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CONHECER O MUNDO – PARTE 1

3ª SÉRIE
06/05/2021

HABILIDADE: Identificar marcas dos discursos filosóficos, mitológico e religioso


CONTEÚDOS:
OBJETIVO: Identificar marcas dos discursos filosóficos, mitológico e religioso
SUGESTÃO DE ATIVIDADE:
PÁGINA DO LIVRO:
PALAVRAS-CHAVE: Conhecimento, mundo.

- A professora parte de uma questão: O que é a vida? De que forma você procuraria oferecer essa
resposta?
- Há uma infinidade de respostas para essa pergunta: depende do que a gente conhece.
- Em seguida, a professora oferece uma definição dicionarial de “conhecimento”: uma ação de entender
por meio da inteligência, da razão ou da experiência; reunião das referência ou informações guardadas
pela humanidade.
- Hoje vamos analisar duas formas de conhecimento (entre várias): filosofia e religião – outras formas de
conhecimento: senso comum, ciência, arte, mitologia.
- Em seguida, a professora Maria Fernanda lembra do verbete de Filosofia definido no Eutidemo de
Platão: Filosofia é o uso do saber em proveito do homem (definição tirada do dicionário de Abbagnano).
- Já a religião, segundo o mesmo Abbagnano, é a “crença na garantia sobrenatural de salvação, e técnicas
destinadas a obter e conservar essa garantia. A garantia religiosa é sobrenatural no sentido de que situa-se
além dos limites abarcados pelos poderes do homem, de agir ou poder agir onde tais poderes são
impotentes e de ter um modo de ação misterioso e imperscrutável.”
- Por fim, a professora sugere que a diferença entre a religião e a filosofia é uma diferença de discursos
(“quaisquer expressões de uma língua, suas manifestações, tendo em conta o momento e contexto em que
está inserida.”)
- Para ilustrar essa diferença, a professora recorre a dois exemplos de discurso: de um lado (1) um sermão
do Padre Antonio Vieira; do outro, uma passagem (2) Ensaio sobre o entendimento humano de David
Hume.
- O texto do Pe. Vieira trata de uma questão muito específica da religião: no século XVII havia, diz ele,
mais padres e evangelizadores como nunca, mas, paradoxalmente, havia muito poucos “frutos” ou seja,
almas salva, pessoas arrependidas e virtuosas...
- Já o texto de Hume trata de duas maneiras possíveis de se tratar da filosofia moral: 1) “A primeira
considera o homem como nascido principalmente para a ação; como influenciado em suas avaliações pelo
gosto e pelo sentimento; perseguindo um objetivo e evitando outro, segundo o valor que esses objetos
parecem possuir e de acordo com a luz sob a qual eles próprios se apresentam.” 2) Já “os filósofos da
outra classe consideram o homem mais um ser racional que um ser ativo (...). Consideram a natureza
humana objeto de especulação e examinam-na com rigoroso cuidado a fim de encontrar os princípios que
regulam nosso entendimento, excitam nossos sentimentos e fazem-nos aprovar ou censurar qualquer
objeto particular, ação ou conduta.”
- O primeiro é um exemplo de discurso religioso, o segundo, de um discurso filosófico.

PREPARAÇÃO DA AULA
MATERIAL DE ESTUDO:
DELEUZE, G. “Qu'est-ce que la philosophie”. Paris: Minuit, 2005
GALLO, Sílvio. “Filosofia: Experiência do pensamento”. 1ª edição. São Paulo: Scipione, 2013.
WEST, Stephen. Vídeo (23:08). “Episode 126 ... Gilles Deleuze pt. 2 - Immanence”. Publicado pelo canal
Philosophyse This!, 2018. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=yegqBiK423Q>. Acesso
em 07/05/2021

Na aula dessa semana do CMSP (06/05), a professora Maria Fernanda Degan nos apresentou
uma diferenciação entre filosofia e religião. Como foi dito, filosofia e religião são igualmente formas de
conhecimento. Não há, a princípio, uma hierarquia entre elas, mas há diferenças significativas (embora,
sobretudo na filosofia medieval, não tenham sido poucos os esforços para conciliar filosofia e religião). O
ponto sobre o qual a nossa aula se apoia, no entanto, é a diferença entre religião e filosofia. Qual seria
essa diferença?
Quanto à religião, Silvio Gallo a define assim: trata-se de um “conjunto de crenças em geral
amparadas em um texto compreendidas como uma revelação de Deus (ou de um grupo de deuses) aos
seres humanos. Por serem verdades reveladas por Deus, elas não podem ser contestadas. Dizemos por
isso, que a as religiões são dogmáticas, se fundam em dogmas, que são verdades absolutas que não podem
ser questionadas.” Ou seja, há um conhecimento próprio da religião, mas esse conhecimento tem uma
característica muito marcante: a verdade, nesse nível, em maior ou menor medida, implica uma
heteronomia, ou seja, uma determinação a partir de fora do pensamento. Dito de outro modo, o
conhecimentos da religião não são, em geral, produtos da reflexão, do debate, de argumentos, de
argumentos etc. A legitimidade dos conhecimentos religiosos reside, em última análise, no fato de terem
sido eles “revelados”. Não por outro motivo, em todas as religiões, é muito comum que tenham uma
função de primeira ordem, não tanto os pensadores, mas os profetas, ou seja, aqueles indivíduos para
quem a verdade é revelada: é esse o caso de Maomé para os muçulmanos; é esse o caso de Moisés para os
judeus (e também para muçulmanos e cristãos, já que Moisés é uma figura do Primeiro Testamento, que é
considerado, pelo menos em parte, uma obra importante também para cristãos e muçulmanos); é esse o
caso dos santos para os cristãos católicos e, de certo modo, é esse o caso do próprio Jesus.
Assim, o conhecimento produzido na religião é um conhecimento “pronto”. Ter o conhecimento
da religião implica aceitar, ter fé, confiar nos dogmas dessa determinada religião, ou seja, aceitar regras,
princípios, mandamentos, normas, doutrinas.
Em contraste com esse modo de conhecimento pela fé está o modo de conhecer predominante na
filosofia, que se dá pela razão. É verdade que os conteúdos da religião também podem ser apresentados
através de argumentos e, portanto, através da razão, mas essa não é a regra para os conhecimentos do tipo
religioso. O oposto se dá com a filosofia, onde só tem legitimidade o conhecimento apresentado com uma
postura argumentativa, ou seja, mediante autonomia da razão. Argumentar é muito diferente de apresentar
um dogma, porque aquele que argumenta procura convencer o outro a respeito de algo partindo de
pressupostos aceitáveis, plausíveis, verificáveis ou mesmo, em alguns casos, irrefutáveis seja pela lógica,
seja por evidências fortes.
Para ilustrar a que nos referimos, repare nessa passagem da bíblia (Livro de João, capítulo 20,
versículo 29): “Então Jesus lhe disse: ‘Porque me viu, você creu? Felizes os que não viram e creram.”
Essa passagem é muito significativa para salientarmos essa diferença fundamental entre filosofia e
religião: a legitimidade dos ensinamentos de Jesus partem da fé. É como se ele dissesse: primeiro, tenha
fé, depois o munda fará sentido. Na Filosofia, nesse sentido particular, o caminho é oposto: primeiro me
mostre o sentido do mundo, depois eu me convenço.
Por isso, o professor Sílvio Gallo (em quem nos apoiamos hoje para entender melhor essa
questão da religião e da filosofia) vai dizer que

“Os primeiros filósofos foram justamente aqueles que não aceitaram os dogmas religiosos e as
explicações míticas, e começaram a buscar outras explicações. Os filósofos procuraram construir
explicações racionais, que não estivessem prontas nem fossem definitivas, que fizessem sentido
e que pudessem convencer pela lógica, e não pela aceitação incondicional do dogma.” 1

O filósofo Gilles Deleuze (1925-1995), que é uma referência muito recorrente quando se trata de
definir a filosofia em contraste, em comparação com outros tipos de conhecimento, vai dizer o seguinte a
respeito dessa questão:

“(..) os primeiros filósofos são aqueles que instauram um plano de imanência como uma peneira
esticada sobre o caus. Eles[, os filósofos,] se opõem aos Sábios, que são as personagens da
religião, os padres, porque eles[, os Sábios,] concebem a instauração de uma ordem
transcendente, imposta de fora por um grande déspota ou por um deus superior (...). Há religião
cada vez que há transcendência, [quando há] um Ser vertical, um Estado imperial no céu ou na
terra, e há Filosofia cada vez que há imanência (...).”2

Ou seja, a diferença entre religião e filosofia, para Deleuze, está no seguinte: religião funciona
através da transcendência e a filosofia funciona através da imanência. Mas o que significa
transcendência e imanência? Nessa contexto, transcendência se refere a tudo aquilo que está fora dos
limites da razão, ou seja, tudo aquilo que a própria razão não pode, por si mesma, alcançar, tudo aquilo
que a razão não pode atestar pela lógica ou pelos sentidos é “transcendente”. Exemplo disso? Que tal a
passagem da Bíblia a que fizemos referência no início da aula?: os ensinamentos de Jesus implicam uma
crença anterior à razão e aos sentidos: Feliz daquele que acredita sem ver. Para a Filosofia, nesse sentido
particular, se dá o oposto: Feliz daquele que entende antes de acreditar. Isso tem a ver com o outro
conceitos importante da passagem (e que define o que é filosofia): a imanência. A imanência, para
1
Gallo, p. 27.
2
Deleuze, p. 45-46. Tradução minha.
Deleuze, é um conceito bastante complexo, mas, para o que nos interessa aqui, basta dizer que é imanente
aquele pensamento que cumpre e respeita as próprias regras, ou seja, sem precisar recorrer a nada que seja
externo a esse mundo. Do outro lado, a transcendência, que também não é um conceito trivial, pode ser
entendida aqui como aquele procedimento de conhecimento através do qual dividimos tudo que existe em
dois: as coisas desse mundo e aquela coisa que criou o mundo, que está em um plano diferente daquele
em que estamos todos nós, um mundo onde residiriam os moldes de que nós e as coisas do nosso mundo
são cópias e, por isso, teria uma estatura muito maior que as coisas desse mundo a ponto mesmo de
moldarmos a nossa moral de tal modo que o nosso comportamento tivesse que visar sempre o que se
encontra presente supostamente lá nesse mundo exterior – o mundo das ideias, o mundo divino, se
quisermos.
Essa é uma visão muito superficial e certamente incompleta da filosofia de Gilles Deleuze, mas
serve ao propósito de esclarecer minimamente a respeito de uma das possíveis maneiras de se diferenciar
Filosofia e Religião.
Além disso, o que dissemos aqui é também suficiente para podermos fazer o exercício a seguir:

EXERCÍCIO

Baseado no que discutimos nessa aula sobre os conceitos de transcendência e imanência,


interprete a tirinha acima. A intenção da cartunista Laerte Coutinho está mais próxima de entender Deus
em um sentido religioso ou em um sentido filosófico? O que eu espero de vocês nessa resposta é um
argumento, ou seja, 1) não é opinião (não importa muito aqui saber se a tirinha é boa, ruim, mal feita,
certa, errada etc.), 2) não é defesa nem crítica à religião, 3) não é defesa nem crítica ao
ateísmo/agnosticismo, 4) não é defesa nem crítica da filosofia. Para ser ainda mais específico, aí vai um
exemplo de resposta: “A intenção da cartunista é retratar Deus em um sentido
religioso/filosófico/nenhum dos dois/os dois ao mesmo tempo, PORQUE (ESSA PALAVRA É
ESSENCIAL) A, B e C (elementos tratados na aula) confirmam a minha resposta.” Esse é só um modelo
genérico. Há muitas maneiras de responder à questão. Não há resposta certa ou errada (o que significa que
minha avaliação não será do tipo “religioso”, no sentido deleuziano), só há resposta mal justificada e bem
justificada. Sapere aude!

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