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FERNANDA PAULA OLIVEIRA

Professora da Faculdade de Direito de Coimbra

A. SITUAÇÃO DE FACTO

1. Da informação com despacho exarado a 8 de maio de 2019, consta o

seguinte:

“1.1. Os serviços de fiscalização, por deslocação ao Parque Empresarial da …..verificaram


que a firma ……., está a proceder a obras de ampliação de um pavilhão no Lote B3, sem
que tenha havido sujeição destas obras a comunicação prévia;”
“1.2. De acordo com a informação dos serviços de fiscalização datada de 09/04/2019, as
obras consistiram até ao momento na montagem de uma estrutura constituída por perfis
metálicos, revestidos com chapas metálicas tipo “sandwich”, ampliando assim o
pavilhão existente no lote B3 em cerca de 150 m2;”
“1.3. De acordo com o constante na planta síntese do loteamento do Parque Empresarial
da ……, a área máxima de implantação do lote B3 é de 450 m2;”
“1.4. A área de implantação do armazém que se encontra já construído no lote B3 é de
450 m2 conforme consta do processo n.º 98-04/2013 cuja autorização de utilização foi
emitida em 24/08/2018;”
“1.5. A área de implantação do edifício existente (450,00 m 2) mais a área de implantação
referente à ampliação efetuada sem a apresentação de comunicação prévia (150,00 m2)
1
ultrapassa a área de implantação máxima permitida no loteamento;”
“1.6. Assim, uma vez que se trata de uma legalização e a área máxima de implantação
permitida no loteamento é ultrapassada proponho que seja solicitado parecer jurídico no
sentido de averiguar qual a tramitação a dar ao processo;”

2. Face ao exposto e nos termos do despacho exarado a 8 de maio de 2019,

para além de se ter instaurado o processo por contraordenação, foi

solicitado parecer jurídico, constando do mesmo, nomeadamente no que

se refere à sua nota conclusiva, o seguinte:

“1.ª O n.º 2 do artigo 102.º do RJUE estabelece que as medidas de tutela e restauração da
legalidade urbanística podem, entre outras, consistir na legalização das operações
urbanísticas e na determinação da demolição total ou parcial de obras – cf. Alíneas d) e
e).”
“2.ª A medida de demolição só poderá ser adoptada pela administração municipal depois
de realizada uma apreciação relativamente à viabilidade ou inviabilidade da
possibilidade de legalização da operação urbanística.”
“3.ª De modo a aferir qual a medida que deverá ser adoptada, deverão os Serviços de
Planeamento Territorial e Gestão Urbanística da CM empreender desde logo uma
apreciação relativamente à viabilidade ou inviabilidade da possibilidade de legalização
da operação urbanística promovida, por exemplo, através de uma alteração ao
loteamento em causa.”
“4.ª Resultando da apreciação dos Serviços de Planeamento Territorial e Gestão

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Urbanística da CM a conclusão de que não mostra minimamente viável a possibilidade


de legalizar a operação urbanística promovida pela empresa, deverá a CM adoptar a
medida de demolição com vista à reposição da legalidade urbanística.”
“5.ª Para o efeito, deverá o Presidente emanar e a CM notificar à empresa, na pessoal do
seu legal representante, a intenção de ordenar a demolição das obras executadas
ilegalmente, nos termos do disposto no artigo 106.º do RJUE, concedendo-se o prazo de
15 dias para pronuncia sobre o conteúdo da mesma (n.º 3).”
“6.ª Caso os Serviços de Planeamento Territorial e Gestão Urbanística da CM concluam
que se mostra viável a possibilidade de legalização da operação urbanística, deverá a CM
notificar a empresa, na pessoa do seu legal representante, fixando um prazo para que a
mesma apresente todos os elementos que se sustentem que a operação é efectivamente
passível de legaslização.”

3. O Loteamento da Zona Industrial de……., que passou a designar-se

Parque Empresarial de …….. tal como o respetivo regulamento, foi

aprovado a 1 de abril de 2011, à luz do disposto no Plano Diretor

Municipal de …, nomeadamente dos artigos …...º e …..º do seu

Regulamento e da Portaria n.º 216-B/2008 de 3 de março e demais


2
legislação em vigor.

4. De acordo com o disposto no n.º … do artigo …. do Regulamento do Plano

Diretor Municipal de ………(versão à data em vigor), o projeto de

loteamento industrial cumpriu os seguintes condicionamentos:

− Área mínima de lote – 800 m2;

− Índice de implantação limite – 0,50;

− Índice volumétrico limite – 3 m3/m2;

− Número de lugares de estacionamento – 1/100 m2 Ab;

− Afastamento mínimo ao limite da frente do lote – 5,0 m;

− Afastamento mínimo ao limite tardoz do lote – 10,0 m;

− Afastamento mínimo ao limite lateral do lote – 5,0 m;

− Perfil transversal mínimo da via de acesso à frente do lote (domínio

publico) – 12,5 m;

− A altura do volume não poderá ultrapassar um plano de 45º definido

a partir de qualquer limite do lote;

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− Em lotes contíguos, poder-se-ão admitir construções industriais

geminadas, desde que pertencentes à classe C ou D;

− A altura máxima do volume edificado não poderá exceder 10 m,

excetuando-se os órgãos fabris devidamente justificados;

− Prever á área necessária à carga e descarga de veículos pesados e ao

estacionamentos dos mesmos, no interior do lote, em função do tipo

de indústria as instalar;

− É obrigatório o tratamento paisagístico das áreas não

impermeabilizadas;

− É interdita no seu interior a edificação de construções para fins

habitacionais, exceto para guarda das instalações;

− Prever a existência de uma faixa de proteção com um afastamento

mínimo do limite da zona industrial às zonas residenciais, de 3


equipamento e de habitações de 50 m;

− Para as zonas existentes, nos caos em que seja possível, a localização

de indústrias da classe B ficará condicionada aos lotes que permitam

afastamentos de pelo menos 50 m a qualquer habitação ou

equipamento público;

− Prever a existência de uma cortina arbórea em torno das zonas

industriais que ocupe pelo menos 60% da faixa referida na alínea p).

5. O Loteamento do Parque Empresarial de ….foi objeto de 9 alterações (7

delas nos termos do n.º 8 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de

dezembro, na sua redação atualizada, isto é, aprovadas por simples

deliberação da Câmara Municipal, com dispensa de quaisquer outras

formalidades, e 2 delas procedidas de consulta pública).

6. As bases urbanísticas gerais deste loteamento e as disposições especificas

aplicáveis a cada lote que se encontram atualmente em vigor são as que

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resultam do 9.º Aditamento ao Loteamento do Parque Empresarial de

……, nos termos da deliberação da Câmara Municipal de 1 de fevereiro

de 2019.

7. Tendo em consideração a 1.ª Revisão do Plano Diretor Municipal de …..,

a área correspondente ao Loteamento do Parque Empresarial de ……

insere-se, nos termos da Carta de Ordenamento, em Solo Urbano,

Urbanizado, Espaços de Atividades Económicas (as quais correspondem

a espaços destinados a Indústria, Armazenagem e Serviços).

8. No que se refere ao regime de edificabilidade, determina o artigo …..º do

Regulamento do Plano Diretor Municipal que as intervenções devem

cumprir as seguintes exigências:

− O índice máximo de ocupação do solo é de 80%;


4
− A altura máxima da fachada é de 12 metros, com exceção das

instalações técnicas;

− O número de pisos abaixo da cota de soleira é de 2.

− No que se refere aos afastamentos mínimos da construção aos

limites do lote ou parcela devem ter as seguintes características:

− O recuo é de 5 metros;

− O afastamento lateral é de 5 metros, exceto as situações de

unidades germinadas ou em banda;

− O afastamento posterior é de 8 metros.

− A área destinada a habitação para os encarregados e pessoal afeto

à vigilância, dentro da mesma parcela e com acesso único, não pode

ser superior ao menor dos seguintes valores:

− 10% da área total de construção do edifício;

− 140 m2.

9. De acordo com informação técnica datada de 9 de outubro de 2019 da

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autoria do Senhor Arquiteto ……, uma vez que o índice de ocupação de

solo é mais vantajoso no Plano Diretor Municipal de 2015 do que era na

versão de 1999, é teoricamente possível uma alteração ao loteamento do

parque Empresarial de modo acolher ampliação ilegalmente realizada

(quer quanto aos usos quer quanto à edificabilidade). De todo o modo,

como se refere nessa informação, poderá para o efeito haver necessidade

de o promotor do pedido de alteração ter de adquirir área remanescente

arborizada de domínio privado municipal, como forma de acautelar os

requisitos, nomeadamente no que se refere a afastamentos.

10. Alude ainda a referida informação técnica que caso tal alteração da licença

de operação de loteamento venha a ser desencadeada, terá de ser

assegurado o cumprimento dos parâmetros de dimensionamento de

estacionamento, áreas para espaços verdes e de utilização coletiva, 5

infraestruturas e equipamentos de utilização coletiva (artigo …..º e …...º

do Regulamento do Plano Diretor Municipal), devendo ainda ser

precedida de consulta pública nos termos do disposto no n.º … do artigo

…...º do mesmo Regulamento.

11. É igualmente referido, na informação técnica a que nos vimos reportando,

como opinião do autor, que “qualquer alteração à licença de operação de

loteamento com aumento de área de implantação e construção, embora de

iniciativa privada, deveria ser proporcional aos demais lotes, no sentido de

assegurar o equilíbrio urbano do respetivo loteamento, cabendo essa mesma

decisão à Câmara Municipal”.

12. Ainda que, dada a escassez de elementos, não é conclusivo que a alteração

à licença de operação de loteamento possa ser manifestamente viável

(atendendo aos circunstancialismos elencados), o referido parecer técnico

conclui no sentido de ser notificada a empresa ……Lda, para dar início a

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um procedimento de alteração da operação de loteamento (fixando-lhe

um prazo para o efeito) e, consequentemente apresentado um projeto de

legalização da ampliação realizada ilegalmente.

B. CONSULTA
Considerando o que foi referido (e defendido) no Parecer Técnico de 19 de

outubro de 2019, da autoria do Senhor Arquiteto ……., foi-nos solicitada a

emissão de um Parecer jurídico no sentido de se saber se, dentro dos

pressupostos elencados, é razoável ou não notificar a empresa no sentido de dar

início à alteração da operação de loteamento ou se deverá a Câmara Municipal,

pelo contrário, notifica-la, na pessoa do seu legal representante, da intenção de

ordenar a demolição das obras executadas ilegalmente, nos termos do disposto

no artigo 106.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua redação


6
atualizada, concedendo-se o prazo de 15 dias para pronunciar sobre o conteúdo

da mesma.

C. PARECER

Razão de ordem

De modo a fornecer uma resposta cabal à questão que nos vem colocada na

Consulta, iniciaremos o nosso percurso qualificando a situação em apreço como

uma situação ilegal para efeitos da adoção de medidas reposição da legalidade

urbanística. Com efeito, em causa está a realização de uma obra de ampliação de

um edifício localizado num lote por um lado, sem o desencadeamento do

necessário procedimento de controlo municipal e, por outro, em violação das

prescrições para ele previstas na licença de loteamento em vigor (1.).

Identificada, assim, a presente situação com uma ilegalidade (seja de ordem

formal ⎯ por falta do desencadeamento do procedimento adequado ⎯ seja de

caráter material ⎯ por violação das normas aplicáveis), coloca-se a questão de

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saber quais as medidas de reposição da legalidade urbanística adequadas,

sabendo que a demolição é sempre a medida de última instância (ainda que, em

muitos casos, a única medida) e a legalização a via alternativa (que se impõem

nos casos em que estão verificados os respetivos pressupostos). Tendo presente

este facto, o que faremos de seguida, depois de caraterizada a situação como uma

ilegalidade, é: enumerar as medidas de reposição da legalidade que podem ser

mobilizadas e os respetivos pressupostos, particularmente os pressupostos para

a legalização em alternativa à demolição e os pressupostos em que esta (a

demolição) é a via que se impõe (2.1.), e analisar a solução que vem apresentada

para a reposição da legalidade na situação concreta ⎯ que passa pelo

desencadeamento prévio de uma alteração à licença de loteamento nos termos e

pressupostos que constam da informação técnica emitida em 9 de outubro de

2019 (2.2.). 7
Desta análise resultará a resposta à questão colocada na consulta: se se

concluir que aquela primeira solução é viável, deve o interessado ser notificado

para dar início a um procedimento de legalização apresentando, em primeiro

lugar, uma alteração ao loteamento e, num segundo momento, um procedimento

de legalização da edificação erigida; caso se conclua que não é, deve ser-lhe

notificada uma proposta de demolição da ampliação ilegalmente realizada,

dando-lhe prazo para se pronunciar em sede de audiência prévia (3.).

1. Da caraterização da presente situação como uma ilegalidade

i. Como é sabido, o legislador elenca, no n.º 1 do artigo 102.º do Regime

Jurídico da Urbanização e Edificação (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de

16 de dezembro, doravante RJUE) as situação consideradas de ilegalidade que,

por esse motivo, podem ser objeto, precisamente, de medidas de tutela ou de

reposição de legalidade urbanística. Nesse elenco temos situações de ilegalidades

formais ⎯ que não obtiveram à data da sua prática o ato de controlo preventivo

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exigido ou a respetiva comunicação prévia ⎯, como de ilegalidades materiais ⎯

que redundam na violação de normas substantivas.

É possível, ainda, que uma mesma situação revele estes dois tipos de

ilegalidades: é o caso, por exemplo, de uma construção sem o desencadeamento

do procedimento exigível e, ademais, em desconformidade com o disposto no

plano diretor municipal ou a licença de loteamento aplicável.

O artigo 102.º do RJUE merece algumas precisões.

a. Em primeiro lugar, o conceito de ilegalidade que dele consta é distinto do

de conceito de invalidade: este pressupõe a prática de um ato por parte da

Administração em desconformidade com as normas jurídicas que o regulam, o

que pareceria ter sempre como consequência a existência de uma ilegalidade para

efeitos do disposto no artigo 102.º. Porém, nos casos de mera anulabilidade sem

que tenha havido anulação no prazo previsto para o efeito (sendo que agora o 8

prazo de anulação judicial é distinto do prazo de anulação administrativa) não

se pode falar de uma ilegalidade subsistente, que justifique o recurso a medidas

de reposição de legalidade. Neste caso, tendo-se consolidado o ato na ordem

jurídica, a sua validade e, também a sua legalidade, não podem ser colocadas em

causa.1 Assinale-se que uma ilegalidade fundada numa situação de invalidade

merece um tratamento jurídico particular, dada a boa-fé que, em regra, é

depositada pelo destinatário na validade do ato de licenciamento praticado. Por

isso, além de uma eventual indemnização, há formas de extração de efeitos dos

atos nulos ⎯ como as previstas no artigo 69.º, n.º 4, do RJUE e no artigo 162.º, n.º

3, do CPA ⎯ que não estão previstas, nem faz sentido estarem, para as meras

1Nas situações em que haja uma ilegalidade fundada numa invalidade do ato (seja uma
anulabilidade, seja uma nulidade) terá, previamente à adoção de medidas de reposição da
legalidade, de se desencadear o respetivo procedimento de segundo grau ou judicial destinado a
afastar o ato da ordem jurídica. Apenas após a anulação (anterior revogação por invalidade) ou
declaração de nulidade poderão ser legitimamente desencadeados estes procedimentos de
medida de tutela da legalidade, como resulta da alínea c) do n.º 1 do artigo 102.º do RJUE.

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situações de ilegalidade que não se fundam num ato administrativo praticado

pela administração.

b. Em segundo lugar, a ilegalidade também não se confunde com a ineficácia,

apesar de os dois conceitos entretecerem relações entre si. Um licenciamento ou

comunicação que não sejam eficazes podem gerar uma situação de ilegalidade,

dado que o ato ou atuação apenas potencialmente encerram a possibilidade de

legitimar a operação urbanística, mas sem que, todavia, enquanto não se der

cumprimento aos requisitos de eficácia, essa legitimação opere. Logo, uma

licença relativamente à qual não exista alvará pode, em última linha, conduzir à

adoção de uma medida de reposição de legalidade se, entretanto, a obra tiver

sido iniciada. O mesmo sucederá com uma comunicação prévia

desacompanhada do pagamento das taxas devidas.

É claro que, tratando-se de requisitos de eficácia e não de validade, será 9

sempre mais fácil enquadrar legislativamente a operação urbanística ilegalmente

levada a cabo. Pense-se, para o efeito, no conjunto de institutos que promovem a

“recuperação” ou o “prolongamento” da eficácia de atos administrativos ou

comunicações prévias: a prorrogação, o procedimento de declaração de

caducidade, as possibilidades de execução pelo município ou por terceiro e a

licença especial por obras inacabadas. Na verdade, só se todos estes mecanismos

falharem é que terá lugar a aplicação de medidas de reposição urbanística nos

casos vertentes.

ii. Considerando o que acabámos de afirmar, resulta claro da descrição da

situação de facto que aqui estamos a analisar que, no presente caso existe,

efetivamente uma ilegalidade. Porém, na medida em que não ocorreu a prática,

por parte da Administração Municipal, de qualquer ato administrativo, esta

ilegalidade não está relacionada com qualquer invalidade ou ineficácia de

decisões administrativas, a significar que tal ilegalidade é totalmente imputada ao

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interessado. Com efeito, este realizou a obra de ampliação sem que para tal tenha

desencadeado o procedimento legalmente exigido ⎯ o que significa que a

ampliação levada a cabo tem uma ilegalidade formal ⎯, mas também incumprindo

as normas aplicáveis e que, no presente caso, são as prescrições definidas na

licença e alvará de loteamento para o lote em apreço ⎯ o que significa, por

conseguinte, que tal ampliação contém também uma ilegalidade material.

Ainda que não exista, do ponto de vista substancial, uma diferença entre

estes dois tipos de ilegalidade (já que, formal ou material, a situação será sempre

de ilegalidade) é mais simples, como facilmente se percebe, a reposição da

legalidade nas situações em que esta é meramente formal do que nas situações

em que ela é de cariz material já que, neste último caso, se se pretender manter a

situação de facto tal como ela resultou da atuação ilegal, terá, em momento

anterior à legalização da edificação, de ter ocorrido a (ou de se proceder à) 10


alteração das normas que foram violadas, o que nem sempre se apresenta como

possível.

2. Das medidas de reposição da legalidade adequadas ao caso

2.1. Das medidas em abstrato

Concluindo, como concluímos no ponto anterior, que estamos aqui perante

uma situação de ilegalidade totalmente imputável ao interessado, várias são as

medidas enumeradas no artigo 102.º, n.º 2 do RJUE que abstratamente se

posicionam como possíveis para que a legalidade possa ser reposta.

Logo à partida, e como soluções que se colocam em lados radicalmente

opostos da lista das medidas mobilizáveis, temos de um lado a legalização da obra

“tal qual foi realizada” e de outro, a sua demolição integral. Entre estes dois polos,

são várias as alternativas que existem: legalização parcial, demolição parcial,

realização de obras de correção2, etc. etc.

2 De facto, mesmo nas situações de operações urbanísticas realizadas em desconformidade

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É certo que, entre nós, a demolição, embora sempre adequada a repor a

legalidade, por a eliminar, nem sempre pode ser mobilizada. E isto porque, sendo

ela, de todas, a medida mais gravosa, o princípio da proporcionalidade exige que

a sua mobilização apenas funcione em última instância. É isso que decorre, de

forma expressa, do n.º 1 do artigo 106.º do RJUE (de acordo com o qual a

mobilização da demolição depende de não ser possível assegurar a conformidade

da operação ilegalmente realizada com as disposições legais e regulamentares

que lhe são aplicáveis) e do n.º 1 do artigo 102.º-A do RJUE, segundo o qual a

Câmara Municipal deve notificar o interessado para a legalização, caso conclua,

preliminarmente, pela suscetibilidade de assegurar a sua conformidade com as

disposições legais e regulamentares em vigor, fixando um prazo para o efeito.

É esta análise preliminar que consta, no presente caso, da informação

técnica datada de 9 de outubro de 2019 da autoria do Senhor Arquiteto …., que 11


conclui preliminarmente (e de forma abstrata, por não se estar a pronunciar sobre

um projeto concreto) pela possibilidade, em face das normas em vigor, de a

legalização da ampliação talqualmente foi realizada ser alcançada por via de uma

alteração ao loteamento.

Para podermos fornecer uma resposta adequada às questões da consulta,

impõe-se analisar, com mais pormenor, esta solução, que nos merece algumas

reflexões.

2.2. Da alteração ao loteamento como solução (abstratamente) adequada e

respetivos pressupostos

A possibilidade de se proceder a uma alteração a um loteamento para, dessa

forma, permitir legalizar uma obra realizada num dos lotes que não cumpriu as

prescrições que para ele estavam definidas é, efetivamente, uma via possível.

com as regras de ordenamento em vigor, tal não implica que as mesmas sejam, objetivamente,
ilegalizáveis, uma vez que poderá sempre haver lugar uma conformação da situação de facto com
a de direito, através, por exemplo, da realização de trabalhos de correção e de alteração.

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Com efeito, embora os loteamentos tenham uma natureza e efeitos próximos

dos instrumentos normativos ⎯ por isso lhe reconhece a Procuradoria-Geral da

República natureza normativa traduzida nas especificações obrigatoriamente

fixadas para a edificação em cada lote3 ⎯ os mesmos correspondem a atos

administrativos que, tal como os planos, podem ser objeto de modificação.

Porém, ao contrário do que sucede com os instrumentos de planeamento ⸺ que

se apresentam como instrumentos exclusivamente de iniciativa e

responsabilidade públicas, estando, por isso, funcionalizados à prossecução de

interesses públicos4 ⸺, o mesmo não sucede com as operações de loteamento,

que são, em regra, de iniciativa privada e, mesmo quando não o sejam, são

aprovados numa lógica de mercado (visam a criação de lotes destinados a serem

disponibilizados e transacionados neste), estando, por conseguinte,

funcionalizados às suas necessidades. Assim se percebe que sempre que as 12


necessidades do mercado (necessidades dos operadores privados) se alterem, as

prescrições dos loteamentos possam ser correspondentemente modificadas para

lhes dar resposta.

É por este motivo que os vários diplomas legais que sucessivamente

regularam o regime dos loteamentos urbanos sempre disciplinaram a sua

alteração: não estando verificados os pressupostos, mais excecionais, do artigo

48.º do RJUE (alteração para execução de um plano entrado em vigor em

momento posterior à aprovação do loteamento), tal alteração terá de obedecer ao

3 Cfr Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 33/2016, publicada no Diário da


República, 2.ª série, N.º 116, de 19 de junho de 2017, 5.ª conclusão.
4 Isto significa que será mais difícil, ainda que não seja impossível, alterar um plano para

regularizar uma situação que foi realizada em desconformidade com ele, do que alterar um
loteamento com as mesmas intenções. Se nada impede, do ponto de vista jurídico, a alteração a
um loteamento para posteriormente realizar uma operação que não estava prevista de acordo
com as suas prescrições iniciais, nada impedirá que, caso esta operação já tenha sido realizada, se
proceda à alteração ao loteamento em momento posterior com a intenção de a regularizar. E para
essa alteração (antes ou depois da realização da operação) ser possível bastará que os normativos
em vigor no momento da alteração ao loteamento o permitam.

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disposto no artigo 27.º do RJUE, que admite alterações por iniciativa dos interessados,

considerando-se como tal, para este efeito, todos aqueles que sejam titulares de

direitos que lhes permitam realizar a alteração pretendida, designadamente,

como é mais comum, os proprietários dos lotes.

Afigura-se, assim, genericamente admissível que o proprietário de um lote

desencadeie um procedimento de alteração às especificações do loteamento que

lhe são aplicáveis, sem que tenha de apresentar para o efeito qualquer justificação

acrescida; fundamental é que tal alteração cumpra as normas em vigor no

momento em que se pretende realizar a alteração.

É por assim ser que a informação técnica datada de 9 de outubro de 2019

aponta a alteração ao loteamento como uma via possível para a regularização da

obra ilegalmente realizada no lote B3, ainda que perspetive alguns problemas

que se prendem, precisamente, com a necessidade do cumprimento das regras 13


aplicáveis. É justamente por a ampliação ilegalmente realizada poder estar em

desconformidade com as novas regras de planeamento (estamos a pensar

especificamente, nas regras relativas aos afastamentos posteriores das

edificações), que o referido parecer técnico afirma que a alteração poderá ter de

passar pela necessidade do interessado “adquirir área remanescente arborizada de

domínio privado municipal, como forma de acautelar os requisitos, nomeadamente no que

se refere a afastamentos”.

Uma vez que a alteração que aqui vem pressuposta incidirá sobre parcelas

cedidas ao município no âmbito do presente loteamento, a solução apontada

pressupõe que sobre ela sejam feitas algumas considerações complementares.

Desde logo, coloca-se a questão de saber se as parcelas cedidas ao município

para as finalidades previstas no artigo 43.º do RJUE podem ser objeto de alteração

e, em caso afirmativo em que condições.

Refira-se, desde já, que o artigo 27.º do RJUE permite alterações aos

loteamento por iniciativa dos interessados, sendo que, por interessados se

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consideram tanto os particulares proprietários dos lotes como a própria câmara

municipal relativamente a lotes ou parcelas de que o Município seja proprietário

no âmbito do loteamento.5 Não estando aqui em causa os pressupostos do artigo

48.º, mas admitindo-se que a Câmara Municipal possa promover, em relação a

lotes/parcelas que lhe pertençam alterações a um loteamento, tem tal alteração de

se sujeitar às exigências previstas no artigo 27.º destinadas a proteger a confiança

terceiros adquirentes de lotes (concretamente, a exigência de que não “exista

oposição escrita dos titulares da maioria da área dos lotes constantes do alvará” e a

sujeição a discussão pública quando a mesma esteja prevista em regulamento

municipal ou quando sejam ultrapassados alguns dos limites previstos no n.º 2

do artigo 22.º do RJUE).

Esclareça-se que esta alteração também pode incidir sobre parcelas que, no

âmbito de um loteamento, tenham sido cedidas para o domínio público 14


municipal e não apenas para o seu domínio privado6, posto se garanta, em

qualquer dos casos, que ainda assim o loteamento cumpre os parâmetros de

dimensionamento das áreas destinadas a usos coletivos que, nos termos da lei,

tenham de ser cumpridas (neste sentido aponta também a informação técnica de

9 de outubro de 2019).

É isso que decorre, a título de exemplo, do Acórdão do Supremo Tribunal

Administrativo de 9 de julho de 1996, proferido no processo 031321: nos termos

desta decisão judicial, o ato de alteração pode permitir que sejam retiradas do

domínio público parcelas de terrenos que, de acordo com a conceção urbanística

da operação de loteamento inicial, aí haviam sido integradas, desde que tal

5As parcelas de que o município é proprietário no âmbito de um loteamento são aquelas


que nesse âmbito lhe são cedidas ao abrigo do artigo 44.º do RJUE e que tanto podem integrar o
seu domínio público como o seu domínio privado. Sobre a consideração do Município como
interessado na alteração de um loteamento, cfr. Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira
Neves, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação. Comentado. Coimbra, Almedina, 4.ª Edição,
comentário 5. ao artigo 27.º.
6 Cfr. Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Regime Jurídico da

Urbanização e Edificação. cit., comentário 8. ao artigo 27.º.

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cedência deixe de se justificar perante o novo projeto (de alteração) e desde que

o loteamento, resultante da alteração, continue a cumprir as exigências de

dimensionamento de áreas para fins coletivos.7-8

Quanto à solução apontada na informação técnica de 9 de outubro de 2019

a que nos vimos referindo ⸺ de ser “anexada” a um lote privado uma parte de

uma parcela que havia sido cedida ao domínio municipal ⸺, cumpre fazer

algumas precisões.

Em primeiro lugar, e como resulta óbvio, esta alteração, por questões de

legitimidade, apenas pode ser feita se o Município com isso concordar, o que

significa que esta solução tem de ser prévia e devidamente ponderada pela

Câmara Municipal e apenas pode ser apresentada ao interessado como uma

possibilidade para efeitos de legalização da ampliação ilegalmente realizada se

tal órgão tiver antecipadamente concluído pela sua viabilidade. 15


Ou seja, e dito de outro modo, apenas deve notificar-se o interessado para

vir apresentar um pedido de alteração ao loteamento que pressuponha um

aumento do lote à custa de uma parcela municipal caso o Município tenha já

concluído, de uma ponderação prévia, que tal é viável. A esta questão voltaremos

no ponto seguinte do presente parecer, por tal se apresentar como relevante na

resposta à questão que nos foi colocada.

Em segundo lugar, e caso exista viabilidade nesta solução, coloca-se a

questão da forma da sua concretização. Ora, quanto a nós, existindo acordo entre

7 Neste sentido cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de outubro de


1999, processo 044 470 (cfr. a nossa anotação a este acórdão “Cedências para o domínio público e
alterações a loteamento: como conciliar?”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 21, maio/junho,
2000).
8 Quanto à competência para a redefinição das cedências para o domínio público no âmbito

das alterações ao loteamento consideramos desnecessária a intervenção da assembleia municipal.


Neste sentido vide o nosso “Competências dos órgãos municipais na gestão de bens dominiais
integrados em loteamento: breves considerações”, in Revista das Assembleias Municipais e dos
Eleitos Locais, AEDREL, n.º 15, julho/setembro de 2020. Não interessa, porém, desenvolver aqui
esta questão uma vez que a parcela municipal que integra o caso em apreço é do domínio privado
do Município.

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Professora da Faculdade de Direito de Coimbra

o Município e o proprietário do imóvel, pode tal “anexação” ser feita no âmbito

da mesma alteração ao loteamento: conforme consta do Parecer do Conselho

Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado, Proc. R.P. 106/2008 SJC-CT: “3

– Decorrendo dos documentos juntos ao procedimento de licenciamento da alteração da

operação urbanística e do próprio licenciamento o acordo de vontades entre o município e

o proprietário dos lotes envolvidos naquele pedido de licenciamento quanto à transmissão

da parcela de terreno em causa, o aditamento ao alvará de loteamento constituirá título

não apenas do licenciamento da alteração da transformação fundiária, mas também da

desafectação do domínio público e da transmissão da parcela de terreno do município para

o proprietário dos lotes”.

Considerando o que decorre deste Parecer do Conselho Técnico do Instituto

dos Registos e do Notariado, neste caso o procedimento a desencadear passará

por: 16

1.º avaliar a parcela e saber quanto custa;

2.º desencadear o procedimento de alteração por iniciativa conjunta da câmara

e do interessado, devendo resultar de forma clara, das peças que integram

o processo, o que “sai” do domínio municipal e, concomitantemente,

“entra” no lote, explicitando a solução final;

3.º cumprimento das exigências constantes do n.º 3 do artigo 27.º do RJUE;

4.º aprovação da alteração pela câmara municipal.

Esta solução torna desnecessária a celebração de um negócio jurídico de

compra da parcela municipal por parte do interessado, mas não significa que a

incorporação desta parcela no lote privado seja gratuita: não só não o é como não

o pode ser. Por isso deve ser feita uma avaliação da parcela, determinando o valor

a pagar pelo proprietário do lote e por isso se afirma no Parecer do Conselho

Técnico do Registo e Notariado antes referido que “6- A alteração da transformação

fundiária inicial que implique a deslocação de parcela de terreno do município para o

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proprietário dos lotes envolvidos (…) é facto tributário sujeito a IMT cuja qualificação

compete à administração tributária.”

3. A solução adequada ao caso: o que deve ser notificado ao interessado?

Identificada, assim, a alteração ao loteamento, como uma solução

juridicamente adequada à legalização da ampliação realizada, estamos em

condições de responder à questão colocada na consulta. Vejamos, então.

Como referimos supra, n.º 1 do artigo 102.º -A do RJUE determina que a

Câmara Municipal deve notificar o interessado para a legalização, caso conclua,

preliminarmente, pela suscetibilidade de assegurar a sua conformidade com as

disposições legais e regulamentares em vigor, fixando um prazo para o efeito.

É esta análise preliminar (sobre a viabilidade de legalização) que consta da

informação técnica datada de 9 de outubro de 2019 da autoria do Senhor

Arquiteto ……, que conclui (de forma abstrata, por não se estar a pronunciar 17

sobre um projeto concreto9) pela possibilidade, em face das normas em vigor, de

a legalização da ampliação talqualmente foi realizada ser alcançada por via de

uma alteração ao loteamento.

Não é feita nessa informação uma análise pormenorizada da possibilidade

de legalização parcial da referida ampliação ⎯ o que compreendemos porque se

existe uma possibilidade de permitir a manutenção da obra tal qual foi realizada,

é a essa possibilidade que deve ser dada particular relevância, sem prejuízo de o

interessado, quer por opção própria quer perante as dificuldades que possam

surgir no procedimento de alteração do loteamento, poder optar por outra

solução de reposição de legalidade (designadamente, a realização de obras de

correção ou demolições parciais, se tal for possível).

9O que a lei exige, efetivamente, é apenas e somente uma análise preliminar, na medida em
que não existe nesse momento um qualquer projeto concreto sobre o qual a Câmara Municipal se
esteja a pronunciar, projeto esse que depende sempre da vontade do interessado (isto é, que
traduza exatamente aquilo que ele quer legalizar e como o quer fazer).

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Ou seja, estando em causa, na presente situação, uma ampliação ilegalmente

realizada que não cumpre ou excede as exigências aplicáveis (que são as

prescrições do loteamento), mas sendo perspetivada a possibilidade de

superação de tal ilegalidade por via da alteração de tais exigências (no caso, a

alteração ao loteamento), deve ser dada ao interessado a oportunidade de vir

regularizar a situação através do desencadeamento desse mesmo procedimento,

notificando-o para tal. Apenas julgamos que a informação técnica a que nos

vimos referindo deveria ser mais clara no sentido de saber se a alteração ao

loteamento é em exclusivo a única via possível e a única mobilizável (é isso que dela

inferimos) ou se existem outras soluções, ainda que conjugadas com a alteração

ao loteamento ⎯ que apenas pode ser permitida se a alteração cumprir as regras

de planeamento atualmente em vigor ⸺, por exemplo, alterando o loteamento

para aumentar as áreas de construção e de implantação permitidas, e procedendo 18


à demolição parcial do edificado, para dar cumprimento aos afastamentos

exigidos no Plano Diretor Municipal.

O que aqui referimos é relevante porque a notificação ao interessado para vir

legalizar a ampliação por via de uma alteração ao loteamento não é mais do que

a indicação de que essa é uma via possível e não a garantia de que ela será

alcançada, até porque o seu sucesso está dependente de fatores externos à

vontade da Camara Municipal (como o comprova, a título de exemplo, a

exigência do n.º 3 do artigo 27.º do RJUE) e está, sobretudo, dependente da

vontade do interessado e do concreto projeto que ela venha apresentar para

efeitos de legalização.

De todo o modo, porque a legalização é um procedimento de iniciativa dos

interessados (à exceção das legalizações oficiosas que não têm aqui aplicação) ⎯

o que significa que estes têm de dar início a um procedimento especificamente

desencadeado para o efeito com a apresentação dos concretos projetos relativos

às operações a legalizar ⎯, não se pode exigir da Câmara Municipal, na

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apreciação preliminar que deve fazer sobre a viabilidade de legalização da

operação, uma tomada de posição definitiva quanto à decisão final que será

tomada. O que dela deve resultar de forma clara, e é isso que deve ser notificado

ao interessado, é a concreta posição em que este se encontra: ou a total

impossibilidade de legalizar a construção nos termos em que foi erigida ou a

possibilidade dessa legalização, pelo menos, em certas circunstâncias (por

exemplo, indicando a necessidade de desencadear e levar até ao fim um

procedimento de alteração ao loteamento ou indicando, de forma clara, as

normas aplicáveis, designadamente as do atual Plano Diretor Municipal, de

modo a permitir ao interessado perceber se existem aspetos que, não podendo

ser resolvidos por via da alteração do loteamento, implicam alterar o edificado).

Tudo aspetos fundamentais para que o interessado pondere devidamente o

pedido de legalização que deve apresentar. 19


Ora, em nossa opinião, a informação técnica datada de 9 de outubro de 2019

contém todos estes elementos, embora nele se suscite uma questão ⸺ a que já nos

referimos supra ⸺, que terá de ser devidamente ponderada e decidida antes de

determinar exatamente o que notificar ao interessado.

Trata-se da questão da disponibilidade da Câmara Municipal para permitir

o “aumento do lote” à custa de uma parcela do seu domínio privado, o que

pressupõe que este órgão faça desde já, e preliminarmente, por um lado, uma

ponderação de ordem patrimonial (já que tal alteração pressupõe a alienação

direita a um privado de um bem que integra o seu património) e, por outro lado,

uma ponderação de ordem urbanística, cujos termos resultam da informação

técnica referida. Com efeito, aí se afirma “enquanto opinião, entendo que qualquer

alteração à licença de operação de loteamento com aumento de área de implantação e

construção, embora de iniciativa privada, deveria ser proporcional aos demais lotes, no

sentido de assegurar o equilíbrio urbano do respetivo loteamento, cabendo essa mesma

decisão à Câmara Municipal”.

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Se atentarmos na planta de síntese do loteamento, percebe-se a chamada de

atenção que consta desta informação: o aumento do lote B3 sem o concomitante

aumento dos restantes lotes que lhe são contíguos do mesmo lado da rua, terá

consequências do ponto de vista da “harmonia” do desenho urbano deste

loteamento; a integração urbanística, que consta do artigo 24.º do RJUE como um

motivo de indeferimento de pedidos relativos a operações urbanísticas, permite,

efetivamente, que este tipo de juízo esteja subjacente à decisão que o município

venha a tomar.

Note-se que a alteração dos restantes lotes não pode ser imposta aos

respetivos proprietários (que podem não estar interessados em ter um lote maior,

até porque tal tem implicações em termos de despesas: as que decorrem da

aquisição de mais área e do pagamento dos impostos associados); nem pode uma

alteração levada a cabo conjuntamente entre o Município e o proprietário do lote 20


B3 alterar os restantes lotes (quanto mais não seja, por falta de legitimidade).

Assim, e em relação a esta situação, das duas uma: ou bem que a Câmara

Municipal conclui desde já que o aumento da parte posterior do lote não afeta

manifestamente, o enquadramento urbanístico do loteamento, o que torna a

solução da sua alteração, nos termos previstos na informação técnica, viável10; ou

bem que considera que tal aumento tem claras e inequívocas implicações no

enquadramento e desenho urbanísticos do loteamento o que torna a solução

proposta (de fazer aumentar o lote B3 à custa de uma parcela municipal integrada

no loteamento) inviável.

Tendo em consideração o que acabamos de referir, dúvidas não restam de

que o juízo sobre viabilidade de legalização da operação por via da alteração ao

loteamento a ser notificado ao interessado pressupõe que a Câmara Municipal

avalie e decida, desde já, preliminarmente, quer quanto à sua disponibilidade

Esta solução apenas será possível caso se conclua que esta alteração ao loteamento
10

cumpre ainda assim, as normas em vigor.

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para permitir o aumento do lote à custa de parcelas municiais quer quanto à

solução urbanística que daí decorre. Caso conclua em sentido positivo, torna-se

viável, em abstrato, a alteração ao loteamento como via possível para a

legalização da ampliação efetuada, devendo o interessado ser notificado dessa

possibilidade, sendo-lhe dado um prazo para que dê início ao respetivo

procedimento. Consideramos também, por uma questão de celeridade

procedimental, que da referida notificação deve constar ainda, expressamente, a

determinação de que, caso o interessado não dê cumprimento ao que lhe foi

comunicado (de dar inicio a um procedimento de alteração ao loteamento) será

promovida a medida de tutela de legalidade que se impõe nesse caso, a

demolição, o mesmo acontecendo ou, caso o procedimento de alteração tenha

sido efetivamente desencadeado mas se venha a revelar, afinal, inviável (pense-

se na hipótese de haver a oposição a que se refere o n.º 3 do artigo 27.º do RJUE). 21


Caso a Câmara Municipal conclua já, preliminarmente, pela sua

indisponibilidade para permitir o aumento do lote à custa de parcelas municiais

ou pelo desenquadramento urbanístico que resulta da ampliação de apenas um

dos lotes, deve ainda ser feita uma avaliação sobre se, mesmo sem o aumento do

lote é, ainda assim, possível haver legalização, ainda que com alteração do

edificado (por exemplo eliminando parte da ampliação). Se for o caso, a solução

é a mesma que antes apontamos: deve o interessado ser notificado sobre a

viabilidade de legalização da ampliação efetuada nesses termos (isto é, com

diminuição da área ampliada). Se não for o caso, deve então ser comunicado ao

interessado que, em face dos elementos disponíveis, a legalização da ampliação

legalizada não se mostra viável, devendo o interessado ser notificado de uma

proposta de demolição com prazo para pronuncia em sede de audiência dos

interessados (artigo 106.º do RJUE).

Este é, salvo melhor, o nosso Parecer

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