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Copa na África

E outro na Ásia, na América e na Europa. Conheça as incríveis histórias da diversidade


cultural na Copa.

por Marcelo Orozco

Copa de 1974. O Zaire, primeiro país da África negra a disputar o Mundial, enfrenta o Brasil. Aos
32 minutos do 2º tempo, uma falta perto da área zairense. O árbitro arruma a barreira do time
de camisa verde que estampa uma cabeça de leopardo enorme no peito. Quando ele apita, o
zagueiro Ilunga Mwepu sai correndo da barreira, se adianta a Rivellino, enche o pé e manda a
bola longe para espantar o perigo. Mwepu acreditava ser um herói. Pouco depois, a realidade:
como cobrança de falta não é questão de quem saca mais rápido, o zairense recebeu o cartão
amarelo.

O lance tornou-se símbolo das diferenças culturais que se manifestaram nas copas, competição
com países de diferentes níveis de desenvolvimento. Diferenças, é verdade, cada vez menores
com a globalização e o intercâmbio futebolístico. Em 1974, porém, quando o primeiro mundo da
bola se resumia à Europa e à América do Sul, africanos e asiáticos eram coadjuvantes exóticos.

Um jogo antes da lambança contra o Brasil, Mwepu também demonstrou desconhecer que não
podia chutar... a perna do árbitro! Na derrota de 9 a 0 para a Iugoslávia, desferiu um pontapé
contra o juiz que, confuso, expulsou outro jogador, Ndaye. Desinformado, porém honesto, Mwepu
protestou: “Não foi ele, fui eu.” Não adiantou.

O Zaire, nome que a atual República Democrática do Congo teve entre 1971 e 1997, durante a
ditadura de Mobutu Sese Seko, também contribuiu para o folclore com uma visita de feiticeiros
enviados para “fechar o corpo” da seleção e pela peculiar maneira de financiamento do esporte:
um imposto que pagaria a viagem da seleção à Alemanha – com coletores pilhando a população
pobre e, claro, não repassando nada para o time. Já na copa, os enviados da ditadura
embolsaram a verba da Fifa para os jogadores. O time descobriu a trapaça antes do tal jogo com
a Iugoslávia e ameaçou uma greve. Acabou indo a campo apenas para tomar a goleada e receber
uma sutil ameaça de Mobutu: se perdesse de mais de 4 a 0 para o Brasil, seu retorno e sua
integridade física não estariam garantidos. A equipe perdeu só por 3 a 0. E pôde voltar ao Zaire
com vida.

Clínica de reabilitação

Nem suspensão nem tratamento. A ditadura de Jean-Claude “Baby Doc” Duvalier no Haiti tinha
idéias diferentes da Fifa para punir o doping. Assim que foi provado que Ernest Jean-Joseph jogou
sob efeito de efedrina em 1974 (o primeiro doping oficial de todas as copas), os capangas do
ditador seqüestraram o infrator na concentração e deram-lhe uma surra. Levado de avião para o
Haiti, Jean-Joseph ficou preso por dois anos, apenas por manchar o nome do país no exterior.

Política da má vizinhança

Esqueça Brasil x Argentina. A rivalidade mais beligerante do futebol é entre Holanda e Alemanha.
A rixa, motivada pela lembrança da invasão nazista à Holanda na Segunda Guerra e pela suposta
arrogância dos jogadores alemães, chegou ao auge nas quartas-de-final da copa de 1990. Um
bate-boca culminou com 3 cusparadas do quase sempre calmo Rijkaard no rosto do alemão
Völler. Pouco, perto dos conflitos abertos entre cidadãos na fronteira dos dois países, antes e
depois da partida.

Que rojão, que nada

Batucadas, cornetas, rojões. O técnico brasileiro Jorge Vieira poderia esperar qualquer tipo de
comemoração quando classificou o Iraque para a copa de 1986. Só não esperava uma festa à
moda de Saddam Hussein. O ditador levou Vieira para saudar o povo na sacada do palácio
presidencial. Lá, Saddam sacou seu rifle de estimação e deu tiros para o ar. Coincidência ou não,
Jorge Vieira deixou o cargo e não foi à copa.

Seleção pé no chão

Premiada com a desistência de todos os inscritos para as eliminatórias asiáticas da copa de 1950,
a Índia abriu mão da vaga por causa dos hábitos de seus jogadores: além de disputar partidas
com menos de 90 minutos, eles iam a campo descalços ou, no máximo, com bandagens nos pés.
Como a Fifa exigiu o uso de chuteiras (coisa que não precisaram fazer na Olimpíada de 1948), os
indianos desistiram do Mundial. Nos anos seguintes, se adaptariam às regras. Mas, calçados,
nunca se classificaram a copa.

Frase

"Comunismo x Alcoolismo"

Faixa exposta pela beberrona torcida da Escócia para ressaltar sua divergência filosófica com a
União Soviética durante a partida entre os dois países na copa de 1982. Em campo, o duelo entre
política e boêmia acabou em empate: 2 a 2.

Futebol: guerra em campo

A guerra nos campos de futebol.

por Marcelo Orozco

Copa de 1998, na França. Dois países inimigos entram no estádio em suspense. Será que o ódio
nacional vai ser transportado para o campo e um jogador terminará com fratura exposta na
fíbula? O zagueiro vai sacar uma espada e atravessar o estômago do centroavante? Quando os
times entram em campo, não é isso que ocorre. É mais surpreendente ainda: os 11 jogadores
que representam o Irã, país governado por islâmicos fundamentalistas, oferecem flores à
encarnação do “Grande Satã”, os 11 atletas dos EUA. Depois, confraternizam e posam para fotos.
Abraçadinhos.

Poucos jogos causaram tanta tensão como esse. E o motivo começou em 1979: uma revolução
no Irã tirou do poder o xá Reza Pahlevi, monarca simpático a costumes ocidentais como o
futebol, e deu o comando ao aiatolá Khomeini, que preferia reza séria e luta livre. Sua pregação
antiamericana transformou em reféns, por 14 meses, os funcionários da embaixada dos EUA. Do
outro lado, na década de 1980, os EUA apoiaram o Iraque na guerra contra o Irã.

Em 1998, o sorteio colocou as duas seleções no mesmo grupo. A rigor, os jogadores iranianos
não tinham razão para odiar os adversários. Na verdade, os aiatolás eram mais danosos. Eles
oprimiam o futebol numa repressão de conseqüências trágicas: em 1984, o regime executou
Habib Khabiri, capitão da seleção na Copa de 1978, acusado de ligações com a oposição.

Para irritar mais os religiosos, a classificação para a Copa provocou manifestações de alegria fora
do controle do regime. Assim, quando o sorteio colocou os americanos no caminho, o governo
iraniano tentou capitalizar sobre o confronto entre o “Grande Satã” e os eleitos de Alá. Mas, para
quem passara tantos anos praticando futebol em condições terríveis, o oportunismo dos aiatolás
incomodou. “São 3 pontos. E nada mais”, disse, na época, o jogador Mohammad Khakpour.

E 3 pontos pela vitória – e nada mais – foi o que o Irã conquistou com seus 2 a 1 sobre os
americanos. As duas seleções foram eliminadas na 1ª fase da Copa.
Israel contra todos

Na geografia, Israel pertence à Ásia. Mas, desde 1982, o país tem de se deslocar para as
eliminatórias da Europa ou Oceania, onde não há hostilidade muçulmana ao Estado judeu. A
inimizade política com os vizinhos, porém, quase rendeu bons frutos – no caso, uma vaga para a
Copa de 1958. Indonésia, Egito e Sudão se recusaram a entrar em campo para partidas contra
Israel. Mas a Fifa determinou que era necessário fazer ao menos um jogo para legitimar a vaga e
colocou o País de Gales como adversário. Deu Gales.

Feridas recentes

As guerras étnicas da década de 1990 entre as repúblicas que antes formavam a Iugoslávia ainda
se refletem no futebol. Quando Sérvia e Montenegro derrotou a Bósnia numa decisão direta de
vaga para a Copa de 2006 em Belgrado, a capital sérvia, as duas torcidas se enfrentaram
arremessando cadeiras e disparando rojões. Pelo menos 6 pessoas tiveram ferimentos sérios. As
duas federações receberam multas entre 23 mil e 26 mil euros. Teme-se que a punição não baste
para impedir tumultos semelhantes sempre que duas ex-repúblicas iugoslavas se enfrentarem.

Metrópole X Colônia

O jogo entre Portugal e Angola na Copa de 2006 seria apenas mais um entre metrópole e uma
ex-colônia (como Inglaterra x EUA em 1950 ou Portugal x Brasil em 1966). Mas, além das
tensões geradas até a independência de Angola, em 1975, há um incômodo antecedente
futebolístico: um amistoso em Lisboa, em 2001, que era para ser uma festa do tipo “união
fraternal entre os povos” e acabou com 4 jogadores angolanos expulsos por faltas violentas,
imigrantes angolanos quebrando cadeiras, e 5 a 1 para Portugal no placar.

Que país é esse?

A Guerra das Malvinas, entre Argentina e Inglaterra, ocorreu semanas antes da Copa de 1982.
Por causa da batalha, a rádio argentina Rivadávia proibiu os narradores de Inglaterra x Alemanha
de pronunciar as palavras “britânico” e “Inglaterra”. O locutor Juan Carlos Morales e dois
comentaristas usaram termos como “o time de vermelho”, “o adversário da Alemanha” e até “os
piratas”. A exceção ocorreu quando um repórter se distraiu e soltou o nome proibido: “Está
machucado o 5 da Inglaterra, Coppell”.

A frase

"Hundurenho, peguem um pau e mate um salvadorenho"

Adesivo nos vidros de carros em Honduras, em 1969, quando 3 tensas partidas de eliminatórias
contra El Salvador (num dos jogos, 14 torcedores hondurenhos morreram) provocaram a “Guerra
do Futebol”. O pretexto esportivo motivou um acerto de contas na velha disputa por território e o
Exército salvadorenho invadiu Honduras. A batalha durou 4 dias e, na estimativa mais otimista,
matou 2 mil pessoas.

Sexo, poder e dinheiro

Quando grana, mulheres e autoridades entram em campo, as regras do jogo deixam de


existir.

por Marcelo Orozco


Alemão naturalizado americano, secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger era um dos
homens mais poderosos do mundo em 1974. Também adorava futebol. Tanto que arranjou um
tempinho para ir assistir à copa em seu país natal.

No jogo Brasil x Holanda, Kissinger se acomodou no camarote vip do Estádio de Dortmund. O


local, no entanto, estava reservado para o recém-eleito presidente da Fifa, o brasileiro João
Havelange. Sem poder enfrentar o homem forte dos EUA, Havelange preferiu bater em retirada,
como conta o inglês David A. Yallop no livro Como Eles Roubaram o Jogo – Segredos dos
Subterrâneos da Fifa. Mas foi uma afronta que ele nunca esqueceria.

A desforra veio em 1983, quando a Colômbia, que sediaria a Copa de 1986, renunciou ao posto
após ser reprovada em vistorias da Fifa. Os EUA logo se candidataram, junto de Brasil, México e
Canadá. Por trás da campanha americana estava justamente Kissinger, que sonhava em trazer
uma copa para o país.

Vista de fora, a escolha parecia um passeio americano. A candidatura tinha o dinheiro necessário
para levar a parada. Mas nos bastidores a história era outra. A desistência da Colômbia teria sido
engendrada desde o início em favor do México. Por trás do acordo, especula-se, estaria a
poderosa rede Televisa, cujo diretor Guillermo Cañedo era também vice-presidente da Fifa.

Segundo Yallop, Havelange participava de todo o acordo, sendo decisivo inclusive nas gestões
para o presidente João Figueiredo abortar a candidatura do Brasil. No dia da votação que
escolheria a nova sede, os trabalhos foram abertos com discursos curtos de canadenses e
mexicanos. Kissinger entrou na seqüência com uma apresentação caprichada, padrão
empresarial-americano. Exibiu planos por mais de uma hora até que um representante da Fifa
disse-lhe ao ouvido que podia parar. Em outro andar, os mexicanos comemoravam
antecipadamente a vitória. Aparentemente, as exposições foram uma farsa. Os votos estavam
definidos com antecedência. O prato frio foi saboreado pelo presidente da Fifa.

Organização sexual

O sexo entrou no planejamento oficial da seleção brasileira em 1962, no Chile. O médico Hilton
Gosling examinou as profissionais do bordel de madame Chabela, em Viña Del Mar. Aprovou 24
raparigas e pediu à madame exclusividade para os atletas durante a copa. Tudo para que
ninguém contraísse doenças. Tecnicamente, como registra Ruy Castro na biografia de Garrincha,
Estrela Solitária, a diversão estava liberada apenas para os solteiros nas folgas.

Dois craques, uma mulher

Jean-François Larios era o queridinho do Saint-Étienne quando Michel Platini foi contratado para
ser o astro do clube, em 1979. Houve ciumeira, inimizade e disputa por salários até o grande
desfecho na Copa de 1982: rumores fortíssimos de que Larios tinha um caso com a mulher de
Platini. Com os dois em campo, a França perdeu na estréia para a Inglaterra e a cabeça de Larios
rolou por exigência de Platini. Nitidamente mais à vontade, Platini levou a França às semifinais
com futebol exuberante. Larios nunca mais jogou pela seleção.

Quanto vale o amor à camisa?

Representar a pátria numa copa, alegam alguns, não tem preço. Mas a camisa com que se entra
em campo pode valer muito. Veja quanto elas renderam em leilões da casa inglesa Christie’s:

Rebeldia financeira

A transformação do futebol em negócio a partir da década de 1970 fez crescer os atritos entre
jogadores e federações por causa de dinheiro. Caso célebre foi o da seleção brasileira antes da
Copa de 1990. Na foto oficial, vários jogadores tamparam com a mão o logotipo da Pepsi na
camisa porque não recebiam porcentagem pelo patrocínio. Gesto inofensivo perto da greve da
seleção de Portugal em Saltillo, no México, às vésperas da Copa de 1986. Eles exigiam maiores
premiações e cotas dos patrocinadores. Até vestiram camisas ao avesso nos treinos. Sem apoio
da opinião pública, fracassaram na greve e, depois, na copa.

Da boemia para a Sibéria

Quem entende tudo de futebol soviético garante que o atacante Eduard Streltsov poderia ter sido
o “Pelé russo” e arrebentado na Copa de 1958. Poderia. Com apenas 20 anos, o boêmio Streltsov
teve sua carreira arruinada numa história sinistra de sexo e poder. Meses antes da copa, ele teve
um romance com a filha de um vice-ministro da União Soviética. Acabou preso e condenado por
estupro – e em vez de ir jogar na Suécia, foi mandado para as neves da Sibéria, onde ficou preso
por 7anos.

Frase

"Cruyff, champanhe e garotas nuas"

Manchete do jornal alemão Bild às vésperas da final da Copa de 1974. Segundo o diário, o craque
Cruyff e outros jogadores da Holanda se prepararam para o jogo com bebidas e garotas nuas na
concentração (há quem diga que Cruyff jogou a final abalado após uma briga com uma
enciumada esposa). A Laranja Mecânica perdeu a decisão para a Alemanha, que liberava a visita
de esposas e namoradas. Muito mais familiar.

Os nanicos da Copa

Tamanho não é documento. nas Copas, os países pequenos dão mais alegria do que os
grandes.

por Marcelo Orozco

Só as potências não bastam. Copa que é copa tem de ter o bloco de coadjuvantes que garante o
suprimento de histórias folclóricas e opção para adotarmos como segundo time em caso de
emergência. Foi o que aconteceu em 1990, por exemplo, quando a nossa seleção era ruim de
doer e o papel de nanico-sensação foi assumido por Camarões, que conquistou o mundo com as
danças do veteraníssimo Roger Milla, de 38 anos, e, de quebra, bateu a Argentina. Em 2006, a
lista de candidatos a miniestrela é grande. Vai de seleções com fama de azaradas, como
Austrália, a estreantes como Togo, Costa do Marfim, Gana e Angola.

Mas o maior candidato ao posto é Trinidad e Tobago, menor país entre os 32 classificados. A
ilhota do Caribe, com 1,3 milhão de habitantes (menos que Porto Alegre), vai para a Alemanha
com aquele “exotismo” simpático e a chance de corrigir uma injustiça.

Trinidad deveria ter estreado numa copa há 32 anos. Nas eliminatórias para o torneio de 1974,
chegou bem perto da vaga. Mas, num jogo decisivo no Haiti (que vivia a sinistra ditadura de
“Baby Doc” Duvalier), teve nada menos que 4 gols misteriosamente anulados e perdeu por 2 a 1
para os donos da casa. Ficou de fora.

Para este ano, a festa está garantida. Nas arquibancadas estará o carnavalesco Laventille Rhythm
Section, bateria de tambores caribenhos organizada numa das regiões mais miseráveis da capital,
Port of Spain. Em campo, Trinidad terá seus Roger Millas – veteranos aposentados da seleção que
retornaram para jogar uma c opa. Dwight Yorke tem 34 anos e Russell Latapy já está com 37.

Além de experientes, Yorke e Latapy são amigões de farra. Em 2001, foram detidos pela polícia
escocesa dentro de um Fusca, acompanhados por duas senhoritas que não eram suas
companheiras oficiais. Latapy, que estava ao volante, trombou com o bafômetro: estava 3 vezes
acima do limite alcoólico permitido.
Demitido por causa do escândalo, Latapy nem se abalou: passou a semana seguinte na gandaia
explícita. Cinco anos depois, ele promete que vai se limitar a fazer festa apenas em campo.

Parreira e os "gatos"de gana

É um espanto que só agora Gana dispute uma copa. O país foi pioneiro do futebol na África
negra, na Fifa e nas Olimpíadas. Venceu copas continentais e é potência nos mundiais jovens.
Mas empacava nas eliminatórias. Não por falta de know-how estrangeiro. Em 1967, a seleção
teve como técnico Carlos Alberto Parreira, ele mesmo, graças a um intercâmbio com o governo
militar brasileiro. Parreira foi vice na Copa da África, mas sofreu fora de campo: teve malária e
recebeu constrangedoras ofertas dos locais para desvirginar suas filhas – algo natural por lá.
Também constatou a armação dos “gatos” (atletas que se passam por mais jovens): “Eles nem
sabiam quando tinham nascido”.

Elefantes divididos

Assim como o Brasil tem sua “seleção canarinho”, a equipe da Costa do Marfim é carinhosamente
chamada de “Os Elefantes”. Mas as manifestações de carinho param aí. A nação está dividida por
uma guerra civil. O norte do país é controlado por forças rebeldes. O sul, pelo governo. E a cisão
afeta o futebol. A ministra dos Esportes Genevève Bro Grebe reclamou abertamente: “Tem muito
jogador do norte nesse time”. E há quem aponte que o experiente atacante Bakayoko só não vai
jogar a Copa da Alemanha por ter nascido no norte.

A seleção que derrotou os nazistas

Em 2006, a Ucrânia estréia na copa como país independente. Os jogadores estão de parabéns,
mas podem esquecer o posto de heróis máximos da nação. O lugar é cativo da seleção de 1942,
quando o país estava invadido pelos nazistas. O time foi desafiado pela equipe da Força Aérea de
Hitler, a Luftwaffe, e venceu. Houve revanche – e nova vitória. Pela lenda, todos os atletas foram
fuzilados após o jogo. Na verdade, o time foi mandado para campos de concentração. Um craque
morreu torturado. Outros 3, executados.

"Costa rock"

Sabe aquele truque dos astros do rock de vestir camisa da seleção para “conquistar” a galera em
shows? Pois foi exatamente o que a Costa Rica fez na Copa de 1990, em Turim. Apelou para um
inédito uniforme preto-e-branco igual ao da Juventus, principal time da cidade, para ganhar a
torcida local. No jogo de abertura da Copa de 2006, contra a Alemanha, a Costa Rica terá de
inventar de novo. Os donos da casa anunciaram que vão de vermelho. A camisa da Costa Rica é
(adivinhou!) vermelha. Pior: o Bayern de Munique, local do jogo, também...

A frase

“Nosso goleiro evitou um placar maior com uma atuação magnífica.”

Tony Langkilde, técnico de Samoa Americana, elogiando o goleiro Nicky Salapu depois do
massacre de 31 a 0 sofrido diante da Austrália nas eliminatórias, em 2001. É a maior goleada da
história em jogos de seleções. Mas que não serviu para o país quebrar a maldição da
repescagem, que o fez perder a vaga no último jogo para as copas de 1994, 1998 e 2002.

A ditadura do futebol

Hitler, Pinochet e Mussolini jamais jogaram uma Copa. Mas tiveram papel de destaque
em alguns jogos.
por Marcelo Orozco

Reinoso dá a saída para Chamaco Valdés, que rola para Caszely. Ele passa para Crisosto e a
tabela continua até a área, onde Valdés chuta de bico. Gol. O gol da classificação do Chile para a
Copa de 1974. Chile 1 x 0... ninguém!

No total, a linha de passe teve 13 passes em menos de 30 segundos. Seria um fantástico gol
relâmpago se houvesse outro time em campo naquele 23 de novembro de 1973, no Estádio
Nacional de Santiago. Em tese, a equipe da União Soviética deveria estar ali para o jogo de
repescagem envolvendo um sul-americano e um europeu. Mas, dois meses antes, o general
Augusto Pinochet havia tomado o poder no Chile num golpe de Estado. O presidente esquerdista
Salvador Allende morreu durante a ação. Nas semanas seguintes, milhares de pessoas foram
presas, torturadas ou mortas (muitas vezes, as 3 opções). O Estádio Nacional servia de campo de
concentração improvisado, com uma área de execução no círculo central.

A decisão da vaga para a copa logo se transformou em imbróglio diplomático – maior potência
comunista da época, a URSS apoiava o governo socialista de Allende e se recusou a viajar ao
Chile de Pinochet.

Para sacramentar que foi a URSS quem fugiu da disputa, os chilenos mantiveram o jogo. Num
domingo ensolarado, o Estádio Nacional teve seus prisioneiros retirados e cerca de 20 mil
torcedores ocuparam as arquibancadas. A “partida” durou apenas até o “gol”. Em janeiro de
1974, a Fifa oficializou a vaga chilena numa votação especial. Na copa, o Chile não se deu bem.
Perdeu um jogo, empatou dois e foi eliminado. A jornada da seleção acabou aí. O mandato de
Pinochet se estenderia até 1990.

O nazismo e a bola - 1

O futebol alemão caminhou de braços dados com o regime de Hitler. Lançado em 2005, o livro
Fussball Underm Hakenkreuz (“O Futebol sob a Suástica”, sem versão em português) dissecou a
colaboração da federação alemã e de quase todos os clubes com o governo nazista. A conclusão:
apenas o Bayern de Munique, que tinha fama de “clube dos judeus” por acolher atletas
perseguidos, não se engajou no projeto nazista. Seu presidente, Kurt Landauer, chegou a ir para
um campo de concentração. Mas ele era exceção. O técnico Sepp Herberger, por exemplo, se
associou ao Partido Nazista em 1933 e assumiu a seleção em 1937. Continuou no cargo mesmo
após a guerra – e foi campeão mundial em 1954.

O nazismo e a bola - 2

A meta nazista de provar sua superioridade racial através dos esportes ficou mais próxima
quando a Alemanha anexou a Áustria meses antes da Copa de 1938. A seleção austríaca era uma
das melhores da época e seus atletas atuariam pela Alemanha. Mas Matthias Sindelar, maior
craque austríaco de todos os tempos, se recusou a jogar para Hitler. O supertime fracassou e
Sindelar passou a ser perseguido como “simpatizante de judeus”. Em 1939, foi encontrado morto.
A causa mortis jamais foi explicada.

A Copa dos quartéis

A ditadura militar que se instalou na Argentina, em 1976, tomou conta também da copa de 1978.
Encarregado da organização, o general Omar Actis foi morto num atentado atribuído ao almirante
Carlos Alberto Lacoste, seu substituto no cargo. Entre ameaças de boicote (a única concretizada
foi do holandês Cruyff), a copa foi realizada e terminou em polêmica: após a Argentina vencer o
Peru por 6 a 0, surgiram denúncias de suborno que envolveriam o envio de 35 milhões de
toneladas de grãos ao país rival.

Xeque executivo
Como presidente da federação do Kuwait, o xeque Fahid Al-Ahmad Al-Sabah entrou para a
história do futebol ao invadir o gramado e forçar o árbitro a anular um gol da França contra sua
equipe na Copa de 1982. Seu fim viria pela vingança de um ditador. Em 1990, Saddam Hussein
invadiu o Kuwait e, por isso, o Iraque foi banido do Comitê Olímpico Internacional. Em represália,
Saddam ordenou a tomada do Comitê Olímpico do Kuwait, do qual Fahid também era presidente,
e matassem quem lá estivesse. O xeque, inclusive.

A frase

"Levei 4 gols, mas salvei 11 vidas."

Do goleiro húngaro Antal Szabo, após a derrota por 4 a 2 para a Itália na final da Copa de 1938.
Antes da partida, repetindo o que fez na final de 1934, o ditador fascista italiano Benito Mussolini
mandou aos jogadores de sua seleção a sinistra mensagem “Vençam ou morram”. E ele não
falava em sentido figurado.

Copa: a pátria de chuteiras

Como o suicídio de Vargas, a Revolução de 1930 e o medo do comunismo mudarama


história do Brasil na Copa.

por Marcelo Orozco

Em cada copa, a seleção parece absorver características do que acontece no país em sua época,
meio moldada pelos ares políticos. Em umas mais nitidamente, em outras menos. Das mais
explícitas, a de 1990 ficou com a “cara” dos tempos de governo Collor. E foi a única a ter um
presidente querendo bancar o jogador de futebol. Pouco antes do embarque para a copa na Itália,
Collor (sempre afeito a se exibir atleticamente) visitou a concentração da seleção disposto a
participar de um “rachão”. O mau tempo impediu a formação de um histórico triângulo mágico no
meio-de-campo, com Alemão, Dunga e Collor. Uma pena, ainda mais porque quem lá estava teve
de assistir a um bate-bola chocho na quadra de futebol de salão, com o presidente esportista
ganhando de presente uma cobrança de pênalti e Taffarel não se importando em engolir o frango.

Não foi o único encontro entre o presidente e o time de 90. Nos ideais, eles também se pareciam.
Collor se envolveu em escândalos de corrupção e inundou o país de produtos importados. A
seleção era vorazmente gananciosa – brigava por dinheiro de patrocínio e sonhava com contrados
polpudos após o Mundial. E pretensamente “modernizada”, a ponto de o técnico Sebastião
Lazaroni importar da Europa um esquema tático retranqueiro, que usava um líbero – Lazaroni,
elegantemente, preferia chamá-lo de stopper, como na Europa. Deu tudo errado. Collor sofreu o
famoso impeachment. O Brasil foi eliminado cedo da copa e a equipe, jogada na lata de lixo do
futebol brasileiro. Foram todos condenados ao inferno do folclore nacional: Collor, Lazaroni e o
stopper – o que quer que seja um stopper.Em cada copa, a seleção parece absorver
características do que acontece no país em sua época, meio moldada pelos ares políticos. Em
umas mais nitidamente, em outras menos. Das mais explícitas, a de 1990 ficou com a “cara” dos
tempos de governo Collor. E foi a única a ter um presidente querendo bancar o jogador de
futebol. Pouco antes do embarque para a copa na Itália, Collor (sempre afeito a se exibir
atleticamente) visitou a concentração da seleção disposto a participar de um “rachão”. O mau
tempo impediu a formação de um histórico triângulo mágico no meio-de-campo, com Alemão,
Dunga e Collor. Uma pena, ainda mais porque quem lá estava teve de assistir a um bate-bola
chocho na quadra de futebol de salão, com o presidente esportista ganhando de presente uma
cobrança de pênalti e Taffarel não se importando em engolir o frango.

Não foi o único encontro entre o presidente e o time de 90. Nos ideais, eles também se pareciam.
Collor se envolveu em escândalos de corrupção e inundou o país de produtos importados. A
seleção era vorazmente gananciosa – brigava por dinheiro de patrocínio e sonhava com contrados
polpudos após o Mundial. E pretensamente “modernizada”, a ponto de o técnico Sebastião
Lazaroni importar da Europa um esquema tático retranqueiro, que usava um líbero – Lazaroni,
elegantemente, preferia chamá-lo de stopper, como na Europa. Deu tudo errado. Collor sofreu o
famoso impeachment. O Brasil foi eliminado cedo da copa e a equipe, jogada na lata de lixo do
futebol brasileiro. Foram todos condenados ao inferno do folclore nacional: Collor, Lazaroni e o
stopper – o que quer que seja um stopper.

1954

Foi dos anos mais turbulentos no país. Em agosto, Getúlio Vargas se suicidou. Em junho, o país
enviou para a copa sua seleção mais neurótica de todos os tempos. Os jogadores arranjavam
confusões bobas e sofriam de complexo de inferioridade crônico. Antes de enfrentar a Hungria,
por exemplo, foram levados ao treino adversário para ver que os húngaros eram melhores.
Depois, ouviram discurso exigindo vitória para “vingar os mortos de Pistóia”, batalha da 2ª
Guerra que pouco tinha a ver com a Hungria. Só podia acabar em confusão: o jogo terminou
numa das maiores pancadarias da história das copas, “A Batalha de Berna”.

Comunismo x Bom-mocismo

Supostamente, o time de 1958 gozou dos ares mais otimistas de todas as seleções. Eram os
tempos de JK, o presidente gente fina que convenceu os brasileiros de que o país tinha jeito.
Antes do embarque da delegação, no entanto, JK mandou um “alerta” para o time: o Brasil podia
perder de todo mundo, menos da União Soviética. O motivo? Nos bastidores do governo, temia-
se que uma derrota desse corda à propaganda comunista dos que acreditavam que bem mesmo
se vivia no frio de Moscou.

Meio-campo, Volver!

A ditadura brasileira não costumava fazer cerimônia para usar o futebol em proveito próprio. No
México, em 1970, a comissão técnica incluía do capitão Cláudio Coutinho (preparador físico) ao
brigadeiro Jerônimo Bastos (chefe da delegação) – equação repetida em 1974. Em 1978,
Coutinho virou técnico. Mas acabou hierarquicamente engolido pelo almirante (e vascaíno) Heleno
Nunes, chefe da CBD (atual CBF). Às vésperas da estréia, contra a Áustria, Nunes impôs a
escalação de seu ídolo Roberto Dinamite.

Raízes do bairrismo

A década de 1930 marcou o fim do poder paulista. O estado foi derrotado pela revolução de 1930
e no levante de 1932. No futebol, a fase não era melhor. Na Copa de 1930, São Paulo se recusou
a enviar jogadores após perder a briga por cargos na delegação. Em 1934, os paulistas já eram
profissionais e a CBD mantinha um amadorismo de araque – tão de araque que tentou contratar
profissionais para jogar a copa como amadores. Novamente São Paulo não mandou atletas – o
Palestra Itália chegou a esconder o time num sítio com seguranças armados.

Pelé, opressor das massas

Nem tudo era fraternidade na “melhor seleção de todos os tempos” em 1970. Pelé e o zagueiro
reserva Fontana viviam em clima de guerra fria. O esquerdista Fontana questionava abertamente
os privilégios do “Rei do Futebol” e dizia que só não era titular porque Pelé não deixava. Depois
de uma discussão, Pelé pediu desculpas a Fontana diante de todo o grupo, o que apaziguou o
ambiente. Mas não dobrou as convicções do camarada Fontana.

A frase

“O presidente não escala meu time e eu não escalo o ministério.”


João Saldanha, a 3 meses da Copa de 1970, rebatendo o lobby para que ele convocasse o
atacante Dadá Maravilha, queridinho do presidente, o general Emílio Médici. A declaração ajudou
a causar a demissão de Saldanha – um esquerdista que nunca foi bem-visto pelos militares.

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