91.°, n.° 1, os quais constituem o conteúdo
material do plano de pormenor (conteúdo este que também reveste
um carácter flexível, devendo o mesmo ser apropriado às condições
da área territorial a que respeita e aos objectivos previstos nos ter-
mos de referência e na deliberação municipal que determinou a sua
elaboração) –, um relatório, contendo a fundamentação técnica das
soluções propostas no plano, um relatório ambiental, sendo caso
disso, peças escritas que suportem as operações de transformação
fundiária previstas, nomeadamente para efeitos de registo predial,
e um programa de execução das acções previstas e respectivo plano
de financiamento [artigo 92.°, n.os 1, alíneas a), e 2, a) a d)]. A
segunda é composta pela planta de implantação, que representa o
regime de uso, ocupação e transformação da área de intervenção,
pela planta de condicionantes e por peças desenhadas que suportem
as operações de transformação fundiária previstas, igualmente, para
efeitos de registo predial [artigo 92.°, n.os 1, alíneas b) e c), e 2, c)].
De notar também que com o DL 316/2007 verificou-se a subs-
tituição das modalidades simplificadas de plano de pormenor por
modalidades específicas377 do mesmo plano, cuja caracterização
deixou de se referir à simplificação do seu procedimento, para pas-
sar a ter como base a especificidade do seu conteúdo, o qual deve
ser adaptado às “finalidades particulares de intervenção previstas
nos termos de referência do plano e na deliberação municipal que
determinou a respectiva elaboração” (artigo 91.°-A, n.° 1).

377São modalidades específicas de plano de pormenor: o plano de inter-


venção no espaço rural, o plano de pormenor de reabilitação urbana e o plano
de pormenor de salvaguarda (artigo 91.°-A).
214 Contratos Urbanísticos

Uma das inovações mais relevantes introduzidas no RJIGT foi


a dos efeitos registais dos planos de pormenor, de acordo com o
estatuído nos artigos 92.°, n.° 3, 92.°-A e 92.°-B. À luz destas dis-
posições legais, o plano de pormenor com efeitos registais constitui
título bastante para a individualização no registo predial dos prédios
resultantes das operações de loteamento, estruturação da compro-
priedade ou reparcelamento nele previstas, dispensando um subse-
quente procedimento administrativo de controlo prévio das referidas
operações urbanísticas (artigo 131.°, n.° 6)378.
Os efeitos registais dos PP e a simplificação procedimental que
lhe anda associada, no que respeita à sua execução, por um lado, o
fomento da contratualização do conteúdo e da execução dos mes-
mos (artigos 6.°-A e 6.°-B), por outro lado, e, ainda, a simplificação
e consequente aceleração do procedimento de elaboração dos planos
de pormenor decorrentes das reformas operadas pelo DL 316/2007,
de 19 de Setembro, muito contribuirão para a “revitalização” da
figura dos planos de pormenor como instrumentos de planeamento
“normal” de execução das opções urbanísticas dos planos munici-
pais de ordenamento do território, impedindo que seja substituída
por outras figuras “executivas” dos planos municipais de ordena-
mento do território, como sucede com as unidades de execução.
O PP com efeitos registais passa, deste modo, a constituir uma
figura jurídica nova na dogmática do Direito do Urbanismo, com
lugar próprio no âmbito dos Instrumentos de Gestão Territorial, con-
figurando-se simultaneamente como um instrumento de planea-
mento e de execução de planos e que, por isso, para ser concreti-
zado, dispensa um subsequente procedimento administrativo de
controlo prévio. Fica, assim, facilitada a execução do plano de por-
menor, o que tanto da perspectiva dos particulares como da Admi-
nistração constitui um aspecto altamente benéfico: a vantagem de
todos os proprietários se associarem entre si e acertarem com a

378 Sobre este ponto supra, Parte III, Capítulo I, 4.3..


Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 215

câmara municipal a definição do desenho urbano para a respectiva


área irá garantir a execução do plano.
Em suma, as alterações introduzidas no objecto e conteúdo
material do plano de pormenor reafirmam a sua vocação como ins-
trumento de planeamento para a execução urbanística e reforçam a
flexibilidade do seu conteúdo em função dos objectivos definidos
nos termos de referência para a sua elaboração.
Já sob ponto de vista procedimental, foram introduzidas diver-
sas modificações tendo em vista a simplificação e a eficiência dos
procedimentos de elaboração, alteração e revisão379 dos instru-

379 A elaboração de um plano de urbanização ou de pormenor pressupõe a

existência de um procedimento específico, isto é, de uma sucessão ordenada de


actos e de formalidades tendentes à formação de um novo plano. Já a alteração e
a revisão são figuras da dinâmica dos planos. Esta expressa a faculdade de os
órgãos administrativos dotados de competência planificatória alterarem, corrigi-
rem e rectificarem, reverem ou suspenderem os planos, com base na avaliação que
fizerem da sua execução e da mudança da realidade urbanística, através da ideia
de alterabilidade, recebida nos artigos 93.° a 100.° do RJIGT. A revisão dos pla-
nos dotados de eficácia plurisubjectiva coenvolve uma reponderação global das
regras respeitantes ao uso, ocupação e transformação do solo, atingindo, em regra,
a economia geral do plano. Por seu turno, a alteração consiste numa reapreciação
meramente parcelar ou pontual do plano, através da introdução de modificações
no seu conteúdo prescritivo, com vista a adaptar o plano às mudanças das cir-
cunstâncias de facto ou de direito entretanto ocorridas. Por isso é que ALVES COR-
REIA defende que o critério distintivo entre a revisão e a alteração dos planos com
eficácia plurisubjectiva “não se encontra na quantidade e na profundidade das
modificações por elas operadas, mas na intensidade ou profundidade do procedi-
mento de reponderação ou de reapreciação que está na base daquelas figuras jurí-
dicas” – ALVES CORREIA (2006: 470 ss.). Sublinhe-se que este critério de distin-
ção entre alteração e revisão dos planos dotados de eficácia plurisubjectiva
avançado por ALVES CORREIA foi recebido pelo legislador, no artigo 93.°, n.° 3,
que determina que “a revisão dos instrumentos de gestão territorial implica a
reconsideração e a reapreciação global, com carácter estrutural ou essencial, das
opções estratégicas do plano, dos princípios e objectivos do modelo territorial
definido ou dos regimes de salvaguarda e valorização dos recursos e valores ter-
ritoriais”.
216 Contratos Urbanísticos

mentos de gestão territorial de âmbito municipal, de forma a con-


ferir maior operatividade ao sistema de gestão territorial. Ademais,
procede-se à aplicação, no âmbito do sistema de gestão territorial,
do regime jurídico da avaliação ambiental de planos e programas,
em articulação com o DL 232/2007, de 15/06, por forma a incor-
porar nos procedimentos de elaboração, acompanhamento, parti-
cipação pública e aprovação dos instrumentos de gestão territorial
a análise sistemática dos seus efeitos ambientais, obedecendo ao
citado vector da simplificação procedimental.
Outra inovação de grande impacto diz respeito à ratificação
governamental dos planos municipais de ordenamento do território,
a qual, na óptica da responsabilização municipal associada à des-
centralização e à simplificação, assume, agora, carácter excepcional.
Assim, apenas os plano directores municipais passam a estar sujei-
tos a ratificação e unicamente quando, no procedimento de elabora-
ção, seja suscitada a questão da sua incompatibilidade com planos
sectoriais ou regionais e sempre que a câmara municipal assim o
solicite, para que, em concretização do princípio da hierarquia miti-
gada, o Governo possa ponderar sobre a derrogação daqueles ins-
trumentos de gestão territorial, que condicionam a validade dos IGT
de âmbito municipal (artigos 79.°, n.° 2, 80.°, n.os 1 a 5).
Por conseguinte, o perímetro de aplicação da ratificação gover-
namental foi drasticamente reduzido, de tal modo que a alteração
de disposições do PDM por PU e PP e de PU por PP deixou de estar
dependente de um acto de controlo preventivo governamental.
A exigência deste constituía um valioso instrumento de prevenção
de violações ilegais do princípio da hierarquia dos planos e de coli-
sões ilegais entre as normas dos diferentes planos municipais de
ordenamento do território. Apesar disso, ALVES CORREIA entende
que “a alteração dos planos directores municipais por planos de
urbanização e por planos de pormenor e de planos de urbanização
por planos de pormenor, para além de estar sujeita à observância das
regras procedimentais, designadamente o acompanhamento, a con-
certação e a participação (artigos 75.°-C, 76.° e 77.°), não pode dei-
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 217

xar de se alicerçar numa justa ponderação das normas dos planos a


alterar, numa adequada fundamentação das alterações a introduzir
e numa rigorosa identificação das disposições alteradas (artigo 74.°,
n.° 3). De outro modo, estar-se-á perante uma violação do princípio
da hierarquia dos planos, que desencadeia a respectiva nulidade
(artigos 101.°, n.° 1 e 102.°, n.° 1)”380.
Tecidas estas breves considerações, importa, agora, saber, entre
os vários planos municipais de ordenamento do território analisados,
quais os que podem ser objecto de contratualização, de iure condito.
O artigo 6.°-A, n.° 1 dispõe que os interessados na elaboração,
alteração ou revisão de um plano de urbanização ou de um plano de
pormenor podem apresentar à câmara municipal propostas de con-
tratos que tenham por objecto a elaboração de um projecto de
plano, sua alteração ou revisão. Daqui decorre que a proposta de
contrato versa apenas sobre a elaboração, alteração ou revisão de um
plano de urbanização ou de um plano de pormenor, ficando ex-
cluída a hipótese de haver contratualização no que diz respeito ao
plano director municipal. Na realidade, o legislador circunscreveu
o perímetro da contratualização à elaboração, alteração ou revisão
de planos de urbanização e de planos de pormenor (satis est!)381.

380 ALVES CORREIA (2008: 413).


381 A exclusão do âmbito dos contratos para planeamento da elaboração,
alteração e revisão dos planos directores municipais é, contudo, tão-só uma exclu-
são da contratação directa, já que, indirectamente, o conteúdo de um plano direc-
tor municipal em elaboração, alteração ou revisão pode ser afectado por um con-
trato incidente sobre o conteúdo de um plano de urbanização ou um plano de
pormenor. Recorde-se, a este propósito, que o plano de urbanização e o plano de
pormenor podem revogar ou alterar as disposições do plano director municipal,
não sendo necessário para tal a submissão dos mesmos a ratificação governamen-
tal. Todavia, não se pode confundir a possibilidade de o plano de urbanização ou o
plano de pormenor (um plano hierarquicamente inferior) alterarem pontualmente o
plano director municipal (um plano hierarquicamente superior) – que resulta das
normas gerais que regem as relações entre os instrumentos de gestão territorial –
com a admissibilidade de contratação directa do plano director municipal.
218 Contratos Urbanísticos

Evidentemente que a solução plasmada naquela norma tem


uma ratio essendi bem clara. Na verdade, a opção do legislador em
vedar a contratualização no domínio dos PDM não encontra outro
fundamento senão no facto de tais planos, de acordo com o artigo
84.° do RJIGT, estabelecerem a estratégia de desenvolvimento ter-
ritorial, a política municipal de ordenamento do território e de urba-
nismo e as demais políticas urbanas, integrarem e articularem as
orientações estabelecidas pelos instrumentos de gestão territorial de
âmbito nacional e regional e estabelecerem o modelo de organiza-
ção espacial do território municipal, tendo por base a classificação e
qualificação do solo, de modo que negociar de forma directa estas
mesmas matérias seria, na óptica do legislador, ir longe de mais num
domínio especialmente sensível como este382. Com efeito, o legis-
lador pretendeu que a negociação tivesse exclusivamente como
objecto planos que incidem sobre as áreas que o plano director
municipal destinou à urbanização e à edificação (artigos 71.° a 73.°,
87.° e 90.° do RJIGT)383.
Em sentido diverso, DULCE LOPES admite a possibilidade de
celebração de contratos para planeamento no âmbito da “elabo-
ração, alteração e revisão de um plano director municipal”, sus-
tentando que a limitação constante do artigo 6.°-A “não tem qual-
quer justificação” e que se deve “ao facto de o artigo 6.°-A se referir,
de forma directa, à contratualização para o início de um procedi-
mento de planeamento – contratação esta que não faz tanto sentido

382 Esta é também a posição da ALVES CORREIA (2008: 479), que subscre-

vemos na íntegra.
383 Ora, é precisamente nesta ordem de ideias que, percorrendo o sistema

jus-urbanístico, pode ser encontrada uma solução materialmente semelhante. De


facto, o legislador também circunscreveu a aplicação de regimes jurídicos especí-
ficos à existência de um plano de urbanização ou de um plano de pormenor: é o
caso do artigo 14.°, n.° 2, do CE, que refere que a competência para a declaração
de utilidade pública das expropriações da iniciativa da Administração local autár-
quica, para efeitos de concretização de plano de urbanização ou plano de porme-
nor eficaz, é da respectiva assembleia municipal.
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 219

num plano director municipal como num plano de urbanização ou


plano de pormenor”384. Todavia, ressalva a Autora que isso apenas
será admissível “desde que não se convencione a estratégia de de-
senvolvimento territorial a adoptar”385. No mesmo sentido, F. PAULA
OLIVEIRA afirma que “não deve ser afastada a possibilidade de ser
objecto de contratação uma alteração directa a um plano director
municipal”, mencionando, todavia, que, “considerando que o plano
director municipal procede à definição da estratégia territorial para
toda a área territorial, aquela elaboração ou revisão […] deve ficar,
igualmente, à margem desta contratação”386.
À luz do direito constituído ou, nas palavras de ORLANDO DE
CARVALHO387, do ponto de vista do “Direito que é como do Direito
que está – que aí está, hic et nunc, na nossa vida quotidiana” –, en-
tendemos não ser possível sufragar esta posição que consubstancia
uma extensão teleológica que surge ab initio comprometida nos seus
pressupostos metodológicos fundamentantes, atenta a ausência de
uma relação de analogia substancial entre os planos circunstancial-
mente em causa, por mor da sua diferenciada densidade funcional
no plano intra-sistemático e, bem assim, dos interesses causais assu-
midos na previsão legislativa388.
Tal extensão não será, neste contexto, admissível, porque não
existe uma relação de identidade entre os interesses que levaram o
legislador a admitir a contratualização do PU e do PP e os interesses
da (omissa) contratualização do PDM, de modo a poder importar-se
para esta sede o juízo de valoração projectado na referida norma.
E não há verdadeira identidade, porque em causa estão planos
substancialmente diferentes, que apresentam objectivos e conteúdos
típicos diferenciados, bem como disparidade de escalas. Daí o PDM

384 DULCE LOPES (2008: 24).


385 Ob. cit.
386 F. PAULA OLIVEIRA (2009: 24).
387 ORLANDO DE CARVALHO (1981: 20).
388 CASTANHEIRA NEVES (2003: 39 ss.); PINTO BRONZE (2006: 920 ss.).
220 Contratos Urbanísticos

não ter sido objectivamente incluído no âmbito do artigo 6.°-A,


n.° 1389, porque a ratio legis subjacente a esta norma é a de permitir
a contratualização do conteúdo e da execução de planos dotados de
maior analiticidade das suas previsões – que é, inquestionavel-
mente, o caso do PU e do PP. Assim não sucede com o PDM, que
estabelece a estratégia de desenvolvimento territorial, a política
municipal de ordenamento do território e de urbanismo e o modelo
de organização espacial do território municipal (artigo 84.°), de-
vendo a sua execução ser feita, de acordo com o modelo instituído
pelo RJIGT, não pela via directa, mas através de planos dotados de
maior densidade material ao nível das suas previsões – o plano de
urbanização e o plano de pormenor.
Essa assincronia substancial entre os planos em causa, seja ao
nível da intencionalidade prático-normativa subjacente, seja no
plano da ratio iuris fundamentante, posterga, em abstracto, um exer-
cício metodológico formal e materialmente contra legem, porque
desprovido de apoio no tecido problemático que o legislador ver-
teu em norma, mesmo para além do seu estrito sentido semântico-
-gramatical.
Ao que acresce, em todo o caso, uma dificuldade metodológica
suplementar no que concerne ao alargamento textual da lei, uma vez
que as Autoras não colocam a questão ao nível da determinação
do sentido jurídico da norma problematicamente considerada, mas
como critério abstracto de solução para casos expressamente atípi-
cos, só assim se justificando o paradoxal condicionamento (redu-
ção) da extensão proposta, ao arrepio dos arrimos metodológicos
que a poderiam justificar390.

389 Sublinhe-se que não o foi na versão do DL 316/2007, nem na recente


versão do DL 46/2009, de 20/2, que manteve a matéria do objecto do contrato
para planeamento intocada.
390 Não esquecendo que numa perspectiva prático-normativa do discurso

metodológico o caso concreto configura-se como o prius, não pode aceitar-se que
a referida extensão seja proposta como critério abstracto no sentido de permitir
assimilar todo um conjunto indiferenciado de casos, re-escrevendo-se aproblema-
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 221

Em suma, esta “extensão teleológica condicionada ou redu-


zida” perfila-se como juridicamente inadmissível e constitui uma
interpretação, formal e substancialmente, contra legem.
Como afirmámos, as referidas alterações operadas por via
legislativa ao RJIGT reforçaram a dimensão estratégica e a caracte-
rização do PDM como um instrumento de enquadramento e de refe-
rência dos demais planos de âmbito municipal (artigo 84.°, n.os 1
e 2, do RJIGT). Deste modo, o PDM passa a constituir um instru-
mento de planeamento com um conteúdo flexível, aberto e estraté-
gico, que deixa aos PU e aos PP um amplo espaço de concretização
e de densificação normativa, rectius, de desenvolvimento, de “cria-
tividade” e, inclusive, de adaptação das suas previsões. Com efeito,
se a mencionada reforma legislativa segue uma directriz geral no
sentido de conferir carácter estratégico aos planos directores muni-
cipais, a tese que advoga a contratação directa dos PDM (com
excepção da parte estratégia de desenvolvimento territorial a adop-
tar pelo mesmo) representa uma autêntica “inversão de rota” em
face das actuais tendências da legislação urbanística.
Consequentemente, existe, em nosso entender, uma relação in-
trínseca entre a opção do legislador pela contratação para planea-
mento no domínio dos planos de urbanização e de pormenor e o
reforço da dimensão estratégica dos planos directores municipais. E
isto porque se o plano director municipal for concebido como um
plano rígido, isto é, como um plano dotado de previsões estritas, pre-
cisas, rigorosas ou detalhadas na definição dos tipos e modalidades
de ocupação do espaço, os planos de urbanização e os planos de por-
menor ficarão com menos autonomia para densificar as previsões do
plano director municipal e, consequentemente, reduzir-se-á ou esva-
ziar-se-á a amplitude da contratualização dos mesmos. Não foi isso
que sucedeu com a reforma de 2007: a admissibilidade dos contratos

ticamente a norma-texto como critério jurídico desfasado do momento da sua con-


creta realização judicativa, numa intentio legiferante radicalmente apartada da
teleonomologia do critério normativo em questão.
222 Contratos Urbanísticos

para planeamento no âmbito dos planos de urbanização e dos planos


de pormenor foi acompanhada pelo reforço do carácter estratégico
dos planos directores municipais, o que reflecte o aumento do espec-
tro ou da amplitude da negociação do conteúdo daqueles planos.
Por isso, no quadro das relações entre os instrumentos de pla-
neamento municipal, deve, em nosso entender, afirmar-se o princí-
pio segundo o qual a amplitude da contratualização/negociação
depende do carácter mais ou menos aberto dos planos que servem
de parâmetro ao plano objecto de contratação.

3. Sujeitos

O contrato para planeamento pressupõe, naturalmente, a exis-


tência de sujeitos dotados de personalidade jurídica. Na maior parte
dos casos, o contrato para planeamento associa uma entidade pú-
blica a um particular. O que se disse, genericamente, para o contrato
urbanístico a este respeito vale também para o contrato para planea-
mento, embora seja necessário fazer aqui algumas ressalvas.
Sujeitos dos contratos para planeamento são, de um lado, o Mu-
nicípio, que actua através de um órgão (a câmara municipal), o qual
não só negoceia com os particulares a regulamentação de deter-
minadas situações jurídicas (note-se que a letra do artigo 6.°-A,
n.° 1 refere “podem apresentar à câmara municipal”, embora nada
obste a que seja a câmara municipal a apresentar uma proposta de
contrato para planeamento a particulares), mas também elabora uma
proposta de plano (artigos 74.° e 77.°), sendo este aprovado pela
assembleia municipal (artigo 79.°); do outro, o(s) particular(es),
cuja determinação constitui uma das maiores interrogações que o
nosso tema levanta, a de saber que particulares estão aqui abrangi-
dos para efeitos do artigo 6.°-A, n.° 1.
Na anatomia do contrato para planeamento o âmbito subjectivo
constitui uma das partes essenciais desta figura. Desde logo, porque
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 223

reflecte uma notória preocupação do legislador (de resto, bem


patente no projecto do DL 316/2007) em definir quem pode ser inte-
ressado para apresentar propostas de contratos para planeamento
à câmara municipal. Isto mesmo se verificava no artigo 6.°-A, n.° 4
do projecto do DL 316/2007, segundo o qual “a formação do con-
trato é precedida de procedimento concursal sempre que os interes-
sados não sejam proprietários ou titulares de qualquer direito que
lhes confira legitimidade relativamente aos prédios compreendidos
na área de intervenção do futuro plano, sem prejuízo das demais
situações em que tal procedimento se justifique por força dos princí-
pios e regras legais relativos à contratação pública”. Daí que se esta-
tuísse no artigo 6.°-A, n.° 5, alínea b) que o procedimento de forma-
ção do contrato “depende de deliberação municipal devidamente
fundamentada que explicite […] a legitimidade do requerente”.
Porventura, consciente de que a redacção da norma constante
do artigo 6.°-A, n.° 4 não traçava rigorosamente a fronteira entre os
casos em que se justificava a abertura de um procedimento concur-
sal daqueles em que tal se revelaria desnecessário, o legislador
optou por não fazer semelhante exigência no actual artigo 6.°-A.
No entanto, evidenciou, claramente, a necessidade de existência de
um critério de interessado, bem como a sujeição dos contratos para
planeamento ao princípio da concorrência.
Não poderíamos estar em maior sintonia com o quadro pintado
pelo legislador. De facto, a formulação de um critério de interessado
para apresentar à câmara municipal propostas de contratos para pla-
neamento não deve ser feita a priori ou enunciada em abstracto num
tipo definitório legal, na medida em que isso restringiria desneces-
sariamente o âmbito subjectivo do contrato para planeamento e vin-
cularia a Administração a observar uma lógica estritamente forma-
lista, de tipo subsuntivo, sempre que celebrasse um contrato para
planeamento. Por conseguinte, definir aprioristicamente um con-
ceito de interessado implicaria o preenchimento ex legislatore de um
espaço que deve ser deixado ao aplicador da norma e acabaria por
aniquilar a operatividade do próprio contrato para planeamento.
224 Contratos Urbanísticos

Pelo contrário, a construção desse conceito de interessado é


uma tarefa que cabe à doutrina, que deverá articulá-lo com os prin-
cípios e as regras legais relativos à contratação pública, gerais
(a Parte II do CCP) e especiais (artigo 6.°-B).
Pois bem, que critério será esse? Interessados para o efeito do
artigo 6.°-A, n.° 1, do RJIGT serão apenas os proprietários dos ter-
renos ou também outros promotores imobiliários interessados na
realização de futuras operações urbanísticas, as quais, para serem
concretizadas, necessitam de estar convenientemente enquadradas
nos planos de urbanização e nos planos de pormenor? Summa quæs-
tio, magna diligentia…
O artigo 6.°-A, n.° 1, do RJIGT dispõe que “os interessados na
elaboração, alteração ou revisão de um plano de urbanização ou de
um plano de pormenor podem apresentar à câmara municipal pro-
postas de contratos que tenham por objecto a elaboração de um pro-
jecto de plano, sua alteração ou revisão”. Desde logo, a interpreta-
ção que, quanto a nós, deve ser feita desta norma é a que entende
que o conceito de interessado se refere sobretudo aos particulares,
pessoas singulares ou colectivas, não estando, porém, excluída a
possibilidade de serem também abrangidas entidades públicas (v.g.,
contratos interadministrativos de adaptação).
No que aos particulares diz respeito, prima facie, poderíamos
equacionar a hipótese de limitar esse círculo de destinatários aos
proprietários dos terrenos compreendidos na área de intervenção do
futuro plano. Significaria isto que, a admitir esse cenário, nem todos
os particulares gozariam de legitimidade para apresentar à câmara
municipal propostas de contratos para planeamento, o que, desde já,
nos parece ser contrário à unidade e coerência do RJIGT (a desig-
nada garantia da não contradição). E isto porque o conceito de inte-
ressado presente no artigo 6.°-A, n.° 1 deve ser visto à luz do dis-
posto no artigo 6.° (e do artigo 77.° para o qual remete o artigo
6.°-A, n.os 5 e 6) que indica quais são os titulares do direito de par-
ticipação no procedimento de elaboração dos planos. O artigo 6.°,
n.° 1 (em harmonia com o disposto no artigo 65.°, n.° 5 CRP) abarca
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 225

“um círculo muito amplo, abrangendo não apenas os proprietários


ou os titulares de outros direitos reais que incidam sobre um imóvel
situado no âmbito espacial de aplicação do plano, mas também
aqueles que sejam portadores de um interesse económico ou ideal
ou sejam simplesmente «cidadãos» preocupados com um correcto
planeamento urbanístico e com a melhoria da qualidade de vida do
aglomerado onde habitam”391. Assim, este preceito legal estabelece
um círculo muito alargado de sujeitos do direito de participação,
não restringindo essa participação a um pequeno grupo de inte-
ressados.
Paralelamente, o artigo 6.°-A, n.° 1, também deve ser lido
como não restringindo o leque de potenciais interessados apenas aos
proprietários dos terrenos compreendidos na área de intervenção do
futuro plano. É precisamente isto que decorre tanto de uma inter-
pretação literal como de uma interpretação sistemática do conceito
de interessado.
Todavia, importa não esquecer que o contrato para planeamento
está marcado pela lógica da função, isto é, pelas exigência de que o
“interesse público não pode vergar-se diante do interesse particular”.
Quer dizer, o regime do contrato para planeamento (v.g., artigo 6.°-A,
n.os 2 e 3) está moldado em termos de assegurar a prevalência do inte-
resse público ou a primazia da lógica da função sobre a lógica do
pactum. Nestes termos, interessa-nos apurar a própria função ou teleo-
logia que justifica a celebração de um concreto contrato para planea-
mento. Qual a vantagem para o município de contratualizar com um
particular somente o conteúdo de um plano, tendo este obtido apenas
o acordo de dois ou três proprietários num universo de 50 para a exe-
cução das prescrições do mesmo? De facto, que sentido fará acordar
com um promotor urbanístico o conteúdo de um plano que, por mais
brilhante que seja, não apresenta qualquer garantia de execução?
Facilmente se depreende que um contrato para planeamento
celebrado nestes termos revelar-se-ia um instrumento desadequado

391 ALVES CORREIA (2008: 449).


226 Contratos Urbanísticos

às exigências de interesse público392. E que, por conseguinte, não é


admissível, do ponto de vista do interesse público, que o município
celebre um contrato para planeamento com um particular, cujo con-
teúdo seja consagrado no futuro plano, mas venha a tornar inviável
a sua execução – no fundo, a construção legal subjacente ao artigo
6.°-A não foi a de Administração celebrar contratos para planea-
mento relativos a planos que irão ficar “na gaveta”.
E isto porque, ainda que para a elaboração, alteração ou revisão
de um plano que é objecto de contratualização não seja necessário o
consentimento de todos os proprietários ou titulares de outros direi-
tos reais que incidam sobre um imóvel situado no âmbito espacial de
aplicação do futuro plano, tal consentimento revelar-se-á, contudo,
indispensável para a respectiva execução. Foi, justamente, por isso
que o legislador reconheceu as virtualidades da utilização desta
figura enquanto forma adequada de conciliar interesses públicos e
privados e de operacionalizar a execução dos planos de urbanização
e dos planos de pormenor.
Logo, a grande contrapartida da Administração em recorrer ao
contrato para planeamento previsto no artigo 6.°-A não é só a de
concertar com os particulares as soluções urbanísticas ao nível do
conteúdo do plano, mas sobretudo a de acordar com os mesmos um
determinado desenho urbano que será concretizado sem os entraves
e obstáculos que a execução dos instrumentos de planeamento fre-
quentes vezes coloca (v.g., necessidade de recorrer a expropriações
no contexto do sistema de imposição administrativa, etc.)393. Signi-

392 Exceptuados, naturalmente, os casos em que exista apenas utilidade em

contratualizar o conteúdo de um plano – supra, 1., deste Capítulo.


393 Para além disso, existem vantagens de carácter financeiro para o muni-

cípio, na medida em que os encargos com a elaboração do plano são da responsa-


bilidade do contratante privado (incluindo todos os estudos complementares ao
plano e necessários à sua aprovação, como é o caso do Relatório Ambiental
enquadrado no procedimento de Avaliação Ambiental Estratégica), não sendo,
assim, assumidos quaisquer encargos financeiros por parte do município.
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 227

fica isto que, em vez do desenho urbano ser unilateral e autoritaria-


mente definido pela Administração – que a prática demonstra ter
problemas consequentes ao nível da aceitação das soluções urbanís-
ticas –, ele é agora produto de uma concertação entre a Administra-
ção e os particulares, da qual resultará uma eficácia acrescida na
execução do mesmo.
Para a doutrina italiana, um dos grandes esteios do contrato
para planeamento cifra-se “na necessidade de assegurar a execução
das opções do plano, em vez de apenas se reduzir a um acordo sobre
o conteúdo das prescrições do mesmo”, já que o seu fim não reside
unicamente na “co-determinação com os privados da melhor esco-
lha de ocupação do espaço, mas sobretudo na garantia de que à fixa-
ção das prescrições urbanísticas se seguirá a execução das escolhas
acordadas”394.
É que, como já referimos, os planos municipais de ordena-
mento do território têm natureza bicéfala, sendo compostos por uma
parte de regulamentação e outra de execução. O contrato para pla-
neamento, ex natura, não escapa a esta lógica (bem expressa no
artigo 6.°-A, n.° 1: “e respectiva execução”). Daí que a inexistência
de qualquer espécie de previsão do modo de execução do plano con-
duz à negação da própria função ou teleologia do contrato para pla-
neamento.
Estas considerações tornam claro que as exigências de salva-
guarda do interesse público na celebração do contrato impõem a
descoberta de um critério de interessado. Neste sentido, um critério
normativamente adequado à ratio legis do artigo 6.°-A, n.° 1 será o
critério funcional de interessado, que abrange, por um lado, os sujei-
tos que forem proprietários dos terrenos compreendidos na área de
intervenção do futuro plano e acordem na execução e, por outro,
todos aqueles (promotores imobiliários, urbanizadores) que, não
sendo embora proprietários, apresentem, no momento da celebração

394 URBANI (2005-C: 3). Neste sentido também BORELLA (1998: 424 ss.);

MAGRI (2004: 540 ss.); ASSESSORATO (2004: 6 ss.).


228 Contratos Urbanísticos

do contrato para planeamento, o acordo com os proprietários para


a execução do plano. Trata-se, no fundo, de um conceito de interes-
sado funcionalmente adequado ao sentido e à finalidade do artigo
6.°-A, n.° 1. Além disso, ao exigir que o interessado seja proprie-
tário dos terrenos ou possua um acordo com os proprietários neces-
sário para garantir a execução do plano, tem a virtude de objectiva-
mente acautelar o interesse público na celebração do contrato para
planeamento.
Sucede, porém, que não é isso que decorre da lei, já que o con-
teúdo e o sentido normativo do artigo 6.°-A, n.° 1 não apontam para
uma solução desse tipo. Efectivamente, não se pode interpretar esta
norma como estabelecendo um critério de legitimidade acrescida ou
um critério funcional de interessado, na medida em que o legislador
não faz depender a qualidade de interessado de uma específica apti-
dão ou qualificação do sujeito ou de uma concreta situação jurídica
ou de facto em que ele se encontre. Portanto, não se pode interpretar
aquele preceito legal como gizando um critério delimitador de legi-
timidade substantiva. Além disso, pode afirmar-se, com toda a pro-
priedade, que não houve qualquer lapso ou omissão por parte do
legislador em face da eliminação da norma constante do artigo 6.°-
-A, n.° 4, na versão do projecto do DL 316/2007. Acresce que a
defesa à outrance de um critério funcional de interessado, indepen-
dentemente das vantagens que pudesse oferecer, cairia novamente
numa definição apriorística de interessado no plano doutrinal.
Ao contrário do que à primeira vista parecia, não pode, ab ini-
tio, dogmatizar-se abstractamente um irredutível critério apodíctico
de interessado para efeitos do artigo 6.°-A, n.° 1 sob pena de incom-
patibilidade do mesmo, por um lado, com edifício normativo erigido
pelo legislador e, por outro, com a própria operatividade e existên-
cia do contrato para planeamento, condenando esta jovem figura a
um súbito requiem.
Por isso, o punctum crucis da questão está na procura de uma
solução sustentada à luz das exigências de sentido que atravessam
transpositivamente o nosso horizonte reflexivo. Quer dizer, o desve-
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 229

lar de um critério funcional de interessado contribuiu para a afirma-


ção de que o co-contratante privado terá que reunir especiais con-
dições, que estão para além da simples qualidade de interessado, de
forma a se salvaguardar devidamente o interesse público. Que con-
dições serão essas?
Concretamente, a circunstância de o interessado ser proprietá-
rio dos terrenos ou possuir um acordo com os proprietários neces-
sário para garantir a execução do plano395. Em rigor, estes não são
elementos que integrem o substrato de um conceito de interessado,
mas especiais condições que aposterioristicamente um determinado
interessado deverá reunir para prosseguir a execução do plano. Estas
especiais condições do proponente do contrato para planeamento
funcionam a posteriori, quer dizer, no âmbito de um concreto pro-
cedimento concursal e aquando da selecção da melhor proposta de
ocupação territorial por parte da Administração. Por isso, entende-
mos que estamos perante autênticos critérios de adjudicação do
contrato para planeamento, ou seja, critérios de avaliação (de natu-
reza urbanística, económica e ambiental) das propostas, definidos
unilateralmente pela Administração Pública, que constituem uma
pauta de leitura (quiçá, essencial) para a escolha do melhor projecto

395 A necessidade de reunir tais condições também é bastante discutida no


direito alemão. Como vimos, na senda de alguma jurisprudência, é imprescindível
que o promotor possua uma autorização que lhe confira a possibilidade de utili-
zação (desde logo, para finalidades de construção) dos terrenos na área de inter-
venção do futuro plano – KRAUTZBERGER (2007-B: 285). Já no ordenamento jurí-
dico italiano, os accordi di pianificazione, previstos na Lei n.° 20, de 24 de Março
de 2000, da Região de Emilia Romagna, estão sujeitos a concurso público, nos
termos do artigo 30, §10, preceito que regula os termos específicos do referido
concurso e no qual podem participar não só os proprietários de terrenos, mas
também outros operadores munidos de título no âmbito de intervenção do futuro
plano. Deste modo, de acordo com o mencionado artigo 30, §10, in fine, “con-
cluído o procedimento concursal, o município celebra, ao abrigo do artigo 18.°,
um acordo com aqueles que possuírem um título que lhes permita realizar inter-
venções nos terrenos situados no área de intervenção do futuro plano” – ASSINI/
/MANTINI (2007: 487).
230 Contratos Urbanísticos

de ordenamento do espaço, ao lado da demonstração de capacidade


financeira, da demonstração de capacidade técnica, do know-how
em matéria de planeamento urbanístico, do cumprimento de especi-
ficações técnicas de natureza ambiental (v.g., fundamentais para os
estudos de impacte ambiental), etc.
Recorde-se que, de acordo com as exigências do Direito Comu-
nitário da concorrência, a adjudicação resulta de uma avaliação
comparativa das propostas, o que impõe, como foi sublinhado no
Acórdão Siac, que “aquando da avaliação das propostas, os critérios
de adjudicação devem ser aplicados de maneira objectiva e uni-
forme a todos os proponentes”396.
Em suma, o vocábulo “interessado” pretende abarcar um cír-
culo amplo de destinatários, abrangendo não apenas os proprietários
ou os titulares de outros direitos reais que incidam sobre um imóvel
situado no âmbito espacial de aplicação do futuro plano, mas tam-
bém outros promotores imobiliários interessados na realização de
futuras operações urbanísticas compreendidas nas referidas áreas de
intervenção. Esta concepção de interessado é a que consta do teor
do artigo 6.°-A, n.° 1, que não utiliza este termo em sentido técnico-
-jurídico.
Ora, esta perspectiva encontra-se em plena sintonia com o
Direito Comunitário da contratação pública, dando efectivo cumpri-
mento ao princípio da concorrência. Além disso, não coloca em
causa o direito fundamental da propriedade e não perfilha uma con-
cepção proprietarista do urbanismo, “abrindo a porta” (da legitimi-
dade) a empreendedores urbanísticos ou urbanizadores (empresas),
actores privados indispensáveis para melhoria e qualidade do urba-
nismo português.
Verdadeiramente, no Direito do Urbanismo pós-moderno im-
portante não é ser proprietário, importante é ter vontade e capaci-
dade financeira para urbanizar. No entanto, a inexistência de regras
que permitissem à Administração avaliar quem é que, na realidade,

396 TJ de 18/10/2001, Proc. n.° 19/00, Colect. 2001, p. I-7725.


Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 231

se encontra em especiais condições para prosseguir a tarefa de exe-


cução do plano conduziria a uma lesão efectiva do interesse público
urbanístico. Tais regras não foram definidas aprioristicamente pelo
legislador num tipo definitório legal, nem podem ser incluídas no
artigo 6.°-A pela via de uma extensão teleológica. No entanto, isso
não implica que a Administração não deva ponderar ex post a cir-
cunstância do interessado se encontrar numa certa situação jurídica
ou de facto (v.g., a existência de um acordo com os proprietários ou
inclusive a apresentação de um documento comprovativo da aqui-
sição dos terrenos que lhe permite garantir a execução do plano)
como um critério essencial na adjudicação do contrato para pla-
neamento.

4. Limites

Na arquitectura dos limites dos contratos para planeamento o


nosso legislador inspirou-se, claramente, no ordenamento jurídico
urbanístico espanhol397. Mas se no país vizinho encontramos uma
disciplina detalhada dos limites dos contratos urbanísticos em ge-
ral398, entre nós, existem apenas dois preceitos legais que traçam os

397 Como observa ESTÉVEZ GOYTRE (2006: 457), “os limites contratuais
foram estabelecidos pela doutrina e pela jurisprudência espanholas com o fim de
garantir a legalidade e a transparência, assim como para evitar o abuso desta
figura negocial que na prática vinha sucedendo”. FERRANDIS (1998: 106 ss.), BUS-
TILLO BOLADO/CUERNO LLATA (2001: 102 ss.), OCHOA GÓMEZ (2006: 162 ss.),
GUTTIÉREZ (2003: 59 ss.).
398 Para além do bloco normativo autonómico que regula com exaustão os

limites dos contratos urbanísticos (v.g., o artigo 82.3 da Ley 5/1999, de 25/03,
Urbanística, de Aragón, artigo 243.3 da Ley 9/2001, de 17/07, del Suelo, de
Madrid, artigo 158.2 da Ley 1/2005, de 10/07, del Suelo, de Murcia), existe ainda
uma cláusula geral, constante do artigo 4.° do TRLCAP – Texto Refundido de la
Ley de Contratos de las Administraciones Públicas, aprovado pelo Real Decreto
Legislativo 2/2000, de 16/06 –, que consagra limites genéricos inultrapassáveis
232 Contratos Urbanísticos

limites dos contratos para planeamento. Alguns deles representam


meras decorrências das regras gerais aplicáveis aos contratos admi-
nistrativos, não constituindo limites específicos ou particulares dos
contratos para planeamento.
A teoria dos limites dos contratos para planeamento assenta na
premissa de que o contrato não poderá invadir os domínios pró-
prios do poder de planeamento. Neste sentido, o legislador, com o
intuito de erguer certas barreiras intransponíveis, desenhou um
regime imperativo nos n.os 2 e 3 do artigo 6.°-A, do RJIGT, insti-
tuindo, assim, um modelo de contracting edges ou de legal bounds
que o contrato para planeamento jamais poderá ultrapassar.
Deste modo, importa analisar, em concreto, quais os limites que
constam dos mencionados preceitos legais. O primeiro é o de que os
órgãos municipais não podem dispor do seu poder de planeamento
por via contratual (princípio da indisponibilidade do poder de pla-
neamento), o que significa que não será possível, more contractu,
a Administração alienar, transmitir ou renunciar aos seus poderes de
planeamento: é exactamente isto que está previsto no artigo 6.°-A,
n.° 2, I. Os poderes públicos são, assim, inalienáveis e irrenunciáveis
representando, em sentido figurado, autênticas res extra commer-
cium, insusceptíveis de constituir objecto de negócios jurídicos399.
Este limite é uma decorrência das regras gerais aplicáveis a to-
dos os contratos administrativos. Claro que nenhum contrato admi-
nistrativo poderá colocar em causa os poderes públicos da Adminis-
tração, que continuam, não obstante o contrato, na titularidade
desta400. O princípio da indisponibilidade do poder de planeamento
implica, segundo OCHOA GÓMEZ, a proibição de pela via do contrato

por qualquer contrato: “o interesse público, o ordenamento jurídico e os princípios


da boa Administração”. Em consequência, “serão nulos os contratos que infrinjam
alguma norma de carácter imperativo ou que não possam encontrar justificação no
interesse público” – CANO MURCIA (2006: 57).
399 SANTOS JUSTO (2006: 159).
400 Mas, como veremos, o sentido útil desta norma é a de reforçar uma outra

ideia, relevante em sede de incumprimento (infra, nota final).


Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 233

para planeamento se produzir uma espécie de delegação fáctica de


poderes públicos, “colocando nas mãos de sujeitos jurídicos distin-
tos da Administração o exercício dos poderes administrativos de
planeamento”401. No entanto, o referido princípio não exclui que a
Administração não “possa mediante um acto bilateral ou multila-
teral comprometer-se a exercer esse poder de determinado modo e
sob determinadas condições”402. Por conseguinte, é a forma como a
Administração exercerá os seus poderes públicos de planeamento
(designadamente, integrando no conteúdo de um plano urbanístico
o disposto no contrato para planeamento) que pode ser objecto de
concertação com os particulares, mas o contrato nem substitui o
plano, nem prejudica o exercício dos poderes públicos municipais.
No fundo, o contrato para planeamento constitui um contrato sobre
o exercício de poderes públicos, por via do qual a Administração
apenas se obriga a assumir um certo comportamento.
Daqui decorre que, em caso algum, a celebração de um contrato
para planeamento pode colocar em causa as regras procedimentais
de formação dos planos, acarretando a subtracção dos mesmos aos
trâmites a que estão sujeitos por força da lei403. Além disso, o con-
trato também não limita os poderes municipais relativamente ao
conteúdo (isto é, às concretas opções que hão de constar do plano),
à aprovação (ou seja, aos termos em que o plano será aprovado) e à
execução (rectius, à concretização das prescrições do plano) – artigo
6.°-A, n.° 2, I.
Por outro lado, os contratos para planeamento não podem con-
ter disposições contrárias ao ordenamento urbanístico em vigor
(artigo 6.°-A, n.° 2, II), designadamente às normas legais sobre a uti-
lização do solo, como as respeitantes à REN e RAN, e ao conjunto
das disposições dos demais instrumentos de gestão territorial com os
quais o plano deva ser compatível ou conforme (artigo 6.°-A, n.° 2,

401 OCHOA GÓMEZ (2006: 103).


402 Ob. cit.: 201.
403 ESTÉVEZ GOYTRE (2006: 458).
234 Contratos Urbanísticos

III). Com efeito, o segundo limite aos contratos para planeamento


impõe que os mesmos respeitem o ordenamento jurídico em vigor,
o que implica não só a observância dos regimes legais relativos ao
uso do solo como também das disposições dos demais instrumentos
de gestão territorial com os quais o plano de urbanização ou o plano
de pormenor devam ser compatíveis ou conformes [excepciona-se
aqui o caso do plano de urbanização ou do plano de pormenor alte-
rarem o plano director municipal – artigo 6.°-A, n.° 4, alínea c)].
Acresce que “o contrato não substitui o plano na definição do
regime do uso do solo, apenas adquirindo eficácia para tal efeito na
medida em que vier a ser incorporado no plano e prevalecendo em
qualquer caso o disposto neste último” – artigo 6.°-A, n.° 3. Com
efeito, o terceiro limite é o de que estes contratos não são, por si
mesmos, dotados de eficácia urbanística: só a adquirem se e na me-
dida em que forem incorporados ou aceites no plano, prevalecendo
sempre este, se houver discrepância entre ambos. Como acentua
ASSESSORATO, “o contrato não é um instrumento que produz por si
próprio a modificação do plano: antes está condicionado pela sua
confirmação nas previsões do plano que será aprovado”404. Por essa
razão, isto é, pelo facto deste contrato não substituir o plano, é que
afirmámos que o contrato para planeamento deve ser entendido,
quanto à sua natureza jurídica, como um contrato integrativo do
procedimento de aprovação dos planos.
Para além dos limites constantes dos n.os 2 e 3 do artigo 6.°-A,
deve entender-se que “o Direito em geral prescreve uma série de obs-
táculos limitativos da decisão pública: são os que derivam de aspec-
tos vinculados do poder discricionário (competência, procedimento e
fim) e dos princípios gerais de direito (proibição de arbitrariedade,
igualdade e proporcionalidade, etc.)405. Neste sentido, um outro
limite que deve ser imposto ao contrato para planeamento traduz-se
na impossibilidade de ser violado o princípio da legalidade dos pla-

404 ASSESSORATO (2004: 12).


405 OCHOA GÓMEZ (2006: 203).
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 235

nos e, em particular, o princípio da tipicidade dos planos, cujo sen-


tido é o de que a Administração não pode elaborar e aprovar os pla-
nos que entender, mas tão-só aqueles que a lei define de modo típico.

5. Exigências Procedimentais e de Publicidade

Para que um contrato para planeamento fique perfeito é, igual-


mente, necessário cumprir um conjunto de formalidades específicas
que dizem respeito ao procedimento de formação daquele contrato.
Importa, por isso, reflectir sobre as exigências procedimentais e de
publicidade cuja observância se impõe especificamente aos con-
tratos para planeamento, bem como aquelas que, aplicando-se aos
demais contratos administrativos, vinculam também os contratos
para planeamento.

5.1. A Sujeição dos Contratos para Planeamento ao Princípio


da Concorrência

A celebração de um contrato para planeamento é precedida de


um conjunto de exigências procedimentais, às quais se associam
importantes requisitos de publicidade, tal como decorre de uma lei-
tura dos artigos 6.°-A e 6.°-B. Trata-se de uma necessária decorrên-
cia da abertura e da transparência de um procedimento que, por de
algum modo envolver uma intervenção qualificada dos particulares
no exercício do poder público, se pretende sujeitar a um escrutínio
da generalidade dos cidadãos.
Se esta asserção não suscita grandes dúvidas, maior complexi-
dade assumirá a determinação do regime jurídico a que se encontra
submetido o procedimento pré-contratual e do modo como o mesmo
se articula com o procedimento de elaboração, alteração ou revisão
dos instrumentos de gestão territorial envolvidos.
236 Contratos Urbanísticos

Em primeira linha, e face às dúvidas suscitadas pela doutrina,


importa averiguar se os contratos para planeamento se encontram
sujeitos às exigências procedimentais da contratação pública. A este
propósito, urge sublinhar que o Direito Comunitário consagra, como
princípio fundamental e estruturante, o princípio de uma “economia
de mercado aberta e de livre concorrência” (artigo 4.° do TCE) ou,
como se lerá no artigo 3.°, n.° 3, do TUE, na versão consolidada
adveniente do Tratado de Lisboa, a UE promove uma “economia
social de mercado altamente competitiva”. No Direito Comunitário
da contratação pública, o princípio da concorrência, enquanto con-
cretização do princípio básico da igualdade, exige a estruturação de
um sistema que garanta a igualdade de oportunidades e de tratamento
entre todos os operadores económicos no mercado comum. Entre
nós, esse princípio está consagrado no artigo 1.°, n.° 4, do CCP e
determina que todas as disposições aplicáveis à contratação pública
sejam interpretadas e aplicadas no sentido mais favorável à partici-
pação nos procedimentos pré-contratuais do maior número de inte-
ressados, evitando-se exclusões por motivos meramente formais.
Para a concretização do objectivo de abertura dos contratos
públicos à concorrência, integrando-os no mercado único, os pri-
meiros vigilantes ou garantes da concorrência são, em primeira
linha, os próprios poderes públicos, designadamente nas relações
que estabelecem com os restantes operadores económicos do mer-
cado. A disciplina jurídica da contratação pública estabelece, assim,
“um regime jurídico dirigido aos Estados-membros, por serem os
directamente vinculados ao respeito da igualdade e das liberdades
comunitárias, enquanto pedras basilares, indissociáveis entre si, da
construção europeia”406.

406CLÁUDIA VIANA (2007: 152); Sobre a relevância do princípio da con-


corrência no plano comunitário e constitucional, JONATHAN FAULL/ALLI NICKPAY
(2007: 20 ss.);) RICHARD WHISH (2008: 15 ss.); PUTTEMANS/SCHURMANS/TATON/
/AUTENNE (2007: 40 ss.); MARK FURSE (2002: 18 ss.); RUI MEDEIROS (2008: 3-29);
JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS (2006: 9 ss.); MARCELO REBELO DE SOUSA (1994:
41-42, 49-50), (2008: 75-76); CARLOS DOS SANTOS/EDUARDA GONÇALVES/LEITÃO
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 237

O CCP alargou significativamente, em homenagem ao princí-


pio da concorrência, o âmbito dos contratos cuja formação fica sub-
metida aos procedimentos nele regulados, afastando-se de uma
opção minimalista até então vigente em Portugal407. Na sistema-
tização do CCP importa salientar que, enquanto a Parte III se aplica
apenas aos contrato administrativo, que aí encontram o seu regime
substantivo, a Parte II aplica-se à contratação pública, dispondo
apenas em matéria de formação dos contratos.
Assim, o regime procedimental aplica-se, em princípio, à for-
mação de quaisquer contratos celebrados por uma das entidades
adjudicantes referidas no artigo 2.° do CCP, qualquer que seja a
designação atribuída a tais contratos. Por conseguinte, na delimi-
tação do âmbito de aplicação objectivo, interessa determinar a que
relações jurídicas pré-contratuais se aplica a Parte II do CCP, sendo,
no caso dos contratos para planeamento, fundamental analisar o
artigo 5.°, n.° 1. À luz desta norma legal, “a parte II do presente
Código não é aplicável à formação de contratos a celebrar por enti-
dades adjudicantes cujo objecto abranja prestações que não estão
nem sejam susceptíveis de estar submetidas à concorrência de mer-
cado, designadamente em razão da sua natureza ou das suas carac-
terísticas, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do
contexto da sua própria formação”.
Sem prejuízo da existência de outras hipóteses de contratação
urbanística excluídas da parte II do CCP408 (e, portanto, abrangidas
pela previsão contida no artigo 5.°, n.° 1), entendemos que o con-
trato para planeamento é um contrato cuja formação não escapa à

MARQUES (2004: 269 ss.). É esta também a linha adoptada pelo CCP, de acordo
com a qual “sendo vários os operadores económicos que podem efectuar essas
prestações (de natureza fungível e valor económico – it. nosso), as entidades adju-
dicantes são obrigadas a recorrer ao mercado, nos termos regulados na Parte II do
Código” – TAVARES/DENTE (2008: 23); Cf. também JORGE ANDRADE SILVA (2009:
68 ss.) e VIEIRA DE ALMEIDA E ASSOCIADOS (2008: 76 ss.).
407 MARIA JOÃO ESTORNINHO (2007: 342 ss.).
408 Os casos supra citados – Parte III, Capítulo I, 5..
238 Contratos Urbanísticos

lógica concorrencial. Mas, como veremos, assim sucede apenas


com um certo tipo ou classe de contratos para planeamento, quer
dizer, os contratos que versam sobre um projecto global de urbani-
zação de uma área (contratos para planeamento em sentido estrito
e contratos urbanísticos integrais). A aplicação das regras da con-
tratação pública a estes contratos para planeamento colhe o seu fun-
damento na existência de uma concorrência efectiva ou potencial
entre vários operadores económicos, sendo, por isso, necessário
assegurar que o interesse público urbanístico é satisfeito de acordo
com a proposta mais vantajosa (rectius, a melhor proposta de ocu-
pação territorial) fornecida pelo mercado.
Qualquer que seja o tratamento dogmático que, a partir de tal
pressuposto, se ouse dar a este problema, há que reconhecer que es-
tamos perante uma questão estrutural, imprescindível para se com-
preender a figura do contrato para planeamento e para se traçar o seu
recorte fisionómico. Na verdade, a tarefa de pesquisar a existência ou
inexistência de um ADN concorrencial no contrato para planeamento
assume-se como uma das grandes cruzadas que este tema convoca,
especialmente ligada à identidade daquele. Por isso, não abordar a
questão da concorrência significa, no fundo, não reconhecer devida-
mente o contrato para planeamento, a sua essência ou o seu quid spe-
cificum, na medida em que em causa está determinar que espécie de
prestações é que tipicamente um contrato para planeamento envolve,
uma vez que esse é o critério erigido pelo artigo 5.°, n.° 1, do CCP.
Entre as prestações típicas do contrato para planeamento, do lado
da Administração, o município assume, em regra, a obrigação de:
— desencadear o procedimento de elaboração, alteração ou re-
visão de um plano de urbanização ou de um plano de por-
menor;
— aprovar o mencionado plano, conferindo-lhe um determi-
nado conteúdo em conformidade com o disposto no con-
trato para planeamento;
— assumir, sob ponto de vista procedimental, uma conduta dili-
gente na tomada de decisões que são da sua competência e
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 239

cumprir todas as medidas e procedimentos legalmente exi-


gíveis para a elaboração, aprovação e publicação do plano;
— garantir a necessária articulação entre a elaboração, altera-
ção ou revisão do plano e os restantes Instrumentos de Ges-
tão Territorial, assegurando, para tanto, os contactos neces-
sários com as demais entidades da Administração Pública;
— apresentar a proposta do plano à CCDR territorialmente
competente no prazo máximo de 30 dias e para efeitos do
artigo 75.°-C do RJIGT;
— submeter a proposta de plano, objecto de contratualização,
à Assembleia Municipal, com vista à sua aprovação, após o
parecer emitido pela CCDR, de acordo com o disposto no
artigo 79.°, n.° 1, do RJIGT.

Por seu turno, do lado do contraente privado, este assume, em


regra, a obrigação de:
— apresentar um projecto de plano de urbanização ou de plano
de pormenor que incida sobre uma determinada área terri-
torial;
— assegurar todos os encargos financeiros inerentes à elabora-
ção, alteração ou revisão do plano;
— elaborar todos os trabalhos, estudos e projectos (designada-
mente, de natureza arquitectónica, geológica, paisagística
etc.) necessários à formação do plano;
— elaborar os restantes estudos complementares ao plano e
necessários à sua aprovação, como é o caso do Relatório
Ambiental enquadrado no procedimento de Avaliação
Ambiental Estratégica;
— proceder à execução do plano, sob coordenação do municí-
pio, tratando-se de contrato urbanístico integral (que, como
vimos, é o que consta do artigo 6.°-A, n.° 1).

Reconhecendo-se neste conjunto de obrigações contratuais a


existência de toda uma teia de interferências susceptíveis de serem
240 Contratos Urbanísticos

reveladas pela tela ou écran da concorrência, entendemos que o


contrato para planeamento não está subtraído às exigências da con-
tratação pública, em particular as constantes da Parte II do CCP.
Em sentido contrário, F. PAULA OLIVEIRA sustenta que não exis-
tem, neste contexto, razões justificativas para se dar cumprimento
ao princípio da concorrência e que, portanto, os contratos para pla-
neamento não se encontram submetidos às regras gerais da con-
tratação pública. A sua posição assenta, essencialmente, em três
premissas fundamentais: (1) nos contratos para planeamento “a
Administração não tem de efectuar a escolha de uma proposta na
sequência de um convite dirigido a operadores, já que nesta situação
é ela própria que é «prestadora do serviço» que o interessado pro-
cura”; (2) “por isso é que a qualidade de interessado para efeitos da
celebração deste contrato não pressupõe, como referido supra,
nenhuma legitimidade acrescida”; (3) “a tarefa de elaboração de pla-
nos […] é uma tarefa exclusivamente pública a qual visa, em pri-
meira instância, a prossecução de relevantes interesses públicos […]
e não, em primeira linha, de interesses privados”, para além do facto
de a actividade pública de planeamento se apresentar “como uma
tarefa complexa de ponderação de interesses e que, nessa medida,
independentemente da existência de uma ou várias alternativas pri-
vadas para a ocupação do território, deve ser exercida pela Admi-
nistração (embora o possa fazer concertadamente com um ou vários
interessados)”409.
Importa, hic et nunc, explicitar as razões pelas quais nos afas-
tamos desta posição e optamos pela solução inversa.
Desde logo, o argumento (1) segundo o qual, ao celebrar um
contrato para planeamento, a Administração é ela própria a «presta-
dora do serviço» ao interessado não procede. Estranho parece con-
siderar que, quando a Administração Pública aprova um regula-
mento, está a “prestar um serviço”410. Na verdade, tal afirmação

409 F. PAULA OLIVEIRA (2009: 40-42).


410 Ob. cit.: 61.
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 241

afigura-se incorrecta, uma vez que o exercício de uma actividade


administrativa de autoridade por parte do município – que, in casu,
consiste na aprovação de um plano – não pode ser reconduzido a
uma ideia de serviço prestado ao interessado, sob pena de se sub-
verterem os fundamentos da própria Administração Pública urba-
nística411. Em rigor, a actividade de planeamento é uma tarefa ou
função pública constitucionalmente prevista no artigo 65.°, n.° 4, da
CRP. Quer dizer que é à Administração que cabem as funções de
planeamento, gestão e controlo das actividades com reflexos na ocu-
pação, uso e transformação do solo. Este princípio constitucional do
Direito do Urbanismo “está na base do aparecimento da própria
organização administrativa do urbanismo, isto é, de um aparelho
administrativo ou de uma estrutura de serviços que tem a seu cargo
a realização do interesse público urbanístico”412. Com efeito, a apro-
vação de planos é uma das vertentes dessa função pública urbanís-
tica, quer seja realizada por via unilateral, quer seja precedida de um
instrumento contratual.
Pelo contrário, se há algum actor que presta um serviço, esse é,
sem dúvida, o contratante privado que elabora um projecto de plano,
em regra, concebido por equipas técnicas multidisciplinares, que
elabora estudos complementares ao plano e necessários à sua apro-
vação, como é o caso do Relatório Ambiental enquadrado no proce-
dimento de Avaliação Ambiental Estratégica, que assegura a tarefa
de execução do plano (ou porque se tornou proprietário dos terrenos
ou porque garantiu o acordo dos proprietários), etc. O co-contratante
desenvolve uma actividade no interesse do contraente público.
Atentando ao critério do artigo 5.°, n.° 1, do CCP, há uma diferença

411 Neste sentido, converte falaciosamente a Administração urbanística


numa “prestadora de serviços a interesses privados”, subtraídos às regras da con-
tratação pública, numa clara visão instrumental da mesma. Acresce que uma con-
cepção desse tipo viola também o princípio da autonomia pública contratual e os
princípios da imparcialidade e da prossecução do interesse público (artigo 266.°,
n.° 2, da CRP).
412 ALVES CORREIA (2008: 140).
242 Contratos Urbanísticos

estrutural entre as obrigações assumidas pelo particular e pela


Administração. Se as prestações devidas por esta sempre corres-
ponderiam ao exercício das suas tarefas funcionais (e, portanto,
independentes da respectiva assunção contratual, que só influencia
o modo, mas não o an do exercício dos seus poderes), já as obriga-
ções assumidas pelo particular por causa e em consequência do con-
trato implicam um plus: por via do contrato, vincula-se não só a
desempenhar uma determinada actividade – a elaboração e exe-
cução de um plano – como também a prossegui-la de uma certa
forma; existe, agora, uma vinculação não apenas quanto ao modo,
mas ainda quanto ao an.
Atenta a realidade normativa, de acordo com o artigo 6.°-A,
n.° 1, potencialmente todos os cidadãos são interessados para apre-
sentarem propostas de contratos para planeamento à câmara muni-
cipal que tenham por objecto a elaboração, alteração ou revisão de
um plano de urbanização ou de um plano de pormenor. Quer isto
dizer que esta norma não estabelece, como vimos, qualquer requi-
sito de legitimidade acrescida, podendo, portanto, todos os operado-
res económicos, em pé de igualdade, propor ao município a cele-
bração de um contrato para planeamento. Neste sentido, pensamos
que há uma inversão lógica de raciocínio na premissa (2), uma vez
que o conceito de interessado previsto no artigo 6.°-A constitui,
inquestionavelmente, um importante arrimo para a sujeição dos con-
tratos para planeamento à concorrência e não uma base para funda-
mentar o contrário.
Do mesmo modo, à luz daquele preceito legal, é perfeitamente
admissível (como, de resto, na prática tem sucedido) que a proposta
do contrato para planeamento seja apresentada pela própria câmara
municipal413. Por conseguinte, a proposta a que o artigo 6.°-A, n.° 1
se refere pode ter como base quer uma iniciativa do(s) interes-
sado(s), quer uma publicitação feita pela câmara municipal que
revela a sua abertura à aceitação de propostas (infra, 5.2.). Perante

413 No mesmo sentido, F. PAULA OLIVEIRA (2009: 36).


Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 243

isto não tem sentido afirmar que a Administração nunca vai ao mer-
cado, adquirir “fora de portas”414 soluções alternativas para uma
determinada área territorial carecida de planeamento urbanístico.
E isto porque, nesses casos, estamos perante um apelo ao mercado,
ou melhor, uma proposta publicamente revelada ao mercado que
concretiza, por parte do município, a manifestação pública de uma
vontade negocial.
Por outro lado, também não podemos admitir a argumentatio
(3) segundo a qual o planeamento é uma tarefa pública415 e, como
tal, o contrato sobre ela incidente está subtraído à concorrência. Tal
raciocínio levar-nos-ia, em última análise, à negação da figura do
contrato sobre o exercício de poderes públicos, em especial, e do
contrato administrativo, em geral, como uma forma da acção admi-
nistrativa adequada à prossecução de tarefas públicas. Ao vedar ao
contrato para planeamento um espaço próprio no mercado concor-
rencial porque em causa está um contrato administrativo com um
objecto público, acaba por recolocar ou reacender o debate sobre se
este deve ou não ser configurado como um instrumento através do
qual a Administração pode acordar com a generalidade dos actores
privados os termos ou o modo como os seus poderes vão ser exer-
cidos. O facto de o planeamento ser uma tarefa pública nada tem que
ver com a submissão ou não do contrato para planeamento à con-
corrência, porque nem a Administração sujeita os seus poderes pú-
blicos à lógica concorrencial (“o poder público é inegociável”),
nem, por força do contrato, aliena ou transmite os seus poderes de
planeamento (que são indisponíveis – artigo 6.°-A, n.° 2).

414 Ob. cit.: 41.


415 Do mesmo modo também nunca haveria concorrência, v.g., na conces-
são de urbanização, porque a execução dos planos também é uma tarefa pública.
Ora, uma tal posição é, como vimos, contrária à lei – já que o artigo 124.°, n.° 4,
do RJIGT remete o regime da concessão de urbanização para as disposições do
CCP relativas às concessões de obras públicas, que, em regra, estão submetidas a
um procedimento concursal – e à própria jurisprudência do TJ.
244 Contratos Urbanísticos

Ao invés, o contrato para planeamento deve ser visto como uma


forma de acção por meio da qual a Administração procura obter o
concurso de particulares para a prossecução das tarefas de que le-
galmente está incumbida. Assim, o município passa a beneficiar de
instrumentos de planeamento que são produto de uma concertação
entre interesses públicos e interesses privados, da qual resultará uma
eficácia acrescida na execução do mesmo, maior economia de cus-
tos, bem como melhor arranjo técnico na concepção do mesmo. No
fundo, o município beneficia de uma colaboração co-constitutiva
dos actores privados para melhor desempenho das suas funções
urbanísticas e, por seu turno, o mercado obtém, igualmente, pela via
do contrato, a satisfação económica dos seus interesses – por conse-
guinte, é esta a função económico-financeira do contrato para pla-
neamento.
Por isso, a concorrência tem que ser vista numa dupla pers-
pectiva416: do lado da Administração, esta estará interessada em
obter o máximo de vantagens que um operador lhe puder fornecer
com vista a adquirir a melhor concepção de plano e a garantir a exe-
cução do mesmo, o que permitirá lograr um grau de realização opti-
mizado do interesse público; e do lado dos restantes operadores de
mercado, que estarão interessados em que o plano consagre as solu-
ções urbanísticas que lhes interessam para os seus empreendimentos
económicos.

416 E não apenas da perspectiva da Administração, como resulta da posição

sufragada por F. PAULA OLIVEIRA – cf. premissa (1). Parece-nos que não atender
à projecção do fenómeno concorrencial e à presença no mercado de vários opera-
dores económicos interessados na apresentação de propostas alternativas à enti-
dade pública configura uma visão unilateral, redutora e minimalista do contrato
para planeamento, contrária à essência do mesmo. Além disso, como referimos,
o Direito Comunitário da contratação pública impõe que os primeiros actores a
respeitarem e a protegerem a concorrência sejam os poderes públicos. Daí que a
questão concorrencial não possa ser vista somente de dentro para fora, mas tam-
bém de fora para dentro.
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 245

No primeiro caso, foi, justamente, em homenagem à possibili-


dade de a Administração Pública encontrar no mercado da concor-
rência operadores que a auxiliem no desempenho mais eficiente das
suas funções, que o legislador construiu o regime jurídico previsto
no artigo 6.°-A. Daí que afastar os contratos para planeamento das
regras gerais da contratação pública e vedar essa possibilidade de a
Administração encontrar no mercado a melhor proposta de ocupa-
ção territorial representará, ao fim ao cabo, uma pálida satisfação
do interesse público, secundarizando-o na fisionomia do contrato
para planeamento. No segundo caso, negar a existência, no quadro
de uma economia competitiva, de vários operadores interessados na
obtenção de uma posição jurídica e económica traduzida na consa-
gração de certas soluções urbanísticas no plano é denegar um facto
empiricamente verificável.
Em suma, o contrato para planeamento apresenta-se, em nossa
opinião, claramente, como um contrato submetido à lógica concor-
rencial417. A afirmação da concorrência está irredutivelmente ligada
à função económico-jurídica global do contrato para planeamento,
à finalidade imanente – à ratio legis – que justifica o regime insti-
tuído no artigo 6.°-A e, ainda, à tutela do interesse público. Com
efeito, o legislador desenhou um regime aberto no artigo 6.°-A, não
exigindo quaisquer requisitos de legitimidade acrescida e colocando,
em pé de igualdade, todos os interessados na apresentação de pro-
postas de contratos para planeamento, com o fim de a Administra-

417 De resto, a nossa posição está em plena sintonia com as actuais exigên-

cias do Direito Comunitário da contratação pública, sendo adoptada, designada-


mente no ordenamento jurídico italiano. Assim, em Itália, os accordi di pianifi-
cazione, previstos na Lei n.° 20, de 24 de Março de 2000, da Região de Emilia
Romagna, estão sujeitos a concurso público, nos termos do artigo 30, §10, pre-
ceito que regula os termos específicos em que se processa o referido concurso
(sobre esta figura, supra Parte II, 2.1.). Nas palavras de ASSINI/MANTINI (2007:
487-488), sempre que se celebram accordi di pianificazione “as escolhas urbanís-
ticas tomadas pela Administração […] devem respeitar o objectivo de garantia das
regras da concorrência”.
246 Contratos Urbanísticos

ção poder avaliar todos os projectos alternativos que possam existir


para uma determinada área e poder escolher o melhor sob ponto de
vista do interesse público.
Como referimos, o Direito Comunitário da contratação pública
exige que sejam os próprios poderes públicos a velar e a garantir o res-
peito pela concorrência. A disciplina jurídica específica do contrato
para planeamento não pode deixar de concretizar, em resultado do seu
recorte fisionómico, o princípio da concorrência nas suas principais
manifestações (o que implica necessariamente criar condições que a
efectivem, nomeadamente pela via do procedimento concursal), bem
como o princípio da transparência no âmbito das relações entre a
Administração Pública e os restantes operadores económicos. Fecha-
se, assim, o círculo na fundamentação da sujeição do contrato para
planeamento ao princípio da concorrência. A grande utilidade ou
mais-valia deste contrato reside, pois, na possibilidade de a Adminis-
tração convocar os préstimos do mercado para obter a melhor solução
de ocupação territorial possível e, nesse sentido, o contrato para pla-
neamento revelar-se-á um instrumento da acção administrativa ade-
quado ao desenvolvimento da policy urbanística.
Importa, ainda, no plano da praxis jurídico-urbanística, de-
monstrar, através da relevância de alguns casos concretos, que a
mesma aponta também no sentido exposto.
Um caso típico em que existem vários interessados na celebra-
ção de um contrato para planeamento com vista à elaboração de um
plano de urbanização ou de um plano de pormenor é aquele em que,
através deste, se pretenda definir a localização específica de em-
preendimentos turísticos. E foi a convicção de que esta é uma maté-
ria claramente submetida a uma lógica concorrencial que levou o
PROTAL a criar um mecanismo de concurso público promovido
pelas câmaras municipais, destinado à selecção de propostas com
vista à criação de NDT418.

418 Na linha expendida foi, por conseguinte, o sistema de turismo instituído

pelo PROT do Algarve (PROTAL), na sua versão revista, aprovada pela Resolu-
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 247

Um segundo exemplo é aquele em que o plano director muni-


cipal prevê reservas de urbanização, isto é, naqueles casos em que

ção do Conselho de Ministros n.° 102/2007, de 3/08 (rectificada pela Declaração


de Rectificação n.° 85-C/2007, de 2/10), alterada pela Resolução do Conselho de
Ministros 188/2007, de 28/12. Um dos mecanismos de concretização dos desig-
nados investimentos estruturantes diz respeito aos Núcleos de Desenvolvimento
Turístico (NDT), i.é, áreas onde se poderão instalar empreendimentos turísticos
fora dos perímetros urbanos, previstos no PROTAL. Concretamente, no caso
específico dos NDT, devido ao facto de o PROTAL adoptar o princípio geral de
que as áreas destinadas à concretização destes investimentos estruturantes não
possuem a sua localização previamente determinada em IGT, é esta concretizada
mediante concurso público promovido pelo município. Ao contrário do que suce-
dia no regime consagrado no anterior PROTAL – que remetia a decisão de loca-
lização dos núcleos de desenvolvimento turístico para os municípios no âmbito
dos planos directores municipais – essa decisão é, agora, tomada no âmbito de um
concurso público, dependendo a concretização do NDT da prévia elaboração e
entrada em vigor de um plano de urbanização ou de um plano de pormenor para
a respectiva área.
Para a criação de um NDT, a câmara municipal comunica ao Observatório
do PROTAL, para efeitos de parecer, a intenção de abertura de concurso público
e o respectivo projecto de termos de referência. Tendo em consideração o parecer
do Observatório, a câmara municipal promove o concurso público destinado à
selecção de propostas. O NDT submetido a concurso compreende um determi-
nado número de camas, que se contém na dotação da Unidade Territorial corres-
pondente. O procedimento de concurso elaborado pelo município – promovido
pela câmara municipal em conformidade com um caderno de encargos aprovado
pela assembleia municipal – deve ter por referência os princípios gerais definidos
no PROTAL, devidamente detalhados e densificados, de modo a integrar a estra-
tégia local assumida pelo plano director municipal. A proposta seleccionada é
objecto de um acordo base entre a câmara municipal e o promotor, com vista à
elaboração de plano de pormenor ou de plano de urbanização para a implemen-
tação do NDT e posterior concretização do empreendimento – MORAES CARDOSO
(2007: 53-87).
Quer isto dizer que o PROTAL define critérios de qualificação a cumprir
pelos projectos que serão apresentados a concurso e critérios de avaliação para a
escolha das propostas, de natureza urbanística, económica, social e ambiental. Por
seu turno, o município concretizará, aquando da sujeição de cada NDT a concurso
248 Contratos Urbanísticos

condiciona o aproveitamento ou a aptidão urbanística de uma certa


zona à aprovação posterior de planos de urbanização ou planos de
pormenor, de acordo com os índices, indicadores e parâmetros
de referência nele definidos [artigo 85.°, n.° 1, alíneas j) e l), do
RJIGT]. Em tal caso, podem existir vários urbanizadores interes-
sados em celebrar com o município um contrato para planeamento,
com vista à elaboração de um plano de urbanização ou de um plano
de pormenor que ponha termo àquelas reservas de urbanização,
sendo, por isso, necessário criar condições de efectiva igualdade
entre os mesmos.
Finalmente, para além de nos parecer comprometida nos seus
fundamentos a posição que nega a sujeição dos contratos para pla-
neamento ao princípio da concorrência, também não se revela con-
forme às exigências do Direito Comunitário, quando confrontada
com a tese sufragada pelo TJ relativamente aos contratos de exe-
cução (supra, Parte III, Capítulo I, 5.). Se mesmo na hipótese em
que apenas o loteador está em condições de realizar as obras urba-
nização, o TJ sustenta a necessidade de abertura de um procedi-
mento concursal para salvaguarda da concorrência, também nos
casos em que existem vários urbanizadores no mercado interessados
na elaboração e execução de um plano, idênticas exigências terão de
ser observadas para a celebração dos contratos previstos no artigo
6.°-A419.
Em conclusão, o objecto dos contratos para planeamento
abrange prestações que indubitavelmente são susceptíveis de estar

público, esses critérios, gozando, neste domínio, de uma margem de discriciona-


riedade na sua determinação concreta.
419 Numa época, como a nossa, em que abundam as mais sérias desconfian-

ças sobre os termos em que alguns contratos da Administração são adjudicados


em favor de certos contraentes privados, a defesa à outrance da tese da não sub-
missão à concorrência e transparência deste tipo de contratos perfila-se como uma
autêntica “inversão de rota” no percurso que vem sendo trilhado pelo Direito
Comunitário da contratação pública.
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 249

submetidas à concorrência de mercado. Mas note-se que esta posi-


ção circunscreve-se aos contratos que versam sobre um projecto
global de urbanização de uma área (contratos para planeamento
em sentido estrito e contratos urbanísticos integrais) – de resto,
aqueles que estariam na mens legislatoris aquando da redacção do
artigo 6.°-A, n.° 1.
O mesmo não acontece quando estejam em causa contratos
para planeamento no âmbito das edificabilidades estritas, os quais,
pelo facto das respectivas prestações não estarem nem serem sus-
ceptíveis de estar, ex natura, submetidas à concorrência de mercado,
em razão da vinculação situacional dos terrenos a que o plano se
reportará, se enquadram na contratação excluída pelo artigo 5.°,
n.° 1. Estamos aqui perante uma hipótese, relativamente à qual a
Administração só pode contratualizar com o proprietário dos terre-
nos situados em certa zona de intervenção urbanística do futuro
plano (é apenas naqueles terrenos e mais nenhuns que ela está inte-
ressada, pelo que apenas certo proprietário reúne condições para
celebrar o contrato) e, por isso, não faz qualquer sentido iniciar um
procedimento (de tipo concursal, paradigmaticamente) de abertura a
uma concorrência que inexiste no caso concreto420.
Já no que toca aos contratos de concepção e de aquisição de
planos, a sujeição dos mesmos ao princípio da concorrência decorre
directamente do artigo 16.°, n.° 2, alínea e), do CCP421.

420 Como sublinha HUERGO LORA (1998-A: 150-153), “nestes casos não
teria sentido a abertura de um procedimento concursal […], pois só o proprietário
dos terrenos afectados pela modificação do plano pode ceder uma parte dos mes-
mos à Administração […] e, portanto, só com esse sujeito se produz a «coinci-
dência de interesses» que faz com o que o contrato tenha sentido e seja cele-
brado”; no mesmo sentido, OCHOA GÓMEZ (2006: 261-263).
421 Sobre estes contratos, cf. nota 368.
250 Contratos Urbanísticos

5.2. O Procedimento Administrativo do Contrato para


Planeamento

Tendo concluído que os mais relevantes contratos para planea-


mento estão submetidos às exigências da contratação pública (desde
logo, as constantes da Parte II do CCP), importa perceber se, relati-
vamente a esses, se aplicarão de forma integral, sempre e só as nor-
mas constantes dos artigos 16.° e seguintes do CCP. A resposta deve
orientar-se em sentido negativo, atribuindo-se ao CCP a natureza de
lei subsidiária, isto é, entendido primacialmente como um regime
geral da contratação pública, a mobilizar quando não existam nor-
mas específicas sobre a matéria (ou quando estas não disciplinem
todos os aspectos dessa mesma matéria).
Assim, e por um lado, a aplicação das normas do CCP terá, em
qualquer caso, de se articular com o disposto no artigo 6.°-A do
RJIGT que regula já aspectos específicos do procedimento tendente
à celebração de um contrato para planeamento – eis o que acontece
com os n.os 4, 5 e 6, nos termos que analisaremos.
Por outro lado, o artigo 6.°-B do RJIGT contém uma norma
habilitante, segundo a qual “o regulamento do plano director muni-
cipal ou do plano de urbanização pode fazer depender de procedi-
mento concursal e da celebração de contrato a elaboração de planos
de urbanização ou de planos de pormenor para a respectiva exe-
cução”; nestes regulamentos “devem ser estabelecidas as regras
gerais relativas ao procedimento concursal e às condições de quali-
ficação, avaliação e selecção das propostas, bem como ao conteúdo
do contrato e às formas de resolução dos litígios”. Em tais regula-
mentos serão, assim, estabelecidas as linhas fundamentais ou os tra-
ços gerais relativos ao procedimento concursal, bem como o con-
teúdo do contrato e as formas de resolução dos litígios.
As matérias elencadas no artigo 6.°-B, n.° 2, do RJIGT consti-
tuem o núcleo essencial que deverá orientar a formação procedi-
mentalizada dos contratos para planeamento, iluminando a sucessão
ordenada de actos a praticar pela Administração, de modo a colocá-la
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 251

em posição de actuar externamente. Nesta medida, os regulamentos


em causa vão estabelecer as especificidades de tramitação próprias
do procedimento pré-contratual dos contratos para planeamento,
revestindo o estabelecido no CCP natureza subsidiária. A circuns-
tância de se tratar de normas regulamentares (e, por conseguinte,
dotadas de força infra-legal), aliada à submissão dos contratos para
planeamento às normas da contratação pública nos termos assinala-
dos, conduz à conclusão de que não podem as normas aprovadas nos
termos do artigo 6.°-B diminuir as exigências procedimentais con-
sagradas na Parte II do CCP, devendo, em geral, mostrar-se compa-
tíveis com as mesmas. Sob outro prisma, e apenas nos casos em que
o regulamento do plano director municipal ou do plano de urbani-
zação se mostrar omisso quanto a este ponto, se aplicará a Parte II
do CCP com as necessárias adaptações. De qualquer modo, cremos
que, entre a aplicação solitária do CCP e a previsão de normas sobre
a matéria no regulamento do plano director municipal ou do plano
de urbanização, esta última se afigura como a melhor opção, por-
quanto o município pode adaptar e especializar o procedimento con-
cursal de acordo com a lógica da protecção do interesse público
urbanístico, dado o alcance conferido pelo artigo 6.°-B, n.° 2, do
RJIGT ao conteúdo regulamentar.
Contudo, não constitui este o único sentido a extrair do artigo
6.°-B, preceito que tem suscitados inúmeras dúvidas interpretativas.
Somos de opinião que o legislador colocou na disponibilidade do
regulamento do plano director municipal a possibilidade de este
fazer depender da celebração de contratos e também de procedi-
mento concursal a elaboração de planos de urbanização ou planos
de pormenor, o mesmo valendo, mutatis mutandis, para o regula-
mento do plano de urbanização. Trata-se, pois, de reforçar os meca-
nismos de participação dos particulares, na medida em que se privi-
legia a execução do plano director municipal ou do plano de
urbanização por via negocial e não unilateral.
Em suma, o artigo 6.°-B está inserido no corpo sistemático do
RJIGT, ao lado do 6.°-A, assumindo-se como uma norma que serve
252 Contratos Urbanísticos

de base legal para a instituição de um determinado modelo de pro-


cedimento concursal que densifique ou especifique aquilo que
consta da Parte II do CCP.
Delineadas, em traços gerais, as normas jurídicas aplicáveis ao
procedimento tendente à celebração de um contrato para planea-
mento, importa agora indagar sobre os mais relevantes passos da
respectiva tramitação. Especiais dificuldades surgem neste contexto,
em resultado da existência de dois procedimentos administrativos
distintos e com o seu campo próprio – de um lado, o procedimento
de formação do contrato para planeamento, do outro, o procedi-
mento de elaboração, alteração ou revisão do plano – e entre os
quais terá de haver uma articulação ou um entrosamento. Poder-se-
á considerar, pois, que a conjugação entre os dois procedimentos
tem como efeito a emergência de um procedimento complexo, por-
quanto a consecução do resultado final (elaboração, alteração ou
revisão de um plano) pressupõe a confluência de um conjunto de
actuações jurídico-administrativas, mais concretamente, um con-
trato administrativo e um regulamento administrativo.
Expendendo um esforço no sentido de sistematizar toda a teia
de interferências geradas pelo procedimento de formação do con-
trato para planeamento em articulação com o procedimento de ela-
boração, alteração ou revisão do plano, podemos deparar-nos com
duas situações cronologicamente diferenciadas e que esgotam o sur-
gimento do contrato para planeamento: (a) o início do procedimento
tendente à celebração do contrato para planeamento ocorre antes do
desencadeamento do procedimento de elaboração, alteração ou revi-
são do plano (ex ante); (b) o procedimento tendente à celebração do
contrato para planeamento inicia-se após o desencadeamento do
procedimento de elaboração, alteração ou revisão do plano (ex post
ou in media re), enxertando-se (embora com autonomia) na tramita-
ção deste último.
(a) Facilmente se compreenderá que, no horizonte da primeira
hipótese aventada, se verifica uma sequência entre o procedimento
pré-contratual, a celebração do contrato e a elaboração, alteração ou
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 253

revisão do plano. Todavia, no interior desta hipótese, a tramitação


a seguir revestirá contornos diversos consoante a iniciativa do pro-
cedimento pré-contratual caiba (i) ao particular ou (ii) à Adminis-
tração Pública. Debrucemo-nos sobre cada uma das alternativas.
(i) No caso de a câmara municipal receber uma proposta de um
ou mais interessados422 para a celebração de um contrato para pla-
neamento antes de formalmente ter desencadeado o procedimento
de elaboração do plano, iniciar-se-á, em primeiro lugar, o procedi-
mento de formação do contrato para planeamento.
O sentido a conferir à abertura à concorrência do procedimento
de adjudicação, quando a iniciativa da contratação caiba ao inte-
ressado – que se dirigiu à Administração, apresentando-lhe uma
proposta de contrato para planeamento – poderá revelar-se pleno de
significado se, adoptando uma interpretação sistemática, nos lou-
varmos num lugar paralelo e atentarmos nas especificidades proce-
dimentais que pautam o regime de outro tipo de contrato adminis-
trativo especiais, como é o caso das concessões de uso privativo de
recursos hídricos, quando a iniciativa pertence ao particular. Assim,
nos termos do artigo 21.°, n.° 4 do DL 226-A/2007, de 31/05423
(aplicável aos contratos de concessão por remissão do artigo 24.°,
n.° 5), à apresentação de uma proposta contratual à autoridade com-
petente segue-se, de imediato, uma apreciação preliminar por esta
última, com o objectivo de verificar se existem causas que obstem
à abertura do procedimento (v.g., o incumprimento das condições
legalmente exigidas para a emissão do título, a inoportunidade ou
inconveniência para o interesse público ou o facto de se pretender

422 A possibilidade de existirem vários interessados a dirigir-se ao municí-


pio, apresentando propostas de contratos para planeamento foi nitidamente consi-
derada pelo legislador que, no artigo 6.°-A, n.° 5, alude à divulgação de propos-
tas de contratos pelos interessados.
423 Alterado pelos DL 391-A/2007, 21/12, e 93/2008, 4/06 (este último

rectificado pela Declaração de Rectificação 32/2008, DR, I Série, n.° 111,


11.06.2008, p. 3393).
254 Contratos Urbanísticos

atribuir essa utilização por via de iniciativa pública). Não se verifi-


cando tais causas, a autoridade competente procede à publicitação
do pedido, com o duplo propósito de fomentar a concorrência (por
permitir que outros interessados possam requerer para si a emissão
do título com o mesmo objecto e finalidade, propiciando a abertura
de um procedimento concursal só entre os interessados ou a abertura
de um concurso público) e a protecção dos recursos hídricos (ao
admitir que os interessados venham apresentar objecções à atribui-
ção do título). A salvaguarda dos interesses do primeiro requerente
fica assegurada com o sistema de preferências contemplado no
artigo 21.°, n.° 5424.
Aplicando a doutrina aqui presente aos contratos para planea-
mento, poder-se-á afirmar que, quando ao município chegue uma
proposta contratual do interessado, tem aquele o dever de adoptar
uma conduta compaginável com a abertura do procedimento à
concorrência. Recebida a proposta, terá a câmara municipal de
deliberar liminarmente se pretende celebrar um contrato admi-
nistrativo que tenha por objecto a elaboração de um projecto de
plano, a sua alteração ou revisão, bem como a respectiva exe-
cução. Ora, a deliberação de celebração do contrato terá de se fun-
dar sempre em razões de interesse público, que hão-de ser devida-
mente explicitadas. Esta terá que explicitar, de acordo com o regime
instituído pelo artigo 6.°-A, n.° 4, do RJIGT, as razões que justificam
a sua adopção [alínea a)]; a oportunidade da deliberação, tendo em
conta os termos de referência do futuro plano, designadamente a sua
articulação e coerência com a estratégia territorial do município e o
seu enquadramento na programação constante do plano director
municipal ou do plano de urbanização [alínea b)]; a eventual neces-
sidade de alteração aos planos municipais de ordenamento do ter-
ritório em vigor [alínea c)].

424 Sobre este procedimento, ANA RAQUEL MONIZ, (2008-B: 41 ss.) e (2008-

-A: 870 ss.), que seguimos neste ponto.


Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 255

É esta deliberação, em conjunto com a proposta de contrato,


que constituirá objecto de divulgação pública (ex vi artigo 6.°-A,
n.° 5, do RJIGT). Existem razões substanciais para isso.
Com efeito, a abertura à participação possui também aqui um
duplo escopo: permitir que outros interessados (caso existam)
venham apresentar propostas com o mesmo objecto e assegurar
que os cidadãos se possam pronunciar (desde logo, manifestando
objecções) sobre o sentido e alcance da proposta já avançada.
Recebendo a câmara municipal, na sequência da divulgação
pública, outras propostas com o mesmo objecto, encontra-se vin-
culada, por força do princípio da concorrência, a deliberar sobre a
abertura de concurso (pelo menos) entre aqueles interessados –
deliberação essa da qual constam agora os critérios de adjudicação
para escolha das propostas.
Cumpre aqui notar que a câmara municipal pode submeter
à apreciação da assembleia municipal a proposta para a celebração
do contrato para planeamento apresentada pelo contraente privado,
após a publicitação da deliberação de formação do contrato. Isto
funciona como um meio de garantia suplementar do particular em
face do sistema legal de repartição de competências entre os órgãos
administrativos, que comete à assembleia municipal inúmeras com-
petências urbanísticas, entre as quais, a aprovação do plano que foi
objecto de contratação. Por isso, é perfeitamente possível a câmara
municipal estabelecer um princípio de acordo com a assembleia
municipal no quadro das relações interorgânicas que confere ao
contraente privado uma garantia adicional da qual resultam indis-
cutíveis vantagens para as partes envolvidas: por um lado, promove
a transparência e reduz a insegurança, eliminando obstáculos que a
assembleia municipal poderia legitimamente colocar em face da dis-
cordância com o conteúdo do contrato e, por outro, essa consensua-
lidade alargada atesta, naquele momento, a conformidade do con-
trato com o interesse público urbanístico, passando a constituir um
elemento essencial para a câmara municipal incorporar na proposta
do plano o disposto no contrato.
256 Contratos Urbanísticos

(ii) Nos casos em que a iniciativa pertence ao município, este


encontra-se submetido a importantes trâmites procedimentais
e formais, dependendo a sua marcha de uma deliberação da
câmara municipal, devidamente fundamentada (artigo 6.°-A,
n.° 4), que constitui a decisão de contratar e consubstancia o acto
de iniciativa do procedimento. Efectivamente, sempre que a Admi-
nistração celebra um contrato para planeamento, fá-lo no exercício
de poderes discricionários. É nesse domínio de discricionariedade
que a Administração decide se o recurso ao contrato para planea-
mento se apresenta como uma forma da acção administrativa
adequada à prossecução do interesse público na situação jurídica
em apreço425.
Como referimos, a deliberação de celebração do contrato terá
de se fundar sempre em razões de interesse público, que hão-de ser
devidamente explicitadas426. Esta terá, por imperativo legal, que

425 Como refere PEDRO GONÇALVES (2003: 97), a Administração está habi-
litada a “usar o contrato administrativo no âmbito das relações jurídicas adminis-
trativas também conformáveis por acto administrativo quando for titular de um
poder discricionário”. Assim sucede com os contratos para planeamento: a elabo-
ração de planos de urbanização e planos de pormenor não reveste carácter obri-
gatório (apenas a elaboração do plano director municipal assume carácter obriga-
tório – artigo 84.°, n.° 4, do RJIGT), sendo o município detentor, em regra, de um
poder discricionário quanto ao an e ao quando da mesma. Esta discricionariedade
está, porém, sujeita a limitações: uma resultante do princípio do desenvolvimento
urbanístico em conformidade com o plano – ALVES CORREIA (2008: 652) – e outra
da obrigação da elaboração de planos de urbanização ou planos de pormenor para
as unidades operativas de planeamento e gestão, definidas no plano director muni-
cipal, para efeitos de programação da execução deste [artigo 85.°, n.° 1, alínea l),
do RJIGT].
426 Na fundamentação da deliberação de celebração do contrato prevista no

artigo 6.°-A, n.° 4 está implícita a existência de razões de interesse público que
justificam ou fundamentam a necessidade de elaboração, alteração ou revisão do
plano, caso contrário não há qualquer razão para desencadear o procedimento de
celebração de um contrato. Quer dizer, na fundamentação da deliberação de cele-
bração do contrato vai implicada também a fundamentação da necessidade de ela-
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 257

explicitar os aspectos focados pelas várias alíneas do artigo 6.°-A,


n.° 4, do RJIGT: as razões que justificam a sua adopção, a oportu-
nidade da deliberação e a eventual necessidade de alteração aos
planos municipais de ordenamento do território em vigor.
Em qualquer das hipóteses [(i) e (ii)], terá agora lugar um pro-
cedimento concursal, cuja tramitação e condições de qualificação,
avaliação e selecção de propostas poderão constar do regulamento
do plano director municipal ou do plano de urbanização; como sub-
linhámos, e caso não existam naquele normas sobre a matéria, recor-
rer-se-á supletivamente às normas da Parte II do CCP, com as neces-
sárias adaptações427.
De entre as várias alternativas de ocupação do espaço apresen-
tadas por promotores ou investidores, o município escolherá a pro-
posta que se revele mais adequada à satisfação do interesse público.
Quanto a este aspecto, sublinhe-se que a ponderação das propostas
pelo município obedecerá a especificidades, ausentes da adjudica-
ção dos demais contratos públicos. Com efeito, se entre o conjunto
das propostas apresentadas pelos vários concorrentes, um deles
apresentar um acordo com os proprietários ou um documento que
comprove que já é proprietário daqueles terrenos, esse deve ser um

boração, alteração ou revisão do plano, a qual representa uma forma da Adminis-


tração dar ênfase à transparência, i.é, de abertamente declarar que o procedimento
em causa não foi promovido para satisfazer os interesses do proponente do con-
trato, mas em homenagem ao interesse público que é o único que pode funda-
mentar a elaboração, alteração ou revisão de um plano.
427 Ainda que este último diploma não se encontre pensado para as hipóte-

ses em que é o particular a dirigir-se à Administração, apresentando uma proposta,


mas, pelo contrário, tem as suas disposições orientadas para os casos em que a
entidade pública se dirige ao mercado para solicitar algum bem ou serviço. Daí
que, especialmente nestas situações, a aplicação do CCP postulará sempre uma
adaptação ao caso concreto.
Já no que respeita às normas constantes do regulamento do plano director
municipal ou do plano de urbanização, pode este prever, em separado, a tramita-
ção para os procedimentos de iniciativa pública e de iniciativa particular.
258 Contratos Urbanísticos

elemento importante da ponderação na escolha da melhor proposta,


porquanto fica facilitada ou mesmo garantida a execução do plano
de urbanização ou do plano de pormenor.
Adjudicado o contrato, segue-se a fase da celebração428. Subli-
nhe-se que, ao celebrar um contrato para planeamento, a Adminis-
tração, para além de juridicamente se comprometer a conferir ao
plano de urbanização ou ao plano de pormenor um determinado con-
teúdo, também se obriga a iniciar ou a promover o respectivo proce-
dimento de elaboração, alteração ou revisão, que, como vimos, con-
substancia uma “obrigação” de praticar um acto administrativo.
Findo o procedimento de formação do contrato, tem lugar o pro-
cedimento de elaboração, alteração ou revisão do plano. Neste contexto,
importa advertir que a interferência da contratação neste domínio
jamais poderá colocar em causa as regras procedimentais de formação

428 O CCP prevê soluções inovatórias quanto às hipóteses em que, por facto
imputável à Administração, esta não outorga o contrato, correspondente à adju-
dicação. Nestes casos, o artigo 105.°, n.os 4 e 5 confere ao adjudicatário dois di-
reitos, a exercer em alternativa, quando a entidade adjudicante não outorgar o
contrato no prazo previsto no n.° 1 do mesmo preceito: por um lado, pode o adju-
dicatário desvincular-se da proposta, acompanhado da liberação da caução que
haja prestado e de indemnização por todas as despesas e demais encargos em que
comprovadamente incorreu com a elaboração da proposta e com a prestação da
caução; por outro lado, o adjudicatário pode, nos termos do artigo 37.°, n.° 2, alí-
nea h), do CPTA exigir judicialmente a celebração do contrato, através da propo-
situra de uma acção administrativa comum, dirigida a solicitar ao Tribunal Admi-
nistrativo a condenação da Administração à celebração do contrato (acção esta
que, pela sua natureza condenatória, pode ser associada a uma sanção pecuniária
compulsória – artigo 44.° do CPTA). Sem prejuízo das dificuldades suscitadas por
estas disposições (sobretudo, pela última), entendemos que a ratio que lhe está
subjacente se aplica igualmente aos contratos para planeamento e, poderemos
mesmo afirmá-lo, até por maioria de razão: com efeito, numa espécie contratual
em que aparece mais fragilizada a posição do particular (sempre sujeita à indis-
ponibilidade do poder de planeamento), faz todo o sentido o acréscimo de garan-
tias conferido por esta norma.
Sobre as mencionadas soluções e para mais desenvolvimentos, CALDEIRA
(2008: 697 ss.).
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 259

dos planos. Deste modo, o procedimento de elaboração, alteração ou


revisão do plano seguirá todos os trâmites normais a que se encontra
submetido pelas disposições legais pertinentes (artigo 6.°-A, n.° 2).
As especificidades aqui a assinalar prendem-se com o relevo
da transparência e com a concretização do princípio da participa-
ção, ao nível do procedimento de elaboração, alteração ou revisão
do plano. Assim, o artigo 6.°-A, n.° 6, I impõe que a deliberação
que determina a elaboração do plano seja publicitada juntamente
com o contrato para planeamento429. A ratio essendi desta norma é
a de fazer com que haja lugar à participação preventiva, aqui inci-
dente apenas sobre o contrato e, por conseguinte, em momento
anterior ao da elaboração da proposta de plano, mas que decorre
simultaneamente com a participação preventiva, para a formulação
de críticas, observações e sugestões sobre os objectivos e termos de
referência do plano de urbanização ou de pormenor. Contra esta
interpretação dir-se-á que, existindo a prévia celebração de um con-
trato para planeamento cujo objectivo consiste, por definição, na
delineação do conteúdo do plano, a participação a ocorrer neste
momento se configura mais como uma participação sucessiva que
como uma participação preventiva. Mas sem razão. É que, como
acentuámos já por diversas vezes e decorre claramente do n.° 3 do
artigo 6.°-A, o contrato não substitui o plano, nem equivale ainda
a uma proposta de plano, a elaborar posteriormente, ainda que com
base no contrato. Ora, a publicitação do contrato neste momento
(reforçamos, anterior ao da elaboração da proposta de plano) tem

429 A dissociação entre a divulgação pública da deliberação de contratar em

conjunto com a proposta de contrato, por um lado, e a publicitação da deliberação de


elaboração do plano em conjunto com o contrato, por outro, exclui a possibilidade de
os municípios deliberarem “celebrar o contrato ao mesmo tempo que deliberam a ela-
boração do plano, publicitando ambas as deliberações em simultâneo” – F. PAULA
OLIVEIRA (2009: 53), o que, a suceder, redundaria numa omissão de uma das fases de
participação pública. Aliás, a letra da lei não deixa dúvidas a este respeito, referindo-
-se no n.° 5 a “propostas de contratos” e no n.° 6 a “contratos” e determinando mo-
mentos temporalmente distintos para a publicitação e/ou divulgação de cada um deles.
260 Contratos Urbanísticos

precisamente como finalidade examinar e ponderar as reclamações,


observações e sugestões dos interessados, antes que o respectivo
conteúdo passe integrar o projecto final de plano – altura em que a
Administração mostrará uma flexibilidade ainda menor em intro-
duzir quaisquer alterações, que, em cascata, iriam conduzir a uma
modificação de várias opções já tomadas430.
A participação sucessiva ocorrerá, isso sim, no período de dis-
cussão pública, nos termos previstos no artigo 77.°, n.° 3, do RJIGT,
mas com a especificidade emergente do artigo 6.°-A, n.° 6, II, que
determina que a proposta de plano para efeitos do período de dis-
cussão pública seja acompanhada pelo respectivo contrato para pla-
neamento. Trata-se agora de permitir aos cidadãos a apreciação,
inter alia, das eventuais divergências entre o contrato para planea-
mento e a proposta de plano, desde logo com o objectivo de paten-
tear a forma como foram acolhidas as críticas, sugestões e observa-
ções adiantadas no momento da participação preventiva.
(b) Uma análise dos dispositivos do RJIGT sobre a matéria
demonstra que a intenção do legislador foi a de colocar à frente do
procedimento de elaboração do plano o procedimento de formação
do contrato, em termos de o mesmo já estar celebrado no momento
em que a câmara municipal delibera iniciar a elaboração do plano.
No fundo, subjacente à sistematização dos procedimentos previstos
no artigo 6.°-A está uma ideia de aceleração procedimental, na
medida em que o procedimento de formação do contrato se adianta
temporalmente em relação ao procedimento de elaboração do plano
com o objectivo de possibilitar que a participação preventiva e
sucessiva sobre o contrato para planeamento decorram em simul-
tâneo com a participação preventiva e sucessiva do plano de urba-
nização ou plano de pormenor. Todavia, não parece que o legislador
pretenda proibir a possibilidade de o procedimento contratual se ini-
ciar durante o decurso do procedimento de elaboração, alteração ou
revisão do plano (ex post ou in media re). Parece-nos, porém, que a

430 ALVES CORREIA (2008: 454-456).


Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 261

orientação emergente da articulação procedimental prevista pelo


legislador possuirá um efeito útil: o de restringir esta possibilidade
aos casos de iniciativa particular.
Todavia, a admissão da hipótese de o contrato ser proposto já
depois de a câmara municipal ter desencadeado formalmente o pro-
cedimento de elaboração, alteração ou revisão do plano nunca
poderá pôr em causa o regime jurídico procedimental constante do
artigo 6.°-A anteriormente referido. Por isso, em obediência ao seu
carácter imperativo, terá a câmara municipal que repetir ou reiniciar
todo o procedimento de formação do contrato e de elaboração, alte-
ração e revisão do plano de urbanização ou do plano de pormenor.

Em suma, os traços procedimentais diferenciadores da formação


de contratos para planeamento e da elaboração e concretização dos
respectivos planos sublinham com particular intensidade a imbri-
cação entre duas das formas de actuação administrativa, tradicional-
mente tão arredadas: contrato administrativo e regulamento admi-
nistrativo. A dinâmica patente entre estas duas formas – repercutida
em diversos momentos do regime jurídico dos contratos para planea-
mento – deixa entrever um novo sentido na evolução do Direito
Administrativo, em geral, e da tendência para o consenso, em espe-
cial. Lançado, entre nós, pela mão do (tantas vezes precursor) Direito
do Urbanismo, o neocontratualismo irá constituir uma nota caracte-
rística e influente do futuro do Direito Administrativo431.

431 Analisada a fisionomia do contrato para planeamento, seria, agora, o


momento de abordar a sua patologia. Todavia, tendo em conta os condicionalismos
da presente dissertação, referiremos apenas algumas breves notas sobre as causas
perturbadoras do seu desenlace normal (o cumprimento). A primeira observação que
se suscita é a de que o regime jurídico especial administrativo previsto no RJIGT
contempla apenas uma parte da disciplina jurídica aplicável ao contrato para planea-
mento, sendo, portanto, necessário recorrer (a título subsidiário) à Parte III do CCP,
que fixa o regime substantivo dos contratos administrativo. Assim, em resultado da
inexistência, em primeira linha, de um regime jurídico especial previsto no RJIGT,
são aplicáveis ao contrato para planeamento, com as necessárias adaptações, as
regras gerais do CCP quanto ao regime de invalidade do contrato, à execução, à con-
262 Contratos Urbanísticos

formação da relação contratual e à modificação objectiva e subjectiva, ao incumpri-


mento e à extinção do contrato (artigos 278.° a 342.°). Não obstante a disciplina jurí-
dica do contrato administrativo contida no CCP ter “subjacente a categoria de «con-
trato de colaboração»” – PEDRO GONÇALVES (2009: 575) –, existem contrato
administrativo que seguem outro modelo (contratos sobre o exercício de poderes
públicos), cujo regime substantivo também se encontra regulado na Parte III do CCP.
Na relação que emerge de um contrato administrativo, a Administração está
colocada numa posição de supremacia jurídica sobre o seu contratante, ficando
investida de poderes de autoridade (os poderes de conformação da relação con-
tratual referidos no artigo 302.° do CCP) para determinar a produção de efeitos
jurídicos que o contratante particular tem de suportar. O regime particular do con-
trato para planeamento (que obedece a uma lógica da função) assegura, em certa
medida, que o contraente público se possa desvincular licitamente do contrato e
das obrigações que assumiu, pelo menos quando esteja em causa a existência
superveniente de razões de interesse público não conhecidas à data da assumpção
do compromisso e que revelam a impossibilidade de cumprimento do mesmo. Em
rigor, essa é uma exigência inequívoca, na medida em que estamos face a um con-
trato de objecto público (contrato administrativo por natureza) e, portanto, enten-
demos que o interesse público constitui uma circunstância ou um facto exterior
ao contrato para planeamento, que se impõe ao contraente público independente-
mente do contrato. Neste sentido, poderá o município resolver unilateralmente o
contrato para planeamento por motivos de interesse público à luz do artigo 334.°
do CCP? Ou aplicar-se-á, por extensão analógica, o disposto no artigo 337.° do
CCP, que constitui uma regra especial aplicável aos contratos sobre o exercício de
poderes públicos? E o co-contratante, especialmente interessado em que o plano
aprovado reflectisse ad penem literis o texto de ordenação urbanística que figura
no clausulado contratual, ficará totalmente desprotegido? Ou ser-lhe-á reconhe-
cido um direito a uma indemnização? Esta abrangerá apenas o interesse contra-
tual negativo ou também o interesse contratual positivo?
Por outro lado, em caso de incumprimento definitivo (desvio do conteúdo do
plano em relação ao disposto no contrato ou não desencadeamento ou conclusão
do procedimento de planeamento contratualizado) imputável ao contraente público,
como poderá o co-contratante reagir? Seguramente que estará excluída qualquer
espécie de execução coactiva do contrato para planeamento, que “forçasse” ou
“impelisse” judicialmente a Administração a aprovar um plano urbanístico segundo
o clausulado contratual. Somos de opinião que é esse o efeito útil do artigo 6.°-A,
n.° 2, do RJIGT: evidentemente que o contrato para planeamento jamais poderá
Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: a Fisionomia do Contrato 263

colocar em causa os poderes públicos de planeamento, mas a razão de ser da norma


não reside na necessidade de enfatizar uma evidência, antes tem como finalidade
precípua afastar qualquer tipo de execução específica do contrato para planeamento.
Na realidade, é o princípio da indisponibilidade do poder de planeamento
que veda essa possibilidade. Como refere BUSTILLO BOLADO/CUERNO LLATA
(2001: 113), o ius variandi “não permanece nem pode permanecer comprometido
pelos contratos previamente concluídos com os administrados. A jurisprudência é
insistente e reiterada quanto a este ponto”. Este princípio é reafirmado em vários
arestos do Tribunal Supremo: sustenta a jurisprudência espanhola que “a Admi-
nistração não poderá ser compelida forçosamente a cumprir o contrato […] nem
tão pouco poderá ser objecto de coerção de forma indirecta, fixando-se medi-
das que a pressionem a aprovar planos de acordo com o disposto nos contratos
– STS de 29/11/93 (R. 9.602), de 20/1/97 (R. 179), de 15/3/97 (R. 1.677), e de
30/10/97 (R. 7.638)” – apud ARREDONDO GUTIÉRREZ (2003: 66). Por isso, reitera
o princípio segundo o qual os direitos dos proprietários, quer derivem de um plano
alterado, quer de contratos com a Administração não impedem a actuação do ius
variandi, independentemente de poderem gerar um direito a uma indemnização –
SENDÍN GARCÍA (2008: 184 ss.); OCHOA GÓMEZ (2006: 202 ss.).
Sendo assim, ao invés do que pode suceder noutras espécies contratuais, no
caso do contrato para planeamento não é admissível qualquer “execução específica”
do mesmo. Mesmo na hipótese de incumprimento definitivo, os interesses do co-
contratante privado apenas poderão ser satisfeitos, quanto muito, pela via do paga-
mento de uma indemnização e nunca através da execução coactiva do mesmo – é o
princípio da indisponibilidade dos poderes de planeamento que o exige. Significa
isto que existe uma relação bipolar entre o contrato e o plano urbanístico: se em sen-
tido negativo, o princípio da indisponibilidade veda a mencionada execução coac-
tiva, já, em sentido positivo, podemos afirmar que, sempre que exista cumprimento
contratual, haverá uma vinculação do regulamento ao contrato administrativo.
Numa apreciação breve sobre o regime jurídico do contrato para planea-
mento, podemos concluir que, sob ponto de vista subjectivo, estamos perante uma
disciplina caracterizada pela supremacia jurídica da Administração e pela desi-
gualdade das partes. Neste jogo em que participam, lado a lado, o particular e a
Administração, constata-se que é esta última quem tem o domínio do “esférico”,
porquanto é a câmara municipal que dá o pontapé de saída (a marcha do proce-
dimento contratual e de elaboração, alteração ou revisão do plano) e o apito final
(a desvinculação do contrato por razões de interesse público) do jogo, desempe-
nhando, muitas vezes, o duplo papel de player e de referee.
BIBLIOGRAFIA

ALVES CORREIA, FERNANDO (1982), As Garantias do Particular na Expro-


priação por Utilidade Pública, Coimbra.
ALVES CORREIA, FERNANDO (1989), O Plano Urbanístico e o Princípio da
Igualdade, Coimbra.
ALVES CORREIA, FERNANDO (1993), As Grandes Linhas da Recente
Reforma do Direito do Urbanismo Português, Coimbra.
ALVES CORREIA, FERNANDO (2000), A Jurisprudência do Tribunal Consti-
tucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das
Expropriações de 1999, Coimbra.
ALVES CORREIA, FERNANDO (2005), “A Concessão de uso privativo do
domínio público: Breves notas sobre o regime jurídico de um instru-
mento de valorização e rentabilização dos bens dominiais”, Direito e
Justiça (n.° especial), pp. 101-116.
ALVES CORREIA, FERNANDO (2006-A), “O Direito do Urbanismo em Por-
tugal”, RLJ, 3937, Coimbra, pp. 196-234.
ALVES CORREIA, FERNANDO (2006-B), Manual de Direito do Urbanismo,
vol. I, Coimbra.
ALVES CORREIA, FERNANDO (2008), Manual de Direito do Urbanismo,
vol. I, Coimbra.
AMOS (1987), «The Town and Country Planning Act 1947», in: Journal of
Environment, Planning and Management, vol. 30-1.
ANTUNES VARELA/PIRES DE LIMA (1987), Código Civil Anotado, II, Coim-
bra.
ANTUNES VARELA, JOÃO DE MATOS (2003), Das Obrigações em Geral, vol.
I, Coimbra, (reimp. da 7.ª ed.).
ARANA, J. RODRÍGUEZ (2008), “El Marco Constitucional del Urbanismo en
España”, Revista Aragonea de Administración Pública, 32.
266 Contratos Urbanísticos

ARREDONDO GUTIÉRREZ, J. M., Los Convenios Urbanisticos y su Régimen


Jurídico, Granada, 2003.
ARROYO JIMÉNEZ (2006), La Revisión de las Técnicas de Conservación
Urbanística, Madrid.
ASSESSORATO PIANIFICAZIONE TERRITORIALE, URBANISTICA, DIFESA DEL
SUOLO, SISTEMA INFORMATIVO TERRITORIALE (2004), “L’Artigo 18
della Legge R. 20/2000: accordi con i privati”, Bologna.
ASSINI, NICOLA/MANTINI, PIERLUIGI (2007), Manuale di Diritto Urbanis-
tico, Milano.
AUBY, JEAN-BERNARD (2003), “L’Internationalisation du Droit des Con-
trats Publics”, in Droit Administratif, n.os 8-9, pp. 5 ss.
AXER, PETER (2000), Normsetzung der Exekutive in der Sozialversiche-
rung, Tübingen.

BARBANENTE, ANGELA (2007), “Interpretazioni e problemi delle pratiche


contrattuali di governo del territorio. Esempi europei e specificità
italiane”, Urbanistica Contrattata e Tutela dell’Ambiente, a cura di
Lelio Barbiera, Bari, pp. 23-42.
BARBOSA DE MELO, ANTÓNIO (1983), Introdução às Formas de Concerta-
ção Social, Separata do Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LIX.
BARBOSA DE MELO, ANTÓNIO (2002), Sumários, apontamentos e notas
sobre contratos administrativos, Coimbra.
BARBOSA DE MELO, ANTÓNIO (2008), “A Ideia de Contrato no Centro do
Universo Jurídico-Público”, in: Estudos de Contratação Pública – I,
Coimbra, pp. 7-21.
BERNARDO AZEVEDO (2008), “Contratação in house: entre a liberdade de
auto-organização administrativa e a liberdade de mercado”, Estudos
de Contratação Pública – I, pp. 115-146.
BICK (2001), “Städtebauliche Verträge”, Deutsches Verwaltungsblatt,
pp. 154-161.
BIRK, HANS-JÖRG (2002), Städtebauliche Verträge, Stuttgart.
BLACKHALL (2005), Planning Law and Practice, 3.ª ed. (reimp.), Oxon.
BÖNKER (2004), “Zusammenarbeit der Gemeinde mit Privaten”,
HOPPE/BÖNKER/GROTEFELS, Öffentliches Baurecht, München, pp.
406-449.
BORELLA (1998), “L’Urbanistica Contrattata dopo la Legge 241 del 1990”,
Rivista Giuridica di Urbanistica, 4, pp. 419-447.
Bibliografia 267

BORRI, DINO (2007), “Urbanistica Contrattata”, Urbanistica Contrattata e


Tutela dell’Ambiente, Bari.
BRADLEY/EWING (2003), Constitutional and Administrative Law, 13.ª ed.,
Longman, London.
BRONZE, FERNANDO JOSÉ (2006), Lições de Introdução ao Direito,
Coimbra.
BUSTILLO BOLADO/CUERNO LLATA (2001), Los Convenios Urbanísticos
entre las Administraciones Locales y los Particulares, Pamplona.

CALDEIRA, MARCO (2008), “Adjudicação e Exigibilidade Judicial da Cele-


bração do contrato administrativo no Código dos Contratos Públi-
cos”, O Direito, ano 140.°, III, pp. 697 e ss.
CANO MURCIA, ANTONIO, Teoría y Práctica del Convenio Urbanístico,
Pamplona, 2006.
CARLOS DOS SANTOS, ANTÓNIO/EDUARDA GONÇALVES, MARIA/LEITÃO
MARQUES, MARIA MANUEL (2004), Direito Económico, Coimbra.
CASALTA NABAIS (1994), Contratos Fiscais (reflexões acerca da sua
admissibilidade), Studia Iuridica 5, Coimbra.
CASTANHEIRA NEVES (2003), O Actual Problema Metodológico da Inter-
pretação Jurídica – I, Coimbra.
CENTOFANTI, NICOLA (2007), Le Convenzioni Urbanistiche ed Edilizie,
Milano.
CIVITARESE, STEFANO/URBANI, PAOLO (2000), Diritto Urbanistico – Orga-
nizzazione e Rapporti, Torino.
CIVITARESE, STEFANO (1997), Contributo allo Studio del Principio Con-
trattuale nell’Attività Amministrativa, Torino.
CIVITARESE, STEFANO (1999), “Sul Fondamento Giuridico degli Accordi in
Materia di Fissazione delle Prescrizione Urbanistiche”, PUGLIESE/
/FERRARI, Presente e Futuro della Pianificazione Urbanistica,
Milano.
CLÁUDIA VIANA (2007), Os Princípios Comunitários na Contratação
Pública, Coimbra.
COLAÇO ANTUNES, LUÍS FILIPE (2002), Direito Urbanístico. Um outro
paradigma: a planificação modesto-situacional, Coimbra.
COLE/BOYNE (1996), «Evaluating the Structure of Local Government:
The Importance of Tiers», in: Public Police and Administration,
11-1.
268 Contratos Urbanísticos

CRIADO SÁNCHEZ, A. J. (2005), El agente urbanizador en el derecho urba-


nístico español, Madrid.
CUGURRA, GIORGIO (2002), “Normativa Comunitaria e opere di urba-
nizzazione”, Rivista Giuridica dell’Urbanistica, 2-3/2002, pp. 193
e ss.
CUGURRA, GIORGIO (2005), “Accordi e Pianificazione Territoriale ed
Ambientale”, Rivista Giuridica dell’Urbanistica, 2005, pp. 144 e ss.
CULLINGWORTH/NADIN (2006), Town and Country Planning in the UK,
London/New York.

DEMOUVEAUX, JEAN-PIERRE (2002), “La Notion de Renouvellement


Urbain”, Cahiers de Droit de L’Aménagement, de l’Urbanisme, de
L’Habitat, GRIDAUH.
DIGAETANO (2006), “Creating the Public Domain: Nineteenth-Century
Local State Formation in Britain and United States”, in: Urban
Affairs Review, 41-4.
DULCE LOPES (2003) “O procedimento expropriativo: complicação ou
complexidade?”, Seminário Avaliação do Código das Expropriações,
Leiria, pp. 23 ss.
DULCE LOPES (2008), “Plano, acto e contrato no direito do urbanismo”,
Cadernos de Justiça Administrativa, 68, pp. 11-25.

ERNST, WERNER/HOPPE, WERNER (1981), Das öffentliche Bau-und Boden-


recht, Raumplanungsrecht, München.
ESTÉVEZ GOYTRE, RICARDO (2006), Manual de Derecho Urbanistico,
Granada.
Explanatory Notes referentes ao Planning Bill apresentado na Câmara dos
Comuns, em 26 de Junho de 2008 (in: http://services.parliament.uk/
bills/2007-08/planning.html, Dezembro 2008).

FERNÁNDEZ RODRÍGUEZ (1974), El urbanismo concertado y la Ley del


Suelo, Instituto de Estudios Administrativos, Madrid.
FERRANDIS, FONSECA (1998), “Los convenios urbanísticos en la Jurispru-
dencia del Tribunal Supremo”, Revista de Derecho Urbanístico y
Medio Ambiente 159, pp. 87 ss.
FILIPA CALVÃO (2008), “Contratos sobre o Exercício de Poderes Públicos”,
Estudos de Contratação Pública – I, Coimbra, pp. 727-770.
Bibliografia 269

F. PAULA OLIVEIRA/CASTANHEIRA NEVES, MARIA JOSÉ/DULCE LOPES/FER-


NANDA MAÇAS (2009), Regime Jurídico da Urbanização e Edificação
– comentado, Coimbra.
F. PAULA OLIVEIRA (2009), Contratos para Planeamento – Da consagra-
ção legal de uma prática, às dúvidas práticas do enquadramento
legal, Coimbra.
F. PAULA OLIVEIRA/DULCE LOPES (2003), “O papel dos privados no pla-
neamento: que formas de intervenção?”, Revista Jurídica do Ur-
banismo e Ambiente, n.° 20, pp. 43-80.
FRANCESCO, ALBERTI (2006), Processi di riqualificazione urbana. Meto-
dologie operative per il recupero dei tessuti urbani esistenti, Firenze.
FREEDLAND, M. (1994), “Government by contract and public law”, Public
Law, pp. 86 e ss.
FREEMAN, JODY (2000-A), “The Contracting State”, Fl. St. U. L. Rev.,
vol. 28, pp. 155 e ss.
FREEMAN, JODY (2000-B), “The Private Role in Public Governance”, N. Y.
U. L. Rev., vol. 75, pp. 543 e ss.
FREIRE, J. TEIXEIRA (2004), “A contratualização do conteúdo do plano
urbanístico – Reflexões em torno dos chamados acordos de pla-
neamento entre os municípios e os particulares”, Revista da Fa-
culdade de Direito da Universidade de Lisboa, XLV-1/2, pp. 423-
-439.
FREITAS DO AMARAL (2001), DIOGO, Curso de Direito Administrativo,
Vol. II, Coimbra.
FREITAS DO AMARAL, DIOGO (2006), Curso de Direito Administrativo,
Vol. I, Coimbra.
FRIER, P.-L. (2005), “Contrats et Urbanisme Réglementaire: Les Obstacles
Juridiques”, Revue Droit Administratif, n.° 3.

GARCÍA DE ENTERRÍA (1998), El Derecho Urbanístico Español a la Vista


del Siglo XXI, Ordenamientos Urbanísticos – Valoración Crítica y
Perspectivas de Futuro, Madrid, Pons.
GIANNINI, MASSIMO SEVERO (1970), Diritto Amministrativo, Vol. I,
Milano.
GÓMEZ LOBATO, J. M. (1989), “La Participación Privada en la Formación
de Planes de Ordenación Urbana”, Revista de Derecho Urbanístico y
Medio Ambiente, N.° 114, pp. 47 ss.
270 Contratos Urbanísticos

GÓMEZ MANRESA, M. F. (2006), El particular en la gestión urbanística,


Valencia.
GONZÁLEZ PÉREZ, JESÚS (2008), Comentarios a la Ley de Suelo, Vol. I,
Pamplona.
GONZÁLEZ-VARAS IBAÑEZ, SANTIAGO (2008), “El Planeamiento Muni-
cipal”, Jornadas Luso-Ibéricas de Direito do Urbanismo, CEDOUA.
GONZÁLEZ-VARAS IBAÑEZ, SANTIAGO (2007), Urbanismo y Ordenación del
Territorio, Pamplona.

HUERGO LORA (1998-A), Los Convenios Urbanísticos, Madrid.


HUERGO LORA (1998-B), Los contratos sobre los actos y las potestades
administrativas, Madrid.

JACQUOT, H./PRIET, F. (2006), “Droit de l’Urbanisme”, Paris.


JOÃO BAPTISTA MACHADO (1993), “A Hipótese Neocorporativa”, in JOÃO
BAPTISTA MACHADO, Obra dispersa, II, Braga.
JOÃO MIRANDA (2002), A dinâmica jurídica do planeamento territorial –
a alteração, a revisão e a suspensão dos planos, 2002.
JOÃO NUNO CALVÃO DA SILVA (2008), Mercado e Estado – serviços de inte-
resse económico geral, Coimbra.
JONATHAN FAULL/ALI NICKPAY (2007), The EC Law of Competition,
Oxford University Press.
JORGE ANDRADE SILVA (2009), Código dos Contratos Públicos – comen-
tado e anotado, Coimbra, 2009.
JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS (2006), Constituição Portuguesa Anotada,
V. II.

KRAUTZBERGER, MICHAEL (2006), “Zum Stellenwert von städtebaulichen


Verträgen im heutigen Städtebau“, Umwelt- und Planungsrecht, 1,
pp. 1-4.
KRAUTZBERGER, MICHAEL (2007-A), „Städtebauliche Verträge in der prak-
tischen Bewährung“, Umwelt- und Planungsrecht, 11mais12, pp.
407-414.
KRAUTZBERGER, MICHAEL (2007-B), “§ 12“, BATTIS/KRAUTZBERGER/LÖHR,
Baugesetzbuch, München, pp. 280-291.

LARMOLETTE, B./MORENO, D. (2008), Code de l’Urbanisme, Paris.


Bibliografia 271

LAUBEDÈRE/MODERNE/DEVOLVÉ (1984), Traité des Contrats Administra-


tifs, I, Paris.
LEITÃO, ALEXANDRA (2006), “A contratualização no direito do urba-
nismo”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, pp. 9-32.
LEITÃO, ALEXANDRA (2008), “Os Contratos Interadministrativos”, Estudos
de Contratação Pública – I, Coimbra, pp. 733-780.
LÖHR (2007), “§ 11”, BATTIS/KRAUTZBERGER/LÖHR, Baugesetzbuch, Mün-
chen, pp. 265-280.
LÓPEZ PELLICER, JOSÉ A. (1996), “Naturaleza, Supuestos y Limites de los
Convenios Urbanísticos”, Revista de Derecho Urbanístico y Medio
Ambiente, 146.
LÓPEZ RAMÓN, FERNANDO (2007), Introducción al Derecho Urbanístico,
Madrid.

MAGALHÃES COLLAÇO, JOÃO MARIA TELLO DE (1914), Concessões de Ser-


viços Públicos – Sua Natureza Jurídica, Coimbra.
MAGRI, MARCO (2004), “Gli accordi con i privati nella formazione dei
piani urbanistici strutturale”, Rivista Giuridica di Urbanistica, 4,
pp. 539-587.
MANGINI, MICHELE (2007), “Sviluppo Sostenibile e Governance Parte-
cipata”, in Urbanistica Contrattata e Tutela dell’Ambiente, a cura di
Lelio Barbiera, Bari, pp. 269-280.
MANUEL DE ANDRADE (1966), Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II,
Coimbra.
MARCELO REBELO DE SOUSA (1994), O concurso público na formação do
contrato administrativo, Lisboa.
MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS (2008), Contra-
tos Públicos – Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa.
MARCELLO CAETANO (2005), Manual de Direito Administrativo, tomo I,
Coimbra, (reimp. da 10.ª ed.).
MARIA JOÃO ESTORNINHO (1990), Requiem pelo Contrato Administrativo,
Coimbra.
MARIA JOÃO ESTORNINHO (1996), A Fuga para o Direito Privado – con-
tributo para o estudo da actividade de direito privado da Adminis-
tração Pública, Coimbra.
MARIA JOÃO ESTORNINHO (2007), Direito Europeu dos Contratos Públicos
– um olhar português, Coimbra.
272 Contratos Urbanísticos

MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA (2007), «A Necessidade de Distinção entre


Contratos Administrativos e Privados da Administração Pública,
no Projecto do CCP», Cadernos de Justiça Administrativa, n.° 64,
pp. 28 e ss.
MARQUES GUEDES, (1963), O Contrato Administrativo, in Estudos de
Direito Administrativo, Cadernos de Ciência e Técnica e Fiscal,
Lisboa, pp. 63 e ss.
MARTÍN HERNÁNDEZ, PAULINO (1995), “Los Convenios Urbanísticos”,
Revista de Derecho Urbanístico y Medio Ambiente, 144.
MARK FURSE (2002), Competition Law of the UK and EC, Oxford Uni-
versity Press.
MAZZA, MARIA (2005), Il Transferimento della Capacità Edificatoria,
Matelica.
MCELDOWNEY (2003), «Public Management Reform and Administrative
Law in Local Public Service in the UK», in: International Review of
Administrative Sciences, vol. 69.
MEILÁN GIL, JOSÉ LUIS (2008-A), “Cuestiones Fundamentales de la Ley
8/2007, de Suelo”, Revista Aragonesa de Administración Pública, 32.
MEILÁN GIL, JOSÉ LUIS (2008-B), “Planeamiento de Nivel Supramunici-
pal” Jornadas Luso-Ibéricas de Direito do Urbanismo, CEDOUA,
2008.
MELO MACHADO (1937), Teoria Jurídica do contrato administrativo,
Coimbra.
MENÉNDEZ REXACH, ÁNGEL (2001), “La Ordenación del Territorio y la
Ordenación Urbanistica en la Legislación Estatal y de las Comunida-
des Autónomas”, Manual de Urbanismo, Madrid.
MONIZ, ANA RAQUEL GONÇALVES (2005), O Domínio Público – O Critério
e o Regime Jurídico da Dominialidade, Coimbra.
MONIZ, ANA RAQUEL GONÇALVES (2008-A), “Contrato Público e Domínio
Público”, Estudos de Contratação Pública – I, Coimbra, pp. 831-
-892.
MONIZ, ANA RAQUEL GONÇALVES (2008-B), “Energia eléctrica e utiliza-
ção de recursos hídricos”, Temas de Direito da Energia (Cadernos
O Direito 3), pp. 13-58.
MOORE, VICTOR (2007), Planning Law, Oxford.
MORAES CARDOSO, ISABEL (2007), “A Revisão do Plano Regional de Orde-
namento do Território do Algarve e o Regime de Adequação dos Pla-
Bibliografia 273

nos Municipais de Ordenamento do Território, Em Especial, os


Investimentos Estruturantes (NDE e NDT)”, RJUA, n.os 27/28,
pp. 53-87.
MORAIS, PAULA (2006), Planificação Sem Planos”, Estudos CEDOUA,
Coimbra.
MORELLI (2007), La Pianificazione Urbanistica, Dal Piano Regolatore
Generale ai Piani Attuativi, Matelica.
MOTA PINTO, CARLOS (1999), Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra
(reimp. da 3.ª ed.).

NIGRO, MARIO (1995), “Convenzioni Urbanistiche e Rapporti tra Privati.


Problemi Generali”, Convenzioni Urbanistiche e Tutela nei Rapporti
tra Privati, Milano, pp. 33-66.

OCHOA GÓMEZ (2006), M. P., Los Convenios Urbanísticos. Limites a la


Figura Redentora del Urbanismo, Madrid.
ORLANDO DE CARVALHO (1953), Contrato Administrativo e Acto Jurídico
Público (Contributo para uma teoria do contrato Administrativo),
Coimbra.
ORLANDO DE CARVALHO (1981), A teoria geral da relação jurídica – seu
sentido e limites, I.
OTERO, PAULO (1987), A Competência Delegada no Direito Administra-
tivo Português, Lisboa.
OTERO, PAULO (2003), Legalidade e Administração Pública: o sentido da
vinculação administrativa à juridicidade, Coimbra.

PAREJO ALFONSO, LUCIANO (1997), Legislación General Vigente en Mate-


ria de Urbanismo Tras la Sentencia del Tribunal Constitucional de
20 de Marzo de 1997, Pamplona.
PAREJO ALFONSO, LUCIANO/ROGER FERNÁNDEZ, GERARDO (2008), Comen-
tarios a la Ley de Suelo (Ley 8/2007, de 28 de mayo), Madrid.
PARENTE, FERDINANDO (2007), “Programmazione Negoziata Attuativa
Di Dettaglio e Trasformazione del Territorio”, in Urbanistica con-
trattata e tutela dell’Ambiente, a cura di Lelio Barbiera, Bari, 181-
-196.
PEREIRA, TERESA CRAVEIRO (1990), “O plano-processo no planeamento
estratégico”, Sociedade e Território, n.° 12, pp. 11-25.
274 Contratos Urbanísticos

PEDRO GONÇALVES (1997), O contrato administrativo (a instituição con-


tratual como forma de actuação da Administração Pública), Cader-
nos Administrativos de Macau, Direcção dos Serviços de Adminis-
tração e Função Pública, Macau.
PEDRO GONÇALVES (2001), “Advertências da Administração Pública”,
Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra.
PEDRO GONÇALVES (2003), O contrato administrativo. Uma Instituição do
Direito Administrativo do Nosso Tempo, Coimbra.
PEDRO GONÇALVES (2005), Entidades Privadas com Poderes Públicos:
O exercício de poderes públicos de autoridade por entidades pri-
vadas com funções administrativas, Coimbra.
PEDRO GONÇALVES (2007-A), “A Relação Jurídica Fundada em contrato
administrativo”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.° 64, pp. 36-
-47.
PEDRO GONÇALVES (2007-B), Regime Jurídico das Empresas Municipais,
Coimbra.
PEDRO GONÇALVES (2008), “Cumprimento e Incumprimento do contrato
administrativo”, Estudos de Contratação Pública – I, pp. 569-626.
PEDRO GONÇALVES (2008-B), “Controlo prévio das operações urbanísticas
após a reforma legislativa de 2007”, Direito Local e Regional, n.° 1,
pp. 14-24.
PEDRO GONÇALVES (2009), Sumários de Apoio ao Curso de Pós-Gradua-
ção em Regulação Pública, CEDIPRE, Coimbra.
PEDRO GONÇALVES (2009-B), “Simplificação procedimental e controlo
prévio de operações urbanísticas”, I Jornadas Luso-Espanholas de
Urbanismo, pp. 79-104.
PERALES MADUEÑO, FRANCISCO (2006), La ejecución del planeamiento,
Madrid.
Planning and Compulsory Purchase Act 2004 – Explanatory Notes, TSO,
London, 2005.
Planning for a Sustainable Future (White Paper), The Stationery Office,
London, 2007.
Planning Policy Statement 12 (2008): Local Spatial Planning, Commu-
nities and Local Government, The Stationery Office, London,
2008.
PUGLIESE, F. P. (1971), “Il Procedimento Amministrativo tra Autorità e Con-
trattazione”, Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, pp. 1503 e ss.
Bibliografia 275

PUGLIESE, F. P. (1999), “Risorse finanziarie, contestualità ed accordi nella


pianificazione urbanistica”, PUGLIESE/FERRARI, Presente e Futuro
della Pianificazione Urbanistica.
PUTTEMANS, ANDRÉE/SCHURMANS, CHRISTINE/TATON, XAVIER/AUTENNE,
ALEXIA (2007), Actualité du Droit de la Concurrence, Bruxelles.

QUEIRÓ, AFONSO RODRIGUES (1959), Lições de Direito Administrativo,


Vol. I, Coimbra.

RAMÓN FERNÁNDEZ, TOMÁS (2008), Manual de Derecho Urbanistico,


Madrid.
RAMÓN PARADA (1997), Derecho Administrativo, Vol. I, Madrid.
REIS, JOÃO PEREIRA/LOUREIRO, MARGARIDA (2008), Regime Jurídico da
Urbanização e Edificação – Anotado, Coimbra.
RICHARD WHISH (2008), Competition Law, Oxford University Press.
ROGÉRIO SOARES (1955), Interesse Público, Legalidade e Mérito,
Coimbra.
ROGÉRIO SOARES (1969), Direito Público e Sociedade Técnica, Coimbra.
ROGÉRIO SOARES (1981), “O Princípio da Legalidade e a Administração
Constitutiva”, Boletim da Faculdade de Direito, vol. LVII, pp. 169 e ss.
RUI MEDEIROS (2008), “Âmbito do Novo Regime da Contratação Pública
à Luz do Princípio da Concorrência”, Cadernos de Justiça Adminis-
trativa, 69, pp. 3-29.

SALVIA, FILIPPO (2008), Manuale di Diritto Urbanistico, Padova.


SANDULLI, ALDO (1978), Manuale di Diritto Amministrativo, Napoli.
SANDULLI, M.A. /NICTOLIS, R./GAROFOLI, R. (2008), Trattato sui Contratti
Pubblici, Milano.
SANTAMARIA PASTOR, J. ALFONSO, Fundamentos de Derecho Administra-
tivo, I, Madrid.
SANTOS JUSTO, Direito Privado Romano – I, Coimbra, 2000.
SANTOS MÍNGUEZ, RICARDO/JALVO MÍNGUEZ, JOAQUIN (2001), “Planea-
miento Urbanístico”, Manual de Urbanismo, Madrid.
SEBASTIANELLI, SOFIA (2006), “Il contrato nella pianificazione urbanis-
tica”, Dottorato in politiche territoriali e projetto locale, modelo for-
mativo, Università degli Studi Roma Tre, Dipartimento di Studi
Urbani.
276 Contratos Urbanísticos

SENDÍN GARCÍA, M. A. (2008), Régimen Jurídico de los Convenios Urba-


nísticos, Granada.
SÉRVULO CORREIA (1972), Contrato administrativo, Separata do vol. II do
Dicionário Jurídico da Administração Pública, Coimbra.
SÉRVULO CORREIA (1987), Legalidade e Autonomia Contratual nos Con-
tratos Administrativos, Coimbra.
SIERRA, JERÓNIMO A. (1996), “Algunas consideraciones sobre la Insti-
tución contractual y el Urbanismo: los llamados Convenios Urba-
nísticos”, Revista de Derecho Urbanístico y Medio Ambiente, 146,
pp. 11 ss.
SPEER/DADE (2001), How to Stop and Influence Planning Permission, 3.ª
ed., Stonepound, Hassocks West Sussex.
STELLA RICHTER (1999), “Necessità e Possibilità della Pianificazione
Urbanistica”, PUGLIESE/FERRARI, Presente e Futuro della Pianifica-
zione Urbanistica, pp. 83-90.
SUZANA TAVARES DA SILVA (2006), “Reabilitação Urbana e Valorização
do Património Cultural”, Boletim da Faculdade de Direito, vol.
LXXXII, Coimbra, pp. 387 ss.

TAVARES, GONÇALO/DENTE, NUNO (2008), Código dos Contratos Públicos


– âmbito da sua aplicação, Coimbra.
TELLING/DUXBURY (2006), Planning Law and Procedure, 13.ª ed., Oxford
University Press, Oxford.

URBANI, PAOLO (2000), Urbanistica consensuale – La disciplina degli usi


del territorio tra liberalizzazione, programmazione negoziata e tutele
differenziate, Torino, 2000.
URBANI, PAOLO (2005-A), “Dell’Urbanistica Consensuale”, Rivista Guiri-
dica di Urbanistica, 1-2, pp. 222-228.
URBANI, PAOLO (2005-B), “Pianificare per Accordi”, BIMESTRALE
DIRITTO Direito Administrativo, PAUSANIA.
URBANI, PAOLO (2005-C), “Perequazione Urbanistica e Nuovi Scenari Legis-
lativi”, BIMESTRALE DIRITTO Direito Administrativo, PAUSANIA.

Valuing Planning Obligations in England (2006), Department of Commu-


nities and Local Government, The Stationery Office, London.
Bibliografia 277

VASCO PEREIRA DA SILVA (2003), Em Busca do Acto Administrativo Per-


dido, Coimbra, (reimp.).
VIEIRA DE ANDRADE, JOSÉ CARLOS (2007), Lições de Justiça Administra-
tiva, Coimbra.
VIEIRA DE ANDRADE, JOSÉ CARLOS (2008), “A propósito do regime do con-
trato administrativo no «Código dos Contratos Públicos»”, Estudos
Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universi-
dade Nova de Lisboa, pp. 339- 363.
VIEIRA DE ANDRADE/LICÍNIO LOPES (2009), Sumários de Apoio às Aulas de
Parcerias Público-Privadas, Coimbra.
VIEIRA DE ALMEIDA E ASSOCIADOS, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PAULO
PINHEIRO, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, TIAGO AMORIM E CATA-
RINA PINTO CORREIA (2008), Código dos Contratos Públicos e legis-
lação complementar – guias de leitura e aplicação, Coimbra, 2008.
VINCENT-JONES (2000), “Contractual governance: institutional and orga-
nisational analysis”, Oxford Journal of Legal Studies, vol. 20, n.° 3,
pp. 317 e ss.)
VITAL MOREIRA (1997), Administração Autónoma e Associações Públicas,
Coimbra.
VITAL MOREIRA (2006), Sebenta de Direito Administrativo, de acordo
com as lições do Professor Vital Moreira à 2.ª turma do 2.° ano da
FDireito do UrbanismoC, Coimbra.

WADE/FORSYTH (2004), Administrative Law, Oxford.


WERNER/PASTOR/MÜLLER/ (1988), Lexikon des Baurechts, 5. Auflage,
München.

ZANOBINI, GUIDO (1950), Corso di Diritto Amministrativo, I, Milão.


ÍNDICE

NOTA PRÉVIA ......................................................................................................... 7

ABREVIATURAS..................................................................................................... 9

PARTE I
Introdução

CAPÍTULO ÚNICO – A Contratação Urbanística no Contexto Geral da Contrata-


ção Administrativa .................................................................... 15

1. A Actividade Contratual Administrativa e as Recentes Transformações Opera-


das no Âmbito das Formas do Agir Administrativo: “de uma Administração
Autoritária a uma Administração Contratualizada” ............................................. 15

2. As Tarefas Privadas de Interesse Público no Direito do Urbanismo ................... 23

3. Concertação, Contratação e Neocontratualismo no Direito do Urbanismo ......... 38

PARTE II
Contratos Urbanísticos: Do Contrato Urbanístico em Geral

CAPÍTULO ÚNICO – O Contrato Urbanístico: Desenho de um Instituto................ 51

1. Conceito de Contrato Urbanístico......................................................................... 51


a) Acordo de vontades ......................................................................................... 52
b) Entre dois ou mais sujeitos de direito, sendo um deles necessariamente um
membro da Administração Pública que age nessa qualidade (enquanto tal) .. 54
280 Contratos Urbanísticos

(i) Sujeitos Públicos........................................................................................ 58


(ii) Sujeitos Privados ...................................................................................... 65
c) Juridicamente vinculativo ............................................................................... 71
d) Submetido a um regime substantivo de direito público.................................. 75
e) Tendo em vista disciplinar o regular exercício da actividade urbanística .... 80

2. A Contratação Urbanística no Direito Comparado............................................... 84


2.1. Direito Italiano............................................................................................. 85
2.2. Direito Inglês................................................................................................ 97
2.3. Direito Espanhol .......................................................................................... 113
2.4. Direito Alemão .............................................................................................. 126

3. Tipologia dos Contratos Urbanísticos................................................................... 133

PARTE III
Contratos Urbanísticos:
Do Contrato Urbanístico em Especial

CAPÍTULO I – Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos ............................ 149

1. O Papel dos Privados na Execução dos Planos Urbanísticos............................... 149

2. A Execução Sistemática e Assistemática de Planos............................................. 155

3. A Execução dos Planos por Contratos Urbanísticos ............................................ 157

4. Classes de Contratos Urbanísticos na Execução dos Planos ................................ 159


4.1. Contratos Integrativos dos Sistemas de Execução dos Planos Municipais
de Ordenamento do Território ..................................................................... 159
4.2. Contratos de Mediação no Regime de Controlo das Operações Urbanís-
ticas............................................................................................................... 167
4.3. Contratos no Âmbito do Reparcelamento do Solo Urbano ......................... 171
4.4. Contratos no Contexto da Expropriação Urbanística em Sentido Clássico 176
4.5. Contratação no Âmbito dos Mecanismos de Perequação ........................... 179
4.6. Contrato no Âmbito da Reabilitação Urbana.............................................. 184
4.7. Programas de Acção Territorial (PAT) ....................................................... 187

5. Da Aplicação do CCP aos Contratos de Execução dos Planos ............................ 190


Índice 281

CAPÍTULO II – Regime Jurídico do Contrato para Planeamento: A Fisionomia


do Contrato ....................................................................................... 195

1. Conceito, Modalidades e Natureza: Contratos para Planeamento em Sentido Estrito,


Contratos Urbanísticos Integrais, Contratos para Planeamento no Âmbito das Edificabili-
dades Estritas, Contratos Interadministrativos de Adaptação e Contratos de Concepção
ou de Aquisição de Planos Urbanísticos ..................................................................... 195

2. Objecto .................................................................................................................. 210

3. Sujeitos.................................................................................................................. 222

4. Limites................................................................................................................... 231

5. Exigências Procedimentais e de Publicidade........................................................ 235


5.1. A Sujeição dos Contratos para Planeamento ao Princípio da Concorrência 235
5.2. O Procedimento Administrativo do Contrato para Planeamento ............... 250

BIBLIOGRAFIA........................................................................................................ 265

ÍNDICE ...................................................................................................................... 279

Você também pode gostar