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Um Estado nacional, via de regra, somente poderá exercer sua competência judicial e
executiva dentro de seu próprio território. Poderia ser considerada uma ofensa aos
princípios de direito internacional de não-ingerência e autodeterminação dos povos caso
realizasse diretamente um ato ou medida dentro do território de outro Estado, sem que
estivesse autorizado para tanto.
Numa época marcada pela organização do crime, não se admite mais que os Estados
simplesmente cerrem suas fronteiras à Justiça. A cooperação jurídica internacional
tornou-se um imperativo no quadro das relações internacionais.
Assim, o dever de cooperar não pode ser compreendido mais como uma mera cortesia
internacional. De acordo com Rodrigo Otavio1, há uma obrigação entre as nações e não
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mera faculdade. Há uma obrigação moral, cujo descumprimento impõe ao Estado perda
de prestígio na comunidade internacional. Segundo ele, este dever entre as nações
traduz-se como uma limitação à soberania do Estado pelo próprio Estado, com o objetivo
de respeitar o direito internacional e garantir a reciprocidade de tratamento ante os
requerimentos de determinado Estado em relação a outro.
2 OTAVIO, Rodrigo, Direito Internacional Privado, Parte Geral, Rio de Janeiro, Ed. Freitas
Bastos,1942, p. 115.
Mais do que a perda de prestígio internacional, o Estado não cooperante pode sofrer toda
sorte de dificuldades e infortúnios impostos pela comunidade internacional, inclusive de
ordem econômica. Com efeito, em 1989, em Paris, durante encontro da cúpula do G7,
grupo que reúne as economias mais industrializadas do mundo, foi criado o Grupo de
Ação Financeira Internacional (GAFI).
A não observação dessas recomendações, que, entre outros, procuram fomentar a prática
da cooperação jurídica internacional, pode culminar com a adoção de embargos
financeiros, comerciais e econômicos.
CENÁRIO INTERNACIONAL
A transnacionalização dos fluxos faz com que não só bens, capitais e pessoas favoreçam
da flexibilização das fronteiras, mas também as organizações criminosas, que as utilizam
para ocultar e dissimular a origem dos produtos do crime e, por fim, reintegrar os ativos
“lavados” à economia formal. Se a globalização favoreceu, de um lado, os meios para a
prática de crimes, fez surgir, de outro, uma ação articulada mundialmente para enfrentá-
los. Os Estados-nação revisam velhos paradigmas e percebem que clássicos esquemas
de soberania, que restringiam a investigação e a persecução criminal aos limites dos
territórios nacionais, não mais atendem às necessidades de combate à criminalidade
organizada. Considerando-se que esses grupos delitivos buscam agir impunemente entre
os diversos sistemas jurídicos soberanos, surge a necessidade de fortalecimento da
cooperação jurídica internacional entre os países.
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CONCEITO
A cooperação jurídica internacional é o instrumento por meio do qual a autoridade de uma
jurisdição solicita à outra a execução de um ato.
Nesse ponto é preciso abrir um breve parênteses para explicar um detalhe importante.
Cooperação judiciária e cooperação jurídica não são expressões sinônimas. A
cooperação jurídica é mais ampla que a cooperação judiciária. Esta última se limita à
cooperação no momento em que já há processo judicial, excluindo, portanto, o momento
pré-processual. A acepção mais ampla da cooperação estaria traduzida na expressão
“cooperação jurídica”.
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Sem querer ter a pretensão de esgotar o rol de medidas contempláveis, pode-se elencar,
por fim, a identificação, o rastreamento, a indisponibilidade, o seqüestro, o confisco e a
disposição de produtos do crime e assistência em processos relacionados, assim como a
devolução de ativos.
CLASSIFICAÇÃO
Sob a ótica do Brasil, quando o Estado brasileiro requer a cooperação de um país
estrangeiro, diz-se que é a cooperação ativa. Ao contrário, quando um país estrangeiro
reclama a cooperação do Estado brasileiro, diz-se que é a cooperação passiva. O país
que demanda a cooperação é dito Estado requerente, enquanto o país que é demandado
é dito Estado requerido.
Os pedidos de cooperação jurídica por motivo penal podem ser elaborados não só por
autoridades do Poder Judiciário, mas também por autoridades do Ministério Público e até
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Nesse sentido, cabe mencionar que é necessário respeitar a diversidade de cada sistema
jurídico e reconhecer a amplitude da expressão autoridade judiciária. É possível que
determinada medida que, no Brasil, somente seria processada por autoridade do Poder
Judiciário seja, na origem, atribuição de outra autoridade, como um membro do Ministério
Público. No sistema suíço, por exemplo, o Ministério Público é considerado uma
autoridade judiciária e, em razão disso, está legitimado a pedir cooperação em matéria
penal às autoridades brasileiras. É preciso, pois, observar se a autoridade do Estado
requerente é competente para determinar a medida cuja eficácia pretende seja estendida
ao território nacional. Trata-se, neste caso, do critério da competência na origem.
Por fim, vale mencionar que a tendência verificada nos mais recentes acordos ratificados
pelo País define a autoridade competente como “autoridade que conduz a investigação, o
inquérito, a ação penal, ou outro procedimento relacionado com a solicitação” (Artigo 4º
do Tratado entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China sobre
Assistência Judiciária Mútua em Matéria Penal – Decreto n° 6.282/2008), o que denota
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A cooperação pode ser classificada, ainda, como informal ou como formal. Elas se
destinam a fins e fases distintas, devendo ser usadas em coordenação e em
complementaridade.
A cooperação informal ocorre quando a medida solicitada pode ser prestada diretamente
à autoridade requerente, sem necessidade de que:
Por outro lado, a cooperação formal ocorre no caso em que, para a realização da medida
solicitada, é necessária a institucionalização da via escolhida, e, a depender do caso,
também a autorização ou qualquer outra intervenção judicial exigidas no Estado requerido
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PRINCIPAIS TRATADOS
Uma solicitação de cooperação jurídica internacional em matéria penal poderá ser feita
com base em:
Por meio desse evento, os chefes de Estados e Ministros responsáveis pelos sistemas de
justiça penal comprometeram-se a criar mecanismos para fortalecer a cooperação
internacional e a implementar um plano de ações para combater o crime transnacional
organizado, destacando-se aí o narcotráfico, o terrorismo, o tráfico de armas e a
imigração ilegal.
Outra importante preocupação desses governos era minar o poderio econômico dessas
organizações criminosas mediante um coordenado e efetivo processo de combate à
lavagem de dinheiro.
Neste sentido, o Ministério da Justiça, por meio de seu órgão com competência para
exercer a função de Autoridade Central para os acordos de cooperação jurídica
internacional –Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica
Internacional (DRCI) – tem envidado esforços para estabelecer novos acordos, reforçar os
laços por meio da aproximação com os países em que já existem, e promover junto ao
Poder Judiciário e Ministério Público a divulgação da existência desses textos, bem como
o esclarecimento quanto ao modo de utilização.
Por fim, cumpre registrar que atualmente o Brasil também mantém 15 (quinze) acordos
bilaterais de auxílio mútuo em matéria penal, a saber:
Já os acordos multilaterais, apesar de atingir uma ampla gama de países, restringem sua
aplicação aos tipos penais a respeito dos quais suas convenções disciplinam.
MECANISMOS DE COOPERAÇÃO
Os mecanismos de cooperação jurídica internacional são definidos de acordo com a lei
processual interna de cada país. Por isso, nem sempre coincidem os instrumentos de
cooperação e seus procedimentos, quando se compara o direito brasileiro às leis de outro
Estado.
Carta rogatória
A carta rogatória carrega em seu bojo atos não-decisórios e atos decisórios não
definitivos. Por meio da carta rogatória, a autoridade jurisdicional, a depender do critério
da legitimidade ou da “competência na origem”, solicita ao Estado requerido que execute
ato jurisdicional já proferido, de modo que não cabe àquele outro Estado exercer qualquer
cognição de mérito sobre a questão processual.
São exemplos mais comuns de uso da carta rogatória os pedidos de comunicação de atos
processuais (citações, intimações e notificações) e de obtenção de provas no exterior sem
a necessidade de intervenção judicial, ou seja, a chamada cooperação de primeiro nível.
Em certas hipóteses, a busca e apreensão, a obtenção de provas no exterior com a
necessidade de intervenção judicial, a obtenção de medidas cautelares no estrangeiro e o
cumprimento de decisões de tutela antecipada, denominada cooperação de segundo
nível, também poderá ser cumprida. Pode o legislador, ademais, permitir que a carta
rogatória sirva de veículo também para executar sentenças estrangeiras. É o que já
ocorre, por exemplo, na cooperação levada a cabo dentre os Estados membros do
Mercosul em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa.
Para conceder o exequatur, o Superior Tribunal de Justiça deve analisar se, de alguma
forma, a soberania nacional ou a ordem pública estão sendo violadas, pois “as leis, atos e
sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia
no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.
Na carta rogatória, a análise restringe-se, pois, a aspectos formais, não havendo revisão
das razões de mérito.
Nem sempre será exigido o exequatur às cartas rogatórias, o que é o caso da execução
direta das cartas rogatórias em zona de fronteira, as quais têm como base o Decreto nº
2.022, de 7 de outubro de 1996, e o Decreto nº 2.626, de 15 de junho de 1998 (Protocolo
de Ouro Preto de medidas cautelares).
Auxílio direto
Revelada a ineficiência dos tradicionais instrumentos de cooperação internacional (carta
rogatória, homologação de sentença estrangeira e extradição) para o combate à
criminalidade transnacional, foram desenvolvidos no Brasil novos mecanismos, mais
aptos e adequados ao combate desse novo tipo de criminalidade. Nesse contexto é que
surgiu o modelo da assistência legal direta, pela qual o pedido de cooperação tramita
diretamente da autoridade competente para formulá-lo para a autoridade correspondente
no país requerido, por meio de canais menos burocratizados e mais ágeis que não
envolvem, necessária e primeiramente, como ocorre na cooperação tradicional,
autoridades judiciais e diplomáticas.
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REGULAÇÃO
De se esclarecer que, no Brasil, há dois tribunais superiores, que se encontram na cúpula
do Poder Judiciário: o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça
(STJ). Ao primeiro compete a guarda da Constituição e ao segundo, fundamentalmente,
garantir o cumprimento da legislação infraconstitucional de maneira uniforme, em todo o
país.
"Os pedidos de cooperação jurídica internacional que tiverem por objeto atos que não
ensejem pedido de delibação pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda que denominados
como carta rogatória, serão encaminhados ou devolvidos ao Ministério da Justiça para as
providências necessárias ao cumprimento por auxílio direto”.
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Dessa forma, torna-se possível constatar que nestes casos não cabe ao Superior Tribunal
de Justiça, diferentemente do que ocorre no caso das cartas rogatórias, conceder o
exequatur, visto que caberá ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação
Jurídica Internacional (DRCI) tomar as providências necessária para o cumprimento do
auxílio direto.
Fato é que o auxílio direto diferencia-se dos demais mecanismos porque nele não há
exercício de juízo de delibação pelo Estado requerido. Por meio do auxílio direto em
matéria civil, o Estado requerente abre mão do poder de dizer o direito sobre determinado
objeto de cognição para transferir às autoridades do outro Estado essa tarefa. Por meio
do auxílio direto em matéria penal, o Estado requerente oferece uma notitia criminis,
possibilitando que o Estado requerido instaure procedimento administrativo ou judicial
pertinente, conforme a lex diligentiae, para a execução da medida solicitada.
O procedimento nacional, por sua vez, pode ser um processo administrativo, um incidente
processual judicial específico, como os pedidos do Ministério Público Federal para a
obtenção de quebras de sigilo bancário no Brasil ou uma ação judicial, a exemplo do que
ocorre com as ações de busca, apreensão e retorno movidas pela União nos termos da
Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças.