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CAPÍTULO 01

A CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA, ENTRE


O NEOCONSTITUCIONALISMO E O NOVO
CONSTITUCIONALISMO 1

Roberto Viciano Pastor


Rubén Martínez Dalmau
Tradução: Ilana Aló

1.1 Introdução

A história do mundo contemporâneo tem reletido as tensões


existentes entre dois termos: constitucionalismo e democracia.
Constitucionalismo foi desenvolvido durante um longo tempo à
margem de uma práxis democrática pelo temor da possível hegemonia
de poderes ilimitados, situação que resulta inaceitável para uma
doutrina que se fundamenta na ideia de limitação do poder. Mas, ao
mesmo tempo, o constitucionalismo teve que lidar com a nunca pacíica
necessidade de legitimidade do poder, o que você deve aportar à teoria
da democracia.
Muitas teorias democráticas, por outro lado, experimentaram
o sentimento oposto: não foram capazes de incorporar uma teoria
constitucional em seu núcleo, por entender que este era incompatível
com um poder popular superior e que vai além de qualquer
poder constitucionalizado. De tal sorte que as construções sobre
a democracia constitucional casaram mal com qualquer proposta
sinceramente democrática, até o ponto de existir mais teorias sobre
o constitucionalismo que sobre o fundamento democrático do
constitucionalismo.

1 A tradução foi realizada por Ilaná Aló do texto publicado originalmente em “Debates Constitucionales em nuestra América”, gentilmente
cedido pelos autores.
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A dialética histórica tem seguido seu próprio percurso, em boa


parte alheia ao que os teóricos propunham e previam. Ainda que o
conceito de democracia esteja longe de ter uma deinição geralmente
aceita, costumamos admitir, depois de veriicar diferentes modelos
experimentados, que se trata de um conceito que pode ter signiicado
contextualizado em um determinado tempo e lugar histórico, tendo
como critério orientador a maior ou menor participação no governo
da comunidade do povo ou conjunto de cidadãos que o compõem.
Não existe a democracia abstrata, mas determinada democracia, ou
melhor, mais ou menos democracia no marco que oferecem as relações
sociais, econômicas e políticas de uma comunidade. E, por isso, é
uma democracia contextualizada: determinado em um presente, mas
olhando para o passado para se reconhecer como evolutiva e para o
futuro para apontar objetivos emancipatórios, pois a democracia é,
historicamente, emancipação.
Curiosamente, o modelo democrático com maior sucesso na
emancipação dos povos tem sido o constitucionalismo democrático.
Apesar de parecer uma contradição, a princípio, na prática não o
foi: a constituição democrática limitou a poder autoritário, violações
dos direitos e a predominância das oligarquias, de forma muito
mais eicaz do que outros modelos exclusivamente constitucionais
ou exclusivamente democráticos. O primeiro porque, para se livrar
do problema da legitimidade, abandonaram a defesa dos direitos e
interesses dos povos sob a égide institucional e a icção da separação
de poderes. O segundo acabou se convertendo em uma substituição
de elites não democráticas pelas elites aparentemente democráticas,
mas que continuavam não respeitando, em nome da democracia, os
direitos das minorias e limitando os mecanismos de participação plural
no que não deixa de ser uma democracia espúria. O constitucionalismo
democrático, com a reunião dos termos democracia e Constituição no
que se poderia denominar caminho médio, permitiu criar o marco efetivo
para avançar até a emancipação dos povos.
Agora, na doutrina constitucional gerada durante as últimas três
décadas surgiram novas categorias que, aparentemente, pertencem ao
escopo do constitucionalismo democrático. Entretanto, algumas dessas
construções teóricas como trataremos de demonstrar, sem negar a
vontade democrática de seus criadores, algumas dessas construções
teóricas sofrem de um certo grau de elitismo que devemos destacar
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para permitir a continuar na busca emancipatória do constitucionalismo


democrático. Estamos nos referindo ao chamado neoconstitucionalismo,
muitas vezes confundido com o novo constitucionalismo.
Parece-nos importante tentar esclarecer a possível confusão
que pode originar-se entre ambas as categorias, porque a confusão
conceitual pode gerar algum nível de caos intelectual e diicultar o
desenvolvimento futuro do constitucionalismo democrático. As duas
concepções são construções relativamente recentes que tiveram um
grande boom à luz dos últimos textos constitucionais latino-americanos,
que foram qualiicados tanto de neoconstitucionalistas como próprios de
um novo constitucionalismo. A que se referem ambos os termos? Ainda
que tenham signiicantes parecidos, seus signiicados não o são, apesar
de que podem – em certos aspectos – complementarem-se.
Este artigo tenta deinir conceitualmente as referidas categorias,
enfatizando suas diferenças e buscando deinir alguns fundamentos
para um diálogo entre os dois termos que ainda estão por se desenvolver.

1.2 Neoconstitucionalismo, entre uma teoria do direito e


uma teoria do poder

Se perguntarmos para vários neoconstitucionalistas o que


entendem pelo neoconstitucionalismo, é possível que cada qual nos
dê uma resposta diferente. Apesar de certa pretensão canônica,2 o
neoconstitucionalismo não parece manter uma coerência interna, além
de alguns aspectos concretos aos quais faremos referência. Parece
se deinir mais por aquilo que não é do que por aquilo que é. E isso
porque quando nos referimos ao neoconstitucionalismo estamos diante
de uma tentativa de criar uma nova ilosoia do direito3 a partir de um
núcleo de bases supostamente comum de vários autores, mas que não
se construiu necessariamente com coerência. De fato, o primeiro dos
“cânones” do neoconstitucionalismo fazia referência a essa multiplicidade
de conceitos, o que Carbonell4 evidenciou com um suixo plural entre
parênteses da sua recopilação neoconstitucionalismo (s).

2 CARBONELL, Miguel; GARCIA-JARAMILLO, Leonardo. El canon neoconstitucional. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2010.

3 GUASTINI, Riccardo. A propósito del neoconstitucionalismo. Doctrina constitucional, v.67, 231, 2013.

4 CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trota, 2003.


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Com respeito à origem do conceito, muito mais afortunado que


a sua denominação, muitas vezes apontando para o inal da década
dos anos noventa do século XX, quando se publicaram os primeiros
trabalhos de Susana Pozzolo e do grupo de ilósofos do direito da
Universidade de Gênova, que desempenharam seu trabalho em torno da
igura de Paolo Comanducci. O esforço tinha por objetivo encontrar um
denominador comum na doutrina sobre qual é a função da Constituição
no ordenamento jurídico e o papel que desempenham o seu conteúdo,
para os que beberam das mais diferentes fontes do mundo anglo-saxão
(Dworkin) como latino-americanos (Nino). E aqui temos a primeira
grande característica do neoconstitucionalismo: como resultado do
pensamento analítico, em um princípio consistiu em uma análise teórica
sobre o valor jurídico da Constituição e sua inluência e hierarquia no
resto do ordenamento jurídico, colocando ênfase no papel e aplicação
dos princípios constitucionais. Ainda que faltando elementos empíricos
de comprovação, manifestou sua vontade de transcender até uma nova
forma de aplicação do direito. Supõe­se, por isso, todo um esforço de
imaginação coletiva e análise teórica que se inicia na busca de critérios
especíicos para a interpretação da Constituição no que diz respeito à
interpretação do resto do ordenamento jurídico e deriva em direção ao
papel da Constituição e sua aplicação no que se costuma denominar
Estado constitucional.
De uma forma um tanto ambígua, Pozzolo5 se levanta como
testemunha referindo-se ao neoconstitucionalismo como uma defesa da
distinção entre a interpretação constitucional e outras interpretações
do direito:

Se bem é certo que a tese sobre a especiicidade de inter-


pretação constitucional encontra partidários em diversas
disciplinas, no âmbito da ilosoia do direito vem defen-
dida, em particular, por um grupo de iusilósofos que
compartilham de um modo peculiar de se aproximar ao
direito. Denominei tal corrente de pensamento neoconsti-
tucionalismo.

5 POZZOLO, S. Neoconstitucionalismo y especiicidad de la interpretación constitucional. Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho, v. 21, n. 2, p.
339, 1998.
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A referência é a determinadas obras de autores renomados, ainda


que, na verdade, alguns deles não parecem conhecer-se mutuamente
em profundidade: Ronald Dworkin (Freedom’s Law, Harvard University
Press, Cambridge, 1996), Robert Alexy (o conceito e a validade do
direito, Gedisa, Barcelona, 1994), Gustavo Zagrebelsky (Il Dirito mite,
Einaudi, Turín, 1992) e ­ “em parte” – ilho de Santiago (The Constitution
of Deliberative Democracy, Yale University Press, New Haven-London,
1996).

Provavelmente ­ argumenta a autora ­ estes iusilósofos


não se reconhecem dentro de um movimento unitário,
mas, em favor da minha tese, em suas argumentações é
possível encontrar o uso de algumas noções peculiares
que possibilita que eles sejam agrupados dentro de uma
única corrente iusilosóica.

Quais seriam essas noções peculiares que formam o núcleo do


neoconstitucionalismo? Segundo Pozzolo,6 seriam quatro formulações:
1) Princípios vs. normas. Fazendo referência velada ao debate clássico
dos anos sessenta e setenta entre Hart e Dworkin, que se fez entender
como uma crítica para os fundamentos da iuspositivismo, Pozzolo
coloca ênfase na distinção entre princípios e regras (“normas”) no
ordenamento jurídico, e no papel destacado que os princípios devem
representar na função de interpretação e argumentação jurídica por
parte dos juízes. 2) Ponderação vs. subsunção. Os princípios contariam
um peculiar método interpretativo/aplicativo, porque não cabe sua
aplicação de acordo com os métodos de subsunção das normas, eles
precisam da ponderação ou balanceamento cuja técnica consiste em
detectar os princípios aplicáveis ao caso concreto, medir os princípios
localizados para colocá-los em relação hierárquica axiológica, e aplicar
o princípio que prevalece em um caso concreto baseado no juízo de
valor particular formulado pelo juiz. 3) Constituição vs. independência
do legislador, isto é, a subordinação da lei e do resto da ordenamento
jurídico ao texto constitucional, que implicaria a materialização ou
substancialização da Constituição; uma função semelhante à que
anteriormente tinha desenvolvido o direito natural. 4) Liberdade dos
juízes vs. liberdade do legislador. Trata-se de defender a interpretação

6 Ibidem, p. 340-342.
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criativa da jurisprudência, imprescindível a partir do momento em que


o juiz deixa o método da subsunção diante da presença dos princípios,
e deve aplicar a Constituição frente à lei transformando-se em um
instrumento básico, para a sua sustancialização.
Ainda que se trate em sua origem de um esforço fundamentalmente
teórico, a medida em que se constitui o relato neoconstitucional
durante a primeira década do século XXI aparece uma vontade de
vinculação do neoconstitucionalismo em determinado ciclo histórico
do constitucionalismo, o correspondente para o constitucionalismo
do Estado social. O neoconstitucionalismo é uma doutrina de origem
principalmente europeia, pensada a partir do constitucionalismo social
europeu e algumas Constituições latino­americanas. Como explica
um dos seus maiores expoentes, Carbonell,7 o neoconstitucionalismo
pretende explicar este conjunto de textos constitucionais que começam
a surgir após a segunda guerra mundial e encontrado seu ápice
em Constituições europeias da década de 1970 (principalmente a
portuguesa de 1976, e a espanhola de 1978) e na adaptação latino-
americana do constitucionalismo social europeu (como a Constituição
brasileira de 1988). São Constituições:

que não se limitam a estabelecer competências ou a se-


parar os poderes públicos, mas contêm altos níveis de
normas materiais ou substantivos que condicionam a
atuação do Estado mediante a gestão de determinados
ins e objetivos.

Como se pode observar, não há nenhuma crítica à origem


das Constituições, pois isso não é objeto de preocupação dos
neoconstitucionalistas coerentemente com sua metodologia analítica. A
ênfase é tão somente normativa, e não no que diz respeito a quaisquer
normatividades, senão sobre a supremacia material da Constituição,
característica do Estado (neo) Constitucional: “Desde então – airma o
autor – constitucionalismo não permaneceu como um modelo estático,
mas continuou a evoluir em muitos aspectos”. É fruto dessas evoluções
que aparece a necessidade de nota teoricamente do conceito de estado
(neo) constitucional e coloca em evidência suas consequências práticas.8

7 CARBONELL, Miguel. El neoconstitucionalismo en su labirinto In: CARBONELL, Miguel. Teoría del neoconstitucionalismo. Madrid: Trota,
2007. p. 9-10.

8 CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trota, 2003, p. 9


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Durante a última década e meia, a corrente neoconstitucionalista


avançou sobre o mesmo eixo no qual se originou. Depois do seu auge
na primeira década do século XXI, sofre um esgotamento próprio
de uma teoria sem quase preocupação pela práxis além da função
dos tribunais constitucionais e centrada em aspectos concretos, tais
como a modulação de sentenças ou o princípio da proporcionalidade.
Os principais elementos que correspondem hoje em dia a doutrinas
neoconstitucionais são, de acordo com Guastini, 9 os seguintes: a
superioridade axiológica da Constituição sobre a lei; a ideia de que a
Constituição não só tem como função a limitação do poder político,
senão modelar a sociedade e, portanto, não só prevenir (em negativo)
uma legislação lesiva dos direitos, senão também orientar (em positivo)
a legislação inteira; a ideia de que a Constituição carece de lacunas, que
seus princípios predeterminam ou orientam a disciplina legislativa de
suposto fato, deixando margens bastante reduzidas a discricionariedade
política do legislador; a ideia de que as Constituições democráticas
incorporam princípios de justiça objetivos, a que são justas e merece
obediência; a superioridade axiológica de princípios sobre as regras; a
ideia de que as regras, qualquer que seja seu teor literal, possam ceder
ou ser derrogadas, que estão sujeitas a exceções à luz dos princípios;
a superioridade axiológica das normas que conferem direitos sobre
aquelas que organizam o poder público; a ideia de que as normas
“materiais” da Constituição regulam não as relações verticais entre
Estado e cidadão, mas também as horizontais entre os cidadãos e que,
portanto, deve encontrar aplicação direta na jurisprudência; a ideia de
que existe uma conexão estreita entre direito e justiça; a ideia de que
ao direito, desde que seja justo, deve ser obedecido; a desvalorização
do modelo da ciência jurídica como discurso meramente cognitivo e
não valorativo, característico do positivismo jurídico metodológico; e a
ideia de que a ciência jurídica deve ser uma ciência prática e normativa,
isso é, orientar a jurisprudência e a legislação.
Em suma, cabe concluir10 que o neoconstitucionalismo desse
ponto de vista é uma teoria do direito e não, propriamente, uma teoria da
Constituição, ainda que não pretenda ser. Seu fundamento é a análise
da dimensão positiva da Constituição, para o qual não é necessário

9 GUASTINI, Riccardo. A propósito del neoconstitucionalismo. Doctrina constitucional, v. p. 233, 2013.

10 VICIANO-PASTOR, Roberto;MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. El nuevo constitucio- nalismo latinoamericano: fundamentos para una
construcción doctrinal. Revista General de Derecho Público Comparado, v. 9, p. 6-10, 2011.).
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adentrar nos supostos e condições de legitimidade democrática e da


fórmula por meio da qual a vontade constituinte se transfere para a
vontade constituída. Dessa forma, o neoconstitucionalismo reivindica
o estado de direito em seu signiicado inal, depois de explicar a
evolução do conceito até o que representaria na atualidade. Em última
análise, o neoconstitucionalismo pretende, sem ruptura, afastar-se dos
esquemas do positivismo teórico e transformar o Estado de direito no
Estado constitucional de direito.
Como teoria do direito, o neoconstitucionalismo – em particular
a partir dos princípios – aspira a descrever as realizações da
constitucionalização, entendida como o processo que levou a uma
modiicação dos grandes sistemas jurídicos contemporâneos. Por essa
razão, é caracterizada por uma Constituição invasiva, pela positivação
dos catálogos de direitos, pela onipresença na Constituição de princípios
e regras e por algumas peculiaridades da interpretação e da aplicação
das normas constitucionais no que diz respeito à interpretação e
aplicação da lei.11 Trata-se, em suma, de recuperar o conceito de
Constituição e fortalecer sua presença determinadora no ordenamento
jurídico.
As críticas ao neoconstitucionalismo aumentaram nos últimos
anos desde os mais variados setores em dois sentidos: por um lado, sobre
a falta de coerência e de sistematização de sua denominação e princípios,
bem como os limites analíticos das doutrinas neoconstitucionalistas; em
segundo lugar, a ocultação de uma teoria do poder na teoria do direito
que promove. Quanto ao primeiro aspecto, Ferrajoli12 poderia ter dito
isso mais alto, mas não mais claro: a expressão neoconstitucionalismo
“resulta em vários aspectos, ambígua e enganosa”, já que, ao se referir
no plano empírico ao constitucionalismo jurídico dos ordenamentos
dotados de Constituições rígidas, resulta assimétrica em relação ao
constitucionalismo político e ideológico.

que não designa nem um sistema jurídico, nem uma teo-


ria do direito, senão que é pouco mais do que um sinôni-
mo de Estado liberal de direito. Além disso, dado que, no

11 COMANDUCCI, P. Formas de (neo)constitucionalismo: un análisis metateórico. In: CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo(s). Madrid:
Trota, 2003. p. 83.

12 FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista y constitucionalismo garantista. Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho, v. 34, p.
18-19, 2010.
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plano teórico, a expressão neoconstitucionalismo se identi-


ica, geralmente, com a concepção iusnaturalista do cons-
titucionalismo, não capta suas características essenciais a
qual resulta, de fato, ignorada.

Autor propõe o termo iusconstitucionalismo ou constitucionalismo


legal para diferenciar o Estado constitucional de direito do Estado
legislativo de direito: “a característica que diferencia o constitucionalismo
será a existência positiva de um top de lex superior à legislação ordinária,
com independência das diferentes técnicas adotadas para garantir sua
superioridade”. Para Guastini,13 o neoconstitucionalismo “consiste de
um amontoado (de limites indeterminados) de posturas axiológicas e
de teses normativas entre as quais não é fácil identiicar alguma tese
propriamente teórica, reconhecível e suscetível de discussão”. A raiz do
problema é que os neoconstitucionalistas vêm tratando a sua doutrina
como uma mudança paradigmática, quando não estamos diante de uma
discussão do paradigma positivista consolidado em particular a partir
das doutrinas kelsenianas e a posição da Constituição no ordenamento
jurídico. Com respeito aos mecanismos de aplicação dos princípios
constitucionais, o mesmo autor14 tem “a impressão de que a insistência
na ideia de que os princípios não admitem a subsunção é testemunho da
grande ignorância que reina entre os juristas em matéria de raciocínio
jurídico geral e de subsunção em particular”.
Sobre a segunda das críticas, temos que levar em conta que, ainda
que o neoconstitucionalismo seja apresentado especiicamente como
uma teoria do direito – e, por isso, despojado de qualquer elemento
politológico – é também, ou consequentemente, uma teoria do poder: em
particular, do poder dos juízes na hora de interpretar a Constituição. Um
dos principais problemas do neoconstitucionalismo é que ele não difere
substancialmente entre a função dos juízes, que realizam o controle
concentrado de constitucionalidade – os tribunais constitucionais – e a
justiça ordinária, cuja interpretação da Constituição vem premodulada
pelos intérpretes autênticos (os tribunais constitucionais acima
mencionados). Na confusão, própria do neoconstitucionalismo, entre
sistema difuso e concentrado, os juízes ordinários acabam assumindo
a função de limitador da liberdade do legislador, o que em última

13 GUASTINI, Riccardo. A propósito del neoconstitucionalismo. Doctrina constitucional, v. 67, p. 231, 2013.

14 Ibidem, p. 240.
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instância signiica a substituição do legislador. Essa substituição pode


corresponder ao juiz que realiza o controle de constitucionalidade,
pelo caráter político da sua função como legislador negativo, mas não
tão ao juiz ordinário, que não é legitimado democraticamente para
desenvolver uma função política. O grande problema da liberdade do
juiz ordinário na aplicação da Constituição livremente é que não conta
com a legitimidade democrática – nem a correspondente legitimidade
constitucional – para se declarar por si mesmo intérprete político da
Constituição. O neoconstitucionalismo, assim o defende, signiica passar
de uma teoria do direito para uma teoria do poder: a preponderância
do poder elitista do Poder Judiciário contra o poder democrático da
função legislativa, por meio da decisão sobre o signiicado de uma
norma constitucional, portanto, limitar o papel do legislador.

1.3 O novo constitucionalismo, entre uma teoria da


legitimidade e uma teoria da constituição

O conceito de novo constitucionalismo é ainda mais recente que o


neoconstitucionalismo. Ao contrário do neoconstitucionalismo, que vem
da ilosoia do direito e deseja transcender a prática jurisprudencial,
novo constitucionalismo tem um duplo objetivo. Por um lado, recuperar
e atualizar o conceito de poder constituinte democrático, garantindo a
origem democrática da Constituição por meio de uma iniciativa popular
de sua ativação e do exercício de tal poder fundador através de uma
Assembleia Constituinte participativa e plural, bem como a conveniente
aprovação direta da Constituição por parte dos cidadãos por meio
de uma consulta popular. Por outro lado, gerar alguns conteúdos
constitucionais que permitem resolver os problemas de legitimidade
do sistema que o constitucionalismo social de origem europeia não
conseguiu resolver.
No sentido anterior, além da preocupação pela supremacia
constitucional característica do neoconstitucionalismo, o novo
constitucionalismo aposta, entre outros aspectos, por abrir espaços
de participação direta dos cidadãos para evitar a oligarquização do
sistema político; estender as garantias e efetividade dos direitos
sociais; estabelecer novos fundamentos axiológicos da vida em
comum; incorporar a proteção do meio ambiente como uma política
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transversal que deve permear toda a atividade social; estender os


controles constitucionais aos poderes privados, fundamentalmente
aos poderes econômicos que controlam e distorcem os mercados; e
tentar democratizar e garantir a independência do poder judiciário,
dos órgãos constitucionais e, em geral, das instituições de controle
sobre o poder político ou econômico. E, com certeza, resolver a
exclusão e a marginalização de grupos vulneráveis e minorias étnicas
e sociais. Neste trabalho tentamos especialmente o objetivo primeiro
do novo constitucionalismo, a recuperação da legitimidade democrática
da Constituição, por se tratar do elemento que mais claramente se
contrapõe a uma pretensão da teoria constitucional frente à teoria do
direito que fundamenta o neoconstitucionalismo.
Também o novo constitucionalismo com seu registro de
nascimento, mas nessa ocasião na América Latina. No inal do século
XX, duas Constituições latino­americanas poderiam ser incluídas
dentro do novo constitucionalismo: a Constituição colombiana de
1991 e a venezuelana de 1999. Essas Constituições democráticas foram
os precedentes que abriram caminho às mudanças constitucionais
na América Latina que ocorreram durante o início do século XXI,
com a Constituição equatoriana de 2008 e a boliviana de 2009. Nesse
marco teve lugar uma primeira exploração sobre o conceito novo
constitucionalismo a partir da mudança do paradigma sobre o antigo
ou clássico constitucionalismo latino-americano,15 que se aprofundou
em seus postulados teórico-práticos alguns anos depois, quando as
Constituições equatoriana de 2008 e boliviana de 2009 já tinham vindo
à luz.16
Como já temos adiantado, o fundamento do novo constituci-
onalismo situa-se na recuperação de um poder constituinte democrático
que, de acordo com as possibilidades contextuais em uma dinâmica
evolutiva, tem lugar por meio de vontades populares emancipatórias
depois de uma época de hegemonia de um constitucionalismo das
elites. Se algo tradicionalmente caracterizou o constitucionalismo
latino-americano não foi sua capacidade social integradora, a sua força
normativa, tampouco a sua ampla legitimidade democrática. Mas bem,
pelo contrário.

15 VICIANO-PASTOR, Roberto; MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. El proceso constituyente venezolano en el marco del nuevo constitucionalismo
latino-americano. Ágora. Revista de Ciencias Sociales, v. 13, p. 55-68, 2005.

16 VICIANO PASTOR, Roberto; MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. Los procesos constituyentes latinoamericanos y el nuevo paradigma
constitucional. Ius. Revista del Instituto de Ciencias Jurídicas de Puebla, v. 25, p. 7-29, 2010.
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A história constitucional latino­americana, com poucas exceções,


tem demonstrado domínio das elites em decisão constituinte e,
portanto, a identidade entre a vontade elitista-crioula e constituinte
(não democrático). O resultado foi um constitucionalismo conservador
que vem se mantendo hegemônico, com diferentes mudanças de igura,
até a atualidade. O novo constitucionalismo latino-americano, o qual nem
tudo são virtudes e sobressaem amplamente suas falhas, constitui,
no entanto, uma resposta re legitimadora de novas Constituições
democráticas cuja categoria diferencial agora está assentada na
doutrina: Gargarella & Courtis,17 Medici,18 Noguera,19 de Cabo,20
Aparicio Wilhelmi,21 Uprimny,22 Pisarello,23 Nolte & Schilling­Vacalor,24
Palacios,25 Wolkmer e Machado,26 Gargarella27 e outros.
As críticas para o novo constitucionalismo latino-americano
provêm especificamente da doutrina mais conservadora e menos
desenvolvida conceitualmente, que critica o caráter populista dos novos
textos constitucionais. Assim, por exemplo, Edwards28 indica que as
Constituições elevam o apelo populista às massas a nível constitucional,
embora o autor não diferencie entre neoconstitucionalismo e o novo
constitucionalismo. As críticas contêm maior força analítica de teóricos
da democracia constitucional. Para Salazar,29 o caráter ambíguo dos textos
constitucionais é um problema para a segurança jurídica, porque são

17 GARGARELLA, Roberto; COURTIS, Christian. El nuevo constitucionalismo latinoamericano: promesas e interrogantes. Santiago de Chile: Cepal, 2009.

18 MÉDICI, Alejandro. El nuevo constitucionalismo latinoamericano y giro decolonial: Bolivia y Ecuador. Revista de Derecho y Ciencias Sociales, n. 3,
p. 3-23, 2010.

19 NOGUERA-FERNÁNDEZ, Albert. Los derechos sociales en las nuevas constituciones latinoamericanas. Valencia: Tirant, 2010.

20 DE CABO DE LA VEGA, Antonio. Los mecanismos de democracia participativa en el nuevo constitucionalismo latinoamericano. Revista General
de Derecho Público Comparado, v. 9, p. 1-40, 2011.

21 APARICIO-WILHELMI, Marco. Nuevo constitucionalismo, derechos y medio ambiente en las Constituciones de Ecuador y Bolivia. Revista
General de Derecho Público Comparado, n. 9, p. 1-24, 2011.

22 UPRIMNY, R. Las transformaciones constitucionales recientes en América Latina: tendencias y desafíos. En César Rodríguez Garavito (Coord.). El derecho
en América Latina: un mapa para el pensamiento jurídico en el siglo XXI. Buenos Aires: Siglo XXI, 2011.

23 PISARELLO, Gerardo. Un largo Termidor. La ofensiva del constitucionalismo antidemocrático. Madrid: Trota, 2011.

24 NOLTE, Detlef; SCHILLING-VACAFLOR, Almut. New Constitutionalism in Latin America: promises and practices. Burlington: Ashgate, 2012.

25 PALACIOS-ROMEO, Francisco. Nuevo constitucionalismo participativo en Hispanoamérica. Pamplona: Aranzadi, 2013.

26 WOLKMER, Antonio Carlos; MACHADO FAGUNDES, Lucas.Para um novo paradigma de estado plurinacional na América Latina. Novos
Estudos Jurídicos, v. 18, n. 2, p. 329-342, 2013.

27 GARGARELLA, Roberto. Latin American Constitutionalism 1810-2010: the engine room of the constitution. New York: Oxford University Press, 2013.

28 EDWARDS, S. Populismo o mercados. El dilema de América Latina. Bogotá: Norma, 2009, p. 233.

29 SALAZAR UGARTE, Pedro. El nuevo constitucionalismo latinoamericano (una perspectiva crítica). In: GONZÁLEZ PÉREZ, Luis Raúl;
VALADÉS, Diego (Coords.). El constitucionalismo contemporáneo. Homenaje a Jorge Carpizo. México: UNAM, 2013. p. 361-363.
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114 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL

disposições jurídicas que são suscetíveis de múltiplas


interpretações e, por isso mesmo, são o receptáculo de
muitas normas que resulta muito difícil de identiicar [...]
Poderia organizar­se seminário de ilosoia, antropologia
ou direito constitucional para discernir seus signiicados
e provavelmente os experts não chegariam a posições
concordantes.

O novo constitucionalismo latino-americano é qualificado


pelo autor, por suas características diferenciadas da democracia
constitucional, como um ornitorrinco legal (p. 387).
Mas cabe insistir que o novo constitucionalismo latino-americano
se diferencia do constitucionalismo crioulo no campo da legitimidade;
no entanto, em alguns dos inovadores conteúdos de suas constituições –
que surgem de um debate aberto e plural legitimado democraticamente,
o qual, sem dúvida, cria as redações tecnicamente menos acertadas –,
senão pela natureza democrática dos processos constituintes.
A partir das Constituições fundacionais dos novos Estados
independentes, na América Latina têm escasseados os processos
constituintes plenamente democráticos e, em vez disso, foram produzidos
em múltiplas ocasiões processos constituintes representativos das elites
e afastados da natureza democrática essencial do poder constituinte.
A evolução do constitucionalismo americano anterior para as novas
constituições se fundamentou no nominalismo constitucional e, desse
modo, na falta de uma presença efetiva da Constituição no ordenamento
jurídico e na sociedade. Em geral, as Constituições do constitucionalismo
crioulo não cumpriram mais que os objetivos que haviam determinado
às elites: a organização do poder do Estado e a manutenção, em alguns
casos, dos elementos básicos de um sistema democrático formal.30
Daí vem a denominação de um novo constitucionalismo, quando o
relato de legitimidade positivista-elitista se transforma em legitimidade
democrática, com a intenção de terminar com o nominalismo
constitucional e avançar em direção à transformação da sociedade no
que se aplica. A partir da segunda metade da década dos oitenta do
século XX, produzem­se alterações que previam a proximidade de

30 MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. El constitucionalismo fundacional en América Latina y su evolución: entre el constitucionalismo criollo
y el nuevo constitucionalismo In: TROBAT, Pilar García; FERRIZ, Remedio Sánchez (Coords.). El legado de las Cortes de Cádiz. Valencia:
Tirant, 2011. p. 851.
ROBERTO VICIANO PASTOR, RUBÉN MARTÍNEZ DALMAU
A CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA, ENTRE O NEOCONSTITUCIONALISMO E O NOVO CONSTITUCIONALISMO
115

conciliação entre constituição formal e material, e começaram a abrir


caminho para os postulados do novo constitucionalismo. Lembremos,
essencialmente, a Constituição do Brasil de 1988, no entanto, excluída
do novo constitucionalismo por carências democráticas do seu processo
constituinte e pela falta de vontade transformadora no que diz respeito
ao constitucionalismo do Estado social. Será a reaparição dos postulados
democráticos nos processos constituintes colombiano e venezuelano e,
portanto, a elaboração de um novo relato de legitimidade, que coloca o
diferencial entre o antes e o depois do novo constitucionalismo.
O novo constitucionalismo realoca um signiicado atualizado
aos conceitos que tinham sido desnaturados pela teoria constitucional
conservadora, tais como a soberania popular e poder constituinte.
E não uma teoria constitucional democrática os tenha reconstruído
solidamente com anterioridade aos processos constituintes, mas
porque assim foram usados esses conceitos para o avanço democrático
e, muito especialmente, por aqueles movimentos sociais como
fundamento da emancipação. Essa é uma das principais diferenças
com o neoconstitucionalismo: o novo constitucionalismo não é uma
teoria do direito, senão uma teoria da Constituição relatada em um
marco reescrito sobre a legitimidade democrática da Constituição,
que usa os conceitos sem medo e da maneira como lhe são úteis para
avançar democraticamente. Como fez referência Martinez Dalmau,31
é certo que, de diferentes âmbitos acadêmicos, em particular a partir
da ilosoia do direito, tem sido levantada nos últimos anos uma
revisão do conceito de soberania e cidadania e, com isso, o de poder
constituinte,32 pela identiicação do problema do absolutismo do Estado,
que se oporia ao constitucionalismo global. A proposição, desde logo, é
acertada do ponto de vista da soberania do Estado, mas não deveria afetar
a reivindicação da soberania do povo no Estado constitucional. Soberania
do estado e a soberania do povo são dois conceitos próximos em algumas
características, mas por sorte diferente em sua matéria, precisamente
porque a diferença entre o estado moderno e a época de Bodin e o
Estado constitucional é que a soberania, nesta última formação, não é
explicativa de um fato – a aparição do Estado – senão o fundamento deste
feito. No Estado constitucional, a soberania do Estado só tem sentido de

31 MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. El ejercicio del poder constituyente en el nuevo constitucionalismo. Revista General de Derecho Público Comparado,
v. 11, p. 1-15, 2012.

32 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: la ley del más débil. Madrid: Trota, 2002
JOSÉ RIBAS VIEIRA, MARGARIDA MARIA LACOMBE CAMARGO, SIDDHARTA LEGALE (COORDS.)
116 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL

forma dependente – e, portanto, limitada – da soberania do povo e, por


isso, o constitucionalismo democrático só pode conceber-se no âmbito
da normativa. Mas o perigo de negar uma soberania legitimadora do
povo é grave, porque, a menos que novos modelos aparecem, o que se
nega é a possibilidade de um constitucionalismo democrático. Ou, o que
dá no mesmo, a possibilidade de progredir no avanço da emancipação
dos povos por meio do Estado constitucional.
Um ponto em comum entre o novo constitucionalismo e o
neoconstitucionalismo é a reivindicação de um velho signiicante com
um signiicado diferente: o Estado constitucional. O Estado constitucional
gira em torno da supremacia da Constituição em todo o seu conteúdo;
portanto, esses princípios constitucionais, como vontade do poder
constituinte, contam com a efetividade jurídica correspondente à
sua posição. Na doutrina, principalmente a raiz da consolidação da
corrente neoconstitucionalista, tem havido progressos no sentido da
diferenciação entre o conceito formal e material do Estado constitucional.
A distinção reside no entendimento de que não é o Estado
constitucional o Estado que conta com uma Constituição unicamente
no sentido formal, ou seja, que conta com um texto que autodenomina
como tal e que organiza o poder do Estado,33 senão o que conta com
uma constituição de origem democrática e que organiza o poder
do Estado, limitando-o pelo respeito aos direitos fundamentais e
à vontade popular. Assim, a Constituição é a norma suprema do
ordenamento jurídico não porque prescreve seu texto, mas porque
expressa a vontade democrática popular sobre o conteúdo e o valor
da Constituição. Portanto, a deinição do estado constitucional, para o
novo constitucionalismo, não é apenas formal e normativo, mas baseia-
se no fundamento democrático que outorga legitimidade ao poder.
Uma dimensão, a democrática, que não parece estar presente nas
teses neoconstitucionais, inclusive parecia contrária à função que esta
corrente atribui aos juízes ordinários.
Do ponto de vista do novo constitucionalismo, o estado
constitucional, como superação do Estado social e democrático de
direito, passa principalmente por quatro caminhos:34 a reivindicação
do conceito de soberania popular e sua identiicação com o poder

33 AGUILÓ REGLA, Josep. Sobre la constitución del Estado constitucional. Doxa, n. 24, p. 450, 2001.

34 MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. El ejercicio del poder constituyente en el nuevo constitucionalismo. Revista General de Derecho Público Comparado,
n. 11, p. 1-15, 2012.
ROBERTO VICIANO PASTOR, RUBÉN MARTÍNEZ DALMAU
A CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA, ENTRE O NEOCONSTITUCIONALISMO E O NOVO CONSTITUCIONALISMO
117

constituinte; a incorporação de mecanismos de fortalecimento da


legitimidade democrática do poder constituído, tanto por meio da
participação direta nas decisões como do controle democrático do
poder político organizado; a busca de mecanismos de materialização e
efetividade da Constituição e da eliminação das sombras nominalistas;
e, por último, o desaparecimento deinitivo do poder constituído ou
derivado (poder de reforma da Constituição pelos órgãos constituídos),
ao considerar materialmente indelegável ao poder constituinte
democrático. Desses quatro elementos, apenas um terço pode-se
entender que é compartilhado com o constitucionalismo do Estado
social e pelo neoconstitucionalismo.
Um aspecto importante sobre os princípios constitucionais também
diferencia sutilmente as Constituições do novo constitucionalismo
com as teses neoconstitucionalistas. A sacralização do princípio
constitucional por parte do neoconstitucionalismo é relevante no
momento de entender a função do juiz ordinário, que se converte
em permanente e amplo intérprete da Constituição no momento de
decidir que regras atentam contra os princípios constitucionais. As
Constituições do novo constitucionalismo, ainda que carregadas de
elementos axiológicos importantes para a sua fundamentação em
um princípio, não estão carentes de regras; ao contrário, são profusas
em regras, a ponto de que algumas críticas qualificarem-nas de
regulamentarias. A razão reside na necessidade de encontrar canais
reais para sua aplicação e evitar com isso o nominalismo, porque a
falta de aplicação da Constituição tem sido, como já vimos, um dos
principais problemas do constitucionalismo crioulo. E se alguma coisa
se tornou clara no constitucionalismo comparado é que as constituições
principialistas têm deixado nas mãos do aplicador do direito, o juiz,
a vigência real da Constituição, que historicamente tem produzido
enormes problemas de nominalismo constitucional, como é o caso
do constitucionalismo Europeu do século XIX. Esses princípios são
importantes para o novo constitucionalismo, mas também as regras.
Obviamente, essa nova relação entre princípios e regras
constitucionais modifica os mecanismos de interpretação da
Constituição. No novo constitucionalismo cobra importância o
controle concentrado de constitucionalidade, que só pode ser
um controle de natureza política dentro do marco jurídico da
Constituição. Mas é o controle concentrado que garante uma leitura
JOSÉ RIBAS VIEIRA, MARGARIDA MARIA LACOMBE CAMARGO, SIDDHARTA LEGALE (COORDS.)
118 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL

única e, portanto, a aplicabilidade real da vontade constituinte. Se no


neoconstitucionalismo a decisão do juiz (ordinária ou de controle de
constitucionalidade) é inalmente a autêntica e se impõe ao legislador,
no novo constitucionalismo é a vontade constituinte, por meio dos juízes
de controle de constitucionalidade, que se impõe tanto ao legislador
quanto ao juiz ordinário. O problema, portanto, transfere-se para a
legitimidade democrática do juiz de controle constitucionalidade.
Mas este é um problema diferente relacionado não com uma teoria
do direito, mas com uma (mais necessária do que nunca) teoria da
legitimidade. Dessa forma, a constituição do novo constitucionalismo é
uma constituição forte e fraca ao mesmo tempo; forte no que diz respeito
ao poder constituído, o que não poderia ser de outra maneira, a partir
da teoria da Constituição democrática porque abriga vontade popular;
mas fraco em termos de Cólon (2013), no que diz respeito ao poder
constituinte, porque a Constituição democrática está permanentemente
disponível para a revisão por parte do povo que podem modiicá­la
quando considerem oportuno.
Recordemos que a interpretação da Constituição no novo
constitucionalismo é principalmente a interpretação de uma
Constituição democrática.35 Cabe lembrar, como avançávamos para
o princípio, que a especiicidade da interpretação constitucional é
um tema largamente debatido tanto no marco da ilosoia do direito
quanto do direito constitucional, portanto se trata de um dos principais
denominadores comuns entre os dois campos de estudo sobre o
fato jurídico. O neoconstitucionalismo, fundamentalmente, nos seus
esforços em traduzir a constituição política em constituição normativa
e o papel atribuído ao juiz ordinário, neste respeito, tem insistido nas
diferenças entre ambas as interpretações. Pozzolo identiicava, como
vimos, algumas características comuns nas construções dos diferentes
autores, o que justiicaria sua incorporação à tese neoconstitucionalista
e à especificidade da interpretação constitucional, postura neste
momento majoritária na doutrina. Guastini,36 ciente de sua posição
minoritaria, catalogou e criticou os argumentos pelos quais esta parte
da doutrina considera que a interpretação de um texto constitucional
é decididamente diferente da interpretação de outros textos jurídicos,

35 MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. La interpretación de la Constitución democrática. In AA. VV. Costituzione, Economia, Globalizzazione. Liber
Amicorum in Onore di Carlo Amirante. Nápoles: Edizioni Schientiiche Italiane, 2013. p. 437­45

36 GUASTINI, Ricardo. Teoría e ideología de la interpretación constitucional. Madrid: Trota, 2008. p. 53­58
ROBERTO VICIANO PASTOR, RUBÉN MARTÍNEZ DALMAU
A CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA, ENTRE O NEOCONSTITUCIONALISMO E O NOVO CONSTITUCIONALISMO
119

em especial da lei, que exige métodos especiais diferentes daqueles


normalmente utilizados na interpretação da lei, o que o autor nega.
Agora bem, ambas análises passam por alto, provavelmente de forma
consciente, a importância do fator democrático nos diferentes métodos
da interpretação da Constituição. É evidente que não pode interpretar
de maneira igual a norma fundante do ordenamento e com legitimidade
popular constituinte com as outras normas jurídicas que se submetem
à constituição e contam com legitimidade democrática constituída.
Efetivamente, a interpretação constitucional cobra um sentido
puramente positivista, quando a interpretação da Constituição é,
em última análise, a interpretação de uma lei (fundamental) sem
maiores considerações. Mas quando, além disso, se trata de uma
Constituição originária de um poder constituinte democrático, isto é,
do novo constitucionalismo, estamos diante do único caso de aplicação
normativa, em que não se pode aceder ao conhecimento direto da
vontade geradora, senão que só se pode conhecer por meio dos
documentos gerados durante o período constituinte. Requer, portanto,
de um intérprete autêntico substituto que realize a função de intérprete
constitucional, e que, nos casos de sistemas de controle concentrado
de constitucionalidade é, geralmente, o Tribunal Constitucional. Por
outro lado, a interpretação da Constituição democrática obedece
necessariamente a critérios metajuridicos, políticos, que apela para a
vontade constituinte. Pelo contrário, o julgamento de constitucionalidade
de uma norma só infraconstitutional só deve tomar como critério se essa
norma é compatível ou não com o que indica o texto constitucional. Ou
seja, deve determinar o signiicado desta norma em inter­relação com
o texto constitucional, que redireciona o mecanismo de interpretação
para o critério sistemático/ contextual.37
Deinitivamente, a distinção substantiva entre Constituições na
atualidade é que diferencia as Constituições democráticas (produto de
um poder democrático, isto é, participativo, deliberativo e plural) das
que foram elaboradas por qualquer outro procedimento (impostas,
outorgadas, ou aprovadas ou modiicadas a partir do poder constituinte
constituído ou derivado). No novo constitucionalismo só se pode
incluir-se as primeiras. No neoconstitucionalismo cabem ambas as

37 MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. La interpretación de la Constitución democrática. In. AA. VV. Costituzione, Economia, Globalizzazione. Liber
Amicorum in Onore di Carlo Amirante. Nápoles: Edizioni Schientiiche Italiane, 2013. p. 437­452.
JOSÉ RIBAS VIEIRA, MARGARIDA MARIA LACOMBE CAMARGO, SIDDHARTA LEGALE (COORDS.)
120 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL

tipologias, porque esta corrente doutrinária não se preocupa com a


legitimidade da Constituição, mas apenas de sua aplicação no marco da
relação princípios e regras, e da função do juiz para torná-la efetiva. Não
são conceitos opostos, como defendem alguns autores,38 porque o novo
constitucionalismo coincide com alguns elementos neoconstitucionalistas;
Mas, desde logo, não são conceitos assimiláveis, nem necessariamente
complementários em todos os seus aspectos.

1.4 Novo constitucionalismo latino-americano?

Uma vez delimitada a diferença entre o neoconstitucionalismo


e o novo constitucionalismo, cabe incursionar na categorização do
novo constitucionalismo como latino-americano. Como vimos,39 o
novo constitucionalismo busca analisar, em um primeiro momento,
a exterioridade da Constituição; ou seja, sua legitimidade, que, pela
sua própria natureza, só pode ser extrajurídica. Posteriormente, como
consequência daquela, interessa a interioridade da Constituição, com
particular referência – nesse ponto se conecta com os postulados
neoconstitucionalistas – a sua normatividade. A partir dos axiomas
democráticos, o fundamento da constitucionalização do ordenamento
jurídico só pode encontrar-se em que a Constituição é o mandato de
um constituinte democrático e relete sua vontade.
E isso, a partir de alguns dos processos constituintes da segunda
pós-guerra europeia, não havia ocorrido – exceto no caso particular da
Constituição portuguesa de 1976 – e voltou a se recuperar na América
Latina. Efetivamente, através dos últimos processos constituintes latino-
americanos se legitimaram os textos constitucionais que procuraram,
apesar dos obstáculos e diiculdades, não só ser iel relexo do poder
constituinte senão permear o ordenamento jurídico e revolucionar o
status quo das sociedades em condições de necessidade.
A situação social na América Latina não deixou muitos resquícios
para a esperança, mas um deles é o papel de um constitucionalismo
democrático. Um constitucionalismo que possa romper com o que é

38 LASCARRO CASTELLAR, Carlos. De la hegemonía (neo)constitucional a la estrategia del nuevo constitucionalismo latinoamericano. Jurídicas,
v. 9, n. 2, p. 58-69, 2012.

39 VICIANO PASTOR, Roberto; MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. El nuevo constitucio- nalismo latinoamericano: fundamentos para una
construcción doctrinal. Revista General de Derecho Público Comparado, v. 9, p. 7 et seq, 2011.
ROBERTO VICIANO PASTOR, RUBÉN MARTÍNEZ DALMAU
A CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA, ENTRE O NEOCONSTITUCIONALISMO E O NOVO CONSTITUCIONALISMO
121

considerado imutável e determinado, e que possa avançar pelo caminho


da justiça social, da igualdade e do bem-estar dos cidadãos.40 Embora o
modelo do novo constitucionalismo possa gerar Constituições em outros
espaços geográicos, onde se produziu a primeira manifestação desta
corrente foi na América Latina; por essa razão, convém denominar
o ocorrido na Colômbia, Venezuela, Equador e Bolívia como um
novo constitucionalismo latino-americano. Sem dúvida, como airmam
Gargarella & Courtis,41 uma das principais perguntas que as novas
constituições latino­americanas vêm responder – ainda que não a única
– é como se soluciona o problema da desigualdade social. Em muitos
países da América Latina, após as ditaduras militares dos anos setenta
e oitenta, tentou-se implementar um remendo de constitucionalismo
social de inspiração europeia. Mas quando esse projeto foi desenhado
pelas elites políticas (a social democracia e a democracia cristã latino-
americana, com os conselhos de seus pares europeus), não aplicaram
o elemento central que permitiu durante décadas que o Estado social
e democrático de direito existisse na Europa: o pacto capital-trabalho,
que deu lugar a uma certa redistribuição de suas plusvalias em troca da
renúncia à substituição radical do capitalismo. Na ausência do pacto de
capital-trabalho, o constitucionalismo social latino-americano tornou-se
papel molhado, em um constitucionalismo que frustrou as esperanças
da cidadania e que abriu a busca social de novos parâmetros de
constitucionalismo. Logo, as manifestações na América Latina levaram à
busca de maneiras de resgatar a dignidade dos povos, de reivindicação
de seus direitos, de aprofundamento democrático, de exigência
do que lhes correspondia por meio de mecanismos globalmente
transformadores e que funcionaram. E aqui nós nos encontramos com
um segundo elemento que fortalece a ideia de que é preciso falar de
um novo constitucionalismo latino-americano e não meramente andino,
porque, ainda que os processos constituintes se produziram em alguns
países andinos, a ideia de recuperar uma formulação democrática do
poder constituinte e as reivindicações populares que esses processos
incorporaram aos textos constitucionais foram uma resposta global
latino-americana. Que pode ver a luz, por circunstâncias históricas e
sociais, em alguns Estados, mas que se encontram ainda hoje em dia
latente na totalidade dos países da região.

40 VICIANO PASTOR, Roberto; MARTÍNEZ DALMAU, Rubén. El proceso constituyente venezolano en el marco del nuevo constitucionalismo
latinoamericano. Ágora. Revista de Ciencias Sociales, v. 13, p. 60 et seq, 2005.

41 GARGARELLA, Roberto; COURTIS, Christian. El nuevo constitucionalismo latinoamericano: promesas e interrogantes. Santiago de Chile: Cepal,
2009. p. 11.
JOSÉ RIBAS VIEIRA, MARGARIDA MARIA LACOMBE CAMARGO, SIDDHARTA LEGALE (COORDS.)
122 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL

Os processos constituintes latino-americanos, portanto, se


insertam no leque – por outro lado, não muito amplo – de mecanismos de
mudança e tornaram-se processos necessários na evolução da história,42
como resultado direto dos conlitos sociais que se agravaram durante
a implementação das políticas neoliberais, especialmente durante as
décadas de oitenta e noventa, e da resposta político-social que geraram
os movimentos sociais. A transferência de suas necessidades para os
textos constitucionais através de processos constituintes é a culminação
de um caminho progressivo na nova expressão democrática. Portanto,
não há dúvida de que certos aspectos deste novo constitucionalismo latino-
americano são estranhos à doutrina clássica do direito constitucional.43
Não tanto pelo método usado para aprovar as novas Constituições, que
enraíza diretamente com o conceito europeu liberal da revolução e da
soberania, mas porque, ainda que pareça incrível, o constitucionalismo
democrático é um fenômeno distante para os europeus no início do
século XXI. As dinâmicas conservadoras da disciplina favorecem as
desconianças sobre posições inovadoras, e as novas Constituições
latino-americanas se fazem algo é inovar, muitas vezes de forma
caótica e desordenada, que, no que cabe recordar, é outra das críticas
às novas Constituições latino­americanas. São textos que criam,
entre outras coisas, formas alternativas de participação; incluem
elementos inovadores no controle de constitucionalidade; regulam
os bancos centrais; garantem efetivamente os direitos econômicos e
sociais; reconstroem a Constituição econômica, incluindo o conceito
de propriedade privada... O novo constitucionalismo latino-americano,
sem dúvida, cometeu inúmeros erros, tanto no design como, acima
de tudo, na aplicação do modelo, mas conta com um componente
de originalidade que, para encontrá-lo nos experientes constituintes
comparados, teríamos que cavar nas mais remotas origens do
constitucionalismo democrático.
Mas, além disso, trata-se de um constitucionalismo em
construção, de um constitucionalismo em transição, não de um modelo
constitucional acabado. Entre outras razões, porque é um modelo que

42 VICIANO PASTOR, Roberto; MARTÍNEZ DALMAU, Ruben. El proceso constituyente venezolano en el marco del nuevo constitucionalismo
latinoamericano. Ágora. Revista de Ciencias Sociales, v. 13, p. 61, 2005.

43 VICIANO PASTOR, Roberto; MARTÍNEZ DALMAU, Ruben. Los procesos constituyentes latinoamericanos y el nuevo paradigma
constitucional. Ius. Revista del Instituto de Ciencias Jurídicas de Puebla, v. 25, p. 7-29, 2010.
ROBERTO VICIANO PASTOR, RUBÉN MARTÍNEZ DALMAU
A CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA, ENTRE O NEOCONSTITUCIONALISMO E O NOVO CONSTITUCIONALISMO
123

surgiu a desde abajo, sem uma teorização prévia e sem muitos especialistas
que acompanharam o parto. É um modelo experimental – em termos
de Sousa Santos que pretende abrir novas fórmulas de organização da
sociedade. E, como todo experimento, precisa recorrer ao mecanismo de
erro e retiicação para poder avançar na procura das melhores soluções
constitucionais para sociedades latino-americanas. Destacadas estas
notas de experimentação e de transformação que caracterizam o novo
constitucionalismo latino-americano, não nos parece que fazem justiça
a uma denominação exclusiva como constitucionalismo experimental,
constitucionalismo transformador ou neoconstitucionalismo transformador.44
Modelos experimentais e transformadores de constitucionalismo já
existiram bastantes ao longo da história. Mas é a primeira vez que um
modelo constitucional, experimental e transformador se dá fora das
fronteiras geográicas do hemisfério norte e, concretamente, da Europa
ou Estados Unidos. Parece destacável que essa novidade histórica
seja remarcada ao denominar as experiências constitucionais que nos
referimos neste trabalho.
Agora bem, não cabe pensar que as condições que deram
origem a um novo constitucionalismo tenham necessariamente que ser
exclusivas da América Latina. Uma vez comprovada a ação global
do constitucionalismo democrático, é fácil prever que os avanços
democráticos emancipatórios do constitucionalismo democrático serão
resgatados e melhorados por outros âmbitos geográicos onde se deem
as condições para a superação do Estado social, possivelmente por
meio das constituintes democráticas. De fato, alguns avanços na Ásia
(Butão), África (África do Sul, Tunísia) e Europa (processo inacabado
Islandês) parecem apontar no sentido de uma concepção global de
novo constitucionalismo. Essas experiências recentes parecem avançar
na prática o que em teoria é apenas um esboço: a necessidade de
fundamentar o Estado constitucional não só, mas também nos princípios
de aplicação da Constituição – tese neoconstitucionalista, senão e caberia
dizer que primeiramente, sobre a legitimidade do poder constituinte
(processos constituintes, assembleias constituintes) e sobre uma nova
teoria da Constituição, que renovem a estrutura interna e seus ins
sociais, adequando-a aos problemas sociais, políticos e econômicos que
vive hoje a humanidade.

44 ÁVILA SANTAMARÍA, Ramiro. El neoconstitucionalismo transformador. El Estado y el derecho en la Constitución de 2008. Quito: Abya-Yala y
Universidad Andina Simón Bolívar, 2011.
JOSÉ RIBAS VIEIRA, MARGARIDA MARIA LACOMBE CAMARGO, SIDDHARTA LEGALE (COORDS.)
124 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL

Parece, portanto, que superar as deiciências do constitucionalismo


do Estado social virá de uma legitimação do poder político organizado
sobre o princípio emancipador da soberania popular, o poder
constituinte e o constitucionalismo democrático; ou seja, do novo
constitucionalismo. A experiência latino-americana será, neste caminho,
um insumo valiosíssimo para a aprendizagem. Não sendo assim,
importantes sombras poderiam pairar sobre a capacidade de os seres
humanos serem donos de si mesmos, de seu destino em comum.

Informação bibliográica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

PASTOR, Roberto Viciano; DALMAU, Rubén Martínez. A Constituição democrática,


entre o neoconstitucionalismo e o novo constitucionalismo. In: VIEIRA, José Ribas;
LACOMBE, Margarida; LEGALE, Siddharta. Jurisdição constitucional e direito constitucional
internacional. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 102-124. ISBN 978-85-450-0196-6.
Disponível em:< htp://www.bidforum.com.br>.

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