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DO TERRITÓRIO E DO URBANISMO
RESUMO
Uma das vertentes da diferenciação básica do sistema consagrado na LBOTU em vigor assenta na
lógica de “cascata” ou seja, no encadeamento linear do processo de planeamento balizado por
diferentes escalas de aproximação à realidade (ainda que esta cadeia muitas vezes seja invertida).
Por outro lado, verificando-se, na prática, que todas as escalas de planeamento podem conter
dimensões mais estratégicas, conceptuais, prospectivas e por isso abertas e não vinculativas do uso
do solo e que, complementarmente, todas as escalas podem também exigir a focalização em torno da
acção / concretização, mais ou menos imediata, constata-se que o edifício de instrumentos
actualmente erigido não dá resposta às necessidades específicas da realidade.
O que esta comunicação pretende questionar é, considerando o sistema de avaliação dos planos
instituído, até que ponto a lógica actualmente consagrada dá garantias ao processo de tomada de
decisão, tanto ao nível da flexibilidade e abertura necessárias à reflexão estratégica e à dinâmica de
transformação do território, como ao nível da gestão do risco inerente à concretização física das
opções que os instrumentos de planeamento contêm.
Em função do tempo disponível para a comunicação, poderão ser apresentados exemplos práticos
que ilustram algumas das dificuldades e soluções adoptadas para contornar o actual sistema.
COMUNICAÇÃO
1. Introdução
Mesmo quando a dinâmica temporal de planeamento conduz à inversão desta cadeia, o modelo
dominantemente vertical de abordagem do território permanece intacto e subsiste a sujeição à
lógica de “zoom” de cima para baixo, salvaguardando os diferentes níveis de gestão do interesse
público e a natureza específica da decisão em cada um destes níveis. Esta lógica assenta no
princípio de que aos níveis superiores desta “cascata” cabe a reflexão de natureza estratégica
não directamente associada à intervenção e à vinculação do uso do solo e no seio da qual se
consensualizam as opções fundamentais relativas aos diferentes sectores da actividade
governativa do Estado e às grandes redes estruturantes da organização do espaço nacional,
enquanto os níveis mais próximos da base da pirâmide devem atender à verdadeira gestão de
direitos e deveres ou seja, ao confronto entre interesses basicamente divergentes que actuam
localmente.
Ora, da prática de planeamento emergem situações em que tem vindo a verificar-se que este
sistema em “cascata” não assegura a resposta às necessidades de minimização do risco inerente
a certas opções com tradução territorial. A tomada de decisão, tanto em escalas superiores como
locais, cada vez tolera menos o risco de desconhecimento da realidade e obriga ao
aprofundamento dos conhecimentos e visitação de informação própria de escalas inferiores.
Efectivamente, por vezes e mesmo quando se trata de um nível de decisão de escala macro, o
imperativo de contacto com a realidade que a intervenção no território exige, implica a adopção
de uma lógica “boomerang” ou seja, que integre uma aproximação em vai-vem à realidade, por
forma a minimizar o risco da decisão estratégica. Isto é verdade, em qualquer escala, sempre que
a informação de carácter físico se constitua como factor crítico da decisão, o que acontece
frequentemente.
Inversamente, muitas vezes em escalas micro não é possível, nem desejável, fixar disposições
que não admitem qualquer plasticidade à tomada de decisão. Ou seja, mesmo quando se dispõe
de informação física muito aproximada à realidade mas não é possível conhecer com precisão a
estratégia dos principais actores desse território, torna-se recomendável adoptar uma abordagem
em dois eixos: a definição fechada dos elementos estruturantes da solução e, em paralelo, uma
abordagem ilustrativa, aberta e não vinculativa, que permita acolher modelos vários de ocupação.
Ainda que hoje a simplificação dos mecanismos de revisão dos instrumentos de planeamento
vise dar resposta a este constrangimento, há que reconhecer que, mais que escalas diferentes,
existem tipologias de reflexão sobre o território que variam basicamente segundo a sua maior ou
menor proximidade à intervenção física. Esta diferenciação coloca-nos perante um paradoxo que
constitui, hoje, o principal desafio que se impõe a uma tentativa de reflexão sobre o sistema de
planeamento vigente: por um lado, a margem de tolerância à incerteza associada à tomada de
decisão é crescentemente reduzida, tanto no sector público como privado, requerendo um cada
vez maior domínio dos efeitos ambientais, socioeconómicos, técnicos e financeiros que a
concretização dos instrumentos de planeamento induz; por outro lado, a dinâmica de
transformação das estratégias de actuação no território é também cada vez mais acelerada,
exigindo uma flexibilidade ao seu enquadramento que, simultaneamente, não hipoteque os
diferentes interesses e valores que esse território encerra.
A explicitação deste paradoxo e o enunciar de algumas pistas de reflexão para o futuro é o que
se pretende com esta comunicação. Genericamente, centramo-nos na preocupação em torno da
crescente exigência que pende sobre a tomada de decisão político-administrativa por via da
complexidade cada vez maior do modelo socioeconómico em que nos inserimos, marcado por
uma competitividade nunca vista e uma consciência relativa à escassez dos recursos e ao
imperativo de sustentabilidade bem como pelo reforço da percepção da opinião pública sobre a
matéria, tendencialmente mais informada e consistente.
Exemplos:
Em torno da opção entre cenários alternativos de rede rodoviária composta por três itinerários
complementares (IC6, IC7, IC37), a realizar à escala 1/ 250 000, foi necessário estudar
soluções de corredor a 1/ 25 000, por um lado, sendo que para a decisão final se revelou
fundamental a utilização de um vai-vem de escalas de trabalho, bastante profícua, na procura
do eixo rodoviário ambientalmente menos impactante. Ainda assim, manteve-se uma margem
de incerteza considerável no tocante ao atravessamento da Serra da Estrela, a qual assentou
no desconhecimento relativamente às condicionantes geológicas, apenas sanável mediante
estudos especializados e que, teremos que o admitir, pode ter prejudicado a decisão sobre o
cenário preferencial.
Na prática, ela tem-se traduzido no reforço dos conteúdos materiais dos instrumentos através da
realização de estudos complementares especificamente relacionados com as matérias em
análise (engenharia rodoviária, tráfego, geotecnia, engenharia ambiental, engenharia hidráulica,
etc.) e desenvolvidos às escalas em que é possível minimizar, em cada caso, o risco da tomada
de decisão. Esta questão remete-nos para o domínio emergente dos modelos de avaliação
antecipativa dos efeitos dos planos que carece de profunda análise no quadro do sistema de
planeamento.
Neste quadro, não poderá deixar de se referir também, ainda que só esta questão pudesse
originar uma reflexão com uma abrangência que não cabe na presente comunicação, a
relevância de assegurar, no âmbito dos processos de planeamento, modelos de participação que
aprofundem a responsabilidade cívica e se possam constituir como mais um dos contributos para
a consolidação e minimização do risco da tomada de decisão.
Conforme vimos, quando situados à escala macro dos instrumentos ditos de natureza estratégica,
o sistema apresenta as limitações referidas anteriormente, limitações que bloqueiam muitas
vezes a tomada de decisão por via da dificuldade de, àquela escala, aceder a informação
suficientemente robusta para suportar uma decisão de risco aceitável.
Quando situados à escala micro, e num contexto de não intervenção directa e imediata no
território, o sistema não dispõe de figuras que permitam a reflexão estratégica em torno de uma
visão de futuro de médio prazo, não vinculativa de direitos e obrigações, mas fundamental para a
avaliação da sua viabilidade e aceitação. O objecto deste ponto é o de discutir a possibilidade de
considerar figuras de pré-plano que contenham esta dimensão visionária e que, não vinculando
directamente os particulares, configurem já uma estratégia de intervenção.
Uma figura que a prática tem adoptado para responder a estas dificuldades é a dos estudos
estratégicos, elaborados antes da fase de plano (pré-plano) e que, contendo uma reflexão em
torno da visão e do modelo territorial para uma parcela do território urbano, permite definir os
Termos de Referência para o plano que se lhe segue e que irá enquadrar as intenções dos
particulares.
Exemplo:
Perante o paradoxo ditado pela dupla necessidade de minimizar riscos, por um lado, e ganhar
flexibilidade, por outro, o sistema de planeamento deveria repensar-se. Neste contexto, defende-
se que, para além da escala e natureza dos instrumentos de planeamento associados às
atribuições e competências dos órgãos responsáveis, há que introduzir no sistema uma lógica de
planeamento que, independentemente dessa diferenciação básica, responda simultaneamente
aos requisitos da “acção no território” e aos do “visionamento do território”.
Ou seja, haverá que diferenciar as figuras com base nas quais se vai suportar a decisão da
Administração e dos particulares, macro ou micro, das figuras de visionamento das possibilidades
de futuro, ainda afastadas da decisão/ intervenção e, nessa medida, eminentemente plásticas. A
introdução dos factores tempo e risco é, deste modo, essencial na diferenciação básica do
sistema de planeamento.