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Indice

Folha de rosto
Direitos autorais e cré ditos
Dedicaçã o
Indice
Agradecimentos
Prefá cio
Introduçã o
Uma Igreja em Crise
O inı́cio da vida de Peter Damian
Dois golpes contra a corrupçã o
Teó logo e ativista
Bispo e Cardeal
Emissá rio e Reformador
Morte e Canonizaçã o
Notas de rodapé
Prefá cio do Tradutor
Estrutura e Temas do Livro de Gomorra
Fraqueza Moral e Falsa Misericó rdia
O caso histó rico e legal para punir a perversã o sexual
A Destrutividade Espiritual e Psicoló gica da Sodomia
A responsabilidade dos prelados pelos pecados de seus sú ditos
A tese da rejeiçã o e outras interpretaçõ es errô neas do livro de Gomorra
Fontes e Mé todos de Traduçã o
Descobertas duas das fontes anteriormente desconhecidas de Damian
Notas de rodapé
Carta de Endosso do Papa Sã o Leã o IX
Capı́tulo I
Capı́tulo II
Capı́tulo III
Capı́tulo IV
Capı́tulo V
Capı́tulo VI
Capı́tulo VII
Capı́tulo VIII
Capı́tulo IX
Capı́tulo X
Capı́tulo XI
Capı́tulo XII
Capı́tulo XIII
Capı́tulo XIV
Capı́tulo XV
Capı́tulo XVI
Capı́tulo XVII
Capı́tulo XVIII
Capı́tulo XIX
Capı́tulo XX
Capı́tulo XXI
Capı́tulo XXII
Capı́tulo XXIII
Capı́tulo XXIV
Capı́tulo XXV
Capı́tulo XXVI
Capı́tulo XXVII
Abreviaturas
Selecionar Bibliogra ia
Sobre o Tradutor
Endossos
O LIVRO DE GOMORRA
E
ST. A LUTA DE PETER DAMIAN CONTRA A
CORRUPÇAO ECLESIASTICA

Traduzido e anotado, com


introduçã o biográ ica, por
Matthew Cullinan Hoffman

LIVROS E MIDIA ITE AD THOMAM


NOVA BRAUNFELS, TEXAS
www.iteadthomam.com
Arte de capa:
Pá gina central: “The Dammed in Hell” da Biblia Pauperum (1395–1400), Kings
MS 5 fol. 31r. Cortesia da Biblioteca Britâ nica.
Pá gina inferior: Silhueta de o mosteiro de Fonte Avelana.
Design da capa por Israel Aguilar Ortı́z.
E-book ISBN 978-0-9967042-1-2
Biblioteca de Nú mero de Controle do Congresso: 2015949870
Nota: A numeraçã o das notas de rodapé nã o é igual à s ediçõ es fı́sicas do livro.
Para converter, subtraia 84 dos nú meros das notas de rodapé no Prefá cio do
Tradutor e subtraia 134 dos nú meros das notas de rodapé do Livro de
Gomorra.
© 2015 Matthew Cullinan Hoffman.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida
ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio sem a permissã o
expressa por escrito do autor, exceto no caso de breves citaçõ es incorporadas
em artigos crı́ticos e resenhas. Por favor, encaminhe todas as perguntas
pertinentes ao editor.
Este trabalho é dedicado primeiramente ao in inito e eterno Deus, Pai,
Filho e Espírito Santo, em gratidão pela imensa e indescritível
misericórdia que Ele me mostrou ao longo de minha vida, e na esperança
de que este trabalho possa ser agradável a Ele. Em segundo lugar, é
dedicado ao Sumo Pontí ice, Papa Francisco, a todos os seus sucessores e
a todos os prelados da Igreja Católica, para que atendam ao conselho de
São Pedro Damião e cumpram o seu solene dever de proteger e preservar
a integridade moral e doutrinal do clero e dos leigos.
CONTEUDO
Prefá cio do Cardeal Juan Sandoval Iñ iguez
Agradecimentos
Introduçã o: Cruzada de Sã o Pedro Damiã o contra a corrupçã o
eclesiá stica
Prefá cio do Tradutor
Carta de endosso do Papa Sã o Leã o IX
I. O inı́cio do Livro de Gomorra, do humilde monge Pedro Damiã o
II. Sobre os diferentes tipos de sodomitas
III. Que a misericó rdia excessiva leva os superiores a nã o proibir os
caı́dos das ordens sagradas
4. Que aqueles que estã o habituados a prazeres imundos nã o sejam
promovidos a ordens sagradas
V. Se é legı́timo que tais pessoas ajam como sacerdotes se a Igreja
precisa disso
VI. Que aqueles que buscam a ordenaçã o depois de se envolverem neste
vı́cio sã o de um sentido reprovado
VII. Sobre os reitores da Igreja que estã o sujos com seus ilhos
espirituais
VIII. Daqueles que confessam suas ofensas à queles com quem caı́ram
IX. Assim como acontece com aqueles que violam freiras, um prostituto
de monges deve ser deposto de acordo com a lei
X. Que tanto aquele que cai com sua ilha carnal ou espiritual, como
aquele que se suja com seu ilho penitente, seja responsá vel pelo
mesmo delito
XI. Quanto à s leis apó crifas, nas quais quem con ia, é totalmente
enganado
XII. A rejeiçã o justi icá vel das leis acima
XIII. Que tais zombarias sã o justamente excluı́das da lista de câ nones,
porque sua autoria é incerta
XIV. Daqueles que fornicam irracionalmente; isto é , que se misturam
com animais, ou sã o poluı́dos com machos
XV. Daqueles que uma vez foram poluı́dos com animais ou com machos,
ou que continuam a de inhar neste vı́cio
XVI. De clé rigos ou monges que perseguem homens
XVII. A condenaçã o adequada da indecê ncia sodomı́tica
XVIII. Uma lamentaçã o chorosa sobre as almas entregues à escó ria da
impureza
XIX. Que, portanto, a alma seja pranteada, porque nã o chora
XX. Que o serviço de um sacerdote indigno é a ruı́na do povo
XXI. Que Deus nã o deseja receber sacrifı́cio das mã os do impuro
XXII. Que nenhuma oferta santa é recebida por Deus se estiver
manchada pela sujeira da impureza
XXIII. Que todas as formas acima mencionadas constituem sodomia
XXIV. Uma exortaçã o ao homem que caiu em pecado, para que
ressuscite
XXV. Que para domar o desejo sexual, deve ser su iciente contemplar as
recompensas da castidade
XXVI. Onde o escritor se defende honrosamente
XXVII. Onde uma declaraçã o é dirigida ao senhor papa
Abreviaturas
Selecionar Bibliogra ia
Sobre o Tradutor
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a todas as almas mortais que contribuı́ram para
este projeto e, em particular, aqueles que generosamente dedicaram
tempo e esforço para analisar meu trabalho e oferecer sugestõ es,
comentá rios e endossos ú teis, incluindo Sua Eminê ncia Juan Cardeal
Sandoval Iñ iguez, Arcebispo Emé rito de Guadalajara, Mons. Ignacio
Barreiro, Diretor Executivo do Escritó rio de Roma da Vida Humana
Internacional, Dr. Joseph Shaw , Tutorial Fellow em Filoso ia no St.
Benet's Hall, Oxford, Dr. Daniel Van Slyke, Professor Associado de
Teologia e Decano Associado de Aprendizagem Online na Holy Apostles
College, Dr. Francisco Romero Carrasquillo, Professor Associado de
Humanidades na Universidade Panamericana, Guadalajara, Dr. Michela
Ferri, Professor Adjunto de Filoso ia no Colé gio dos Santos Apó stolos, e
Pe. Shenan Boquet, presidente da Human Life International. També m
gostaria de agradecer a Israel Aguilar por seu excelente design de capa
e suas pacientes ediçõ es, e April Bright e Kevin Klump por sua gentil
ajuda na revisã o. Finalmente, gostaria de expressar minha profunda
gratidã o à minha mã e, Margaret Hoffman, que apoiou este projeto
inanceiramente, alé m de oferecer sua ú til experiê ncia em gramá tica e
composiçã o inglesa nas ediçõ es inais cruciais do trabalho. Sem o
generoso apoio dessas pessoas e de muitas outras, este trabalho nã o
teria sido possı́vel.
PREFACIO
1007–1072 ) é o autor do Livro de Gomorra , que dedicou ao Papa Leã o
IX. Nele ele expõ e sem rodeios e condena energicamente a conduta
imoral de muitos cató licos de seu tempo. Homens negligentes e mal
educados, indignos de seu estado, haviam se in iltrado tanto nos
mosteiros quanto nas ileiras do clero secular. Simony foi praticado na
compra e venda de cargos eclesiá sticos, incluindo o episcopado. Houve
interferê ncia da autoridade civil nos assuntos eclesiá sticos e na
nomeaçã o de abades e bispos. Os altos dignitá rios da Igreja eram
muitas vezes senhores feudais, com as riquezas e os vı́cios associados a
isso. O concubinato e o casamento eram comuns entre o clero secular e,
ainda mais tristemente, com a aprovaçã o dos ié is. E, como diz o santo,
o “câ ncer da sodomia”, incluindo a pedo ilia, proliferava, sobretudo nos
mosteiros.
Pedro Damiã o denunciou com força e destemor esses males,
ameaçando os castigos do inferno, e clamou ao papa por uma reforma
que puri icasse a Igreja. Ele propô s medidas disciplinares que foram
adotadas pela Igreja, e algumas delas continuam em vigor na lei até
hoje, embora infelizmente nem sempre sejam aplicadas.
Pedro Damiã o foi o mais eminente em sua é poca: ele foi altamente
educado, um grande teó logo, bispo, cardeal da Santa Igreja e legado de
vá rios Sumos Pontı́ ices diante de prı́ncipes e reis, mas acima de tudo,
foi um santo que contribuiu para a reforma da Igreja. O Papa Sã o Leã o
IX agradeceu a Sã o Pedro Damiã o em carta comemorativa sobre o Livro
de Gomorra e empreendeu vigorosamente a reforma dos costumes da
Igreja, que, pelos atos deste Pontı́ ice e de outros que o seguiram,
seriam elevados ao seu esplendor em santidade e conhecimento
durante os sé culos XII e XIII.
O Livro de Gomorra foi recentemente traduzida do latim original para o
inglê s, com abundante material introdutó rio, por um cató lico erudito
que é iel a Cristo e sua Igreja: Matthew Cullinan Hoffman. Aceitei com
prazer a tarefa de escrever esta breve apresentaçã o de um livro que, ao
ser lido, nos leva a constatar que há mil anos os vı́cios sexuais eram
praticados por vá rios ilhos da Igreja que lamentavelmente hoje estã o
presentes e foram ocasiã o de escâ ndalo, descré dito e apostasia. Hoje,
como entã o, com a oraçã o e o exemplo dos santos, e a mã o irme dos
pastores, os ilhos da Igreja podem voltar ao caminho da idelidade para
cumprir plenamente a missã o de ser “sal da terra e luz do mundo."
Juan Cardeal Sandoval Iñ iguez
Arcebispo Emé rito de Guadalajara
Guadalajara, Jalisco, 30 de junho de 2015
INTRODUÇAO
ST. A LUTA DE PETER DAMIAN CONTRA A CORRUPÇAO
ECLESIASTICA
Uma Igreja em Crise
O grande reformador que se tornaria conhecido no mundo como Pedro
Damiã o nasceu em uma Itá lia conturbada e uma Igreja conturbada.
Quando abriu os olhos pela primeira vez no ano de 1007, a Europa
Ocidental estava nas ú ltimas dé cadas de seu perı́odo mais obscuro,
tendo sofrido mais de um sé culo e meio de incursõ es violentas de
vikings, muçulmanos e magiares. A regiã o havia se fragmentado em
inú meros principados, e o comé rcio e o comé rcio intelectual haviam
declinado. O patrimô nio literá rio da antiguidade latina manteve uma
presença tê nue no cuidado de mosteiros e bibliotecas diocesanas,
dizimados pelos invasores saqueadores.
Durante essa é poca tumultuada, a Itá lia havia sido em grande parte
isolada do domı́nio estabilizador dos imperadores alemã es e se tornara
um campo armado de cidades forti icadas sob o domı́nio de homens
fortes locais, constantemente na defesa contra ataques de invasores e
uns contra os outros. O papado també m se envolveu na anarquia da
é poca, quando os papas, que governavam a cidade de Roma desde o
sé culo VI, tornaram-se agentes do poder e, inalmente, peõ es nas lutas
polı́ticas internas que convulsionaram a penı́nsula.
O declı́nio vertiginoso do papado começou apó s a deposiçã o em 887 do
bisneto de Carlos Magno, Carlos, o Gordo, o ú ltimo de uma linhagem de
reis carolı́ngios que protegeram o papado e detinham o tı́tulo de
imperador romano. Com o im do reinado de Carlos, o impé rio que
havia sido erguido por Carlos Magno, que se estendia dos Pirineus ao
rio Elba e abrangendo metade da Itá lia, desmoronou em tudo, menos
no nome. O Papa Estê vã o VI (885-91) deu o tı́tulo de imperador e,
portanto, o governo da Itá lia, ao italiano Guido III, duque do territó rio
vizinho de Spoleto. No entanto, o sucessor de Estê vã o, o papa Formoso
(891–96), favoreceu o rival franco de Guido, Arnulfo da Carı́ntia,
coroando-o como imperador. A batalha pelo trono da Itá lia tornou-se
entã o uma rivalidade vingativa entre os papas reitores, pois o sucessor
de Formoso, o pró -espoletano Estê vã o VII (896-97), teve o corpo de seu
antecessor desenterrado e levado a julgamento com o objetivo de
declará -lo um antipapa e invalidando todas as suas ordenaçõ es e atos
de governo.
O tit-for-tat entre as duas partes continuou por uma dé cada, com o
Papa Teodoro II (897) con irmando o papado de Formoso e anulando
sua condenaçã o por Estê vã o, um veredicto con irmado por seu
sucessor, Joã o IX (898-900), e por sua vez, reforçado por Bento IV (900-
903), que coroou o rei alemã o Luı́s, o Cego, como imperador. No
entanto, depois que o sucessor de Bento XVI foi violentamente deposto
e preso, o pró -espoletano Sé rgio III (904-11), por sua vez, depô s seu
antecessor e novamente anulou o mandato de Formoso e todas as suas
ordenaçõ es. 1
A batalha pelo papado (e pelo corpo) do Papa Formoso foi devastadora
para a Santa Sé e a Igreja italiana. Os atos ilegais de Estê vã o VII e Sé rgio
III, e a rivalidade polı́tica dos papas que se opuseram a eles, só
poderiam minar o respeito pela autoridade papal e colocar em dú vida a
validade das ordenaçõ es de inú meros bispos e padres. Os papas
politizaram o papado apropriando-se de suas funçõ es espirituais para
ins seculares. No entanto, o caso vergonhoso foi apenas um prelú dio de
dé cadas de instabilidade, violê ncia e corrupçã o, enquanto facçõ es rivais
da elite romana disputavam o controle da cidade e do regime
eclesiá stico que a governava.
Em 928, a nobre romana Marozia, ilha de reis papais Conde Teo ilacto
de Tú sculo e sua esposa Teodora, mandou depor e aprisionar o ilustre
Papa Joã o X, apó s o que ele morreu rapidamente. 2 Ela logo colocou um
ilho jovem (rumores de també m ser o ilho ilegı́timo do Papa Sé rgio
III) no trono papal como Joã o XI (931-35). Depois que Marozia e sua
facçã o foram derrubados por seu ilho renegado, Alberic II, o Papa Joã o
XI foi convertido em um protegido polı́tico deste ú ltimo, assim como
seus sucessores Leã o VII (936–39), Estê vã o IX (939–42), Marinus II
(942-46), e Agapetus II (946-55). Finalmente, apó s a morte de Alberic,
seu ilho de dezoito anos, Octavius, foi eleito Papa Joã o XII (955-63).
Somos informados por comentaristas da é poca que Joã o “vivia em um
chiqueiro de luxú ria”, 3 que foi tã o escandaloso que um sı́nodo de
bispos foi chamado para tratar do problema, e um antipapa foi
nomeado sem sucesso para substituı́-lo. 4 Morreu pouco depois de
depor e mutilar seu rival e voltar ao poder aos 26 anos. 5
A turbulê ncia no papado continuou apó s a restauraçã o do tı́tulo
imperial em 962 sob o rei saxã o Otã o I, que começou a controlar a
recalcitrante aristocracia italiana apoiando seus pró prios candidatos
papais. Mais um sé culo de con lito à s vezes violento sobre o papado se
seguiria, que só lentamente diminuiu quando Otã o e seus sucessores
começaram a dominar a bagunça caó tica que era o norte e o centro da
Itá lia. Os papas continuaram a funcionar como governantes temporais
de Roma, mas agora eram vistos como vassalos polı́ticos dos
imperadores alemã es, que por sua vez dependiam dos papas para obter
seu pró prio tı́tulo imperial. A dinâ mica dessa relaçã o simbió tica era
muitas vezes confundida com o poder espiritual do papado, que em
teoria permanecia distinto e independente do poder secular.
Embora os atos o iciais dos papas desse perı́odo fossem geralmente
irrepreensı́veis e muitas vezes louvá veis, sua situaçã o comprometida e
seu mau exemplo pessoal combinaram-se com as vicissitudes da é poca
para provocar um declı́nio catastró ico na moralidade clerical. As
ileiras dos mosteiros e do sacerdó cio secular haviam sido adulteradas
com homens negligentes e incultos, indignos de seu ofı́cio. A corrupçã o
era abundante, e os escritó rios do clero, incluindo os bispados, eram
frequentemente vendidos. Muitos padres violaram as restriçõ es da
Igreja contra o casamento sacerdotal ao entrar em uniõ es ilı́citas com
esposas ou concubinas, com o consentimento e até a aprovaçã o de seus
rebanhos. Um grande nú mero sucumbiu a prá ticas sexuais nã o naturais,
sozinhos ou com outros, todos os quais caı́ram sob o terrı́vel nome de
“sodomia”, em referê ncia à cidade de Sodoma destruı́da por Deus no
livro de Gê nesis.

O início da vida de Peter Damian


O relato tradicional da infâ ncia de Pedro serve como mais um lembrete
das duras condiçõ es do perı́odo. Segundo seu primeiro bió grafo, Joã o
de Lodi, 6 o futuro santo nasceu em uma famı́lia nobre, mas
empobrecida, em Ravena, uma cidade que por muito tempo funcionou
como o canal entre o impé rio bizantino e a cidade de Roma. Apó s a
queixa de um ilho mais velho de uma herança diminuı́da e uma casa
lotada, sua mã e se recusou a amamentar o recé m-nascido até que a
esposa de um padre a repreendesse com vergonha. No entanto, ambos
os pais de Peter logo morreram, e a criança se viu sob a custó dia de um
cruel irmã o mais velho e sua concubina, que o abusou isicamente e o
tratou como escravo, forçando-o a trabalhar como porqueiro. 7
O jovem Pedro foi inalmente libertado de seus algozes por outro
irmã o, Damiã o, que “o abraçou com tanto carinho, cuidou dele tã o
diligentemente, que ele parece ter excedido o afeto dos pais”, segundo
Sã o Joã o de Lodi. 8 Damiã o enviou seu irmã o mais novo para as cidades
de Faenza e Parma para ser instruı́do pelos melhores professores de
gramá tica e artes liberais, nas quais ele se destacou. A imensa gratidã o
e amor do jovem Peter por seu bene icente irmã o mais velho o levou a
adotar seu primeiro nome como sobrenome, tornando-se Petrus
Damiani , que signi ica “Pedro de Damian”. 9 O irmã o de Pedro havia se
tornado um segundo pai para ele, em um profundo ato de misericó rdia
que inadvertidamente imortalizaria seu nome.
As habilidades de Pedro surpreenderam seus professores, segundo seu
bió grafo, e apó s a conclusã o de seus estudos tornou-se um renomado
professor de artes liberais, o que lhe rendeu grande respeito e o
sujeitou a tentaçõ es mundanas. Os alunos acorreram a ele, atraı́dos por
seus grandes dons orató rios e pela profundidade de seu aprendizado.
No entanto, foi nessa é poca que o santo começou a meditar sobre a
transitoriedade dos prazeres mundanos e o valor permanente do
espiritual e divino, a “aspirar a ser removido dos estudos mundanos e a
ser cingido com o serviço divino”, e embora ele “parecia aderir a coisas
perecı́veis atravé s do esplendor do re inamento externo, mas com todo
o seu coraçã o ele buscava bens eternos”. 10 Começou a praticar prá ticas
ascé ticas e caritativas, usando um cilı́cio por baixo de suas roupas
caras, mergulhando em á gua fria quando tentado pelo desejo sexual e
banqueteando os pobres com banquetes em sua pró pria mesa. 11 Logo
decidiu abandonar completamente as distraçõ es da vida secular,
juntando-se à ermida de Fonte Avellana muitos quilô metros ao sul de
Ravena, por volta do ano de 1035.
Damiã o abraçou o ascetismo rigoroso do eremité rio, que era famoso
por atos extremos de penitê ncia, e se dedicou ao aprendizado
espiritual. Embora a princı́pio tenha superado os outros em seus
exercı́cios penitenciais, acabou sendo forçado a moderar seu zelo
quando suas prá ticas provocaram uma doença grave. No entanto, suas
grandes habilidades como estudioso logo chamaram a atençã o de seus
superiores, que o designaram para pregar aos outros monges. A
medida que sua fama crescia, ele també m foi chamado para outros
mosteiros, para ensinar as Escrituras e pregar sobre a vida espiritual.
Com a morte do prior de Fonte Avellana em 1043, Damiã o foi eleito seu
sucessor e começou a fundar outras ermidas, semeando as sementes
de uma ordem moná stica que perduraria até o sé culo XVI. 12
Apó s a sua ascensã o à liderança de Fonte Avellana, Damiã o levou a
sé rio a reforma da ermida. Ele estabeleceu uma biblioteca contendo as
obras dos Padres da Igreja, bem como autores seculares, comprou
vasos adequados para a celebraçã o da Missa e outros sacramentos e
construiu um claustro para reuniõ es comunitá rias. 13 Ocupou-se
també m com a edi icaçã o espiritual de seus irmã os, reunindo-os
muitas vezes para instruir sobre temas relativos à vida religiosa. A
medida que sua reputaçã o se espalhava, ele era cada vez mais chamado
a visitar outras comunidades para ajudá -las em sua pró pria reforma.
Ele logo se tornou uma presença onipresente nos mosteiros da Itá lia,
visitando-os com frequê ncia e inundando-os com seus escritos.
O zelo de Pedro pela reforma agora começou a se estender alé m dos
limites dos mosteiros para o clero secular e a sociedade civil, que
continuaram a de inhar sob um papado politizado e à s vezes corrupto.
Apó s a morte do imperador Otã o III em 1002, o tı́tulo imperial icou
adormecido por doze anos, até que foi conferido ao piedoso, mas
politicamente fraco rei alemã o Henrique II, que foi capaz de exercer
pouca in luê ncia sobre seus domı́nios italianos. Durante este perı́odo, o
papado voltou a cair nas mã os do clã romano que havia sido liderado
por Marozia e seu ilho Alberic no sé culo 10 , agora sob o domı́nio do
autodenominado “patrı́cio” John Crescentius. Apó s a morte de
Crescentius em 1012, o poder passou para os condes da vizinha
Tusculum, cuja in luê ncia corruptora atingiu seu á pice com a ascensã o
do Papa Bento IX (1033-1045), um jovem de nã o mais de 22 anos de
idade. 14 Embora os detalhes de seu comportamento escandaloso nã o
sejam claros, as fontes da é poca sã o unâ nimes em condenar o jovem
pontı́ ice, acusado de devassidã o e assassinato. 15
Foi no ú ltimo ano do reinado de Bento IX que Damiã o começou a
levantar sua voz contra a corrupçã o do papado. Em uma carta a Pedro,
o chanceler do papa, Damiã o escreve com inabalá vel franqueza sobre o
estado abismal da Santa Sé e sua necessidade vital como fonte de
renovaçã o da cristandade:
Carı́ssimos, como nã o ignoro a situaçã o de Roma e frequentemente ouço falar
de seu cará ter, minha mente volta a este pensamento: aquele que é capaz de
produzir o esplê ndido lı́rio em um emaranhado de espinhos 16 deseja que você
produza o mesmo entre os crimes dos romanos... Pois, a menos que a sé
romana retorne ao estado de retidã o, é certo que o mundo inteiro, tendo caı́do
em seu erro, permanecerá assim. Alé m disso, é necessá rio que aquilo que
outrora se ergueu para se tornar o fundamento da salvaçã o humana, agora se
torne a fonte de renovaçã o. 17
Quando o dissoluto Bento foi induzido a renunciar com um presente
monetá rio do bem-intencionado Joã o Graciano, que o sucedeu
brevemente como Papa Gregó rio VI (1045-1046), Damiã o escreveu ao
novo pontı́ ice pedindo que ele agisse contra a corrupçã o na Igreja, e
em particular para remover o infame bispo da cidade italiana de
Pesaro:
Agora que a cabeça multiforme da serpente venenosa seja esmagada, e o
comé rcio de negó cios perversos chegue ao im. Que o falsi icador Simã o deixe
de imprimir sua moeda na Igreja, e que Giezi nã o mais leve consigo presentes
roubados na atual ausê ncia do mé dico profé tico. 18 Agora que a pomba volte
para a arca, e com a folhagem verde da oliveira, anuncie o retorno da paz à s
naçõ es. 19 Agora pode ser restaurada a idade de ouro dos apó stolos, e com a
vossa prudê ncia presidindo, pode lorescer novamente a disciplina
eclesiá stica. Que a avareza dos que lutam pela mitra do bispo seja reprimida, e
as cadeiras dos cambistas que vendem pombas sejam derrubadas. 20
No entanto, se for razoá vel para o mundo esperar essas coisas sobre as quais
escrevemos, a Igreja de Pesaro primeiro dará uma indicaçã o clara de boa
esperança. Pois, a menos que a igreja supracitada seja tirada da mã o daquele
incestuoso adú ltero, perjú rio e ladrã o, toda a esperança da restauraçã o do
mundo que foi levantada entre os povos será completamente drenada. De fato,
todos voltam seus olhos para este propó sito, todos levantam seus ouvidos
para esta ú nica voz. E se esse bispo, implicado em tantos crimes, for restituı́do
à altura do episcopado, a Sé Apostó lica será totalmente incapaz de fazer mais
bem. 21
Embora nã o se saiba se o Papa Gregó rio agiu contra o bispo de Pesaro, é
certo que ele teve pouco tempo para enfrentar a crise na Igreja, pois foi
convencido a renunciar em dezembro de 1046 em um concı́lio de
bispos realizado em Sutri, Itá lia, depois de admitir seu suborno a Bento
IX. Ele foi brevemente sucedido pelo Papa Clemente II, cuja tentativa de
eliminar a simonia foi interrompida por sua morte inexplicá vel
enquanto viajava pela mesma diocese de Pesaro. Durante o breve
ponti icado de Clemente, Damiã o escreveu-lhe també m, lamentando o
estado das “igrejas de Deus, que em nossas partes estã o completamente
confundidas por maus bispos e abades”, e perguntando “de que serve,
meu Senhor, que digamos que a Sé Apostó lica voltou das trevas para a
luz, se ainda permanecermos nas mesmas trevas?”
Como ajuda se algué m coloca um suprimento vital de comida a sete chaves e
ainda assim morre de fome? De que adianta se algué m estiver cingido com o
ferro de uma espada elegante, se nã o for empunhada contra os batalhõ es
circundantes? Pois o Deus onipotente te colocou em seu lugar entre o povo em
certo sentido como alimento, e atravé s de você ele armou seu lanco contra
todos os ataques dos inimigos de sua Igreja... a justiça que foi pisoteada e
posta de lado, aplica assim a disciplina do vigor eclesiá stico, para que o
partido da iniqü idade seja derrubado de seu lugar de arrogâ ncia, e a alma dos
humildes se recupere ielmente na expectativa do bem vindouro. 22
Apó s a morte de Clemente, o sempre conivente Bento voltou a governar
Roma como antipapa no inal de 1047, até ser inalmente expulso da
cidade em julho de 1048. 23 O estado do papado, e da Igreja Cató lica
como um todo, atingiu o que pode ser justamente considerado um
nadir histó rico. Sã o Bruno, o bispo reformador da cidade italiana de
Segni, resumiu mais tarde a situaçã o:
O mundo inteiro havia caı́do na malignidade. A santidade desapareceu, a
justiça pereceu e a verdade foi enterrada. O mal reinava, a avareza dominava.
Simã o Mago possuı́a as Igrejas. Os padres nã o se envergonhavam de ter
esposas, celebrando casamentos abominá veis e dando legitimidade à queles
com quem, de acordo com a lei, nã o deviam nem morar juntos em uma ú nica
casa... nã o um simonı́aco, ou que nã o tinha sido ordenado por um simonı́aco...
Tal era a Igreja, tais eram os bispos e padres, tais eram alguns dos pontı́ ices
romanos, que tinham a obrigaçã o de esclarecer todos os outros. Todo o sal se
tornara plano, e nã o havia nada com que pudesse ser restaurado, 24 e se o
Senhor nã o nos tivesse deixado semente, serı́amos como Sodoma e Gomorra.
25 , 26

Foi nessa terrı́vel conjuntura que uma dessas “sementes” ascenderia


ao trono papal e começaria a grande obra de restauraçã o almejada por
Damiã o e outros reformadores. Em resposta ao clamor contra a
corrupçã o do papado, o imperador Henrique III nomeou Bruno von
Egisheim, um aristocrata alemã o e futuro santo que como bispo de
Toul 27 já era famoso por sua piedade e santidade. Ele entrou em Roma
em trajes de peregrino em fevereiro de 1049 e foi eleito para o papado
com a aprovaçã o unâ nime do clero e do povo, tomando o nome de Leã o
IX. Ele entã o partiu para um dos ponti icados mais fenomenais da
histó ria, viajando por toda a Itá lia e Europa Ocidental em uma
campanha incessante contra a corrupçã o clerical e leiga, realizando
sı́nodos sobre a reforma do clero em Roma, Papia, Reims e Mainz no
ano 1049 sozinho. 28 O Papa Leã o inaugurou uma era de reforma que
restauraria a reputaçã o do clero e elevaria o papado ao cume do poder
e da in luê ncia na Europa.
Dois Golpes Contra a Corrupção : O Livro de
Gomorra e o “Livro Mais Gracioso”
Damiã o nã o viu necessidade de reclamar com o novo papa sobre as
in luê ncias corruptoras da simonia e do concubinato clerical,
problemas que Leã o começou imediatamente a abordar com a maior
energia. No entanto, atravé s de suas experiê ncias como reformador
moná stico, Damiã o tomou conhecimento de uma crise ainda mais
insidiosa e menos divulgada na Igreja: a da prá tica generalizada da
sodomia entre clé rigos e monges. Ele respondeu com uma das obras
mais poderosas de sua carreira, que mais tarde seria chamada de Liber
Gomorrhianus ou “Livro de Gomorra”. 29 e que dirigiu ao novo pontı́ ice.
A obra, que foi escrita em algum momento entre 1049 e 1054, 30
adverte Leã o que “um certo vı́cio mais abominá vel e extremamente
vergonhoso cresceu em nossa regiã o, e a menos que seja rapidamente
recebido com a mã o de puniçã o estrita, é certo que a espada da fú ria
divina está se aproximando para atacar, para a destruiçã o de vá rios."
Esta terrı́vel praga é “o câ ncer da impureza sodomı́tica”, que “está
rastejando pela ordem clerical, e de fato está se enfurecendo como uma
besta cruel dentro do aprisco de Cristo com a audá cia de tal liberdade,
que para muitos teria sido muito mais salutar ser oprimido pelo jugo
dos deveres mundanos, do que ser entregue tã o livremente à regra de
ferro da tirania diabó lica sob o pretexto da religiã o”. 31
Damian entã o procede a uma condenaçã o eloquente e apaixonada de
vá rias formas de perversã o sexual, que ele coloca sob o tı́tulo de
“sodomia”, incluindo contracepçã o, masturbaçã o, pederastia do mesmo
sexo e atos homossexuais adultos. Ele observa as severas penalidades
historicamente associadas a tais ofensas nas Escrituras, bem como nos
câ nones dos concı́lios da Igreja, e argumenta que tais penalidades
devem ser ainda mais fortes para os membros do clero, que devem ser
mantidos em um padrã o mais alto do que os leigos. As puniçõ es mais
fortes na legislaçã o histó rica da Igreja sã o reservadas para aqueles que
abusam de crianças e adolescentes. Eles devem ser “espancados
publicamente” e humilhados, “presos em correntes de ferro,
desgastados com seis meses de prisã o, e trê s dias por semana para
jejuar em pã o de cevada ao pô r do sol”, e con inados a um mosteiro
perpetuamente sob guarda constante.
O Livro de Gomorra descreve em prosa retumbante a misé ria da
sodomia, que “supera a selvageria de todos os outros vı́cios” e causa “a
morte dos corpos, a destruiçã o das almas, polui a carne, extingue a luz
da mente, expulsa o Espı́rito Santo da o templo do coraçã o humano” e
“introduz o incitador diabó lico da luxú ria”. També m expressa profunda
compaixã o por aqueles que sã o consumidos por tal comportamento
autodestrutivo, lamentando “a queda da alma eminente e a destruiçã o
do templo em que Cristo habitava”. “Que meus olhos deixem de chorar,
que derramem abundantes torrentes de lá grimas e que reguem
expressõ es tristes e tristes com choro contı́nuo”, escreve Damian,
encorajando aqueles que caı́ram ao arrependimento, assegurando-lhes
que, pela rota da humildade, eles podem progredir para alturas
espirituais ainda maiores do que aquelas de onde caı́ram.
O Papa Leã o respondeu ao trabalho com uma carta de endosso
elogiando Damiã o em um grau raramente paralelo na correspondê ncia
papal. Chamando-o de “ ilho predileto”, Leã o declara que a obra
“elogiou o esforço de sua alma por ter alcançado, por meio de piedosa
luta, o esplê ndido leito nupcial da reluzente castidade”. Ele parabeniza
Damian por ter “levantado o braço do Espı́rito contra a obscenidade da
luxú ria” e se regozija que “tudo o que você ensinou com sua habilidade
como pregador, você també m ensina com o exemplo de sua
vida. Pois é melhor instruir por açã o do que por palavra.” “Como
resultado”, promete Leo,
você obterá a palma da vitó ria de Deus Pai, você se alegrará na mansã o
celestial com o Filho de Deus e da Virgem, amontoada com tantas
recompensas quanto você recebeu das armadilhas do diabo, com as quais você
terá sido associado e, em certo sentido, coroado”. 32
Leã o aceita a sugestã o de Damiã o de que as puniçõ es sejam aplicadas
com base no grau do pecado, decretando que aqueles que se
envolveram em graus menores de sodomia com pouca frequê ncia e com
poucos companheiros possam recuperar seu grau de sacerdó cio apó s
uma expiaçã o adequada, enquanto aqueles que cometeram anal
sodomia, ou que se envolveram em graus menores de sodomia por
longos perı́odos de tempo ou com muitos outros, devem ser removidos
permanentemente das ileiras do clero.
Durante o mesmo ponti icado, Damiã o voltou sua pena para um
segundo escâ ndalo grave que a lige o sacerdó cio: a prá tica
generalizada de “simonia”, ou a compra e venda de ordenaçõ es, que
muitas vezes eram associadas a lucrativas posiçõ es de liderança na
Igreja. Apó s um pedido feito por Leo para opiniõ es sobre o tratamento
do problema, Damian respondeu com o Liber Gratissimus ou “Livro
Mais Gracioso”. 33 No Liber Gratissimus , Damiã o denuncia a simonia ao
defender a integridade do sacramento da Ordem dos ataques de
rigoristas como Humbert, cardeal bispo de Silva Candida, que
questionava a validade e legalidade das ordenaçõ es realizadas por
aqueles bispos que pagaram para receber suas pró prias ordenaçõ es. 34
Como Damian notaria mais tarde em um apê ndice à obra, sua posiçã o
acabou sendo defendida por Leã o, que decretou que aqueles ordenados
por simonistas poderiam continuar em seus cargos apó s uma breve
penitê ncia e sem reordenaçã o. Os papas a irmariam repetidamente
esse veredicto nos sé culos vindouros.
Damian prestou assistê ncia à campanha de reforma de Leo reforçando
suas declaraçõ es condenando os abusos e até atuando como seu
representante o icial. Em uma carta escrita em nome de Leã o ao clero e
ao povo da diocese de Ostia, Damiã o condena veementemente seu
“costume execrá vel” de saquear e destruir a casa e a propriedade dos
bispos falecidos. Ele declara em nome de Leã o, “em nome do Deus
onipotente e pela autoridade dos abençoados apó stolos Pedro e Paulo”,
que qualquer um culpado no futuro de tal “selvageria bestial” deve “ser
anatematizado, e nó s cortamos tal membros pú tridos do corpo da
santa Igreja com a espada da excomunhã o”, a menos que se
arrependam. 35 Em outra carta ao bispo da mesma diocese, ele
apresenta argumentos que reforçam a condenaçã o de Leã o à prá tica de
permitir que os monges abandonem seus votos. “O que é essa
insanidade, o que é essa loucura, o que é essa crueldade?” ele escreve.
“Um homem tem a liberdade de dispor livremente de seus bens, mas
nã o tem o poder de se oferecer a Deus?” 36
Damian estava bem ciente dos perigos envolvidos em sua oposiçã o à
corrupçã o de sua é poca, mas nã o seria dissuadido, declarando no Livro
de Gomorra :
Procurei com todo zelo o favor do Juiz interior, mas nã o temais o ó dio dos
depravados ou as lı́nguas dos detratores. De fato, pre iro ser jogado inocente
em um poço com José , que acusou seus irmã os ao pai do pior dos crimes, do
que ser punido pela retribuiçã o da fú ria divina com Eli, que viu a maldade de
seus ilhos e se calou. . 37
As lı́nguas dos detratores logo se voltaram contra Damiã o, chegando
aos ouvidos do pró prio Papa Leã o. Escrevendo a Leã o, Damiã o
denuncia uma campanha de murmú rios que o caluniava em resposta a
seus esforços de reforma e que ele temia ter in luenciado o pontı́ ice:
Isto, pelo menos, posso dizer aos meus acusadores, que o povo israelita disse
aos seus pregadores: “O Senhor veja e julgue, porque você fez o nosso cheiro
feder diante de Faraó e seus servos”. 38 Pois o antigo inimigo, temendo que por
minhas sugestõ es a você eu pudesse destruir o que ele nã o cessa de fabricar
nesta regiã o por novos artifı́cios, a iou as lı́nguas dos malignos contra mim, e
seus cú mplices izeram um certo indivı́duo em um ó rgã o para si com o
propó sito de compor mentiras, que soou atravé s de suas lautas e infundiu o
veneno de sua malı́cia nos ouvidos sagrados. E como é surpreendente se meu
senhor, que é pressionado por tais cuidados, pode ter sido in luenciado pela
persuasã o inteligente dos homens, quando Davi també m, que estava cheio do
espı́rito profé tico, acreditou precipitadamente em Siba e imediatamente
condenou Mi iboset com a sentença de con isco? 39 , 40
Lembrando a Leo que “nã o devemos acreditar facilmente em quaisquer
males” que ouvimos dos outros, Damian o encoraja a investigar o
assunto, expressando sua disposiçã o de aceitar o que o papa decidir.
Nenhuma resposta de Leo existe, e nenhuma referê ncia é feita ao
assunto em nenhum dos outros escritos de Damian. A escassez de
correspondê ncia disponı́vel por Damiã o e outros documentos que
datam desse perı́odo torna impossı́vel determinar com precisã o
quando a carta foi escrita a Leã o, bem como o resultado inal da
contrové rsia, e os historiadores divergem amplamente em sua
avaliaçã o do caso. No entanto, se a reputaçã o posterior de Damian é
alguma indicaçã o, parece que o assunto foi de curta duraçã o e
relativamente sem importâ ncia; apesar de qualquer oposiçã o que
pudesse ter sofrido, ele foi elevado a cardinalato pelos sucessivos
pontı́ ices, que o chamaram repetidamente para ajudá -lo em uma
variedade de assuntos importantes, inalmente elevando-o ao segundo
lugar na Igreja de Roma, sujeito apenas ao pró prio papa.

Teólogo e ativista
Damian continuaria sua campanha contra a corrupçã o eclesiá stica com
determinaçã o fé rrea nos anos e dé cadas que se seguiram, reservando
algumas de suas admoestaçõ es mais fortes para bispos e até papas que
falharam em seu dever de proteger e defender a justiça e a moralidade
clerical. Em 1057 ele escreveu ao Papa Victor II como se estivesse
citando o pró prio Cristo, para repreendê -lo por nã o fazer justiça a um
monge que havia sido maltratado:
Entreguei em tuas mã os as chaves de toda a Igreja universal e sobre o que
redimi com o derramamento de meu pró prio sangue te coloquei como meu
vigá rio...
Eu, poré m, que te dei tais e tantas coisas , nã o encontre lei ou justiça em seu
equilı́brio, e eu me afasto de seus tribunais desprezado e sem vingança. 41
Atacando novamente a imoralidade sexual do clero, Damiã o escreveu
ao Papa Nicolau II em 1059 instando-o a agir contra os prelados
sexualmente incontinentes, perguntando: “Que coisa pior se pode fazer
do que poupar bispos lascivos quando ele tem o poder de corrigi-los? ”
Denuncia a prá tica de encobrir escâ ndalos entre o clero e adverte o
pontı́ ice sobre o castigo divino caso deixe de cumprir seu dever em tais
assuntos:
Claramente, assim como aqueles que punem as faltas sã o dignos de bê nçã o,
aqueles que mimam os pecadores estã o sujeitos a uma maldiçã o, como diz o
profeta: “Maldito aquele que reté m sua espada do sangue.” 42 De fato, aquele
que reté m sua espada do sangue é aquele que se absté m de impor a puniçã o
de uma sentença apropriada contra os malfeitores. “Aqueles que nã o corrigem
sã o eles pró prios culpados do ato.” 43 Se, portanto, Eli, só por causa de dois
ilhos, a quem nã o corrigiu com o devido castigo, pereceu junto com eles e com
tã o grande multidã o de homens, de que sentença julgamos dignos os que
presidem nos palá cios? da Igreja e nas cadeiras de julgamento, e que se calam
diante das ofensas conhecidas de homens depravados? 44
Em 1064, Damiã o escreveu sobre o mesmo tema a Cuniberto, bispo de
Turim, repreendendo-o por permitir que seus padres se casassem,
desa iando o costume histó rico da Igreja. “Leia, ó padre, a carta sobre a
incontinê ncia do clero que enviei ao Papa Nicolau de piedosa memó ria,
e tudo o que você encontrar escrito lá sobre esse assunto, entenda que
nã o é menos dirigido a você ”, escreve Damiã o, que pede ,
Dado que todos os santos Padres, que estabeleceram os câ nones pelo Espı́rito
Santo, sem qualquer divergê ncia concordam unanimemente entre si sobre a
preservaçã o da castidade sacerdotal, que esperança há para aqueles que
blasfemam contra o Espı́rito Santo cumprindo as tentaçõ es carnais em sua
pró pria carne? ? De fato, atravé s da transitoriedade da luxú ria momentâ nea,
eles adquirem o fogo inextinguı́vel da combustã o eterna. Agora se sujam com a
podridã o do prazer, depois, entregues a chamas vingativas, rodopiarã o numa
torrente de alcatrã o e enxofre. 45
Embora se opusesse fortemente ao laxismo de sua é poca,
concentrando seus esforços na correçã o e puniçã o da corrupçã o
clerical, Damiã o també m se opô s ao rigor excessivo nas medidas
punitivas, escrevendo ao Papa Nicolau em 1059 para instá -lo a
rescindir uma excomunhã o que mantinha contra o italiano. cidade de
Ancona, apesar de seus esforços de reconciliaçã o: “Longe esteja de meu
senhor, que enquanto um tirano é contido pelo medo depois de matar
apenas dois ou trê s homens, a espada daquele que é o mestre de toda a
misericó rdia cristã deve correr tumulto pela matança de tantas almas.”
46 Ele escreveu uma carta semelhante ao papa Alexandre II dez anos
depois, criticando-o por anexar aná temas a praticamente todos os seus
decretos, uma prá tica que Damiã o considerava excessiva. 47
As cartas e tratados do santo sobre a reforma moral seguiram
tipicamente o estilo estabelecido no Liber Gomorrhianus e no Liber
Gratissimus , fundando argumentos sobre a Sagrada Escritura, os
Padres da Igreja e o direito canô nico estabelecidos pelos concı́lios da
Igreja, que sã o apresentados em detalhes para apoiar sua posiçã o.
Damiã o també m fez amplo uso das habilidades retó ricas que aprendera
nas melhores escolas de letras latinas, expressando-se com uma prosa
graciosa e intensa que revelava uma profunda paixã o pela integridade
moral da Igreja.
Alé m de suas cartas mais curtas, que chegam a mais de cem, e seus
muitos poemas, sermõ es e hagiogra ias, Damian escreveu dezenas de
opú sculos mais longos ou “pequenas obras” sobre uma variedade de
tó picos teoló gicos. Ele escreveu vá rios longos tratados sobre vá rios
aspectos da vida moná stica. 48 Sua Carta 81 delineia a fé cató lica em
geral, 49 e sua Carta 91 defende a proposiçã o “Que o Espı́rito Santo, sem
dú vida, procede tanto do Pai quanto do Filho”, 50 um recente ponto de
discó rdia com o arcebispo de Constantinopla, Michael Cerularius.
Damian també m defendeu a fé contra as crı́ticas dos judeus. 51 Talvez
sua obra teoló gica mais controversa seja sua carta sobre a onipotê ncia
divina, 52 que busca solucionar aparentes paradoxos decorrentes da
doutrina. Em um ponto da carta, Damiã o parece a irmar que Deus tem
o poder de restaurar a virgindade perdida, implicando que Deus pode
apagar um evento passado, uma visã o posteriormente rejeitada por
Tomá s de Aquino e outros teó logos. No entanto, os estudiosos
modernos estã o divididos sobre essa interpretaçã o, alguns
sustentando que ele nã o pretendia dar a entender que o passado pode
ser modi icado, mas apenas que o estado moral da virgindade pode ser
restaurado. 53
As posiçõ es assumidas pelo santo em relaçã o a vá rias contrové rsias
importantes acabariam se tornando doutrina cató lica e lei cató lica. Seu
conselho de proibir a entrada no sacerdó cio daqueles com tendê ncias
sodomı́ticas foi con irmado pela Sagrada Congregaçã o para os
Religiosos sob o Papa Joã o XXIII em 1961, 54 e rea irmada (depois de
muita experiê ncia dolorosa apó s o descumprimento da diretriz) pela
Congregaçã o da Educaçã o Cató lica com a aprovaçã o expressa do Papa
Bento XVI em 2005. 55 A condenaçã o de Damiã o à prá tica de absolver os
cú mplices apó s o pecado sexual entre um confessor e um penitente
estaria consagrada nas leis da Igreja, que invalidam tais con issõ es e
excomungam os sacerdotes que as ouvem. 56 Sua insistê ncia em
a irmar a validade sacramental das consagraçõ es e ordenaçõ es de
bispos simoniacais enquanto condenava os perpetradores també m foi
mantida contra o rigorismo de Humbert e foi a irmada
dogmaticamente no Concı́lio de Trento. 57 Finalmente, sua irme defesa
do celibato clerical e da rejeiçã o do sacerdó cio casado foi
repetidamente sustentada pelos papas e ainda é a irmada no direito
canô nico ocidental. 58

Bispo e Cardeal
Os efeitos da corajosa liderança de Leã o IX nã o terminaram com sua
morte, pois o pontı́ ice havia se cercado de cardeais virtuosos e
corajosos que o sucederiam no trono papal. A morte de Leã o em 1054
foi seguida por um interregno de um ano, e ele foi sucedido por seu
cardeal nomeado, Gebardo de Calw, que continuou a missã o
reformadora de Leã o durante seus dois anos de papado como Papa
Vı́tor II. Apó s sua morte em 1057, ele foi sucedido pelo Papa Estê vã o X,
que havia sido feito chanceler da igreja romana por Leã o IX e cardeal
por Victor II. Durante seu breve reinado de menos de oito meses,
Estê vã o també m promoveu a causa da reforma de seus dois
antecessores, nomeando Pedro Damiã o como Cardeal Bispo de Ostia,
uma pequena diocese contı́gua a Roma, apesar de sua reticê ncia:
Como, portanto, a fama de sua grande santidade e prudê ncia nã o podia mais
icar escondida, foi levada com clareza aos ouvidos da santa Igreja Romana, e
porque tal homem era considerado ideal para o sacerdó cio e totalmente
necessá rio para o trabalho da Igreja, tendo sido levado ao Sumo Pontı́ ice (que
era entã o Estê vã o IX) para receber a cá tedra episcopal, foi assim compelido
pelos demais bispos e homens da Igreja, bem como pelo Sumo Pontı́ ice ele
mesmo. No entanto, como nã o se esqueceu da solidã o pacı́ ica em que
costumava passar o tempo na leitura das Sagradas Escrituras e na
contemplaçã o, e estava muito horrorizado com a perspectiva de perdê -la e
voltar ao barulho da cidade, ele resistiu à s suas sú plicas com o maior esforço.
No entanto, declarando que ele nã o conseguiria nada com suas exortaçõ es e
sú plicas, começaram agora a ameaçá -lo com a sentença de excomunhã o se ele
continuasse a resistir obstinadamente. O que mais? Finalmente, o Senhor
Apostó lico se esforçou para acrescentar mais uma coisa, que ele nã o podia
ignorar. Ordenou, sob a obrigaçã o de obediê ncia a si mesmo, que Damiã o
cumprisse com seus irmã os, aceitando paci icamente o que lhe era pedido, e
imediatamente, tomando sua mã o direita, dotou-o simultaneamente do anel e
do cajado com que juntou a ele o Igreja de Ostia. 59
O nome de Damiã o agora se juntava à s ileiras ilustres de reformadores
nomeados para o cardinalato por Leã o IX e seus sucessores, nomes
como Hildebrando (o futuro Papa Sã o Gregó rio VII), Desidé rio (abade
de Monte Cassino e o futuro Papa Bl. Victor III ), e Humbert de Silva
Candida. Com Damian como o principal teó rico de seu movimento, eles
trabalhariam em conjunto com outros reformadores de mentalidade
semelhante para lutar incansavelmente contra os vı́cios da simonia,
investidura leiga e incontinê ncia clerical, uma batalha que resultaria em
triunfo para o papado e inauguraria a era. da supremacia eclesiá stica
que de iniria a Alta Idade Mé dia.
Quase imediatamente apó s sua nomeaçã o como cardeal, Damian e
seus companheiros enfrentaram uma grave crise. Apó s a morte de
Estê vã o X, a dinastia ma iosa dos condes Tusculum desferiu outro
golpe contra os reformadores, buscando colocar seu candidato, John
Mincius, cardeal bispo de Velletri, no trono papal como “Bento X”.
Depois de invadir Roma e saquear o tesouro papal por dinheiro para
subornar os cidadã os, eles procuraram Damiã o, que como cardeal
bispo de Ostia tinha o dever tradicional de conduzir o rito de
entronizaçã o do papa. Mas Pedro havia fugido, retirando-se para sua
casa moná stica em Fonte Avellana, onde juntou sua voz à de outros
cardeais bispos, denunciando o usurpador como um simonista
“chafurdando em uma poça imunda” de corrupçã o. 60
Hildebrand, retornando de uma missã o em nome da Santa Sé à
Imperatriz Inê s na Alemanha, chegou a Florença, denunciou a falsa
eleiçã o de Mincius e começou a se corresponder com eminentes
romanos e outros da nobreza regional para determinar um candidato
que seria aceitá vel tanto para os reformadores quanto para a corte
imperial. Ele se estabeleceu no bispo de Florença, Gerard de Borgonha,
que recebeu a aprovaçã o de Inê s e uma promessa de apoio de
Godofredo, duque de Lorena-Toscana. Em dezembro de 1058, os
cardeais que escaparam de Roma se reuniram na cidade italiana de
Siena e elegeram Gerardo, que adotou o nome de Nicolau II. Com o
apoio militar de Godofredo e do chanceler imperial Wilbert, Nicolau
avançou sobre Roma em janeiro e logo expulsou Mincius, anulando a
in luê ncia do barã o italiano corrupto e consolidando o regime dos
reformadores. 61
No ano seguinte, Nicolau enviou Damiã o com Anselmo, bispo de Lucca,
em uma das missõ es mais difı́ceis da carreira de Damiã o: fazer valer a
justiça papal na tumultuada arquidiocese de Milã o. Lá , uma guerra civil
eclesiá stica eclodiu entre os reformadores locais, conhecidos como os
“Patarines”, e o corpo principal do clero em grande parte corrupto, que
procurava defender suas prá ticas ilı́citas de simonia e concubinato.
Hildebrand já havia visitado para resolver a situaçã o durante o papado
de Estê vã o, e agora um comitê de cidadã os estava pedindo uma
segunda intervençã o. Ao chegarem, Damiã o e Anselmo convocaram um
sı́nodo do clero para tratar do assunto. Eles rapidamente se viram em
perigo mortal, enquanto multidõ es enfurecidas corriam pelas ruas
denunciando-os, e o clero da cidade os pressionava, negando o direito
da delegaçã o papal de julgar a igreja milanesa. “Eles pretendiam para
mim, como posso dizer, destruiçã o total e, como muitas vezes me foi
sugerido por meus amigos, alguns deles estavam sedentos pelo meu
sangue”, escreveu Damian a Hildebrand apó s o caso. 62
Apesar do perigo, Damiã o se manteve irme e lembrou ao clero reunido
a origem divina da Igreja de Roma, estabelecida pelo pró prio Cristo por
meio do apó stolo Pedro:
Somente ele [Cristo] fundou a Igreja Romana e a estabeleceu sobre a rocha da
fé que estava nascendo naquele momento, que con iou os direitos do governo
terrestre e celestial ao abençoado portador das chaves da vida eterna. Nã o,
portanto, qualquer declaraçã o terrena, mas aquela Palavra, pela qual o cé u e a
terra foram construı́dos, pela qual todos os elementos foram estabelecidos,
fundou a Igreja Romana. E certo que age por seu privilé gio e é apoiado por sua
autoridade. Nã o há dú vida de que quem priva uma Igreja de seus direitos
comete uma injustiça, mas quem procura tirar o privilé gio concedido à Igreja
Romana que a torna a cabeça suprema de todas as Igrejas, sem dú vida, cai em
heresia, e enquanto o primeiro será conhecido como injusto, o segundo será
chamado de herege. 63
As palavras de Pedro conseguiram paci icar a multidã o de clé rigos e
leigos, um resultado que convenceu Damiã o da importâ ncia de
enfatizar as prerrogativas da Igreja de Roma na luta contra a corrupçã o.
Depois de descobrir que praticamente todo o clero milanê s havia sido
ordenado por simonia, ele decretou penitê ncias de cinco a sete anos de
jejum perió dico, rezando os salmos e alimentando os pobres, e exigia
que apenas aqueles que fossem “alfabetizados, castos e moralmente
distinto” 64 ser autorizados a retornar à s suas funçõ es clericais. O
arcebispo se prostrou no chã o diante de Pedro e Anselmo, confessando
seu fracasso em extirpar o vı́cio clerical de sua diocese, e declarou sua
intençã o de viajar como peregrino ao tú mulo de Sã o Tiago Apó stolo na
Espanha como um ato de penitê ncia. 65
As habilidades de Damiã o foram mais uma vez empregadas na defesa
do papado quando, apó s a morte do papa Nicolau II em 1061, o partido
anti-reformista atacou novamente. O companheiro de Damiã o durante
sua missã o em Milã o, Anselmo de Lucca, foi eleito pelos cardeais e
tomou o nome de Alexandre II. Embora Nicolau tivesse estabelecido o
direito dos cardeais bispos de escolher o papa no Sı́nodo de Latrã o de
1059, exigindo apenas a con irmaçã o do imperador alemã o, a
imperatriz Inê s nã o aceitou essa limitaçã o do poder imperial e
procurou impor seu pró prio candidato ao papado. Recusando-se a
receber os delegados de Roma, ela organizou um sı́nodo na cidade de
Basileia com nobres e clé rigos descontentes que se opunham ao partido
da reforma, onde elegeram Cadalous, o bispo inescrupuloso de Parma,
como papa. Na primavera de 1062, intitulando-se "Honorius II",
Cadalous e suas tropas marcharam sobre Roma para forçar a questã o,
mas foram repelidos pelas forças de Godfrey, duque da Toscana, que
exigiu que Cadalous e Alexander se retirassem até que o assunto
pudesse ser resolvido. ser resolvido atravé s de um sı́nodo
extraordiná rio, que foi realizado em Augsburg em outubro do mesmo
ano.
Enquanto Hildebrand organizava as forças polı́ticas e militares da
penı́nsula contra o antipapa, Damiã o pegava sua pena em defesa do
papado. Ele enviou duas cartas mordazes a Cadalous em meados de
1062, lembrando-o da lei da Igreja sobre as eleiçõ es papais e citando as
Escrituras e os Padres da Igreja para incentivá -lo a ceder. Ele també m
defendeu a eleiçã o de Alexandre pelos cardeais em sua Disceptatio
Synodalis , um diá logo imaginá rio que apresenta os argumentos de
ambos os lados do debate e que parece ter sido direcionado ao sı́nodo
de Augsburgo. 66
Cadalous ignorou as sú plicas de Damiã o e continuou a conspirar para
tomar o trono papal, provocando Damiã o a denunciá -lo como “aquele
perturbador da santa Igreja, esse destruidor do ensino apostó lico, esse
inimigo da salvaçã o do homem, essa raiz do pecado, esse arauto da o
diabo, aquele apó stolo do anticristo”. 67 O sı́nodo decidiu
provisoriamente por Alexandre e ordenou que um delegado imperial
fosse enviado a Roma para investigar. Apó s um relató rio positivo, o
duque Godofredo escoltou Alexandre de volta a Roma no inı́cio de
1063, onde realizou um sı́nodo em abril excomungando Cadalous. O
pretendente respondeu com seu pró prio sı́nodo e excomunhã o de
Alexandre, e conseguiu tomar o controle do Castel Sant'Angelo, onde foi
sitiado até ceder e fugir em 1064. No entanto, muitos dos bispos e
nobres contrá rios à reforma clerical continuaram a se submeter. a
Cadalous, considerando-o o verdadeiro papa.
Ao visitar a França em 1063, Damiã o procurou inalmente resolver a
disputa escrevendo ao arcebispo Anno de Colô nia, que se tornara o
regente do jovem imperador Henrique IV, pedindo-lhe que convocasse
um concı́lio geral com o objetivo de con irmar o ponti icado de
Alexandre. 68 Anno concordou, e o sı́nodo foi realizado em Mâ ntua no
Pentecostes de 1064, com a presença de Alexandre, que humilde mas
irmemente defendeu a validade de sua eleiçã o. O sı́nodo anatematizou
Cadalous e efetivamente pô s im à sua in luê ncia, embora o bispo da
cidade natal de Damian, Ravenna, continuasse a apoiar Cadalous até
sua morte.
Como bispo de Ostia, Pedro se esforçou para exempli icar as virtudes
que há muito exigia de outros prelados, sempre atento à prestaçã o de
contas que faria a Deus pelo bem-estar espiritual de seu rebanho. Joã o
de Lodi nos conta que Damiã o teve o cuidado de aproveitar a
oportunidade de pregar o evangelho a qualquer aglomeraçã o de
pessoas, levantando-se bem antes do amanhecer para chegar a tempo.
Mesmo quando estava com febre, ele se levantava ao amanhecer do
domingo para celebrar a missa e pregar em voz alta até o meio-dia, um
feito que impressionou tanto Lodi e outros que o atribuı́ram à graça
sobrenatural. Por sua exortaçã o, o povo da regiã o lotou as igrejas para
participar do canto dos salmos durante o ofı́cio divino; entre eles havia
muitos padres arrependidos que haviam abandonado sua regra de vida
em favor de casamentos ilı́citos. 69
Alé m de sua pregaçã o fervorosa, Damiã o ocupou-se com visitas
freqü entes aos doentes e pobres, lavando-lhes os pé s à imitaçã o de
Cristo e ajudando-os com alimentos e roupas. Os necessitados també m
se aglomeravam em sua casa, onde ele os tratava como convidados de
honra e os alimentava em sua mesa. Ele frequentemente exortava seu
clero a imitar suas prá ticas, observando que os fundos da Igreja
pertencem a todos os seus membros. A renda dos sacerdotes, segundo
Damiã o,
é sagrado, e é o salá rio dos pecadores. Deve-se ter cuidado, portanto, para que
a avareza ou qualquer descuido negligente tire os pobres de Cristo, a quem
todo o nosso excedente é devido em sua totalidade. Como temos os recursos
disponı́veis para dar alı́vio aos pobres, indague diligentemente com piedosa
consideraçã o para descobrir aqueles pró ximos que estã o doentes, ou famintos,
ou sofrem qualquer tipo de angú stia de necessidade, porque ao ministrar as
necessidades da vida com tã o piedoso compaixã o você adquirirá para nó s e
para você o fruto comum da recompensa eterna no cé u. 70
Joã o de Lodi relata que, para se reanimar espiritualmente e “sacudir a
poeira” acumulada em seus deveres mundanos, Damiã o voltava
periodicamente à ermida de Fonte Avellana, onde retomava seus
exercı́cios penitenciais e se acusava de pecado diante de sua irmã os
nas reuniõ es capitulares, segundo a regra moná stica. 71 Ele ansiava por
icar e pediu ao papa que aceitasse sua renú ncia, escrevendo longas
cartas tanto ao pontı́ ice quanto a Hildebrando reivindicando o direito
dos bispos de renunciar a seus cargos. 72 Nã o está claro quando ou se
ele foi inalmente dispensado de sua sé pelo papa; assumindo que ele
era, a data poderia ser tã o cedo quanto 1063 e tã o tarde quanto 1070.
73

Emissário e Reformador
Damian nã o perdeu impulso em sua busca incansá vel pela reforma
eclesiá stica durante a ú ltima dé cada de sua vida. Alé m de seus deveres
ocasionais como legado papal, ele manteve uma correspondê ncia
contı́nua com o papa, cardeais, bispos, colegas padres e monges,
governantes seculares, parentes e outros, que muitas vezes tomavam a
forma de pequenos tratados sobre uma variedade de tó picos
importantes. . Suas missõ es em nome do papa o levaram por rotas
precá rias para a França e a Alemanha, onde lutou contra os vı́cios
clericais e defendeu a santidade do casamento contra o pró prio
imperador. Tã o grande era sua importâ ncia para o Papa Alexandre II
que ele declarou que, depois de si mesmo, Damiã o era “a mais alta
autoridade dentro da Igreja Romana” e disse que ele era “como nosso
olho e o apoio inabalá vel da Sé Apostó lica”. 74
No sı́nodo romano em abril de 1063, o abade Hughes de Cluny chegou
para relatar que sua abadia havia sido atacada pelas forças do bispo
Drogon da diocese local de Macon, que procuravam usurpar a
independê ncia tradicional de Cluny, há muito concedida a isso pelos
papas. Ele pediu que uma embaixada da Igreja Romana fosse enviada
para corrigir o mau comportamento de Drogon e seus aliados e
reivindicar os direitos de Cluny, que era a instituiçã o moná stica mais
importante da Europa, governando um grande nú mero de mosteiros
em todo o continente.
Quando outros presentes no sı́nodo se opuseram por medo da
violê ncia de Drogon, o idoso Damiã o se ofereceu para a perigosa e
longa missã o, e Alexandre II aceitou a oferta. Apesar do perigo de
ataque dos partidá rios de Cadalous e do clima difı́cil, Damian partiu
com Hughes e sua pequena comitiva, navegando pelos Alpes nevados a
cavalo, insistindo em manter seus jejuns e exercı́cios penitenciais.
Acompanhando-o estava uma carta do papa aos bispos locais
declarando: “Demos a ele (Pedro Damiã o) nossa autoridade para que
tudo o que ele decretar em suas provı́ncias, com a ajuda de Deus, seja
rati icado e con irmado como se tivé ssemos promulgado por nosso
pró prio julgamento particular.” 75
Apó s sua chegada, Damian se viu abordando uma emergê ncia
relacionada. Os monges de Saint-Martial, um mosteiro recentemente
colocado sob a autoridade de Cluny apó s dé cadas de corrupçã o,
revoltaram-se apó s a morte de seu prior e agrediram os monges
enviados por Hughes para organizar os negó cios do mosteiro. Damiã o
viajou vá rias centenas de quilô metros até Saint-Martial para enfrentar
os monges, que se esconderam dele e se recusaram a se apresentar
para defender seu caso. Depois de suplicar-lhes vá rias vezes que
saı́ssem, Damiã o declarou sua excomunhã o na catedral diocesana, para
deleite da multidã o ali reunida. Os monges corruptos desocuparam a
propriedade e foram substituı́dos pelos irmã os Clunaic, que passaram a
revitalizar o mosteiro nos anos que se seguiram.
Damian entã o voltou para confrontar Drogon e seus aliados, cujas
violentas usurpaçõ es ele enfrentou com calma resoluçã o e organizaçã o
superior. Evitando um confronto direto entre ele e o bispo, Damian
convocou um conselho regional de bispos para discutir o status legal de
Cluny. Lá , diante de Drogon e de todo o episcopado reunido, ele
ordenou que fosse lido em voz alta o decreto papal original concedendo
a independê ncia de Cluny do bispo local e estabelecendo sua
responsabilidade direta ao papa, um decreto cuja autenticidade
ningué m poderia negar. Drogon rapidamente capitulou e se reconciliou
com Hughes e seus monges. O dia havia sido vencido de forma pacı́ ica
e decisiva, e o exemplo de santidade de Damiã o nunca foi esquecido
pelos monges de Cluny, que prometiam oferecer a Missa por sua alma
todos os anos e foram dos primeiros a celebrar seu dia de festa apó s
sua morte.
Damiã o mostrou coragem semelhante em sua embaixada na cidade de
Florença em 1067, embora o resultado nã o tenha sido tã o satisfató rio.
O bispo da cidade, Pedro, havia sido acusado de simonia por grupos de
monges e leigos, que consequentemente recusavam os sacramentos do
clero que ele havia ordenado. Enviado pelo Papa Alexandre para
resolver as acusaçõ es e resolver a disputa, Damiã o foi confrontado por
multidõ es indisciplinadas e violentas que nã o ouviram a razã o. Ele
ressaltou que ele mesmo nã o poderia fazer um julgamento sobre a
acusaçã o de simonia e que os cidadã os poderiam recorrer ao pró ximo
sı́nodo anual dos bispos de Roma para apresentar seu caso. Alé m disso,
observou ele, os sacramentos permaneciam vá lidos apesar de qualquer
simonia por parte do bispo ou do clero da cidade, e ainda assim muitos
ié is estavam morrendo sem os ú ltimos ritos por medo de sua
invalidez. Seus protestos caı́ram em ouvidos surdos, e ele foi forçado a
retornar de sua missã o sem ter resolvido o assunto. 76 Embora os
oponentes do bispo seguissem o conselho de Damiã o e levassem seu
caso a Alexandre no sı́nodo romano seguinte, o papa també m achou a
crise difı́cil de resolver e, devido à falta de provas su icientes contra o
bispo, recusou-se repetidamente a decidir contra ele.
Dois anos depois, Damiã o foi enviado pelo papa Alexandre à Alemanha
para defender o sacramento do casamento contra o imperador alemã o
Henrique IV, um jovem famoso por sua luxú ria e in idelidade conjugal.
77 Henrique se afastou de sua esposa, Bertha, e pediu o divó rcio de
Siegfried, arcebispo de Mainz, no Sı́nodo de Worms em 1069, alegando
que o casamento nunca havia sido consumado e que os dois eram
incompatı́veis. Embora os bispos presentes ao sı́nodo mais tarde
revelassem sua oposiçã o ao plano, nenhum mostrou coragem para
desa iar o imperador na cara dele, e eles concordaram em resolver o
assunto em um conselho a ser realizado no inal de setembro na cidade
de Mainz. . Siegfried entã o procurou o conselho do Papa Alexandre II,
que decidiu enviar Pedro Damiã o para representá -lo perante o
imperador e rejeitar seu divó rcio ilegı́timo. 78
Quando Henrique soube que Damiã o havia chegado a Mainz para
proferir sentença contra ele, ele fugiu para Frankfurt e tentou reunir
seus nobres e bispos lá . No entanto, Damian nã o seria recusado. Ele
seguiu o imperador até Frankfurt e, diante da multidã o reunida,
anunciou a decisã o do papa. De acordo com o relato do historiador
contemporâ neo Lambert de Hersfeld, Damian disse ao imperador que
o que ele pretendia fazer era muito mau, e ainda mais abominá vel, pois seria
em nome de um cristã o e até de um rei. Se ele nã o estivesse tã o aterrorizado
pelas leis do homem ou pelas sançõ es da lei eclesiá stica, ele deveria poupar
pelo menos sua reputaçã o e bom nome, para que o veneno de um exemplo tã o
indecente, tomado a princı́pio pelo rei, contaminasse toda a comunidade
cristã . pessoas, e aquele que tinha o papel de vingar crimes tornou-se o autor e
porta-estandarte de tal escâ ndalo. Finalmente, se ele nã o se curvasse a esses
conselhos, seria necessá rio que o papa aplicasse a força eclesiá stica e
proibisse esse pecado por meio do direito canô nico, e suas mã os nunca
consagrariam um imperador que traı́sse a fé cristã com tal exemplo pestilento.
79
Lambert relata que, ao ouvir as palavras de Damiã o, “todos os
prı́ncipes presentes se levantaram” contra Henrique e “expressaram
sua concordâ ncia com o pontı́ ice romano, e suplicaram a Deus que
nenhum pecado fosse in ligido contra Sua gló ria e que a majestade do
rei nome nã o pode ser contaminado pela sujeira de um ato tã o
indecente.” 80 O imperador capitulou rapidamente, concordando em
permanecer em seu casamento, e Bertha logo engravidou. A coragem
de Damian, apoiada pela determinaçã o de Alexandre II, havia vencido
novamente.

Morte e Canonização
No inı́cio de 1072, o papa Alexandre enviou Pedro em sua missã o inal:
reconciliar sua cidade natal de Ravena apó s a morte de seu bispo
cismá tico Henrique, que se apegou ao antipapa Cadalous e foi
excomungado com toda a sua diocese por Alexandre. 81 Embora a saú de
de Damiã o estivesse debilitada, Joã o de Lodi conta-nos que se alegrou
com a oportunidade de reconciliar a cidade onde nasceu com a Igreja
Cató lica e, de alguma forma, pagar a dı́vida que sentia dever para com a
cidade da qual havia recebido muitos benefı́cios em sua juventude. 82
Embora o bispo tenha “contaminado miseravelmente o povo” de
Ravena com seu mau exemplo e “profanado toda a igreja com suas
audá cias ilegais”, a cidade icou admirada e grata por receber um ilho
que se tornou tã o famoso por sua santidade, aprendizado, e liderança,
segundo Joã o de Lodi. Pedro foi “recebido nas mã os dos cidadã os com
imensa alegria”. “Extremamente encantados” com o santo, e “dando
grandes graças a Deus por cuidar deles e ao vigá rio de Cristo por ter
enviado tal homem a eles”, eles “ izeram humildemente penitê ncia por
sua ofensa”. Damiã o entã o lhes deu a absolviçã o papal, e “por toda a
cidade houve uma grande exultaçã o”. 83
Em sua viagem de volta de Ravena, Peter e sua comitiva pararam em
Faenza, onde Damian frequentou a escola quando jovem, para passar a
noite no mosteiro de Santa Maria degli Angeli. Lá Damian foi
acometido por uma febre e icou con inado em sua cama por oito dias.
Na calada da noite da vé spera ou madrugada da festa da Cá tedra de Sã o
Pedro em Antioquia (22 de fevereiro), ordenou aos monges que
rezassem com ele o ofı́cio das Matinas, “desejando primeiro realizar os
ritos da a solenidade apostó lica, e assim inalmente partir em
segurança”. 84 Logo apó s a conclusã o do ofı́cio, ele faleceu.
Ao saber de sua morte, a populaçã o de Faenza imediatamente começou
a se aglomerar no mosteiro, acotovelando-se pela chance de beijar e
tocar o corpo do santo ou sua mortalha, e impedindo que os irmã os de
Damian levassem seu corpo. Ele foi sepultado na capela do mosteiro em
um sarcó fago branco perto da entrada do coro, e os monges começaram
a celebrar o ofı́cio e a missa festiva de seu “nascimento celestial” em 23
de fevereiro. , Cluny e Ravenna e suas dioceses sufragâ neas. Seu corpo
foi posteriormente transferido para uma igreja jesuı́ta, depois para a
catedral diocesana em 1825. Em 1898, uma capela especial foi anexada
à catedral para abrigar seus restos mortais.
Em 1823, o Papa Leã o XII con irmou a profecia de seu homô nimo do
sé culo XI, que havia assegurado a Damiã o que um dia “se regozijaria na
mansã o celestial com o Filho de Deus e da Virgem”, acrescentando a
festa de Damiã o ao calendá rio universal e premiando a ele o tı́tulo de
“Doutor da Igreja Cató lica”.
1 A questã o foi inalmente resolvida pelos canonistas em favor de Formoso,
que hoje é geralmente reconhecido como um papa vá lido, apesar do
julgamento inal negativo de Sé rgio III.
2 O papa Joã o é relatado pelo cronista Liutprando, bispo de Cremona (em seu
Antapadosis , lib. 2, cap.48; PL 136, 827D-828C), ter sido o amante da mã e de
Marozia, Teodora, antes de ascender ao trono papal, mas como um
comentarista muito hostil que nã o estava vivo na é poca dos eventos em
questã o, seus relatos desse perı́o do do papado nã o sã o considerados credı́veis
pelos historiadores.
3 Esta a irmaçã o é relatada em um relato atribuı́do a Gerbert de Aurillac, mais
tarde Papa Silvestre II, na Acta Concilii Remensis , cap. 28 (PL 139, 313B).
4 Esse sı́nodo foi realizado em Roma em 963 sob os auspı́cios do imperador
Otã o I. Embora pareça ser uma resposta ao comportamento moralmente
escandaloso de Joã o XII, sua decisã o de depor o papa é geralmente
considerada ilegal.
5 Liutprando, bispo de Cremona, em seu De Rebus Gestis Ottonis , cap. 20 (PL
136, 908D), notoriamente a irma que Joã o morreu vá rios dias depois de ser
“golpeado nas tê mporas pelo diabo” enquanto em ato de adulté rio, e que
recusou a Sagrada Comunhã o até o im. No entanto, Liutprand era um
oponente de John que havia participado do conselho que pretendia depô -lo, e
é o ú nico a relatar a histó ria.
6 Joã o de Lodi era monge de Fonte Avellana e con idente pró ximo do santo,
que acabaria por ser també m canonizado. Ele é geralmente considerado o
“Joã o” autor da primeira e mais con iá vel biogra ia de Damiã o (encontrada em
Gaetani , vol. 1, 1-16), embora isso nã o possa ser veri icado com absoluta
certeza.
7 A este relato deve ser acrescentado (ou substituı́do) a pró pria declaraçã o de
Pedro, feita em uma carta à imperatriz Inê s, de que apó s a morte de seus pais
ele foi cuidado em algum momento por uma irmã que “cuidou de mim como
uma mã e” (ver Carta 149 em Reindel , vol. 3, 552).
8 Joã o de Lodi, Vita Beati Petri Damiani , cap. 2 ( Gaetani , vol. 1, 3). Traduçã o
minha.
9 O sobrenome de Pedro també m era frequentemente escrito no caso
nominativo, como “Damianus”.
10 Lodi, Vita , cap. 2 ( Gaetani , vol. 1, 3). Traduçã o minha.
11 Ibid.
12 A ordem, que passou a ser conhecida como Santa Croce di Fonte Avellana,
foi absorvida pela Ordem dos Camaldules em 1570 apó s um perı́o do de
declı́nio.
13 Owen J. Blum, São Pedro Damião: seu ensinamento sobre a vida espiritual
(Washington, DC: Catholic University of America Press, 1947), 14.
14 O monge Rodulfus Glaber em seu Historiarum Libri Quinque , lib. 4, cap. 5,
relata que o jovem papa, cujo nome de batismo era Teo ilato, tinha apenas dez
anos de idade em sua ascensã o, uma a irmaçã o que geralmente é rejeitada
como insustentá vel pelos historiadores. Ver Raoul Glaber: les cinq Livres de ses
histoires , ed. Maurice Prou (Paris, 1886), 105.
15 Desidé rio, abade de Monte Cassino (que reinou como Papa Victor III de
1086 a 1087) em seu Dialogi , cap. 3 (PL 149, 1003A–1004B), parece oferecer a
descriçã o mais detalhada e credı́vel do mau comportamento de Bento IX, que
ele diz “receia relatar”. Ele se limita a mencionar a “vida vil e desprezı́vel” de
Bento XVI, seu “rapina, assassinatos e outros atos nefastos” e seus “atos
depravados e perversos” que ele cometeu “incansavelmente contra o povo
romano”. Ele també m o acusa de obter o papado por meio de suborno.
16 Cf. Cançã o do Sol. 2:2.
17 Carta 11 em Reindel , vol. 1, 138-139. Traduçã o minha.
18 Simã o era um feiticeiro que tentou comprar poderes sacramentais do
apó stolo Pedro (Atos 8:9–24) e Giezi era o servo do profeta Eliseu que
enganoumente solicitou o pagamento por uma cura milagrosa (2 Reis 5:1–27).
Ambos sã o vistos na literatura medieval como arqué tipos daqueles que
buscam o lucro material dos bens espirituais, e daı́ os epı́tetos “simonia” e
“simoniacal”.
19 Cf. Gn 8:11.
20 Cf. Matt. 21:12–13; Lucas 19:45–46; Joã o 2:14-16.
21 Carta 13 em Reindel , vol. 1, 143-144. Traduçã o minha.
22 Carta 26 em Reindel , vol. 1, 241-242.
23 Um papa legı́timo, que tomou o nome de Dâ maso II, ocupou a sé por um
total de 23 dias apó s o afastamento de initivo de Bento IX, tendo sido
consagrado em 17 de julho e falecido em 9 de agosto.
24 Cf. Lucas 14:34.
25 Cf. ROM. 9:29; E um. 1:9.
26 Bruno Signiensis, S. Leonis Papae IX Vita (PL 165, 1110B-1111B). Traduçã o
minha.
27 A cidade está hoje na França, embora tenha feito parte do Sacro Impé rio
Romano até o sé culo XVI .
28 Regesta Ponti icum Romanorum , ed. Philippus Jaffé (Berolini: Veit et Socius,
1851), 368-369.
29 O tı́tulo “Livro de Gomorra” só começa a aparecer nos manuscritos durante o
sé culo XIV. No entanto, por ter sido aceito por sé culos como tı́tulo da obra,
optei por mantê -lo para esta traduçã o. A obra aparece como “Carta 31” em
Reindel , vol.1, 284–330. Veja o Prefá cio do Tradutor para detalhes.
30 Reindel atribui esta carta ao ano de 1049 ( Reindel , vol. 1, 284), embora
pudesse ter sido escrita a qualquer momento durante o ponti icado do Papa
Leã o IX (1049-1054).
31 Livro de Gomorra , capı́tulo 1.
32 A previsã o de Leã o IX seria con irmada em 1823, quando a festa de Damiã o
foi universalizada pelo Papa Leã o XII, que també m atribuiu ao santo o tı́tulo de
Doutor da Igreja Cató lica.
33 Carta 40 em Reindel , vol. 1, 384-509.
34 Ver Humberti SRE Cardinalis Adversus Simoniacos Libri Tres (PL 143, 1007A–
1212B).
35 Carta 35 em Reindel , vol. 1, 336-339. Traduçã o minha.
36 Carta 38 em Reindel , vol. 1, 352.
37 Capı́tulo 26.
38 Ex. 5:21.
39 Ou seja, ele con iscou seus bens e os deu a seu servo Siba (2 Sam. 16:1–4).
40 Carta 33 em Reindel , vol. 1, 332-333. Traduçã o minha.
41 Carta 46 em Reindel , vol. 2, 41-42.
42 Jr. 48:10.
43 Esta frase aparece praticamente na ı́ntegra no Decreto de Graciano , pars 1,
dist. 86, c. 3, embora a fonte de Damian seja anterior em pelo menos um
sé culo. Nas ediçõ es do Corpus Iuris Canonici foi atribuı́do a uma carta do Papa
Gregó rio Magno, Theodorico et Theoberto Regibus Francorum , epist. 114, lib. 7,
indiciar. 2.
44 Carta 61 em Reindel , vol. 2, 212-213. Traduçã o minha.
45 Carta 112 em Reindel , vol. 3, 268. Traduçã o minha.
46 Carta 60 em Reindel , vol. 2, 203-205. Traduçã o minha.
47 Carta 164 em Reindel , vol. 4., 165-172.
48 Por exemplo , sobre as horas canônicas (Carta 17 em Reindel , vol. 1, 155-167),
Sobre o desprezo de o Mundo (Carta 165 em Reindel , vol. 4, 173-230), Dominus
Vobiscum (Carta 28, em Reindel , vol. 1, 248-278), Sobre os Institutos de sua
Congregação (Carta 50 em Reindel , vol. 2, 77-131), Sobre a perfeição de Monges
(Carta 153 em Reindel , vol. 4, 13-67), Sobre os Bispos que Recordam Monges ao
Mundo (Carta 38 em Reindel , vol. 1, 347-373).
49 Carta 81 em Reindel , vol. 2, 417-441.
50 Carta 91 em Reindel , vol. 3, 1-13.
51 Disputa contra os judeus (Carta 1 em Reindel , vol. 1, 63-102).
52 Disputa sobre a Questão: i f Deus é onipotente, como ele pode fazer algo que
aconteceu, para não ter acontecido (Carta 119 em Reindel , vol. 3, 341-384).
53 Ver Toivo J. Holopainen, “Peter Damian”, em The Stanford Encyclopedia of
Filoso ia , ediçã o de inverno de 2012, em plato.stanford.edu.
54 Santa Sé , Sagrada Congregaçã o dos Religiosos, “Cuidada Seleçã o e
Treinamento de Candidatos para os Estados de Perfeiçã o e Ordens Sagradas”, 2
de fevereiro de 1961, em EWTN, www.ewtn.com.
55 Santa Sé , Congregaçã o para a Educaçã o Cató lica, “Instruçã o sobre os
Crité rios para o Discernimento das Vocaçõ es em relaçã o à s Pessoas com
Tendê ncias Homossexuais em vista de sua admissã o ao Seminá rio e à s Ordens
Sagradas”, 4 de novembro de 2005, em w2.vatican. va.
56 Ver Código de Direito Canônico (1983), câ n. 977, 1378, 1387; Codex Iuris
Canonici (1917), câ n. 884; Papa Bento XIV, Constituiçã o Apostó lica
Sacramentum Poenitentiae , 1º de junho de 1741, em w2.vatican.va.
57 Sess. 7, pode. 12 (D 855). Veja també m o Papa Nicolau II, Concı́lio Romano
de 1060 (D 354); Concı́lio de Latrã o I, câ n. 1 (D 359).
58 As Igrejas Cató licas Orientais, que compreendem menos de dois por cento
da populaçã o total da Igreja, ainda podem ordenar homens casados, embora
os padres solteiros na ordenaçã o ou que perdem suas esposas apó s a
ordenaçã o nã o possam se casar novamente.
59 Lodi, Vita , cap. 14 ( Gaetani , vol. 1, 10).
60 Carta 58 em Reindel , vol. 2, 193.
61 Meses depois, Damiã o ajudaria a reformar o sistema de eleiçõ es papais no
Sı́nodo de Latrã o de 1059, onde o clero reunido decidiu fortalecer o processo
colocando-o principalmente nas mã os dos cardeais bispos, lançando assim as
bases para o moderno sistema de conclaves.
62 Carta 65 em Reindel , vol. 2, 231. Traduçã o minha.
63 Ibid., 233-234. Traduçã o minha. Parte desta declaraçã o foi usada mais tarde
no Disceptatio Synodalis de Damian escrito para o Sı́nodo de Augsburg de
outubro de 1062 (veja abaixo).
64 Ibid., 246. Traduçã o minha.
65 Infelizmente, a reconciliaçã o de Milã o nã o duraria. Vá rios anos depois, o
arcebispo renegou suas promessas e o con lito recomeçou.
66 Patricia Ranft, A Teologia da Peter Damian (Washington: Catholic University
of America Press, 2012), 132.
67 Carta 99 em Reindel , vol. 3, 99. Ver també m Carta 89, em Reindel , vol. 2, 531-
540.
68 O papa Alexandre, e particularmente Hildebrando, icaram inicialmente
zangados com Damiã o por causa de sua intervençã o por causa de um aparente
mal-entendido sobre o que ele havia escrito ao bispo Anno, um mal-entendido
que ele procurou esclarecer enviando-lhes uma có pia da carta original. Veja a
Carta de Damian 107 em Reindel , vol. 3, 185-188.
69 Lodi, Vita, cap. 15 ( Gaetani , vol. 1, 10).
70 Lodi, Vita , cap. 17 ( Gaetani , vol. 1, 12). Traduçã o minha.
71 Ibid., cap. 18 ( Gaetani , vol. 1, 13).
72 Ou seja, Cartas 57 e 72 em Reindel , vol. 2.
73 Os historiadores divergem sobre esta questã o, que pode ser impossı́vel de
resolver com certeza. Owen Blum favorece a data de 1063 para a
aposentadoria de Damian em seu livro St. Peter Damian: His Teaching on the
Spiritual Life (Washington: Catholic University of America Press, 1947), 35,
nota 138, mas uma carta datada por Reindel em 1070 ( A carta 169 em Reindel ,
vol. 4, 247-249) refere-se à sua demissã o como se ainda nã o tivesse
acontecido. A Carta 96 de Damiã o, que Reindel atribui ao ano 1063, indica que
de alguma forma ele foi dispensado de seus deveres pontifı́cios (ver Reindel,
vol. 3, 46-47) . O historiador francê s Reginald Biron conclui que a
aposentadoria de Damiã o é anunciada em sua carta 57, datada por Reindel em
1058, em St. Pierre Damien (1007-1072), 20ª ed. (Paris: Lecoffre, 1908), 164. No
entanto, o principal bió grafo moderno de Damiã o, Jean Leclerq, em seu Saint
Pierre Damien, ermite et homme d'eglise (Roma: Edizioni di storia e letteratura,
1960), 111, conclui que Damiã o continuou em sua posiçã o como cardeal bispo
de Ostia depois de 1063, mas teve permissã o para morar na Fonte Avellana
devido a problemas de saú de e deixou de ser bispo em 1067.
74 Diploma de Legatione S. Petri Damiani em Gallias (PL 145, 857B).
75 Diploma de Legatione (PL 145, 857B-858B). Um antigo relato da jornada de
Damiã o pode ser encontrado em De Gallica Profectione Domini Petri Damiani (PL
145, 865-880).
76 O relato completo do evento encontra-se em uma carta escrita por Damiã o
aos cidadã os e monges de Florença, datada de 1067 por Reindel. Ver Carta 146
em Reindel , vol. 3, 531-542.
77 Ver Bruno de Merseberg, De Bello Saxonico (Hannover, 1880), 5.
78 Biron, St. Pierre Damien , 178-180.
79 Lambertus Hersfeldensis, Annales , 2ª ed. (Hannover, 1874), 76. Traduçã o
minha.
80 Ibid. Traduçã o minha.
81 Pedro já havia escrito a Alexandre pedindo-lhe que suspendesse a
excomunhã o contra Henrique, talvez porque este se arrependesse antes de sua
morte. Ver Carta 167 em Reindel , vol. 4, pá gina 237.
82 Lodi, Vita, cap. 21 ( Gaetani , vol. 1, 15).
83 Ibid. Traduçã o minha.
84 Ibid., cap. 22. Traduçã o minha.
PREFACIO DO TRADUTOR
O Liber Gomorrhianus ou “Livro de Gomorra” 85 ocupa um lugar singular
na literatura da Igreja Cató lica. E, sem dú vida, a denú ncia mais
eloquente e apaixonada de perversã o sexual já escrita por um santo
cató lico, e traz um endosso altivo e sem reservas de um papa-santo que
virtualmente o canonizou em vida. Embora tenha sido escrito há quase
mil anos, o Livro de Gomorra de muitas maneiras parece dirigida aos
nossos tempos, associando os fenô menos de comportamento
homossexual clerical e pederastia, e endossando a prisã o de clé rigos
que sã o um perigo para a juventude. Expressa um ó dio incessante pelo
pecado da sodomia e ao mesmo tempo uma profunda compaixã o por
seus perpetradores, buscando sua reconciliaçã o com Deus e
assegurando-lhes a esperança de salvaçã o. També m reconhece a
ameaça de um estabelecimento eclesiá stico que procura fechar os
olhos ao problema da corrupçã o clerical e ocultar seus pecados, em vez
de erradicar o problema.
O autor desta grande obra, Sã o Pedro Damiã o, foi um monge eremita
italiano e futuro Doutor da Igreja que liderava uma famı́lia de mosteiros
sediados em Fonte Avellana, cujos membros eram devotados à s mais
rigorosas prá ticas ascé ticas. Ele dirigiu seu opúsculo ou “pequena obra”
a Leã o IX (1049-1054), um dos poucos papas do segundo milê nio que
seriam canonizados como santos. Tanto Leã o quanto Damiã o eram
reformadores apaixonados, camaradas de armas, lutando nã o contra
ameaças externas, mas contra os efeitos enervantes da frouxidã o moral
e da corrupçã o dentro da pró pria Igreja. O Livro de Gomorra seria um
dos muitos opúsculos e cartas que Damiã o escreveria contra o mau
comportamento de monges e clé rigos, comportamento que incluı́a
imoralidade sexual de todo tipo, bem como a prá tica da simonia; isto é ,
a compra da ordenaçã o clerical.
O efeito dos argumentos de Damiã o, que sã o reforçados por copiosas
referê ncias à s Escrituras, aos Padres da Igreja e ao direito canô nico
tradicional, é aumentado por suas habilidades como um latinista de
formaçã o clá ssica que já havia estabelecido sua fama como professor
de retó rica seguindo sua formaçã o formal nas melhores escolas da
Itá lia. Embora seu estilo seja à s vezes forçado e trabalhoso, a prosa de
Damian muitas vezes se eleva em sua cadê ncia e seu uso de metá foras,
e ele é capaz de recorrer a um vasto repertó rio de adjetivos e alusõ es
literá rias da literatura sagrada e profana. Seu domı́nio da gramá tica e
das formas literá rias da lı́ngua o colocam entre os maiores latinistas da
Idade Mé dia. 86
relevância do livro de Gomorra para a Igreja moderna é imediatamente
reconhecı́vel por qualquer pessoa, mesmo remotamente ciente da
reputaçã o comprometida do clero cató lico em todo o Ocidente
moderno, uma situaçã o que surgiu em grande parte devido a um
sacerdó cio cada vez mais efeminado e uma visã o negligente ou
indiferente da sodomia e da violê ncia sexual. imoralidade que parece
atingir os mais altos nı́veis da hierarquia cató lica. Eram precisamente
tais atitudes que Pedro Damiã o procurava combater no sé culo XI,
exortando a restauraçã o dos fortes câ nones penitenciais da Igreja
relativos à sodomia e a suspensã o permanente dos clé rigos que eram
habitualmente inclinados a tal comportamento. Há uma ironia
particularmente amarga para o leitor moderno na citaçã o de Damian
das leis tradicionais que punem rigorosamente os abusadores sexuais
de crianças, enviando-os para prisõ es moná sticas pelo resto de suas
vidas por um ú nico delito. No livro de Gomorra , ouvimos a voz de um
profeta falando conosco ao longo dos sé culos, lembrando-nos de
verdades vitais que abandonamos e nos chamando ao arrependimento.

Estrutura e Temas do Livro de Gomorra


tema central do Livro de Gomorra é o vı́cio da “sodomia”. Esta
expressã o deriva do nome de uma das duas cidades destruı́das por
Deus no livro de Gê nesis, 87 a cidade de Sodoma, que está condenada à
destruiçã o pelo fogo pela prá tica do homossexualismo, 88 , enquanto a
obra de Damiã o tem o nome da segunda das duas cidades, Gomorra,
que teve o mesmo destino. E signi icativo que a denú ncia de Damian
desse pecado, que ele considera difundido entre o clero de sua é poca,
empregue uma de iniçã o do termo que é mais ampla do que o uso
moderno sugere. Damian vê “sodomia” como abrangendo todas as
prá ticas sexuais nã o naturais, tornando a relaçã o anal o mais lagrante
de uma sé rie de atos que contradizem o propó sito natural da
sexualidade humana. Para Damian, portanto, “sodomia” é usada para se
referir à s seguintes prá ticas em ordem decrescente de gravidade
moral: có pula anal homossexual, có pula femoral homossexual,
masturbaçã o mú tua e masturbaçã o solitá ria, à s quais se acrescentam a
contracepçã o e a bestialidade como espé cies do gê nero. mesmo
pecado. 89 A doutrina cató lica sustenta que todas essas prá ticas se
desviam em vá rios graus da inalidade natural da sexualidade humana,
que existe para consumar uma uniã o exclusiva e perpé tua de um
homem e uma mulher ordenada à procriaçã o; como tal, sã o
considerados gravemente imorais. 90 As descriçõ es de Damian desses
pecados, embora nã o gratuitamente grá icas, sã o especı́ icas e claras, e
eram tã o explı́citas pelos padrõ es do inı́cio do sé culo XVII, quando as
obras completas de Damian foram impressas pela primeira vez, que
seus editores se sentiram compelidos a excluir, expurgar ou
parafrasear vá rios pará grafos da obra, particularmente nos capı́tulos 3,
7 e 23, bem como a carta do pró prio Papa Leã o a Damiã o em resposta.
Mesmo com essas modi icaçõ es, comentaristas posteriores alertaram
sobre o perigo que o texto representava para as mentes jovens. 91 No
entanto, essa linguagem precisa em relaçã o ao comportamento sexual
imoral era padrã o durante os sé culos X e XI, particularmente em
manuais penitenciais do perı́odo que procuram estabelecer de iniçõ es
claras de diferentes categorias de ofensas. 92

Fraqueza Moral e Falsa Misericórdia


Damian está enfrentando uma cultura de corrupçã o clerical e
indiferença moral entre muitos na Igreja do sé culo XI, uma mentalidade
que muitas vezes ignorou ou minimizou as tradiçõ es teoló gicas e legais
cristã s em relaçã o ao comportamento sexual imoral. A situaçã o era
sintomá tica do declı́nio social geral e catastró ico provocado durante a
saecula obscura dos sé culos IX e X, que só recentemente havia
diminuı́do. A tarefa de Damian é rea irmar a doutrina da Igreja Cató lica
sobre atos sexuais nã o naturais e as penitê ncias tradicionais prescritas
para eles na lei canô nica da Igreja ordenada durante os primeiros
sé culos do cristianismo.
Damiã o começa no capı́tulo um resumindo o problema para o Papa
Leã o, alertando que o vı́cio da sodomia está se espalhando entre
monges e clé rigos e que deve ser anulado imediatamente enquanto
ainda é possı́vel fazê -lo. Depois de enumerar os graus de sodomia no
capı́tulo dois, ele prossegue no capı́tulo trê s para abordar o problema
como uma crise de autoridade na Igreja, observando que muitos
prelados estã o permitindo que homossexuais praticantes continuem
atuando como padres, apesar de terem conhecimento de seus crimes.
Ele considera isso uma forma “ı́mpia” e “excessiva” de misericó rdia que
leva a uma corrupçã o ainda pior. Essa falsa misericó rdia, que ele
també m caracteriza como “cruel” no capı́tulo 12, será contrastada em
capı́tulos posteriores com a autê ntica misericó rdia de Deus, que
sempre é oferecida à queles que se arrependem até dos piores pecados.
Nos capı́tulos 4-6, ele argumenta que permitir que tais clé rigos
continuem realizando o sacrifı́cio da Missa, mesmo em casos de
escassez de padres, é contrá rio à s Escrituras, aos Padres da Igreja e à
pró pria razã o. Ele també m condena aqueles que buscam a ordem do
sacerdó cio ou continuam no sacerdó cio depois de terem caı́do em
vı́cios sodomı́ticos. Ele entã o prossegue (nos capı́tulos 7-10) para
analisar as circunstâ ncias agravantes que agravam o pecado da
sodomia, particularmente o abuso sexual de “ ilhos espirituais”
(penitentes) por confessores, e a absolviçã o mú tua de cú mplices
atravé s da troca de con issã o sacramental.
A retumbante invectiva de Damian nestes primeiros capı́tulos está
repleta de citaçõ es e citaçõ es da Sagrada Escritura, que é a fonte
primá ria e inspiraçã o de Damian em toda a obra. Ele invoca Gê nesis 19
para demonstrar que a sodomia é o pior dos pecados, observando que
“quando ele [Deus] ainda nã o havia colocado um preceito legal
proibindo-a junto com os outros vı́cios, já a condenava com a censura
da retribuiçã o estrita – nã o mencionar que destruiu Sodoma e
Gomorra, 93 que eram duas cidades distintas, e todas as regiõ es
vizinhas, com enxofre e fogo enviados do cé u”. Ele acrescenta a puniçã o
de Onã em Gê nesis 38 como outra prova da natureza espiritualmente
mortal da sodomia, bem como a lei de Moisé s em Levı́tico 20. Esses
exemplos sã o reforçados por citaçõ es do Novo Testamento, como 1
Timó teo 1 e Romanos 1 , que Damian usa para reforçar seu argumento
de que aqueles que caı́ram em sodomia nã o devem buscar a ordenaçã o.

O caso histórico e legal


para punir a perversão sexual
Nos capı́tulos 11-15, Damian passa a estabelecer um caso legal sobre a
puniçã o da sodomia entre o clero. Isso exige que ele faça uma longa
digressã o sobre a lei da Igreja, na qual ele defende a falsidade de
câ nones mais fracos que sã o encontrados listados em muitas obras de
referê ncia contemporâ neas (capı́tulos 11-13). Sua a irmaçã o de que os
manuais penitenciais continham imprecisõ es nã o era nova; tais
manuais foram repetidamente condenados por seus erros em sé culos
anteriores, em particular no que diz respeito à s penitê ncias frouxas
atribuı́das a atos homossexuais. 94 Damiã o entã o lança uma sé rie de
argumentos a fortiori em favor de penalidades mais fortes para o clero
por referê ncia aos câ nones do Concı́lio de Ancira, realizado em 314 dC
(capı́tulos 14-15). Tais penitê ncias precisas e ixas foram gradualmente
desaparecendo do costume da Igreja e acabariam sendo abandonadas
em favor do julgamento individual dos confessores, e o pró prio Damiã o
nã o insiste que sejam aplicadas com todo o rigor (como explicita no
capı́tulo 25). No entanto, como ele deixa claro em passagens
posteriores da obra, seu propó sito nã o é insistir em uma penalidade
especı́ ica para a sodomia, mas sim demonstrar a gravidade do pecado
e a necessidade de extirpá -lo do clero.
A segunda fonte principal de Damiã o (no capı́tulo 16) é uma lei
moná stica que penaliza o abuso sexual infantil que foi escrita por Sã o
Frutuoso de Braga (d. 665), um abade espanhol e reformador
moná stico. Este câ non encontrou seu caminho em outras coleçõ es de
direito eclesiá stico durante o inı́cio da Idade Mé dia, onde começou a ser
falsamente atribuı́do a Sã o Bası́lio. O contraste que apresenta entre a
recente clemê ncia escandalosa em relaçã o aos padres pedó ilos por
parte de muitos bispos cató licos e a abordagem irme dos canonistas
medievais é impressionante. De acordo com o câ non, os monges que
forem culpados de contato lascivo de qualquer tipo com crianças ou
adolescentes sejam humilhados publicamente, con inados por um ano
em uma cela moná stica sujeita a pesadas penitê ncias e permaneçam
sob a guarda de outros dois monges. , presumivelmente em
perpetuidade. No mesmo capı́tulo, Damiã o també m cita um decreto do
Papa Sã o Sirı́cio (384-99) proibindo os padres de permanecerem nas
ordens sagradas e proibindo os leigos de receber ordens sagradas se
tivessem cometido uma ofensa que exigisse uma penitê ncia canô nica.
A extensa crı́tica de Damian ao que ele considera como obras de
referê ncia defeituosas que circulam entre os mosteiros, que ele atribui
a atos deliberados de subversã o de interessados, é evidê ncia de um
problema mais amplo trazido pela turbulê ncia do sé culo X: a
proliferaçã o de manuscritos copiados à s pressas de precisã o
questioná vel. Esses manuscritos eram frequentemente atormentados
por citaçõ es defeituosas ou parafraseadas, atribuiçõ es errô neas ou
textos plagiados sem qualquer atribuiçã o e inserçõ es e exclusõ es por
copistas. Como observo abaixo, esses problemas afetaram as pró prias
fontes con iá veis de Damian, levando a atribuiçõ es errô neas de vá rias
de suas citaçõ es mais importantes. No entanto, todos os textos citados
por Damiã o se originaram com os Padres da Igreja, primeiros escritores
eclesiá sticos ou santos e, portanto, mantê m seu peso no contexto do
argumento.

A Destrutividade Espiritual e Psicológica


da Sodomia
Depois de fazer o caso doutriná rio e legal para a puniçã o da perversã o
sexual, Damian agora lança seu pró prio ataque prolongado contra o
pró prio vı́cio da sodomia (capı́tulos 17-19), colocando sua formidá vel
latinidade a serviço de sua causa. Ele descreve em detalhes
angustiantes os terrı́veis efeitos de tal comportamento em seus
praticantes, que sã o devastados espiritual e psicologicamente. Embora
seu ó dio à perversã o sexual seja intenso, nã o se dirige à pessoa, mas ao
pecado, e Damiã o expressa uma compaixã o igualmente intensa por
aqueles que sã o pegos em sua armadilha, lamentando “a alma nobre,
feita à imagem e semelhança de Deus, e unidos com o sangue mais
precioso de Cristo, mais glorioso que muitos edifı́cios, certamente para
ser preferido a todos os piná culos da obra terrena” e lamentando “a
queda da alma eminente e a destruiçã o do templo em que Cristo havia
morava.”
Deve-se notar que, embora Damian condene repetidamente os atos
homossexuais, ele nã o os identi ica com o que hoje é entendido como
uma “orientaçã o” homossexual – a noçã o de que a atraçã o pelo mesmo
sexo pode estar profundamente enraizada na psicologia dos atores
homossexuais. O trabalho de Damian, portanto, nã o é uma crı́tica
daqueles que meramente sofrem de impulsos ou tentaçõ es
homossexuais, mas sim daqueles que agem de acordo com eles. No
entanto, no capı́tulo 18 Damian procura analisar os motivos implı́citos
daqueles que praticam a sodomia homossexual, acusando-os de negar
sua pró pria masculinidade e de buscar uma falsa complementaridade
em outros de seu pró prio gê nero:
Fala ó homem castrado! Responda ó homem efeminado! O que você procura
em um homem que você nã o consegue encontrar em si mesma - que diferença
de sexos, que caracterı́sticas diversas de membros, que suavidade, que ternura
de seduçã o carnal, que prazer de um rosto suave? O vigor da aparê ncia
masculina deve assustá -lo, eu lhe suplico, e sua mente deve abominar
membros viris. A inalidade do apetite natural é que cada um busque
externamente o que nã o pode encontrar no recinto de seus pró prios meios. Se,
portanto, o manuseio da carne masculina lhe agrada, volte suas mã os para si
mesmo e saiba que tudo o que você nã o encontra em si mesmo, você procura
em vã o em outro corpo.
A ú ltima parte do capı́tulo 19, bem como todos os capı́tulos 20-22, sã o
dedicados ao argumento de Damiã o de que é inapropriado para aqueles
que estã o habituados ao pecado da sodomia realizar funçõ es
sacerdotais; isto é , oferecer o sacrifı́cio da Missa, ouvir con issõ es e
realizar os outros sacramentos da Igreja Cató lica. Damiã o nã o está aqui
argumentando, como à s vezes se a irma, que os sacramentos sã o
invalidados pelos pecados do padre, mas sim que tais padres sã o
culpados de sacrilé gio, provocam a ira de Deus e subvertem a
moralidade dos ié is. O reconhecimento de Damian da validade dos
sacramentos realizados por ministros indignos é evidenciado por seu
Liber Gratissimus , escrito na mesma é poca, no qual ele defende a
validade sacramental das ordenaçõ es de sacerdotes por bispos
simoniacais.
Depois de reiterar no capı́tulo 23 que mesmo o mais baixo grau de
sodomia (ou seja, masturbaçã o solitá ria) é um pecado grave, Damiã o
oferece palavras de encorajamento para aqueles que caı́ram em tais
vı́cios (capı́tulos 24-25), expressando grande compaixã o por sua
situaçã o. , e lembrando-lhes que eles devem “cuidado, para que o
abismo do desespero nã o te engula” e, em vez disso, “con ie ielmente
na bondade divina”. Ele aconselha aqueles que estã o habituados a
prá ticas sexuais nã o naturais a meditar na gló ria no cé u que os espera
se se arrependerem, e nos tormentos do inferno se nã o se
arrependerem. Ele també m recomenda o uso de jejum e outras
medidas penitenciais para subjugar o “burro” teimoso da carne e
submetê -lo à alma.
A responsabilidade dos prelados
pelos pecados de seus súditos
No capı́tulo 26, Damian defende sua autoria do Liber Gomorrhianus de
detratores que se sentem escandalizados por suas crı́ticas e o
consideram como tendo traı́do o clero ao expor seus pecados. Ele
aproveita a oportunidade para lembrar seus leitores de sua grave
obrigaçã o de corrigir os males de que estã o cientes, e das puniçõ es
divinas prometidas nas Escrituras para aqueles que nã o o fazem. Para
tanto, ele invoca os exemplos dos Padres da Igreja, como Ambró sio e
Jerô nimo, que repreenderam os males da heresia e do cisma com igual
vigor. Ele esclarece que nã o procura incitar ao ó dio contra ningué m,
mas sim trazer a salvaçã o deles denunciando o pecado que os
prejudica, tema que é familiar aos cristã os de todos os matizes que hoje
lutam contra a aceitaçã o social e legal da sodomia.
Finalmente, no capı́tulo 27, Damiã o pede a Leã o que responda a ele
com instruçõ es para lidar com tais pecados, que seriam aplicá veis à sua
pró pria comunidade de eremité rios e, presumivelmente, a toda a Igreja.
Embora ele tenha procurado exaustivamente nos capı́tulos 11-16
estabelecer que a lei eclesiá stica tradicional exigia a degradaçã o de
todos os clé rigos culpados de qualquer forma de sodomia, ele sugere
aqui um sistema de puniçã o gradual que permitiria aqueles cujas
ofensas sã o menos graves e envolvem menos cú mplices de retornar ao
estado clerical apó s o cumprimento de sua penitê ncia, ao mesmo tempo
que impede permanentemente do cargo clerical aqueles que sã o
culpados dos piores graus de ofensa ou que participaram com grande
nú mero de cú mplices. Em deferê ncia à autoridade do papa, ele pede
que ele tome a decisã o inal sobre o assunto.
Em sua carta de resposta, Leo elogia Damian nos mais altos termos e
aceita seu sistema de penalidades sugerido, decretando que aqueles
que sã o culpados dos trê s graus mais baixos de ofensa no esquema de
Damian (masturbaçã o, masturbaçã o mú tua e có pula femoral) e com
poucos parceiros, deve ser restituı́do ao estado clerical apó s uma
penitê ncia adequada. No entanto, a isso ele acrescenta outra condiçã o:
que a ofensa nã o tenha sido frequente. Os culpados de có pula anal
mesmo uma vez, ou de participaçã o frequente nos graus inferiores, ou
de terem cometido tais pecados com um grande nú mero de parceiros,
deveriam ser proibidos de reentrar no estado clerical. O sistema de
penalidades de Leã o, portanto, é um pouco mais severo do que o
recomendado por Damiã o, acrescentando a frequê ncia de comissã o
como crité rio para excluir clé rigos de seus cargos.

A tese da rejeição e outras interpretações errôneas


do livro de Gomorra
Durante o curso do sé culo XX, uma forma de erudiçã o revisionista foi
aplicada ao Liber Gomorrhianus que tende a viciar sua reputaçã o como
um exemplar da doutrina cató lica ou a reinterpretá -la de maneiras que
servem a agendas estranhas ou mesmo opostas aos propó sitos de
Damian . A principal delas é o que chamarei de “tese da rejeiçã o”, a
a irmaçã o de que o trabalho de Damiã o foi subestimado, ignorado e até
rejeitado pelo Papa Sã o Leã o IX. A tese da rejeiçã o sustenta, de acordo
com uma narrativa, que Leo recebeu o livro com pouco entusiasmo e
até frieza ou repreensã o, rejeitando as recomendaçõ es de Damian para
sançõ es penais contra clé rigos culpados de sodomia em favor de
medidas mais brandas. Em outras versõ es, a irma-se que Leo icou
inicialmente satisfeito com o trabalho, mas depois foi convencido de
que era exagerado e deu um gelo em Damian. Alguns autores até
a irmaram que Leã o estava positivamente despreocupado com o
problema da sodomia clerical, considerando-o um assunto
insigni icante. Finalmente, pelo menos um comentarista recente a irma
que o Papa Alexandre II removeu o Livro de Gomorra da posse de
Damian.
de Damian, ela parece ter aparecido primeiro em sua forma completa e

explı́cita nos primeiros anos do sé culo 20 , começando com The Lives of
os Papas na Idade Média (1910). 95 A nova interpretaçã o de Mann, em
vá rias formas, apareceu entã o no volume onze de The Enciclopédia
Católica (1911), 96 e volume quatro do Dictionnaire de Theologie
Catholique (1939). 97 Foi entã o repetido em uma variedade de
trabalhos, incluindo aqueles de estudiosos revisionistas que buscam
minar a tradicional condenaçã o cristã da sodomia, como
Homosexuality and the Western Christian Tradition (1955) de Derrick
Bailey. 98 e Cristianismo, tolerância social e homossexualidade de John
Boswell (1982), 99 e continua a aparecer na literatura acadê mica sobre
Damiã o, com pouca justi icativa para apoiá -la.
A versã o de Mann da tese a irma que Leo expressou uma vaga
aceitaçã o do Liber Gomorrhianus , mas rejeitou as recomendaçõ es de
Damian para penalizar a ofensa. “Portanto, longe de aprovar as
medidas drá sticas propostas por Sã o Pedro, ele nã o iria (nos humanius
agentes) nem mesmo ir tã o longe quanto a justiça estrita e o direito
canô nico exigido, mas apenas decretaria deposiçã o contra os escrivã es
que fossem culpados do crime. maioria dos crimes”, escreve Mann. 100
Alé m disso, acrescenta Mann, uma reaçã o foi provocada entre os
escandalizados pelas acusaçõ es ou picados pelas crı́ticas e “essas
opiniõ es foram devidamente impressas no Papa” que, temendo que
“tivesse um aliado cujo pró prio zelo o tornasse perigoso … menos
favorá vel a ele”. 101
Essa mudança de atitude por parte do papa “corta a alma sensı́vel de
Damian”, a irma Mann, e Damian escreveu uma carta se defendendo em
resposta. 102 Mann observa que a reaçã o do papa a esta carta nã o é
registrada, mas cita o historiador francê s Delarc sobre as
consequê ncias: “E certo que Pedro Damiã o desempenhou apenas um
papel muito secundá rio durante o reinado de Leã o IX”. 103 Mann nã o
fornece uma citaçã o para seu relato sobre a reaçã o ao Liber
Gomorrhianus .
Elementos da narrativa de rejeiçã o de Mann entã o encontraram seu
caminho em obras de referê ncia cató licas do perı́odo. De acordo com
Leslie Toke, escrevendo em The Enciclopédia Católica (1911): “Até
mesmo o papa, que a princı́pio elogiou a obra, estava convencido de
que era exagerada, e sua frieza arrancou de Damiã o uma vigorosa carta
de protesto.” 104 Uma declaraçã o semelhante de Georges Bareille em
seu verbete de Peter Damian para o Dictionnaire de Theologie
Catholique de 1939, que parece ser inspirado no verbete anterior da
Enciclopédia Católica , nã o menciona os elogios feitos ao trabalho de
Leo, mas a irma que “ o pontı́ ice se comporta com certa frieza em
relaçã o a ele, ao que Damiã o reage de maneira muito sensı́vel”. 105 Um
leve eco da mesma a irmaçã o pode ser encontrado até mesmo na
importante obra de Owen Blum São Pedro Damião: Seu Ensinamento
sobre a Vida Espiritual (1949), na qual ele a irma que “Leo nã o aceitou
tã o prontamente a severidade de Damian, mas ele expressou sua
alegria pela edi icaçã o que Damian deu por sua vida e seus
ensinamentos”. 106
Essa narrativa entã o encontrou seu caminho no trabalho de estudiosos
de lı́ngua inglesa que buscavam minimizar a gravidade da sodomia ou
mesmo justi icá -la. 107 Em seu Homosexuality and the Western Christian
Tradition (1955), o teó logo revisionista Derrick Bailey a irma que “o
pró prio Leã o IX começou a ter dú vidas. Uma re lexã o posterior...
convenceu-o de que Pedro tinha ido longe demais, e ele se sentiu
obrigado a administrar um cheque ao zelo do reformador. Depois de
elogiar, portanto, o motivo por trá s de sua corajosa e direta defesa da
castidade e condenaçã o do vı́cio clerical, o papa passou a repreender
seu espı́rito duro e in lexı́vel”. 108 Essa alegaçã o de uma “repreensã o” é
ecoada por Pierre Payer em sua introduçã o à sua traduçã o do Liber
Gomorrhianus , na qual ele escreve que Leã o “nã o apenas difere de
Damian, mas parece emitir uma repreensã o leve”. 109
O estudioso revisionista homossexual John Boswell procede na mesma
linha em seu Cristianismo, Tolerância Social e Homossexualidade (1980),
alegando que “Leo se recusou a atender à exigê ncia de Pedro de que
todos os clé rigos culpados de qualquer tipo de ofensa homossexual
fossem removidos do cargo e insistiu Em vez disso, os clé rigos que nã o
se envolveram em tais atividades “como uma prá tica de longa data ou
com muitos homens” deveriam permanecer na mesma posiçã o que
ocupavam quando condenados, e que apenas aqueles nos estados mais
severamente pecaminosos poderiam ser degradados de suas
classi icaçã o." 110 Em referê ncia a esta a irmaçã o da rejeiçã o de Leã o da
“exigê ncia” de Damiã o, Boswell acha “particularmente impressionante
que Sã o Leã o tenha discordado de Sã o Pedro sobre este assunto” 111
dado seu acordo em outros pontos, e acrescenta que “Peter, de fato, nã o
teve sorte em convencer ningué m de que a sexualidade gay merecia
atençã o hostil, embora ele fosse extremamente in luente nos
movimentos de reforma da é poca”. 112 Alé m disso, acrescenta Boswell, o
livro foi visto sob uma luz tã o negativa que foi tirado à força de Damiã o
pelo papa Alexandre II, que “na verdade roubou o Liber Gomorrhianus
de Pedro e o manteve trancado”. 113
A aceitaçã o da tese da rejeiçã o por Boswell é aceita acriticamente por
Patricia Ranft em seu recente trabalho The Theology of Pedro Damião
(2012). Ranft repete a a irmaçã o de que Leo “discorda” com Damian
“sobre disciplinar os culpados”, a irmando que “Damian queria que os
clé rigos culpados de sodomia fossem removidos do cargo”, enquanto
“Leo removeria apenas o praticante hardcore”. Ela també m aceita a
a irmaçã o de Boswell de que os bispos em geral nã o foram persuadidos
em relaçã o ao problema, erroneamente alegando que “a hierarquia nã o
tratou do problema em nenhum concı́lio” e citando com aprovaçã o a
a irmaçã o de Boswell de que “Pedro de fato nã o teve sorte em
convencer ningué m de que gays sexualidade merecia atençã o hostil”.
114 Mesmo o mais matizado Glenn Olsen, um crı́tico de Boswell, aceita a
essê ncia da tese de rejeiçã o em seu recente trabalho Sodomitas,
Efeminados, Hermafroditas e Andróginos (2011), embora procure
defender a suposta rejeiçã o de Leo à s recomendaçõ es de Damian. 115
Apesar da popularidade da tese de rejeiçã o entre os estudiosos
recentes, ela parece ser pouco mais do que um meme acadê mico
duradouro baseado em uma leitura apressada e incompleta dos textos
relevantes, que foi inicialmente propagado por estudiosos cató licos
in luenciados pelo trabalho de Mann, e que acabou encontrou seu
caminho na literatura revisionista homossexual. A alegaçã o mais
importante, que é apresentada pela primeira vez por Mann e ecoada em
todas as versõ es da tese de rejeiçã o, é que o Papa Leã o IX resistiu à s
recomendaçõ es supostamente duras de Damiã o e decidiu responder
com mais clemê ncia. No entanto, a alegaçã o de que Damiã o
recomendou medidas mais duras do que as adotadas por Leã o é
facilmente refutada por referê ncia à s declaraçõ es claras de Damiã o no
capı́tulo inal do Liber , no qual ele pede explicitamente ao papa para
distinguir entre diferentes graus de sodomia na determinaçã o de
puniçõ es, oferecendo a possibilidade de penitê ncia e restauraçã o ao
estado clerical para aqueles que caem nos graus menores do pecado.
Isso é , de fato, precisamente o que o papa faz em sua resposta a
Damiã o, seguindo suas sugestõ es quase ao pé da letra, embora o
pró prio esquema do papa seja um pouco mais severo que o de Damiã o.
Como observado anteriormente, Damiã o sugere que o papa determine
o grau da puniçã o com base no nú mero de cú mplices e no grau de sua
severidade, enquanto Leã o acrescenta a isso um terceiro crité rio, que é
o tempo durante o qual o perpetrador esteve envolvido em o
comportamento. Isso signi ica que mesmo a masturbaçã o solitá ria ou a
sodomia femoral com poucos cú mplices, se for um há bito antigo,
resultaria na perda permanente da ordem eclesiá stica, resultado que o
esquema proposto por Damiã o nã o implicava.
A confusã o de Mann parece ter surgido da leitura da carta de Leo sem
consultar su icientemente o Liber Gomorriano para contextualizar, mas
també m pode ter resultado de uma leitura incompleta da obra em si,
ou seja, o argumento de Damiã o, avançado nos capı́tulos 14-16, de que
a antiga lei canô nica exige a demissã o do sacerdó cio de qualquer
pessoa que tenha cometido um ato de sodomia . No entanto, esse
ponto parece ser feito apenas para ins retó ricos, para estabelecer a
gravidade do crime e a frouxidã o implı́cita no que parecem ser câ nones
espú rios inseridos em textos legais, e é claramente contrariado pela
sugestã o inal de Damiã o de que o papa mostrasse clemê ncia para
graus menores de sodomia. Isso nã o deve surpreender, porque as
recomendaçõ es de Damian para clemê ncia gradual no Livro de Gomorra
re lete sua abordagem a outros tipos de corrupçã o clerical da é poca,
particularmente a ordenaçã o simoniacal. Embora de acordo com a letra
da lei, tais ordenaçõ es ilı́citas normalmente exigiriam a degradaçã o de
um padre de seu grau de ordem (uma medida muitas vezes exigida por
leigos e clé rigos indignados na é poca), Damian considera tal medida
impossı́vel em grande parte escala, e recomenda a restauraçã o dos
culpados de graus menores do delito apó s um perı́odo de penitê ncia.
116
Embora Damian implique que a letra dos câ nones penais tradicionais
da Igreja nã o permitiria que ningué m culpado de qualquer ato de
sodomia retornasse ao estado clerical, ele repetidamente sugere que
sua pró pria abordagem nã o seria tã o rigorosa. Por exemplo, no capı́tulo
3 ele reclama que os prelados permissivos sustentam que “aquele que é
conhecido por ter caı́do neste mal com oito, ou mesmo dez outros que
sã o igualmente imundos, deve ser considerado como permanecendo
em sua ordem”, quali icando a proibiçã o pela frequê ncia do pecado, e
no capı́tulo 4, ele condena a noçã o de que aqueles que sã o
“habitualmente corrompidos” pela perversã o sexual devem ser
admitidos no estado clerical ou permitidos a permanecer lá , em vez de
procurar excluir todos aqueles que tê m alguma vez cometeu tais atos.
Alé m disso, como indico em nota de rodapé da carta de Leã o, a frase
citada por Mann para justi icar a noçã o de que Leã o rejeitou a
severidade de Damiã o, nos humanius agentes (“nó s, agindo mais
humanamente”) nã o é uma farpa dirigida contra Damiã o, mas antes
um uso irô nico da pró pria linguagem do Concı́lio de Ancira para
dispensar a severidade dos câ nones penais do mesmo concı́lio, que
foram citados por Damiã o para indicar o rigor da lei antiga. O pró prio
Concı́lio de Ancira, realizado em 314, havia diminuı́do a pena de
excomunhã o perpé tua aplicada por concı́lios anteriores, como o
Concı́lio de Elvira, aos autores de infanticı́dio ou aborto, usando
linguagem muito semelhante à adotada por Leã o em sua carta a
Damiã o . No câ non 2 de Ancira, o concı́lio é citado como decretando:
“Em relaçã o à s mulheres que fornicam e matam seus recé m-nascidos,
ou que fazem com que os concebidos sejam expulsos [do ventre], a
antiga de iniçã o as remove da Igreja até o inal de sua vida. vidas. No
entanto, de inimos de forma mais humana…” 117 A estrutura desta
expressã o é inequivocamente replicada por Leã o, que escreve: “De
acordo com os ditames da justiça, todos aqueles que estã o poluı́dos
com a imundı́cie de qualquer um dos quatro tipos acima mencionados
sã o expulsos de todos os graus de ordem do Igreja imaculada, tanto em
nosso pró prio julgamento como no dos câ nones sagrados. No entanto,
nó s, agindo de forma mais humana, desejamos e assim ordenamos…”
Aparentemente, foi a mesma leitura equivocada da declaraçã o de Leo
que levou Bailey e Payer a concluir que Damian havia até sido
“repreendido” por Leo, uma a irmaçã o particularmente difı́cil de
conciliar. com o fato de que Leã o usa as expressõ es mais superlativas
para elogiar Damian, até mesmo prevendo sua coroaçã o celestial.
A alegaçã o adicional feita por Mann (e ecoada por Toke, Bareille, Bailey
e Payer) de que o papa de alguma forma se voltou contra Damian em
resposta a uma reaçã o crı́tica à obra é baseada em uma leitura
altamente conjectural da Carta 33 de Damian, escrita a Leo em data
desconhecida. 118 Embora ique claro na carta que Damiã o acreditava
que o papa havia sido in luenciado por uma campanha de sussurros
contra ele, ela nã o conté m nenhuma indicaçã o do motivo da campanha,
a irmando apenas que ela é orquestrada por aqueles que se opõ em ao
seu zelo reformador. 119 No entanto, Damiã o nã o estava apenas lutando
contra o pecado da sodomia, mas ainda mais contra o casamento
clerical e o concubinato, bem como as ordenaçõ es simoniacais, todas
as quais, sem dú vida, provocaram muita inimizade contra ele por parte
do clero muitas vezes corrupto da Itá lia. Portanto, é pura conjectura
a irmar que o papa se voltou contra Damiã o por causa do Livro de
Gomorra , uma conjectura que Mann avança como fato. 120
Embora a carta 33 indique que o relacionamento entre Damian e Leo
foi prejudicado pelos detratores de Damian, nã o está claro que a briga
tenha sido permanente. Outras cartas escritas por Damian durante o
ponti icado de Leã o indicam uma forte relaçã o de trabalho em que Leo
fez de Damian seu representante o icial com o objetivo de resolver
contrové rsias, um papel que Damian també m desempenharia em
outros ponti icados. Se essas cartas foram escritas apó s a carta 33, o
relacionamento foi restaurado rapidamente, e isso parece ser
con irmado pelo fato de que os sucessores de Leã o izeram de Damiã o
um cardeal bispo e lhe con iaram as mais altas responsabilidades. No
entanto, a ordem das letras é impossı́vel de determinar com certeza.
A estranha a irmaçã o feita por Boswell e repetida com aprovaçã o por
Ranft de que “Peter, de fato, nã o teve sorte em convencer ningué m de
que a sexualidade gay merecia atençã o hostil”, é desmentida nã o
apenas pela recepçã o efusivamente positiva por parte de Leo em sua
carta a Damian e o decreto penal decretado pelo papa, mas també m
pelo fato de que no mesmo ano da publicaçã o do Liber Gomorrhianus
(1049 segundo Reindel), Leã o presidiu um concı́lio reformista francê s
que decretou que a sodomia fosse punida com o mais severo dos penas
eclesiá sticas. De acordo com o texto dos atos contidos nos Annales
Ecclesiastici , o concı́lio, realizado em Reims na segunda metade de
1049, determinou que os “sodomitas” fossem tratados como hereges e
excomungados da Igreja. 121 Leã o, portanto, decretou puniçõ es para a
sodomia na França e na Itá lia apó s a recepçã o do trabalho de Damiã o,
di icilmente prova de que ele nã o levava a sé rio as preocupaçõ es de
Pedro.
Finalmente, a alegaçã o feita por Boswell de que o Papa Alexandre II
roubou o Livro de Gomorra de Damiã o só pode ser julgada como
totalmente infundada, baseada em uma leitura ainda mais conjectural
da Carta 156 de Damiã o. Nesta carta, que foi escrita vinte anos apó s a
publicaçã o do Livro de Gomorra , e que é um dos mais estranhos em seu
corpus, Damiã o reclama que Alexandre lhe tirou um livro de grande
valor e se recusou a devolvê -lo por algum motivo nã o declarado, tendo-
o trancado. Ele nã o nomeia o livro e nem mesmo indica claramente que
o livro era de sua autoria. Boswell nã o tem como saber que o livro era o
Liber Gomorrhianus , uma conjectura muito imprová vel, uma vez que o
livro já havia sido publicado vinte anos antes, e con iscá -lo seria inú til
para ins de censura. Alé m disso, nã o temos motivos para acreditar que
Alexandre teria objetado ao conteú do do livro, particularmente à luz do
fato de que ele era um forte defensor da cruzada de Damiã o para
reformar a moral sexual do clero e dos leigos.
Ao ser examinada, a tese de rejeiçã o só pode ser vista como um
acidente da histó ria, um meme tê nue baseado em erudiçã o precipitada
que nã o é sustentado por – e até mesmo claramente contradiz – as
evidê ncias histó ricas contidas no Livro de As outras cartas de Gomorra
e Damiã o, a carta de endosso de Leã o IX e outros documentos de apoio
do perı́odo.

Fontes e Métodos de Tradução


minha traduçã o do Liber Gomorrhianus na ediçã o crı́tica das cartas de
Damian produzida pelo historiador alemã o Kurt Reindel e publicada
pela Monumenta Germaniae Historica em quatro volumes de 1983 a
1993. A ediçã o de Reindel é baseada principalmente em manuscritos
que datam dos sé culos XI e XII e conté m um aparato crı́tico completo
que inclui leituras variantes e anotaçõ es copiosas. Até a publicaçã o da
ediçã o de Reindel, a ú nica versã o das cartas de Damian disponı́vel ao
pú blico em geral era a ediçã o de Constantine Gaetani, um monge
beneditino que produziu uma Opera Omnia de Damian a mando do
Papa Clemente VIII. Apareceu em vá rios volumes publicados em Roma
de 1606 a 1615 e foi republicado muitas vezes, inalmente aparecendo
(com numerosos erros tipográ icos) na Patrologia Latina de JP Migne .
Embora o trabalho de Gaetani tenha sido de grande valor em sua é poca,
a ediçã o de Reindel é muito superior. Embora Gaetani nã o indique suas
fontes manuscritas, parece que ele (ou seus assistentes) izeram
modi icaçõ es signi icativas no texto original de Damian, excluindo
algumas frases e modi icando fortemente outras para atenuar o
impacto de sua linguagem franca e descritiva e, em alguns casos, , para
corrigir o que os editores perceberam como erros gramaticais no latim
de Damian. Em muitos casos, esses erros nã o sã o erros, mas
representam um uso so isticado do latim que escapa à compreensã o do
editor; apenas em um punhado de casos ele parece oferecer uma
correçã o ú til. A escolha de Reindel sobre Gaetani foi, portanto, ó bvia.
No entanto, nã o segui rigorosamente o esquema de pará grafos de
Reindel e dividi seus pará grafos mais longos de modo a maximizar a
legibilidade do texto.
Traduzi os tı́tulos dos capı́tulos que aparecem nos manuscritos mais
antigos que contê m tais tı́tulos (a maioria dos quais sã o do sé culo XI), e
apliquei o esquema de numeraçã o de capı́tulos mais antigo que aparece
nos manuscritos, que difere um pouco da versã o de Gaetani e data de o
sé culo XIII. De acordo com o costume medieval (que parece datar do
sé culo XI), coloquei a carta de recomendaçã o do Papa Leã o IX em
resposta ao livro no inı́cio do texto.
Com o propó sito de traduzir as citaçõ es bı́blicas de Damian, usei a
traduçã o original de Douay-Rheims da Bı́blia (publicada em etapas em
1582, 1609 e 1610), bem como a versã o modi icada do Douay-Rheims
publicada em vá rias ediçõ es pelo Bispo Challoner em meados do sé culo
XVIII. Eles sã o respectivamente designados por “DR” e “DRC” nas notas
de rodapé . Ao citar a Escritura, eu normalmente usava a ú ltima fonte,
colocando “DR” apó s a citaçã o da nota de rodapé se eu usasse a
primeira. O Douay-Rheims original é uma traduçã o direta de uma
ediçã o da Vulgata de Jerô nimo que é bastante pró xima da Vulgata
Clementina, que à s vezes a tornava preferı́vel à revisã o de Challoner. No
entanto, as alteraçõ es de Challoner tornaram os versos mais legı́veis
sem sair da Vulgata e, nesses casos, eu a selecionei em vez do Douay-
Rheims original. Quaisquer variaçõ es entre a Vulgata Clementina e a
versã o de Damian sã o anotadas. 122
Duas outras traduçõ es do Liber Gomorrhianus para o inglê s precedem a
minha. A primeira foi produzida por Pierre Payer, professor de iloso ia
da Mount Saint Vincent University (agora aposentado). A ediçã o de
Payer é indubitavelmente ú til – particularmente sua revisã o
introdutó ria da histó ria da legislaçã o cató lica sobre sodomia – mas
infelizmente é baseada na ediçã o defeituosa de Gaetani e incorpora as
alteraçõ es de Gaetani e ocasionais mutilaçõ es do latim de Damian. Alé m
disso, aborda a obra principalmente como uma curiosidade histó rica de
interesse dos estudiosos que investigam as atitudes medievais em
relaçã o à homossexualidade, ao invé s de uma obra de teologia que
continua relevante para a Igreja moderna.
A segunda traduçã o disponı́vel em inglê s foi produzida pelo estudioso
de Damian Owen Blum, um franciscano que era devoto do santo e
supostamente ajudou Reindel na criaçã o da ediçã o crı́tica das obras de
Damian. Esta traduçã o aparece na ediçã o completa de quatro volumes
de Blum das obras de Damian em inglê s, que é um recurso ú til para
estudiosos que sã o incapazes de ler o latim difı́cil de Damian. Ao
contrá rio da traduçã o de Payer, a de Blum é baseada na ediçã o crı́tica
de Reindel e, portanto, nã o é prejudicada por material original
defeituoso. No entanto, Blum optou por traduzir o Liber Gomorriano em
um estilo muito livre que nem sempre é iel ao texto original em latim
123 e muitas vezes nã o consegue captar a beleza do estilo exaltado do
autor. Alé m disso, a ediçã o de Blum nã o tem uma introduçã o especı́ ica
à obra explicando seu contexto histó rico e signi icado teoló gico, o que
pareceria crucial para uma apresentaçã o adequada da obra no contexto
da crise contemporâ nea do sacerdó cio cató lico.
Foi, portanto, minha opiniã o que, apesar da utilidade das duas
traduçõ es inglesas existentes do Liber Gomorrhianus , nenhuma delas
atendeu à necessidade de uma versã o escrupulosamente precisa que
transmita a majestosa beleza do latim original de Damian. Minha
traduçã o procura remediar essa de iciê ncia, tornando o texto de uma
forma mais tradicional, que adere mais à estrutura gramatical da
escrita de Damian, e usando um estilo elevado de inglê s que oferece um
sentido mais autê ntico da maneira elegante de expressã o do pró prio
santo. També m incluı́ notas de rodapé para permitir ao leitor
compreender plenamente o texto em seu contexto histó rico, esclarecer
pontos obscuros e explicar expressõ es e citaçõ es pouco familiares à
mente contemporâ nea.
Embora eu tenha fornecido notas de rodapé para a traduçã o que espero
sejam ú teis para os estudiosos, o objetivo principal do trabalho é tornar
o Livro de Gomorra acessı́vel a um pú blico amplo, nã o para fornecer
pesquisas originais. No entanto, para apresentar a obra com precisã o
em seu contexto, achei necessá rio registrar minhas objeçõ es, que sã o
apoiadas por algumas de minhas pró prias pesquisas, à falsa a irmaçã o
de que o Papa Leã o IX de alguma forma rejeitou a obra. Alé m disso,
pode ser notá vel para os estudiosos que eu també m descobri a origem
até entã o desconhecida de duas citaçõ es importantes que aparecem no
livro, que explico brevemente na seçã o seguinte.

duas das
fontes anteriormente desconhecidas de Damian
Como observado acima, o Livro de Gomorra cita extensivamente
autoridades eclesiá sticas por meio de obras de referê ncia que à s vezes
nã o eram con iá veis. Citaçõ es que podem ter se originado com um
concı́lio da Igreja ou um escritor eclesiá stico obscuro foram à s vezes
atribuı́das a um famoso Padre da Igreja ou mesmo à Bı́blia em tais
compilaçõ es. O uso dessas fontes imperfeitas por Damian o levou a
atribuir incorretamente vá rias de suas citaçõ es, duas das quais
permaneceram um misté rio para os estudiosos.
A primeira é a seguinte passagem, que no capı́tulo 22 Damiã o atribui a
Sã o Beda, o Venerá vel, o ú ltimo dos Padres da Igreja latina:
Aquele que assim dá esmolas sem descarregar sua culpa, nã o redime sua alma,
que ele nã o restringe dos vı́cios. Isso é demonstrado pelas açõ es daquele
eremita que, tendo muitas virtudes, entrou na vida eremı́tica com um certo
associado seu. O demô nio injetou nele o pensamento de que, sempre que suas
paixõ es sexuais fossem excitadas, ele deveria descarregar seu sê men
esfregando seu membro genital, assim como poderia expelir muco pelas
narinas. Por esta razã o, ele foi entregue aos demô nios enquanto morria,
enquanto seu companheiro observava. Entã o o mesmo companheiro, que
ignorava sua culpa, e lembrando seus exercı́cios virtuosos, quase se
desesperou, dizendo: “Quem pode ser salvo, se este homem pereceu?” Entã o
um anjo que estava ao seu lado disse-lhe: “Nã o se preocupe; pois este homem,
embora tenha feito muitas coisas, manchou tudo com aquele vı́cio que o
apó stolo chama de impureza. 124
Esta citaçã o nã o é encontrada em nenhum lugar nas obras existentes de
Beda, e até agora os pesquisadores nã o conseguiram descobrir suas
origens. Como mostro na nota de rodapé correspondente de minha
traduçã o, a declaraçã o é de fato uma composiçã o de duas declaraçõ es
diferentes, a primeira uma citaçã o um tanto distorcida do papa do
sé culo VI Sã o Gregó rio, o Grande (540-604), e a segunda de um
comentá rio sobre a citaçã o, que parece originar-se de uma obra do
sé culo X de Sã o Odo de Cluny.
A primeira frase da passagem: “Aquele que assim dá esmolas sem
descarregar sua culpa, nã o redime a alma que nã o restringe dos vı́cios”.
125 é uma forma alterada de uma declaraçã o da Moralia in Job de
Gregório (Homilias morais sobre o Livro de Jó ), onde aparece o
seguinte: “Pois quem quer sempre pecar e sempre dar esmolas, dá
dinheiro em vã o, porque ele nã o redime a alma que nã o restringe dos
vı́cios”. 126 A origem da versã o parafraseada de Damian desta citaçã o
parece clara: aparece literalmente nas Collationes de St. Odo, abade de
Cluny, 127 onde é explicitamente atribuı́do à Moralia de Gregório 128 e é
seguido pelo comentá rio do pró prio Odo, que aparece no capı́tulo
seguinte imediatamente apó s a citaçã o. 129 O comentá rio é idê ntico à
histó ria do monge fornecida por Damiã o em sua citaçã o de “Beda”.
Esta, entã o, é a origem de toda a citaçã o. 130
Apó s a publicaçã o de Collationes de Odo , sua pará frase da Moralia de
Gregório junto com seu comentá rio foi publicada em outros
manuscritos sem a divisã o de capı́tulos distinguindo-os e sem a
atribuiçã o correta. Encontrei um exemplo disso em De Corpore et
Sanguine Christi , 131 uma obra do bispo italiano do sé culo X Gezo de
Tortona, contemporâ neo de Odo. Gezo apresenta a citaçã o de Gregó rio
com o comentá rio de Odo sob um ú nico tı́tulo de capı́tulo e nã o inclui
nenhuma atribuiçã o. E nessa forma composta que a citaçã o chegou à
biblioteca de Damian, embora nã o esteja claro se Damian tinha o
trabalho de Gezo ou outro trabalho reproduzindo o texto de maneira
semelhante. Como isso foi inalmente atribuı́do a Beda també m é um
misté rio.
A ediçã o crı́tica de Reindel do Liber Gomorrhianus e as traduçõ es de
Blum e Payer trataram a primeira frase do texto como uma citaçã o de
origem desconhecida, e o resto do texto como o pró prio comentá rio de
Damian sobre a citaçã o. No entanto, Gaetani apresenta todo o texto
como uma citaçã o oferecida por Damiã o e atribuı́da a Beda, sem
acrescentar nenhuma citaçã o das obras de Beda para substanciar isso.
Ambas as abordagens tê m um elemento de verdade; a citaçã o original
era distinta do comentá rio, mas a fonte de Damian as mistura e ele as
cita juntas como um ú nico texto.
A segunda citaçã o em questã o apresenta um problema semelhante. No
capı́tulo 24 do Livro de Gomorra, Damian escreve:
Como, eu pergunto, você pode se desesperar da abundante misericó rdia do
Senhor, que até repreendeu Faraó , porque ele nã o fugiu para o remé dio da
penitê ncia depois de pecar? Ouça o que ele diz: “Esmaguei os braços de Faraó ,
rei do Egito, e ele nã o pediu para ser curado, e que lhe fosse devolvida a força
para empunhar a espada.”
Este parece ser simplesmente o pró prio texto de Damiã o seguido por
uma citaçã o das Escrituras, que é uma pará frase grosseira de Ezequiel
30:21. 132 No entanto, a mesma pará frase aparece palavra por palavra
em uma citaçã o no Libri Decretorum de Burchard of Worms , 133
acompanhado de um comentá rio semelhante. Burchard, por sua vez,
atribui a citaçã o a Sã o Joã o Crisó stomo escrevendo a Teodoro de
Mopsué stia. Os pesquisadores nã o conseguiram localizar essa citaçã o
nos escritos de Crisó stomo, mas descobri que ela ocorre praticamente
literalmente em De Reparatione Lapsi (Sobre a Reparaçã o dos
Caducados), uma obra do escritor eclesiá stico do inı́cio do sé culo V
Bachiarius da Espanha:
Como, eu pergunto, podemos desesperar da misericó rdia do Senhor, que até
repreendeu Faraó , [perguntando-lhe] por que ele nã o era digno de qualquer
forma de fazer penitê ncia, dizendo atravé s do profeta de Faraó : “Esmaguei os
braços de Faraó , rei do Egito, e ele nã o pediu para ser curado, e que lhe fosse
devolvida a força para empunhar a espada”. 134
Este texto inclui a mesma pará frase de Ezequiel 30:21, com um
comentá rio anterior semelhante, tornando quase certo ser a verdadeira
origem da citaçã o. Trê s capı́tulos antes em seu pró prio trabalho,
Burchard atribui outra citaçã o de Crisó stomo ao De Reparatione Lapsi
de Bachiarius , embora de fato essa citaçã o nã o apareça como obra de
Bachiarius; talvez Burchard ou um editor posterior tenham confundido
os dois textos.

85 Este tı́tulo tem sido usado para se referir ao livro desde o sé culo XIV , mas
parece nã o ter sido usado por Pedro Damiã o nem por seus contemporâ neos.
Isso levou Glenn W. Olsen, um importante estudioso de Damian, em seu livro
Sodomitas, Efeminados, Hermafroditas e Andróginos (Toronto: Ponti ical Institute
for Medieval Studies, 2011), 203, 209, a criticar aqueles que usam esse antigo
tı́tulo e a propor como alternativa a ainda menos histó rica “Carta 31”, retirada
do sistema de numeraçã o usado por Kurt Reindel em sua ediçã o crı́tica das
cartas de Damian. No entanto, optei por manter o tı́tulo tradicional, que foi
dado à obra por um consenso de longa data na Igreja Cató lica, mesmo que nã o
seja originá rio do pró prio Damiã o.
86 Jean Leclercq, Pierre Damien, ermite et homme d'Église (Roma: Edizioni di
storia e letteratura, 1960), 172, citado pelo Papa Bento XVI, Audiê ncia Geral,
Sala de Audiê ncias Paulo VI, 9 de setembro de 2009, em w2.vatican .va.
87 Gê nesis 19.
88 Embora outras razõ es també m sejam dadas no Antigo Testamento para a
destruiçã o das cidades de Sodoma e Gomorra (como negligê ncia dos pobres e
arrogâ ncia; veja Ez. 16:49–50), tanto o Antigo quanto o Novo Testamento
associam claramente imoralidade sexual e perversã o com a condenaçã o das
duas cidades (ver Gn. 19:4-9; Ez. 16:50; Jr. 23:14; Jud. 7).
89 Damian estabelece inicialmente quatro graus de sodomia no capı́tulo dois,
que sã o (em ordem decrescente de gravidade): có pula anal, có pula femoral,
masturbaçã o mú tua e masturbaçã o solitá ria. No capı́tulo quatorze ele mostra
que a sodomia é compará vel à bestialidade no direito canô nico histó rico. No
capı́tulo quatro, ele torna a contracepçã o, especi icamente o pecado de Onã
(que se retirou no momento da ejaculaçã o; veja Gê nesis 38:9-10), uma espé cie
de sodomia també m. No entanto, ele nã o indica o lugar da bestialidade e da
contracepçã o dentro de seu sistema de gradaçã o.
90 Ver o Catecismo de a Igreja Católica , par. 2357.
91 Ver Reginald Biron, St. Pierre Damien (1007–1072) , 20ª ed. (Paris: Victor
Lecoffre, 1908), 56-57.
92 Por exemplo, o Corrector , o dé cimo nono livro do Libri Decretorum de
Burchard de Worms (PL 140, 949A–1014C), uma obra do sé culo XI que se
acredita fornecer grande parte do material de origem para os capı́tulos de
Damian sobre manuais canô nicos defeituosos, tem descriçõ es igualmente
detalhadas dos pecados sexuais.
93 Veja Gen. 19.
94 Por exemplo, pelo Concı́lio de Chalons em 814 (ver Mansi , vol. 14, 101), que
reclama no câ non 38 que os livros penitenciais tê m “certos erros” e “autores
incertos” e ordena o “repú dio” e “eliminaçã o” de tais livros.
95 Horace K. Mann, As Vidas de os Papas na Idade Média , vol. 6 (St. Louis: B.
Herder, 1910).
96 Leslie Alexander St. Lawrence Toke , “ Peter Damian”, em The Catholic
Encyclopedia, vol. 11, 764-766 (Nova York: Robert Appleton Company, 1911).
Toke nã o cita o trabalho de Mann em sua bibliogra ia, mas Mann també m
contribuiu para o dé cimo primeiro volume e dado que Mann parece ser o
primeiro a avançar a tese de rejeiçã o, parece prová vel que seu trabalho (ou sua
in luê ncia pessoal) tenha sido a fonte da mesma tese que aparece na entrada
de Toke.
97 Georges Bareille, “DAMIEN (Saint Pierre)”, In Dictionnaire de Theologie
Catholique , vol. 4, 40-54 (Paris: Librairie Letouzey et Ane, 1939).
98 Derrick Sherwin Bailey, Homosexuality and the Western Christian Tradition
(Londres: Longman's, Green, 1955).
99 John Boswell, Cristianismo, Tolerância Social e Homossexualidade (Chicago:
University of Chicago Press, 1980).
100 Mann, As Vidas de os Papas , 51. Nos humanius agentes (“nó s, agindo mais
humanamente”) é uma citaçã o da carta de Leã o. Veja a traduçã o completa da
carta que precede minha traduçã o do Livro de Gomorra .
101 Mann, As Vidas de os Papas , 52.
102 Ou seja, a Carta 33, que será detalhada a seguir.
103 Mann, As Vidas de the Popes , 53. Para um contexto completo, ver M. l'Abbe
Delarc, Un Pape Alsacien: essai historique sur Saint Léon IX et son temps (Paris: E.
Plon, 1876), 166.
104 Toke, “Peter Damian”, 765.
105 “Le pontife lui té moigna mê me quelque froideur, à laquelle Damien se
montra trè s sensible.” Bareille, “DAMIEN (Saint Pierre)”, 42. Traduçã o minha.
106 Blum, São Pedro Damião , 20-21.
107 Estudiosos franceses e alemã es parecem ter geralmente descartado a tese
de rejeiçã o ou parecem nã o ter conhecimento dela, principalmente o principal
bió grafo moderno de Damian, Jean Leclercq, em seu Saint Pierre Damien ,
ermite et homme d'eglise (Roma: Edizioni di storia e letteratura , 1960), 70.
Entre os estudiosos angló fonos, é notavelmente refutado por William D.
McCready, Odiosa sanctitas: St. Peter Damian, Simony, and Reform (Toronto:
Ponti ical Institute of Medieval Studies, 2011), 211–215.
108 Bailey, Homosexuality , 114, citado em Boswell, Christianity, 212.
109 Livro de Gomorra: um tratado do século XI contra práticas homossexuais
clericais , ed. e trans. Pierre J. Payer (Waterloo, Ontá rio: Wilfrid Laurier
University Press: 1982), 18.
110 Boswell, Cristianismo, 212.
111 Ibid.
112 Ibid., 213.
113 Ibid.
114 Patricia Ranft, A Teologia da Peter Damian: 'Deixe sua vida sempre servir como
testemunha.' (Washington, DC: Catholic University of America Press, 2012), 88-
89.
115 Olsen, Sodomitas , 206-207.
116 Ver, por exemplo, a abordagem de Damian à s ordenaçõ es simoniacais em
Milã o, em sua carta 65 em Reindel , vol. 2, 246.
117 Da antiga traduçã o do concı́lio por Dionı́s io Exiguus (PL 67, 154C–D).
118 Kurt Reindel acredita que foi escrito entre 1050 e 1054 ( Riendel , vol. 1,
332).
119 Ver carta 33 em Reindel , vol. 1, 332-333.
120 Franz Neukirch, Das Leben des Petrus Damiani (Gö ttingen, 1875), 55,
també m contesta essa a irmaçã o, que havia sido feita sé culos antes por Cé sar
Baronius nos Annales Ecclesiastici , observando o forte apoio do papa a Damiã o
em sua carta de resposta a o livro. Alguns estudiosos deram importâ ncia à
citaçã o de Damiã o de um versı́culo da Escritura relacionado a Sodoma e
Gomorra nesta carta (Gn 18:20-21), mas sua referê ncia nã o é ao vı́cio, mas ao
exemplo de Deus investigando reclamaçõ es antes de agir. sobre eles. Esta
referê ncia seria incongruente se Damiã o estivesse defendendo o Livro de
Gomorra , dado que ele é o acusador nessa carta.
121 Cé sar Baronius, Annales Ecclesiastici , vol. 17 (Paris, 1869), 30. O texto que
descreve os câ nones inclui uma excomunhã o contra os culpados de heresia ou
de cooperar com hereges: “E porque novas heresias surgiram na Gá lia, [o
concı́lio] as excomungou, acrescentando aqueles que aceitam ofı́cio ou serviço
deles, ou que lhes dã o qualquer tipo de defesa”, seguido de: “Condenou os
sodomitas da mesma maneira” (Pari modo damnavit et Sodomitas) . Traduçã o
minha.
122 Deve-se notar que modernizei a ortogra ia das citaçõ es do original Douay-
Rheims, mas deixei o texto intacto.
123 Pedro Damiã o, Os Padres de a Igreja Medieval Continuação: As Cartas de Peter
Damian: 31-60, trad. Owen J. Blum (Washington: Catholic University of America
Press, 1990).
124 Os inconvenientes decorrentes das traduçõ es imprecisas e à s vezes
errô neas de Blum sã o observados por Toivo J. Holopainen, “Erros em algumas
passagens na traduçã o de OJ Blum (1998) de De divina omnipotentia”, um
suplemento ao seu artigo “Peter Damian” na The Stanford Encyclopedia o f
Filoso ia , ediçã o de inverno de 2012, em plato.stanford.edu. A natureza
problemá tica do estilo “interpretativo” de Blum em sua traduçã o do Liber
Gomorrhianus també m é notada pelo historiador Glenn Olsen, Sodomitas , 205.
125 Reindel , vol. 1, 319. Traduçã o minha.
126 “Qui ita elemosinam tribuit, ut culpam non dimittat, animam non redimit,
quam a vitiis non compescit.”
127 “Nam qui et sempre peccare vult, et quase sempre eleemosynam largiri,
frustra pretium tribuit, quia non redimit animam, quam a vitiis non compescit.
” Livre 12, cap. 51 (PL 75, 1013B).
128 Lib. 3, cap. 25 (PL 133, 570C).
129 Lib. 3, cap. 26 (PL 133, 570C-D). A semelhança deste comentá rio de Odo já
foi notada por Olsen, Sodomitas , 272, nota 31, embora Olsen nã o resolva a
origem da citaçã o atribuı́da a Beda, nem sua fusã o com o comentá rio de Odo.
130 Essa correlaçã o com a Moralia de Gregório foi descoberta simultaneamente
por Gianandrea de Antonellis, cuja traduçã o italiana do Liber Gomorrhianus
també m foi publicada este ano pela Edizioni Fiducia.
131 Cap. 60 (PL 137, 403A).
132 A citaçã o de Damiã o diz: “Esmaguei os braços do Faraó , rei do Egito, e ele
nã o pediu para receber saú de e para que lhe fosse devolvida a força para
empunhar a espada.” A Vulgata Clementina diz: “Filho do homem, eu quebrei o
braço de Faraó , rei do Egito; e eis que nã o está atado, para ser curado, para ser
atado com roupas, e envolto em linho, para recuperar forças. , e empunha a
espada.”
133 Lib. 19, cap. 48 (PL 140, 994C).
134 Bachiarius, De Reparatione Lapsi , cap. 11 (PL 20, 1048A). Traduçã o minha.
O texto latino é precisamente o mesmo que aparece mais tarde no livro 19 do
Libri Decretorum de Burchard : “Qualiter, rogo, de misericordia Domini
possumus desperare, qui etiam Pharaonem arguit, quare nequaquam
poenitere dignatus sit, dicens in Propheta Pharaonis: Brachia regis Egypti
contrivi ; et non est deprecatus ut daretur in eo sanitas, et redderetur ei virtus
ad compreendum gladium.”
A CARTA DO PAPA LEAO A PETER
DAMIAN SEGUINDO O LIVRO DE
GOMORRA, CONFIRMANDO-O POR SUA
AUTORIDADE APOSTOLICA
Leã o, 135 Bispo, Servo dos Servos de Deus, ao ilho amado em Cristo,
Pedro, o eremita: a alegria da bem-aventurança eterna.

O ilho muito amado, este pequeno livro que você escreveu em um


estilo digno - mas com raciocı́nio ainda mais digno - contra as quatro
formas de relaçõ es carnais poluı́das, oferece uma evidê ncia clara para
recomendar o esforço de sua alma para alcançar, atravé s de luta
piedosa, o esplê ndido leito nupcial de reluzente castidade. Você
subjugou a barbá rie da carne e, assim, levantou o braço do Espı́rito
contra a obscenidade da luxú ria. De fato, maldito é o vı́cio que afasta
muito do Autor da virtude, que, sendo puro, nã o admite nada impuro, e
ningué m envolvido em seduçõ es imundas pode participar de sua
fortuna. Os clé rigos, no entanto, de cujas vidas mais sujas a tua
prudê ncia discute com lá grimas, mas igualmente racionalmente,
verdadeira e totalmente nã o pertencem à sua linha de herança, da qual
se distanciam pela busca de prazeres. Se vivessem castamente, seriam
reconhecidos nã o apenas como o santo templo do Senhor, mas també m
o pró prio santuá rio, em cuja brancura nevada está imolado aquele
ilustre Cordeiro de Deus por quem a praga imunda de todo o mundo é
limpo. Sem dú vida, tais clé rigos declaram - nã o pelo testemunho de
palavras, mas de atos - que nã o sã o o que se acredita que sejam. Pois
como pode algué m ser um clé rigo, ou nomeado como tal, se, de acordo
com seu pró prio julgamento, nã o teme ser sujo por suas pró prias mã os
ou pelas de outro, acariciando suas pró prias partes masculinas ou as de
outro, ou fornicando com desprezo? irracionalidade entre as coxas ou
nas costas?
Agitado por uma ira sagrada, você escreveu sobre tais clé rigos de
acordo com seu julgamento; convé m, como desejais, que
intervenhamos com a nossa autoridade apostó lica para dissipar do
leitor a escrupulosa incerteza e para que todos saibam com certeza que
tudo o que este pequeno livro conté m foi agradá vel ao nosso juı́zo. ,
sendo oposta ao fogo diabó lico como é a á gua. Portanto, para que a
licenciosidade da luxú ria nã o se espalhe impune, é necessá rio que seja
respondida com uma repressã o adequada à severidade apostó lica, e
ainda que alguma moderaçã o seja aplicada à sua dureza.
Eis: De acordo com os ditames da justiça, todos aqueles que estiverem
poluı́dos com a imundı́cie de qualquer um dos quatro tipos acima
mencionados sã o expulsos de todos os graus da ordem. 136 da Igreja
imaculada, tanto a nosso juı́zo como nos câ nones sagrados. Nó s,
poré m, agindo de forma mais humana, 137 desejam e mandam que
aqueles que expeliram o sê men com as pró prias mã os ou com outros
ou mesmo copularam entre as coxas, e nã o por longos perı́odos nem
com muitas pessoas, se refrearem essa sensualidade e expiarem seus
atos vergonhosos com digno arrependimento, sejam admitidos
naqueles graus de ordem que haviam ocupado - mas nos quais nã o
permaneceram - enquanto em pecado, sendo con iados à misericó rdia
divina. Para todos aqueles que foram poluı́dos com qualquer um dos
dois tipos de sujeira que você estava descrevendo, 138 por longos
perı́odos sozinhos ou com outros, ou com muitos outros mesmo por
pouco tempo, ou – horrı́vel de falar e ouvir – terem caı́do em corrupçã o
envolvendo suas costas, a esperança de recuperar sua ordem está
perdida.
Se algué m ousar condenar ou atacar nosso decreto de sançã o
apostó lica, saiba que corre o risco de perder seu pró prio grau de
ordem. Pois aquele que nã o ataca um vı́cio, mas sim o mima, é
justamente julgado culpado da morte junto com aqueles que morrem
por esse vı́cio. 139 Mas, ó ilho muito amado, regozijo-me
indizivelmente que tudo o que você ensinou com sua habilidade como
pregador, você també m ensina com o exemplo de sua vida, pois é
melhor instruir com açõ es do que com palavras. Obtereis, pois, a palma
da vitó ria de Deus Pai, e vos alegrareis na mansã o celestial com o Filho
de Deus e da Virgem, amontoada com tantos galardõ es quantos vos foi
tirado das ciladas do demô nio, 140 com os quais você terá sido
associado e, em certo sentido, coroado.
135 Ou seja, o Papa Sã o Leã o IX, Bispo de Roma de 1049 a 1054.
136 Trata-se de uma referê ncia aos graus ou graus de ordenaçã o sacerdotal,
incluindo o que se entende hoje como as ordens maiores (bispo, sacerdote e
diá cono) e as ordens subdiaconais e menores (acó lito, exorcista, leitor e
porteiro).
137 Aqui Leã o está aludindo a uma expressã o usada pelo Concı́lio de Ancira
(314) (cujos textos sã o citados por Damiã o em sua obra) que substitui uma
penitê ncia mais branda no lugar da excomunhã o perpé tua (que foi decretada
em outros concı́lios, como Elvira ) em casos de infanticı́dio e aborto. Na
traduçã o latina dos câ nones do Concı́lio por Dionı́sio Exı́guo (PL 67, 154C-D), o
câ non 21 do Concı́lio é citado como a irmando: “Em relaçã o à s mulheres que
fornicam e matam seus recé m-nascidos, ou que fazem com que o concebido
seja expulso [do ventre], a antiga de iniçã o os afasta da Igreja até o im de suas
vidas. Poré m, de inimos de forma mais humana…” (traduçã o minha ). A alusã o
de Leo a Ancyra é irô nica, pois ele está aplicando o mesmo princı́pio à pró pria
Ancyra, adotando um princı́pio legal menos rigoroso do que o sugerido pelos
pró prios câ nones do conselho. Veja o Prefá cio do Tradutor para saber mais
sobre esta questã o.
138 Embora Damian normalmente designe quatro categorias de perversã o
sexual, os “dois tipos” mencionados aqui parecem reduzir as duas primeiras
categorias de Damian (masturbaçã o solitá ria e masturbaçã o mú tua) em uma
ú nica primeira categoria, enquanto fazem “relaçã o sexual” em uma segunda
categoria. Leo entã o adiciona a terceira categoria de sodomia anal, para fazer
um total de trê s.
139 Esta é uma referê ncia à culpa do pecado como uma forma de morte
espiritual (veja Efé sios 2:5; Colossenses 2:13).
140 Isto é , almas salvas da condenaçã o.
eu
O INICIO DO LIVRO DE
GOMORRA, DO HUMILDE MONGE
PETER DAMIAN
Pedro, o menor servo dos monges, ao beato Papa Leã o, a submissã o da
devida honra.
Como a Sé Apostó lica é conhecida da pró pria boca da Verdade 141 para
ser a mã e de todas as igrejas, 142 convé m recorrer a ela como mestre e
em certo sentido como fonte da sabedoria celestial, se em algum lugar
surgir alguma dú vida que pareça relacionada ao cuidado das almas.
Assim, daquele ú nico chefe de disciplina eclesiá stica pode surgir a luz
pela qual, expulsas as trevas da ambiguidade, todo o corpo da Igreja
resplandecerá com o claro esplendor da verdade. Alé m disso, um certo
vı́cio mais abominá vel e extremamente vergonhoso cresceu em nossa
regiã o, e a menos que seja rapidamente recebido com a mã o de um
castigo rigoroso, é certo que a espada da fú ria divina está se
aproximando para atacar, 143 para a destruiçã o de muitos. Infelizmente,
é vergonhoso falar disso! E vergonhoso relacionar um escâ ndalo tã o
repugnante a ouvidos sagrados! Mas se o mé dico teme o vı́rus da peste,
quem vai aplicar a cauterizaçã o? Se ele está nauseado por aqueles a
quem deve curar, quem levará as almas doentes de volta ao estado de
saú de?
O câ ncer da impureza sodomı́tica está assim rastejando pela ordem
clerical, e de fato está furioso como uma besta cruel dentro do aprisco
de Cristo com a audá cia de tal liberdade, que para muitos teria sido
muito mais salutar ser oprimido pelo jugo de Cristo. deveres
mundanos do que se render tã o livremente ao domı́nio de ferro da
tirania diabó lica sob o pretexto da religiã o. Teria sido melhor perecer
sozinho em roupas seculares do que, tendo mudado de roupa, mas nã o
de coraçã o, també m arrastar outros para a destruiçã o, como
testemunha a Verdade, dizendo: “Aquele que escandalizar um destes
pequeninos que crê em em mim , convé m que uma pedra de moinho
seja pendurada em seu pescoço e que ele seja afogado nas profundezas
do mar”. 144 E a menos que a força da Sé Apostó lica 145 se opõ e o mais
rá pido possı́vel, nã o há dú vida de que, quando inalmente deseja que o
mal desenfreado seja contido, pode nã o ser capaz de deter a fú ria de
seu avanço.
141 Isto é , Cristo, que é “o caminho, a verdade e a vida” (Joã o 14:6).
142 Ver Mateus 16:18, no qual Cristo designa o apó stolo Pedro, que morreu
como cabeça da Igreja Romana, como a “rocha” sobre a qual a Igreja é
edi icada, e lhe dá as chaves do reino dos cé us.
143 Enquanto a versã o de Gaetani aqui tem grassaturus impendet (“prepara para
atacar/desordem”), a ediçã o crı́tica de Reindel, baseada nos manuscritos mais
antigos, tem crassaturus impendet (“prepara para engrossar”). Dado que
Damian parece usar repetidamente crassari com o mesmo signi icado de
grassari , a correçã o de Gaetani parece ser justi icada, e eu a usei aqui.
144 Mat. 18:6 (DR).
145 Isto é , a sede do apó stolo Pedro, o papado.
II
SOBRE OS DIFERENTES TIPOS
DE SODOMITAS
Para que todo o assunto possa ser apresentado a você de maneira
ordenada, distingo quatro tipos 146 deste pecado nefasto. Alguns se
poluem, 147 outras se sujam acariciando as partes masculinas umas das
outras, outras fornicam entre as coxas ou no traseiro, e estas ascendem
por graus, de modo que cada uma é pior que a anterior. Assim, a
penitê ncia que se impõ e a quem cai em pecado com os outros é maior
do que a quem se suja sozinho pelo contá gio do sê men descarregado, e
os que contaminam os outros pela retaguarda sã o julgados com mais
rigor do que aqueles que copulam entre as coxas. A habilidosa
maquinaçã o do diabo, assim, inventa esses graus de corrupçã o, de
modo que, quanto mais os sobe, mais profundamente a alma infeliz
pode ser mergulhada nas profundezas do inferno.
146 Damian faz uso dessa gradaçã o quá drupla de perversã o sexual na maior
parte do trabalho, embora ocasionalmente també m aborde o pecado da
bestialidade, que ele considera um pouco menos mal do que a sodomia anal
(ver capı́tulo 7), bem como o pecado da contracepçã o , que ele també m vê
como uma forma de sodomia (ver capı́tulo 4).
147 Isto é , eles se masturbam.
III
QUE A MISERICORDIA EXCESSIVA LEVA
OS SUPERIORES A NAO PROIBIR
OS CAIDOS DAS ORDENS SANTAS
E verdade que aqueles que sã o culpados dessa perdiçã o muitas vezes
se recuperam pelo dom da misericó rdia divina, chegam à satisfaçã o e
assumem o fardo da penitê ncia - por mais pesada que seja - com
devoçã o. No entanto, eles recuam horrorizados com a perda da ordem
eclesiá stica. Pois certos prelados de igrejas - que talvez sejam mais
misericordiosos com relaçã o a esse vı́cio do que convé m - decretam
absolutamente que ningué m pode ser deposto como resultado desses
trê s graus de pecado que foram enumerados acima; eles só permitem
que sejam removidos aqueles que sã o conhecidos por terem copulado
na retaguarda. Isto é , se algué m ejacula sê men por sua pró pria pressã o
genital, se polui outro esfregando com as pró prias mã os, se ainda se
deita entre as coxas à maneira dos do sexo oposto, mas simplesmente
nã o entrou no atrá s, ele deve receber uma penitê ncia proporcional à
ofensa, mas nã o deve ser removido de sua ordem. Assim é que aquele
que é conhecido por ter caı́do neste mal com oito ou mesmo dez outros
que sã o igualmente imundos, no entanto, deve ser considerado como
permanecendo em sua ordem. 148
Tal piedade ı́mpia, sem dú vida, nã o reduz a ferida, mas administra um
estı́mulo para o seu alargamento. 149 Ela nã o supre a amargura da
audá cia ilı́cita que é perpetrada, mas concede a liberdade de perpetrá -
la. Obviamente, o homem carnal de qualquer ordem teme mais ser
desprezado aos olhos dos homens do que ser condenado segundo a
determinaçã o do Juiz supremo, e por isso preferiria qualquer
penitê ncia, por mais severa e prolongada que fosse, a estar sujeito ao
risco de seu grau. 150 Alé m disso, embora nã o receie perder seu estado
honroso por sua discriçã o indiscreta, també m está inclinado a assumir
novos vı́cios 151 e permanecer mais tempo naqueles que ele pegou
impunemente, de modo que, por assim dizer, enquanto nã o for atingido
onde dó i mais severamente, ele jaz serenamente naquele chiqueiro de
obscenidade imunda em que primeiro caiu.
148 Isto é , seu grau de ordem sacerdotal.
149 O latim aqui diz literalmente “mas fornece gravetos para que possa ser
ampliado”.
150 Isto é , ao perigo de perder seu grau de ordem.
151 A palavra traduzida como “novos vı́cios” é inexperta , que signi ica
literalmente “coisas nã o experimentadas/inexperientes”.
4
QUE AQUELES QUE ESTAO HABITADOS A GOSTOS SUJOS NAO
DEVEM
SER PROMOVIDOS AS ORDENS SANTAS,
NEM DEVEM PERMANECER ASSIM SE
JA FORAM PROMODOS
Parece-nos extremamente absurdo que aqueles que sã o habitualmente
corrompidos por esse contá gio purulento ousem ser promovidos a um
grau de ordem ou continuar no grau ao qual já foram promovidos. Está
provado ser contrá rio à razã o e adverso à s sançõ es canô nicas dos
Padres. No entanto, nã o a irmo isso para oferecer uma sentença
de initiva na presença de Vossa Majestade, mas para explicar a escolha
de uma opiniã o particular.
Certamente, essa desgraça nã o é indignamente considerada a pior de
todas as ofensas, pois a tradiçã o sustenta que o Deus onipotente
sempre a considerou odiosa e, quando ainda nã o havia colocado um
preceito legal proibindo-a junto com os outros vı́cios, ele estava já o
condenando com a censura de estrita retribuiçã o - sem contar que
destruiu Sodoma e Gomorra, 152 que eram duas cidades distintas, e
todas as regiõ es vizinhas, com enxofre e fogo enviado do cé u. Ele feriu
Onan, ilho de Judas, com uma morte prematura por causa desta ofensa
nefasta, de acordo com a Escritura, que diz: “Onan … sua semente na
terra, para que nã o nasçam ilhos em nome de seu irmã o. E por isso o
Senhor o matou, porque ele fez uma coisa detestá vel”. 153 Alé m disso, na
lei é dito: “Aquele que se deitar com um homem como se estivesse em
companhia de uma mulher, ambos cometeram abominaçã o, morrendo
que morram, o sangue deles caia sobre eles”. 154
Que aqueles que caı́ram nesse crime nã o devem ser promovidos à
ordem eclesiá stica porque a lei antiga decreta que deve ser punido com
a morte, é atestado pelo papa Gregó rio, 155 que em suas cartas escreve
ao bispo Passivus, a irmando:
Sua Fraternidade 156 bem sabe há quanto tempo Aprutium está destituı́da de
cuidados pastorais; há muito procuramos aquele que deveria ser ordenado lá e
nã o conseguimos encontrá -lo. No entanto, porque Importunus 157 me é muito
elogiado por sua moral, seu zelo pela salmodia e seu amor pela oraçã o, e
dizem que ele vive a vida religiosa, desejamos que sua Fraternidade o traga
para si e que você admoeste sua alma para que possa cresça em zelo pelo bem,
e se nele nã o forem encontrados pecados que, pela regra da lei sagrada, sejam
punidos com a morte, entã o seja ordenado, 158 para que seja feito monge ou
subdiá cono por vó s, e depois de algum tempo, se for do agrado de Deus, seja
promovido à pastoral. 159
Eis que aqui está claramente implı́cito que qualquer homem que se
envolve com outro homem em có pula feminina; isto é , entre as coxas -
de fato, o pecado, como ensinamos acima, é pela sentença da lei antiga
punido com a morte - mesmo que ele abunda em moral reta, é
fervoroso com o zelo da salmodia, é notá vel no amor oraçã o, e leva uma
vida inteiramente religiosa de acordo com o testemunho de reputaçã o
comprovada, pode de fato receber plenamente o perdã o de sua culpa,
mas à ordem eclesiá stica ele nã o pode de modo algum aspirar. Pois a
respeito daquele venerá vel homem Importuno, que no inı́cio é exaltado
com tanto fervor de louvor, é redimido por tantos ornamentos de uma
vida religiosa e reta, e é decorado com tanta virtude de pregaçã o, é , no
entanto, acrescentado: “Se eles acham nenhum pecado nele, que pela
regra da lei sagrada é punido com a morte, entã o ele deve ser
ordenado”.
E certamente ó bvio que nenhuma vida religiosa posterior pode
restaurar um homem para a recepçã o de um grau eclesiá stico de ordem
se ele foi rebaixado por um crime digno de morte. Nem permite que
aquele que nã o é duvidoso tenha caı́do no poço do pecado mortal, se
levante para atingir a altura da honra. Portanto, é mais claro do que a
luz que é totalmente contra a norma da lei sagrada, totalmente contra o
padrã o da autoridade divina, promover à ordem eclesiá stica algué m
que foi condenado por ter se deitado entre as coxas masculinas em
fornicaçã o, o que sem dú vida é um pecado mortal .
152 Cf. Gen. 19.
153 Gê n. 38:9–10.
154 Lv. 20:13 (DR).
155 Ou seja, Sã o Gregó rio Magno, papa de 590 a 604.
156 Uma forma respeitosa de tratamento usada frequentemente por Gregó rio
em sua correspondê ncia com os bispos.
157 O nome do candidato de Gregó rio ao episcopado, aqui dado como
Importunus , aparece em outros manuscritos como Opportunus (cf. PL 77, 1226,
nota de rodapé c). A diferença entre os dois nomes é bastante irô nica.
Opportunus em latim signi ica “adequado, adequado, conveniente, adequado,
oportuno, oportuno” de acordo com Lewis e Short, enquanto importunus
signi ica o oposto.
158 A frase “entã o ele deve ser ordenado” nã o aparece na carta de Gregó rio
publicada na Patrologia Latina .
159 Libri Epistolorum Sancti Gregorii Papae, lib. 12, ep. 12 (PL 77, 1226B-1227A).
V
SE E LEGITIMO QUE TAIS
PESSOAS ATUEM COMO SACERDOTES
SE A IGREJA NECESSITA DELE
No entanto, pode-se dizer que a necessidade é urgente, que ningué m
está disponı́vel para cumprir deveres sagrados na Igreja, e
adequadamente a sentença que anteriormente foi pronunciada pelo
ditame da justiça severa é suavizada pela necessidade presente. A isto
respondo sucintamente: nã o havia necessidade també m quando a Sé
Pontifı́cia carecia de um pá roco? 160 Será suspenso o julgamento por
causa da utilidade de um homem, enquanto o mesmo julgamento é
irmemente mantido para o abandono de todo um povo, e o que nã o é
relaxado para o avanço de uma multidã o inumerá vel será violado para
a conveniê ncia de um ú nico pessoa?
Mas agora que o notá vel pregador dê um passo à frente, e que o que ele
acredita sobre esse vı́cio seja mais claramente conhecido. Pois ele
declara na Carta aos Efé sios: “Porque o entendimento sabeis isto, que
nenhum fornicador, ou impuro, ou avarento (que é o serviço dos
ı́dolos) tem herança no reino de Cristo e de Deus”. 161 Se, portanto,
aqueles que sã o impuros nã o tê m nenhuma espé cie de herança no cé u,
com que presunçã o, com que desprezo imprudente eles poderiam,
ainda mais, obter autoridade na Igreja, que nada mais é do que o reino
de Deus? Aquele que desrespeitou a lei divina ao cair na maldade
també m nã o terá medo de ascender desdenhosamente a um cargo de
dignidade eclesiá stica? Ele nã o se poupará de nada, porque nã o tem
medo de desconsiderar a Deus em todos os sentidos.
Mas certamente esta lei foi criada especialmente para aqueles que a
violam, segundo Paulo, que, escrevendo a Timó teo, diz:
A Lei nã o é feita para o justo, mas para o injusto 162 … aos ı́mpios e pecadores,
aos ı́mpios e contaminados, aos matadores de pais e matadores de mã es, aos
assassinos, aos fornicadores, aos mentirosos com a humanidade, aos ladrõ es
de homens, aos mentirosos, aos perjuros, e qualquer outra coisa que seja
contrá rio à sã doutrina. 163
Portanto, visto que a lei, como foi demonstrado, deve ser imposta aos
que se deitam com homens para que nã o se atrevam a violar as ordens
sagradas, por quem, peço, será mantida esta lei, se for desprezada
principalmente por aqueles para quem foi criado? E se por acaso se diz
que uma pessoa é ú til, é certo que quanto mais habilmente ela se
destacar em empreendimentos intelectuais, mais ela deve defender
cautelosamente a regra da lei autê ntica. Pois quem tem melhor
entendimento é culpado de pecado pior, porque aquele que em sua
sabedoria foi capaz de evitar o pecado, se assim o desejasse,
inevitavelmente mereceria puniçã o. Pois, como diz Tiago: “Aquele que
sabe… o bem e nã o o faz: para ele é pecado”. 164 E a Verdade diz: “A
quem mais é con iado, mais dele deve ser exigido”. 165 Pois se a ordem
da disciplina eclesiá stica é confundida pelos homens cultos, será de
admirar que seja defendida pelos ignorantes. Pois se algué m instruı́do
é conduzido desordenadamente à s ordens sagradas, ele é visto em
certo sentido para pavimentar o caminho do erro, que ele se
comprometeu a andar com o pé inchado da arrogâ ncia, para aqueles
que seguem e, por assim dizer, sã o mais simples. E ele nã o só deve ser
julgado por ter pecado, mas també m porque, pelo exemplo de sua
pró pria presunçã o, convidou outros a imitar seu pecado.
160 Esta parece ser uma referê ncia ao recente interregno papal entre a morte
do Papa Dâ maso II em agosto de 1048 e a ascensã o do Papa Leã o IX em
fevereiro de 1049.
161 Ef. 5:5 (RD).
162 A ediçã o Clementina da Vulgata de Jerô nimo tem “e desobediente” (et non
subditis) onde coloquei as reticê ncias.
163 1 Tim. 1:9–10 (RD).
164 Ja. 4:17 (DR). Aqui a Vulgata Clementina tem “portanto” (igitur) e “fazer”
(facere) nos espaços que marquei com reticê ncias.
165 Esta é uma referê ncia a parte de Lucas 12:48, que diz: “E todo aquele a
quem muito foi dado, muito será exigido dele.” A redaçã o exata em latim difere
signi icativamente daquela da Vulgata Clementina e, portanto, parece ser
simplesmente uma pará frase de memó ria.
VI
QUE AQUELES QUE DESEJAM A ORDENAÇAO
DEPOIS
DE SE ENVOLVER NESSE VICIO SAO DE SENTIDO REPROBADO
Pois quem passaria de surdo, de fato, quem nã o estremeceria até os
ossos pelo fato de que o mesmo Paulo, como uma trombeta, clama com
veemê ncia em relaçã o a tais homens, a irmando: “Deus os entregou
aos desejos do seu coraçã o, para a impureza, para desonrarem os seus
pró prios corpos entre si”? 166 E um pouco mais tarde [escreve]:
Por esta causa, Deus os entregou a afeiçõ es vergonhosas. Pois suas mulheres
transformaram o uso natural naquele uso que é contra a natureza. E, da mesma
maneira, també m os homens, deixando o uso natural das mulheres, arderam
em suas concupiscê ncias, uns para com os outros: homens com homens,
praticando o que é imundo e recebendo em si mesmos a recompensa devida
ao seu erro. E como eles nã o gostavam de ter conhecimento de Deus, Deus os
entregou a um senso perverso, para fazerem coisas que nã o convê m. 167
Pois como é que depois de um lapso tã o grave eles buscam tã o
seriamente a sublimidade da ordem eclesiá stica? O que se deve supor,
o que se deve acreditar, senã o que Deus os entregou a um sentido
reprovado? Nem permite que vejam, enquanto sob a in luê ncia de seus
pecados, as coisas que sã o necessá rias para eles. Pois porque o sol se
pô s para eles (Ele, isto é , que ascende ao oeste) 168 eles perderam seus
olhos interiores, 169 e nem sequer conseguem considerar quã o graves
sã o os males que cometeram por sua impureza, nem ainda quã o pior é
que desejam desordenadamente possuir um grau de ordem contra a
vontade de Deus. De acordo com a justiça divina, aqueles que se sujam
com essa sujeira ruinosa, tendo sido atingidos com um castigo
adequado, sempre incorrem nas trevas da cegueira. Assim, lemos sobre
aqueles antigos criadores dessa impureza quando “pressionaram
muito violentamente o justo Lot, e estavam mesmo a ponto de
arrombar as portas”. 170 “E eis”, diz a Escritura, “os homens estenderam
a mã o, e atraı́ram Ló até eles, e fecharam a porta. E os que estavam de
fora feriram de cegueira desde o menor até o maior, de modo que nã o
puderam encontrar a porta”. 171
E certo, no entanto, que as pessoas do Pai e do Filho nã o sã o
representadas inadequadamente por aqueles dois anjos que, lemos,
vieram ao bem-aventurado Ló . Isso é evidenciado pelo que o pró prio
Ló lhes diz: “Rogo-te, meu Senhor, porque o teu servo achou graça
diante de ti, e magni icaste a tua misericó rdia, que me mostraste,
salvando-me a vida”. 172 Pois quando se dirige a dois singularmente
como se fossem um, é certo que está venerando uma substâ ncia em
duas pessoas. Os sodomitas, portanto, procuram irromper
violentamente sobre os anjos, quando homens impuros procuram se
aproximar de Deus por meio de ordens sagradas. No entanto, eles
certamente sã o atingidos pela cegueira porque caem na escuridã o
interior pelo justo julgamento de Deus e, portanto, nã o podem nem
encontrar a porta; sendo separados de Deus pelo pecado, eles nã o
conhecem o caminho de volta a ele. Pois certamente é ó bvio que
aqueles que procuram aproximar-se de Deus pelo caminho nã o da
humildade, mas da arrogâ ncia e da vaidade, nã o discernem onde está
aberta a porta de entrada, ou que a porta é Cristo, como ele mesmo
disse: sou a porta.” 173 Os que perdem a Cristo sob a in luê ncia do
pecado deixam de encontrar a porta pela qual possam entrar na
habitaçã o dos cidadã os celestiais.
Portanto, eles foram entregues a um sentido ré probo, porque enquanto
eles nã o medirem o peso de sua culpa em sua pró pria mente com
cuidadosa consideraçã o, eles consideram essa carga mais pesada de
chumbo como a leveza do castigo vazio. A a irmaçã o: “Ele feriu de
cegueira os que estavam do lado de fora”, o apó stolo declara
manifestamente quando diz: “Deus os entregou a um sentido
reprovado”, e o que é acrescentado, “para que nã o pudessem encontrar
a porta, ” ele també m explica claramente quando diz, “fazer as coisas
que nã o sã o convenientes”, 174 como se ele dissesse, “para que eles
tentassem entrar onde nã o deveriam”.
Pois aquele que é indigno de ordens sagradas está tentando forçar seu
caminho para o serviço do santo altar – o que ele está fazendo senã o
tentando entrar pelo obstá culo imó vel de uma parede, tendo
abandonado o umbral da porta? Como a entrada livre nã o é acessı́vel a
pé , essas pessoas, enquanto se asseguram de que podem chegar ao
santuá rio, frustram-se na sua presunçã o e sã o obrigadas a permanecer
no vestı́bulo exterior. Eles podem bater com a testa nas pedras da
Sagrada Escritura, mas de modo algum lhes é permitido entrar pela
porta da autoridade divina, e quando tentam entrar onde nã o sã o
permitidos, nã o fazem nada mais do que tatear em vã o a parede
reforçada . A eles se aplica apropriadamente a declaraçã o do profeta:
“Eles (…) tatearã o ao meio-dia como de noite”. 175 E aqueles que sã o
incapazes de cruzar o limiar da entrada apropriada vagam loucamente,
girando em cı́rculo, de quem é dito pelo salmista: “O meu Deus, faça-os
como uma roda”. 176 e també m: “Os ı́mpios andam por aı́”. 177 A respeito
do mesmo, Paulo també m, quando está falando das coisas relatadas
acima, um pouco depois acrescenta: “Os que fazem tais coisas sã o
dignos de morte; e nã o somente os que as fazem, mas també m os que
consentem com os que fazê -los.” 178
E claro que se o trovã o da invectiva apostó lica nã o desperta algué m
para algo tã o terrı́vel, ele certamente deve ser julgado nã o como
dormindo, mas como morto. E dado que o apó stolo tã o zelosamente
aumenta uma sentença de castigo estrito, nã o para os judeus, nã o
importa quã o ié is, mas para os gentios e aqueles que nã o conhecem a
Deus, o que, eu pergunto, ele teria dito, se ele tivesse visto isso? ferida
letal apodrecendo no pró prio corpo da santa Igreja? Em particular, que
dor, que fogo de compaixã o teria in lamado aquele coraçã o piedoso, se
ele soubesse dessa praga destrutiva que apodrece mesmo nas ordens
sagradas?
Que prelados ociosos de clé rigos e sacerdotes ouçam! Que eles ouçam
e, embora possam estar seguros da culpa pessoal, possam temer ser
participantes da culpa dos outros! Sem dú vida, aqueles que fecham os
olhos para os pecados de seus sú ditos que sã o obrigados a corrigir,
també m concedem a seus sú ditos uma licença para pecar por meio de
seu silê ncio impensado. Que eles ouçam, eu digo, e compreendam
sabiamente, que todos sã o uniformemente dignos de morte, de fato,
“nã o apenas aqueles que os fazem, mas també m aqueles que
consentem com aqueles que os fazem”. 179

166 Rm. 1:24.


167 Rm. 1:26-28.
168 Cf. Ps. 67:5 (numeraçã o Vulgata/Douay): “Cantai a Deus, cantai um salmo
ao seu nome, abre caminho para aquele que sobe ao ocidente: o Senhor é o seu
nome.” A Glossa Ordinaria , o comentá rio padrã o sobre as Escrituras durante a
Idade Mé dia, cita Cassiodoro como associando esta imagem a Cristo, o “Sol da
Justiça” ressuscitando dos mortos (uma opiniã o compartilhada pelo Papa Sã o
Gregó rio Magno), daı́ a metá fora de Damiã o de Deus como um “sol” que
ilumina a alma. Ver Bibliorum Sacrorum cum Glossa Ordinaria , vol. 3 (Veneza:
1603), 906.
169 Isto é , sua visã o ou entendimento espiritual.
170 As palavras “o justo” (iusto) nã o estã o na Vulgata Clementina.
171 Gê n. 19:9-11.
172 Gê n. 19:18-19.
173 Joã o 10: 7, 9.
174 Rm. 1:28.
175 Jó 5:14.
176 Ps. 82:14.
177 Ps. 11:9. Talvez uma traduçã o mais precisa seja: “o ı́mpio anda em cı́rculo”
(in circuitu impii ambulant) .
178 Rm. 1:32.
179 Damian nã o está , como alguns comentaristas hostis a irmaram,
recomendando a pena de morte para a sodomia. Ele está citando parte de
Romanos 1:29-32, em que Sã o Paulo lista um grande nú mero de pecados,
incluindo orgulho, desobediê ncia aos pais, libertinagem, injú ria, avareza,
sodomia e outros, e conclui que “aqueles que tais coisas sã o dignas de morte; e
nã o só os que as fazem, mas també m os que consentem com os que as fazem”.
A referê ncia é à gravidade do pecado, nã o uma recomendaçã o de pena capital
pelo Estado.
VII
SOBRE OS DIRETORES DA IGREJA
QUE ESTAO SUJADOS COM SEUS
FILHOS ESPIRITUAIS
O crime iné dito! O ofensa a ser lamentada com toda uma fonte de
lá grimas! Se aqueles que consentem com aqueles que fazem essas
coisas devem ser atingidos com a morte, o que pode ser concebido
como um castigo digno para aqueles que cometem esses males, que
sã o punı́veis com a condenaçã o eterna, 180 com seus ilhos espirituais?
Que fruto pode ser encontrado nos rebanhos, quando o pastor está tã o
profundamente submerso no ventre do diabo? Quem pode agora
permanecer sob seu governo que nã o é ignorante de seu afastamento
tã o hostil de Deus? Quem faz um prostituto de penitente, uma mulher
de um homem? Quem subjuga como escravo aquele que gerou
espiritualmente como ilho de Deus, atravé s do domı́nio de ferro da
tirania diabó lica pela impureza de sua carne? 181
Se um homem violar uma mulher que ele tirou da fonte sagrada, 182 nã o
é ele, sem qualquer obstá culo de demora, julgado privado da comunhã o
e ordenado pela censura dos câ nones sagrados a sofrer penitê ncia
pú blica? Pois está escrito que a paternidade espiritual é maior que a
paternidade carnal. Mas aquele que recebe algué m vindo do mundo nas
ordens clericais gerou um ilho espiritual de Deus quase da mesma
maneira que aquele que poderia ter batizado ou recebido um
ressuscitado da pia batismal. 183 Com efeito, a instituiçã o das ordens
canô nicas é uma renú ncia, 184 e é , em certo sentido, um segundo
batismo.
Segue-se, portanto, tanto aquele que arruinou sua ilha carnal, quanto
aquele que corrompeu sua ilha espiritual com relaçõ es sacrı́legas, deve
sofrer a mesma sentença, bem como aquele que polui, com devassidã o
abominá vel, um clé rigo que ele ordenou - a menos que talvez nisto seja
a natureza dos dois crimes distinguidos, que o primeiro pecou, embora
incestuosamente, mas naturalmente, porque foi com uma mulher,
enquanto aquele que contamina um clé rigo cometeu um sacrilé gio com
seu ilho, incorrendo na culpa de incesto. e dissolvendo as leis da
natureza. 185 E, como me parece, é mais tolerá vel cair na desgraça da
luxú ria com um animal do que com um homem. De fato, quã o mais
levianamente é julgado aquele que perece sozinho, do que aquele que
arrasta outro para a ruı́na da destruiçã o! Quã o miserá vel é a condiçã o
em que a ruı́na de um depende de outro, e quando um é destruı́do,
outro segue necessariamente para sua morte!
180 A ediçã o crı́tica de Reindel carece da palavra “punı́vel” (ou seja, punienda ,
ou “ser punido”), que aparece na ediçã o de Gaetani. Reindel nã o toma nota da
discrepâ ncia, entã o nã o está claro se ele acidentalmente omitiu a palavra ou se
Gaetani a inseriu para dar sentido a uma frase que de outra forma pareceria
sem sentido.
181 A palavra “quem” (quis) nestas duas ú ltimas frases pretende signi icar “Que
tipo de pessoa …?”
182 Isto é , a quem ele batizou.
183 Estas duas ú ltimas frases parecem referir-se ao Ponti ício Livro de a Igreja de
Ravena , que a irma: “Maior é o pai espiritual do que o carnal, porque o
primeiro gerou seu ilho em pecado, e em pecado lhe nasceu seu ilho, e o
mesmo ilho deve morrer em pecado. No entanto, o pai espiritual, depois de tê -
lo recebido da á gua batismal, o diabo e todos os suas pompas tiradas, gera um
ilho espiritual da fonte sagrada”. (PL 106, 520A). Traduçã o minha.
184 Isto é , uma renú ncia de atividades mundanas.
185 Damian nã o pretende aqui a irmar que o incesto como tal é natural, apenas
que o incesto heterossexual nã o viola a natureza no que diz respeito à
complementaridade dos sexos, pecado do qual o incesto homossexual é
adicionalmente culpado.
VIII
DAQUELES QUE CONFESTAM SUAS
OFENSAS AQUELES COM
QUEM CAIRAM 186
Para que os enganos da maquinaçã o diabó lica nã o iquem ocultos, mas
para que eu exponha à luz as coisas que o diabo constró i secretamente
com seus secretá rios na o icina do mal antigo, nã o permitirei que se
oculte que certos indivı́duos, saciados pelo veneno deste crime,
quando, por assim dizer, voltam ao coraçã o, 187 confessem o pecado uns
aos outros para que o crime nã o seja exposto ao conhecimento de
outros. Embora, como autores do crime, envergonhem os rostos dos
homens, eles mesmos se tornam juı́zes, e cada um se alegra em
conceder ao outro um perdã o indiscreto, que procura aplicar a si
mesmo por troca vicá ria. Assim é que eles podem ser penitentes de
grandes pecados, e ainda assim suas bocas nã o sã o pá lidas por causa
do jejum, nem seus corpos desgastados pela magreza; e enquanto seu
estô mago nã o está de modo algum impedido de receber comida
imoderada, a alma é vergonhosamente in lamada no fogo da luxú ria
habitual, de modo que aquele que ainda nã o chorou por seus crimes
comete atos ainda mais lamentá veis.
E um preceito de lei 188 que quando algué m estiver coberto de lepra
deve ser mostrado aos sacerdotes. 189 Poré m, quando um imundo
confessa a outro o mal comum que foi cometido, o leproso nã o é
mostrado aos sacerdotes, mas a outro leproso. Como uma con issã o
certamente deve ser uma revelaçã o, o que, pergunto, ele revela, quem
narra o que já é conhecido de seu ouvinte? De fato, como fazer essa
con issã o pela qual nada é revelado por aquele que confessa, exceto o
que já é conhecido pelo ouvinte? Alé m disso, com que lei, com que
direito aquele que está restringido pelo laço social de um mal
cometido, pode ligar e desligar o dos outros? Pois em vã o aquele que
també m está acorrentado tenta libertar outro, e para quem quer levar
um cego em uma viagem é necessá rio que ele veja, para que nã o faça
cair aquele que o segue, como é dito pela voz da Verdade, quando ele
diz: “Se o cego guiar o cego, ambos caem na cova”, 190 e novamente: “Tu
vê s o argueiro no olho de teu irmã o, mas nã o reparas na trave que está
no teu pró prio olho... hipó crita, tira primeiro a trave do teu pró prio
olho; e entã o verá s claramente para tirar o argueiro do olho de teu
irmã o.” 191
E declarado mais abertamente por esses testemunhos evangé licos que
aquele que é oprimido pelas trevas da mesma culpa, em vã o procura
restaurar outro à luz da contriçã o, e se ele nã o tem medo de liderar
outro desviando-se de seus poderes, 192 ele nã o escapa do poço
escancarado da ruı́na, junto com aquele que o segue.
186 O ato de ouvir a con issã o de algué m com quem o confessor cometeu o
pecado em questã o continua proibido no Có digo de Direito Canô nico da Igreja
Cató lica (c. 977), que invalida tais absolviçõ es.
187 Isto é , eles se arrependem. Cf. E um. 46:8: “Voltai, ó transgressores, ao
coraçã o.”
188 Isto é , a lei mosaica do Velho Testamento.
189 Cf. Lev. 13:12-17.
190 Mat. 15:14.
191 Lucas 6:42–42.
192 Esta parece ser uma referê ncia ao seu poder de conceder a absolviçã o.
IX
ASSIM COMO AQUELE
QUE VIOLA MONEIRAS, UM PROSTITUTOR
DE MONGES DEVE SER DEPOSITADO
DE ACORDO COM A LEI
Dirijo-me agora a você face a face, quem quer que seja, ó sodomita. Você
se recusa a confessar seus pecados aos homens espirituais, porque
també m teme perder sua posiçã o eclesiá stica? Mas quã o mais salutar
seria suportar a vergonha temporal à vista dos homens, do que sofrer o
castigo eterno diante do tribunal do Juiz celestial?
Talvez você possa me responder que se um homem se deita com um
homem apenas entre as coxas, ele certamente precisa de penitê ncia,
mas de acordo com a bondade misericordiosa, ele nã o deve ser
permanentemente proibido de seu grau de ordem. Eu lhe pergunto, se
um monge tenta uma freira, ele deve permanecer nas ordens sagradas
de acordo com seu julgamento? Mas nã o há dú vida de que você julgaria
que tal homem deveria ser deposto! Segue-se, portanto, que o que você
razoavelmente a irma em relaçã o a uma monja você deve
inevitavelmente admitir do monge, e o que você a irma em relaçã o aos
monges é necessá rio que você aplique aos clé rigos, mas, como foi dito
anteriormente, com esta diferença: que o ú ltimo deve ser considerado
pior, na medida em que, pela identidade dos sexos, é considerado
contrá rio à natureza.
Alé m disso, é correto considerar sempre a vontade do ofensor ao julgar
os excessos, e aquele que polui as coxas masculinas, se a natureza o
permitisse, faria completamente com os homens tudo o que se faz com
as mulheres na loucura da luxú ria desenfreada. Ele fez o que pô de, até o
ponto em que a natureza o negou, e ele ixou a contragosto o limite de
sua ofensa onde a necessidade da natureza colocou o limite
intransponı́vel da capacidade. Portanto, porque a mesma lei é aplicá vel
aos monges de ambos os sexos, é necessá rio concluir que, assim como o
violador de uma monja é deposto por lei, també m aquele que prostitui
um monge deve ser removido de todas as formas de seu cargo.
X
QUE AQUELE QUE CAI COM
SUA FILHA CARNAL OU ESPIRITUAL,
E QUEM ESTA MANCHADO COM SEU
FILHO PENITENCIAL, SEJA
RESPONSAVEL PELO MESMO DELITO
Entã o, para responder novamente à s disputas do “sagrado” (isto é ,
detestá vel) 193 confessores: se algum padre canô nico cair com uma
mulher a quem ele declarou o veredicto de penitê ncia 194 sequer uma
vez, ningué m nega que deve ser degradado pela censura do conselho
sinodal. 195 Se, poré m, cair com um sacerdote ou um clé rigo de
categoria quase igual para quem é juiz na penitê ncia ou foi julgado na
hora de recebê -la, nã o perderá a honra de sua ordem 196 de acordo com
os ditames da justiça? Pois é costume chamá -lo de “ ilho penitencial”,
assim como dizemos “ ilho batismal”. Assim, é lido do bem-aventurado
Marcos, o evangelista, que “ele é ilho de Pedro no batismo”, 197 e é o
eminente pregador que diz: “Porque Cristo nã o me enviou para batizar,
mas para evangelizar”. 198 e també m diz: “Pois qual é a minha gló ria
diante do Senhor? Nã o é você ?” 199 “Pois em Cristo Jesus, pelo
evangelho, eu te gerei.” 200 E aos Gá latas ele diz: “Meus ilhinhos, de
quem estou de novo em trabalho de parto, até que Cristo seja formado
em você s”. 201 Se entã o deu à luz, se deu à luz, aquele que nã o foi
enviado para batizar, mas para evangelizar e, assim, exortar ao
arrependimento, diz-se com razã o que quem recebe a penitê ncia é
ilho, e quem a impõ e é pai. .
Agora, se os fatos mencionados forem cuidadosamente considerados,
será mais claro do que a luz que aquele que fornica com uma ilha
carnal ou batismal é culpado do mesmo crime, e també m aquele que
age indecentemente com um ilho penitente. E assim como aquele que
pecou com uma mulher que gerou carnalmente, ou que deu à luz no
batismo, ou a quem impô s a sentença de penitê ncia, assim també m
para aquele que peca com um ilho penitente por luxú ria, é justo que
ele seja removido de todas as maneiras da ordem da qual é ministro.
193 Trata-se de um jogo de dois sentidos possı́veis da palavra latina sacer,
sacris, que pode referir-se ao sagrado, ou a algo amaldiçoado e, portanto,
detestá vel. Acrescentei aspas ao redor da palavra “sagrado” para indicar que
deve ser lida em um sentido irô nico.
194 Isto é , a quem deu penitê ncia na con issã o sacramental.
195 Isto é , removido de seu grau de ordem de acordo com as leis estabelecidas
pelos sı́nodos da Igreja Cató lica, um assunto sobre o qual Damian expõ e
detalhadamente nos trê s capı́tulos seguintes.
196 Ou seja, seu grau de ordem eclesiá stica (por exemplo, bispo, padre).
197 Esta parece ser uma citaçã o de um pró logo moná rquico ao Evangelho de
Marcos, um texto que data de cerca de 350 dC e apareceu em muitas Bı́blias
latinas do tempo de Damiã o.
198 1 Cor. 1:17 (DR).
199 Esta parece ser uma pará frase da memó ria de 1 Tessalonicenses. 2:19:
“Pois qual é a nossa esperança ou alegria ou coroa de gló ria? Você nã o está , na
presença de nosso Senhor Jesus Cristo em sua vinda?”
200 1 Cor. 4:15.
201 gal. 4:19.
XI
EM RELAÇAO A LEIS APOCRIFAIS,
EM QUE AQUELE QUE CONFIA ESTA
ENGANADO
Mas porque certas cançõ es de ninar sã o encontradas misturadas com
os câ nones sagrados, 202 em que homens corruptos depositam sua
con iança com vã presunçã o, examinamos alguns aqui para que
possamos demonstrar claramente que nã o apenas eles, mas todos os
outros escritos semelhantes a eles, onde quer que se encontrem, sã o
totalmente apó crifos. Pois se diz, entre outras coisas: “Um sacerdote
que nã o fez o voto de monge, que peca com uma menina ou uma
prostituta, deve fazer penitê ncia por dois anos e por trê s Quaresmas,
na segunda, quarta, sexta, e sá bado, sempre com comida seca; se for
com uma serva de Deus 203 ou com um homem acrescenta-se um jejum
de cinco anos, se for habitual”. 204 Da mesma forma os diá conos, se nã o
sã o monges, assim como os monges que nã o estã o nas ordens
sagradas, [devem fazer penitê ncia por] dois anos. Um pouco mais
adiante é inserido o seguinte: “Se um clé rigo que nã o fez votos
moná sticos comete um ato de fornicaçã o, ele deve fazer penitê ncia por
meio ano; se o fez com frequê ncia, deve fazer um ano inteiro de
penitê ncia; se ele é um câ none, 205 igualmente; se frequentemente, dois
anos.”
Da mesma forma, se algué m peca à maneira dos sodomitas, alguns
ditam dez anos de penitê ncia. Aquele que o faz habitualmente deve ser
punido mais. Se ele possui um grau de ordem, ele deve ser degradado e
fazer penitê ncia como um leigo. Um homem que fornica entre as coxas
deve fazer um ano de penitê ncia. Se ele repetir o crime, ele deve fazer
penitê ncia por dois anos. Se fornicar na retaguarda, deve cumprir trê s
anos de penitê ncia. Se for criança, deve cumprir dois anos de
penitê ncia. Se fornicar com uma ovelha ou uma mula, deve cumprir dez
anos de penitê ncia. Da mesma forma, um bispo que peca com
quadrú pedes deve fazer dez anos de penitê ncia e perder seu grau de
ordem; um padre, cinco anos; um diá cono, trê s; um clé rigo, dois; e
muitas outras maquinaçõ es errô neas e sacrı́legas do diabo sã o
encontradas inseridas nos câ nones sagrados, que para nó s seria mais
agradá vel apagar do que ler – melhor cuspir do que escrever no papel
uma tolice tã o vã .
Eis que os sodomitas con iam nessas futilidades; eles lhes dã o fé como
um pressá gio de sonhos e se iludem com a certeza de uma esperança
vã . Mas vejamos se estes concordam com a autoridade canô nica, de
modo que, quer sejam a irmados ou rejeitados, devem ser conhecidos
nã o tanto pelo testemunho de palavras quanto pelo testemunho de
fatos.
202 Isto é , a lei canô nica da Igreja Cató lica. As leis citadas por Damian nos
capı́tulos seguintes assemelham-se muito à quelas contidas no Libri Decretorum
de Burchard de Worms, lib. 17, cap. 39–41 (PL 140 926C–927D), uma
compilaçã o medieval amplamente usada de direito canô nico e penitê ncias,
embora Damiã o pareça estar usando vá rias fontes que podem replicar apenas
alguns dos mesmos textos. A reclamaçã o de Damian sobre a falta de
con iabilidade dos livros penitenciá rios é um eco de outras reclamaçõ es
semelhantes feitas nos sé culos seguintes (veja o Prefá cio do Tradutor).
203 Isto é , uma freira. O mesmo termo é usado para freiras no capı́tulo 12.
204 O latim para “se é habitual” é si in consuetudine est , que parece ter sido
usado geralmente no direito canô nico para a prá tica habitual ou frequente de
um pecado.
205 Ou seja, um padre ligado à catedral de uma diocese ou alguma outra igreja
servida por padres que vivem em comunidade.
XII
A REJEIÇAO JUSTIFICATIVA
DAS LEIS ACIMA
Portanto, para voltar ao inı́cio deste có digo de lei enganoso, diz-se que
um padre que nã o fez votos moná sticos, e que peca com uma menina
ou com uma prostituta, deve fazer dois anos de penitê ncia. E quem é
tã o estú pido, quem é tã o louco, para acreditar que uma penitê ncia de
dois anos para um padre pego em fornicaçã o é apropriada? Pois se
algué m tem apenas um conhecimento mı́nimo da autoridade canô nica
ou o maior conhecimento, ele reconheceria livremente que se um
padre cair em fornicaçã o, uma penitê ncia de pelo menos dez anos deve
ser decretada, 206 para nã o falar de puniçõ es mais severas. No entanto,
esta penitê ncia de dois anos por fornicaçã o nã o só nã o se considera
aplicá vel aos sacerdotes, mas també m aos leigos que, fugindo desta
ruı́na para satisfaçã o, 207 recebem uma sentença de trê s anos. Em
seguida, acrescenta-se o seguinte: “Se algué m pecar com uma serva de
Deus, ou com um homem (com o entendimento de que se trata de um
sacerdote), um jejum é adicionado; isto é , de cinco anos, se for
habitual”. Da mesma forma os diá conos, se nã o forem monges, devem
fazer penitê ncia por dois anos, como també m os monges que nã o
possuem grau de ordem.
Olho ansiosamente para uma coisa na seçã o deste decreto sem sentido
sobre o qual estou expondo, com prazer voltando minha atençã o para
isso, porque está claramente declarado: “Se … com uma serva de Deus
ou com um homem”. Veja, ó bom homem sodomita, em seus pró prios
textos, que você tanto ama, que você abraça ansiosamente, que você
coloca como um escudo de defesa para si mesmo, você reconhece
abertamente que nã o há diferença se algué m pecar com uma serva. de
Deus ou com um homem. No entanto, para um pecado igual há a
determinaçã o de uma sentença igual. Agora nã o há base para seu
desacordo comigo, nã o há como você discordar corretamente de meus
argumentos. Quem está tã o fora de si, que incorre tã o profundamente
nas trevas da cegueira, a ponto de impor uma penitê ncia de cinco anos
a um padre por pecar com uma serva de Deus (isto é , uma freira), ou
uma penitê ncia de dois anos? anos em um diá cono ou um monge? Isso
nã o é uma armadilha insidiosa para os perdidos? Isso nã o é uma
armadilha para as almas perdidas? Mas quem poderia desmentir o que
se a irma — que um clé rigo que fornica com uma moça, se nã o fez
votos moná sticos, deve cumprir meio ano de penitê ncia? Quem é tã o
conhecedor da Sagrada Escritura, que se destaca com tamanha perı́cia
na sutileza dialé tica, que possa ousar condenar tal lei pela pró pria lei,
um precedente censurá vel cuja autoridade é louvavelmente detestada?
Enquanto trê s anos sã o dados ao leigo, para o clé rigo é prescrito meio
ano de penitê ncia? Bem-aventurados os clé rigos que fornicam, se
forem julgados pelos padrõ es dos sodomitas; na verdade, a mesma
medida que eles aplicam aos outros, eles desejam conceder a si
mesmos! 208 Este autor do erro, que estende o dogma de sua
perversidade à ordem clerical enquanto se esforça para arruinar os
monges, está muito desejoso de ganhar almas para o diabo, e porque a
morte dos monges sozinha nã o pode satisfazer o estô mago guloso de
sua malı́cia, ele deseja satisfazer-se com o homicı́dio de outra classe de
almas.
Vejamos entã o o que segue: Se algué m peca como os sodomitas, certas
autoridades ditam dez anos de penitê ncia. Aquele que o faz
habitualmente deve ser punido mais. Se ele possui um grau de ordem,
ele deve ser degradado e fazer penitê ncia como um leigo. Se um
homem fornicar entre as coxas, deve fazer penitê ncia por um ano. Se
ele izer isso novamente, ele deve fazer penitê ncia por dois anos. Se,
poré m, fornicar na retaguarda, deverá cumprir trê s anos de penitê ncia.
E dado que pecar como um sodomita, como você s mesmos aduzem,
nã o deve ser outra coisa senã o fornicar na retaguarda, por que seus
câ nones em apenas uma frase sã o tã o variados e multifacetados que
sobrecarregam aqueles que pecam como sodomitas com dez anos? de
penitê ncia, mas entã o para aqueles que fornicam na retaguarda – o que
é a mesma coisa – eles con inam os lamentos de penitê ncia no espaço
de trê s anos? Essas coisas nã o sã o justamente comparadas a monstros,
nã o produzidos pela natureza, mas compostos pela indú stria humana,
alguns dos quais começam com cabeças de equinos e terminam com
cascos de cabras? 209
Entã o, a quais câ nones, a quais decretos dos Padres correspondem
essas coisas risı́veis, que se chocam entre si com rostos tã o
dissonantes, como se tivessem chifres na cabeça? Se eles se
derrubarem, em que autoridades podem con iar? “Todo reino dividido
contra si mesmo será assolado; e casa sobre casa cairá . E se Sataná s
estiver dividido contra si mesmo, como permanecerá sua doutrina?”
210 Pois primeiro eles parecem aplicar uma puniçã o severa, depois
exibir uma misericó rdia cruel, e como um monstro quimé rico aqui
uma espé cie ameaçadora de leã o ruge, e lá uma cabra vil abençoa
humildemente, e por essa diversidade de vá rias aparê ncias eles
provocam riso em vez de inspirar lamentaçã o penitencial.
As que seguem sã o igualmente errô neas: Aquele que fornica com
ovelhas ou mulas deve fazer dez anos de penitê ncia, e da mesma forma
um bispo que peca com quadrú pedes deve fazer dez anos de penitê ncia
e perder seu grau de ordem; um padre, cinco; um diá cono, trê s; um
clé rigo, dois. 211 Como a sentença anterior a irma absolutamente que
quem fornicar com uma ovelha ou uma mula será condenado a dez
anos de satisfaçã o, como é coerente acrescentar que a um padre cinco
anos, um diá cono trê s anos e um clé rigo dois anos de penitê ncia? deve
ser aplicado para relaçõ es sexuais com gado? Assim, qualquer pessoa -
isto é , qualquer pessoa, mesmo que seja leigo - é punido com
sofrimento por um perı́odo de dez anos, e depois cinco anos sã o
impostos a um padre; isto é , metade da penitê ncia é eliminada!
Pergunto, a que pá ginas de eloquê ncia sagrada coincidem essas
frivolidades incansá veis, que tã o evidentemente con litam consigo
mesmas? Quem nã o considera, quem nã o vê claramente, que estes e
outros semelhantes que se misturam fraudulentamente com esses
câ nones sagrados sã o invençõ es diabó licas e foram criados para
enganar as mentes dos simples por meio de engenhosas maquinaçõ es?
Pois como o mel ou qualquer outro alimento mais saboroso, o veneno é
admitido fraudulentamente, de modo que, enquanto a doçura do
alimento provoca a pessoa a comer, o veneno, que está escondido,
entra mais facilmente nas entranhas. Assim, essas invençõ es
enganosas e errô neas sã o inseridas nos textos sagrados para escapar à
suspeita de fraude, e sã o manchadas, por assim dizer, com um certo
tipo de mel, aparecendo aromatizadas com a doçura de uma falsa
piedade. Evite essas coisas, seja quem for, para que o canto das sereias
nã o o encante com uma doçura fatal, para que nã o mergulhe o navio de
sua alma no abismo da Cila. 212. O oceano dos santos concı́lios nã o deve
por acaso vos aterrorizar com a sua manifesta austeridade, e os rasos
bancos de areia dos câ nones apó crifos nã o vos devem atrair com a
prometida doçura da sua turbulê ncia. Pois muitas vezes um navio que
está fugindo das ondas violentas sofre um naufrá gio ao se aproximar
da costa arenosa e, muitas vezes, quando se aproxima do alto mar,
escapa ileso sem perder um fardo.
206 Burchard's Libri Decretorum , lib. 17, cap. 56 (PL 140, 931D) parece re letir
esse princı́pio, citando a Penitencial Romana como decretando um mı́nimo de
dez anos de penitê ncia para os sacerdotes culpados de tais pecados.
207 Ou seja, a satisfaçã o dos requisitos da penitê ncia.
208 Esta é uma referê ncia irô nica à s bem-aventuranças (Mt 5:1–12; Lc 6:20–
23), e outro aforismo do Sermã o da Montanha (Mt 7:2; Lc 6:38).
209 Essa é a Quimera, um monstro retratado na mitologia grega e romana e
frequentemente usado na literatura medieval como uma metá fora para o
ictı́cio e inexistente.
210 Cf. Lucas 11:17–18. A Vulgata Clementina tem “reino” em vez de “doutrina”
aqui.
211 A palavra “clé rigo” aqui parece referir-se à queles que estã o estudando em
preparaçã o para receber ordens maiores, como subdiá conos, acó litos, etc.
212 Na mitologia grega, as sereias sã o criaturas cujo canto sedutor atrai os
marinheiros para a morte nas costas rochosas, e a Cila é um monstro de vá rias
cabeças que consome os marinheiros dos navios que passam muito perto de
sua morada na costa, puxando-os para o abismo que ela habita.
XIII
QUE TAIS ZONAS SAO
EXCLUIDAS DA
LISTA DE CANONES, PORQUE SUA
AUTORIA E INCERTA
Quem fabricou esses câ nones? Quem se atreveu a plantar arbustos tã o
espinhosos e espinhosos no bosque roxo da Igreja? E extremamente
claro que todos os câ nones autê nticos sã o formulados em venerá veis
concı́lios sinodais ou promulgados pelos santos padres pontı́ ices da Sé
Apostó lica, e nã o é lı́cito a qualquer um eliminar os câ nones, mas este
privilé gio é desfrutado apenas por aqueles que sã o escolhidos para
presidir na sé do bem-aventurado Pedro. No entanto, esses brotos
espú rios 213 dos câ nones de que falamos sã o conhecidos por serem
excluı́dos dos sagrados concı́lios e provados serem totalmente
estranhos aos decretos dos Padres. 214
Segue-se, portanto, que aqueles que parecem nã o ter sido emitidos por
decretos dos Padres nem por concı́lios sagrados de modo algum devem
ser aceitos entre os câ nones. Pois tudo o que nã o é numerado entre as
espé cies é , sem dú vida, determinado como estranho ao gê nero. Se o
nome do autor for procurado, nã o poderá ser identi icado com certeza,
porque nã o é indicado uniformemente em vá rios livros. Pois em um é
atribuı́do a Teodoro, 215 em outro, à Penitencial Romana, 216 em outro,
aos Câ nones dos Apó stolos. 217 Eles sã o intitulados de um jeito aqui, de
outro ali, e quando nã o tê m o mé rito de um ú nico autor, sem dú vida
perdem toda autoridade. Pois aqueles que oscilam entre tantas
autoridades incertas nada con irmam com certa autoridade, e é
necessá rio que as coisas que produzem a escuridã o da incerteza para
os leitores possam afastar-se de toda dú vida à luz das Sagradas
Escrituras.
Agora, com esses absurdos teatrais, em que os sodomitas con iaram,
eliminados da lista dos câ nones e condenados pelo raciocı́nio claro dos
argumentos, vamos expor aqueles câ nones de cuja con iabilidade e
autoridade nã o temos dú vidas. De fato, eles sã o encontrados no
Conselho de Ancyra: 218 , 219

213 Esta é uma referê ncia à metá fora acima dos “arbustos espinhosos”.
214 Isto é , os Santos Padres, os papas.
215 Esta parece ser uma referê ncia a Theodore, Arcebispo de Canterbury (d.
690), que publicou um famoso manual de câ nones penitenciais.
216 Vá rios manuais medievais de câ nones penitenciais traziam este tı́tulo. Ver
Philip Schaff, History of a Igreja Cristã , v. 4 (Nova York: Filhos de Charles
Scribner, 1913), 371-374.
217 Os Câ nones dos Apó stolos ou Câ nones Apostó licos sã o uma coleçã o de
antigas leis eclesiá sticas que faziam parte das Constituiçõ es Apostó licas, uma
obra mais ampla que resume o ensinamento cristã o publicado pela primeira
vez no sé culo III.
218 Concı́lio realizado por bispos cató licos na cidade de Ancira na Galá cia (hoje
Ancara, Turquia) em 314, ano seguinte ao im da ú ltima perseguiçã o aos
cristã os pelos imperadores romanos. Entre outros assuntos, prescreveu vá rias
penitê ncias para aqueles que haviam repudiado sua fé durante a perseguiçã o
do imperador Diocleciano e que desejassem retornar à comunhã o, bem como
penitê ncias por mau comportamento sexual e outros pecados. O concı́lio, em
suas traduçõ es e interpretaçõ es latinas, tornou-se uma importante fonte de
manuais penitenciá rios medievais.
219 A citaçã o do Concı́lio de Ancyra segue no inı́cio do pró ximo capı́tulo.
XIV
DAQUELES QUE FORNICAM
IRRACIONALMENTE; OU SEJA , QUEM SE
MISTURA COM ANIMAIS OU SAO
POLUIDOS COM MACHOS 220
Quanto aos que viveram irracionalmente ou continuam a fazê -lo: Aqueles que
cometeram tal crime antes dos vinte anos podem ser admitidos à comunhã o
de oraçã o depois de terem feito quinze anos de penitê ncia. Entã o, depois de
cinco anos nesta comunhã o, eles podem inalmente receber os sacramentos da
oferta. 221 No entanto, sua vida durante o perı́o do de penitê ncia deve ser
investigada antes de obter misericó rdia, pois se eles aderem insaciavelmente a
essas ofensas, devem passar mais tempo fazendo penitê ncia. Aqueles que
atingiram vinte anos de idade e sã o casados e caem neste pecado devem fazer
vinte e cinco anos de penitê ncia e entã o sã o recebidos na comunhã o de oraçã o.
Depois de permanecer neste estado por cinco anos, eles podem inalmente
receber os sacramentos da oferta. Mas aqueles que assim pecam, que tê m
esposas e já passaram dos cinqü enta anos, devem receber a graça da
comunhã o 222 no inal de suas vidas. 223
Eis que na mesma inscriçã o desta venerá vel autoridade vemos
claramente que nã o apenas aqueles que fornicam na retaguarda, mas
també m aqueles que de alguma forma estã o poluı́dos com homens, sã o
comparados em todos os aspectos com aqueles que se deitam com
animais. Se considerarmos as palavras intercaladas, 224 percebemos
que eles foram colocados ali com cuidado e discernimento muito
judicioso, como está escrito: “Aqueles que se misturam com animais ou
sã o poluı́dos com machos”. Pois se com esta frase, “os que estã o
poluı́dos com homens”, pretendia indicar aqueles que fornicam na
retaguarda, 225 nã o teria sido absolutamente necessá rio acrescentar
duas palavras, quando somente com “mix” poderia ter expressado sua
intençã o.
De fato, seria su iciente para a brevidade do estilo se a frase inteira
tivesse sido composta com um verbo, dizendo: “aqueles que se
misturam com animais ou machos”. Pois aqueles que se adulteram em
um sentido sã o aqueles que violam os animais, e em outro sentido sã o
aqueles que violam os machos pela retaguarda. Mas, como diz que
alguns se misturam com animais, outros nã o “se misturam”, mas “sã o
poluı́dos” com machos, certamente ica claro que no inal da frase ela
julga nã o os corruptores dos machos, mas os “poluidores”. No entanto,
deve-se notar que este regulamento foi instituı́do principalmente em
relaçã o aos leigos, o que se deduz facilmente das seguintes palavras:
“Aqueles que cometeram tal crime antes dos vinte anos podem ser
admitidos à comunhã o tendo feito quinze anos de penitê ncia, entã o,
depois de cinco anos nesta comunhã o, eles podem inalmente receber
os sacramentos da oferta”.
Se, portanto, qualquer leigo culpado deste crime é admitido à
comunhã o de oraçã o depois de cumprir vinte e cinco anos de
penitê ncia, mas ainda nã o é permitido receber os sacramentos da
oferta, como é considerado apropriado que um sacerdote nã o apenas
receba, mas també m para oferecer e consagrar os sagrados misté rios?
Se ele mal tem permissã o para entrar na igreja para orar com os outros,
como é que ele pode se aproximar do altar do Senhor para interceder
pelos outros? Se ele nã o tem o direito de ouvir as santas solenidades
das missas antes de completar um perı́odo tã o longo de penitê ncia,
como é digno de celebrá -las solenemente? Se o primeiro, que pecou
menos enquanto anda pela estrada larga do mundo, 226 é indigno de
receber na boca a celeste oferenda da Eucaristia, como poderá esta
ú ltima ser digna de lidar com tã o terrı́vel misté rio com mã os poluı́das?
Consultemos novamente o mesmo Conselho de Ancyra e o que ordenou
para o mesmo crime: 227

220 Este é o tı́tulo dado em coleçõ es medievais de direito canô nico, como a
Collectio Dionysio-Hadriana, a Collectio Canonum Quadripartia, a Collectio
Dacheriana e o Libri Decretorum de Burchard, ao texto do câ none 16 do Concı́lio
de Ancyra, que segue imediatamente . O tı́tulo aplica o grego para “aqueles que
viveram irracionalmente” (que é relatado em diferentes versõ es dos câ nones
gregos como αλογευσαμενων [ Hefele , 215] ou αλογῶς διαγοντῶν [traduçã o de
Isidorus Mercator, PL 130, 265A]) aos culpados de bestialidade ou atos
homossexuais. A fonte de Damian para o tı́tulo é provavelmente o Libri
Decretorum de Burchard , lib. 17, cap. 30 (PL 140, 924D-925A). Outros câ nones
ocidentais parecem ter sido in luenciados pela mesma interpretaçã o. Assim,
como Percival , 70, observa, um câ none inglê s do tempo do rei Edgar que se
baseava neste mesmo câ none diz: “Se algué m de vinte anos se contaminar com
uma besta ou cometer sodomia, que jejue quinze anos …."
221 Os “sacramentos de oferenda” sã o a Eucaristia ou Sagrada Comunhã o, que
a Igreja Cató lica entende como uma oferta de sacrifı́cio a Deus.
222 Ou seja, deve-se dar o viaticum, sacramento da Sagrada Comunhã o
recebido na hora da morte.
223 Este pará grafo é o câ none 16 do Concı́lio de Ancyra, que é quase idê ntico
ao dado por Burchard no Libri Decretorum , lib. 17, cap. 30 (PL 140, 924D-
925A), que por sua vez foi baseado na traduçã o de Dionı́sio Exiguus, que
primeiro traduziu o câ non para o latim no inı́cio do sé culo VI (veja o Codex
Canonum Ecclesiasticorum , PL 67, 154C-D).
224 Isto é , no tı́tulo do câ non.
225 Isto é , somente aqueles que fornicam na retaguarda.
226 Esta é uma referê ncia a Mateus 7:13: “Entrai pela porta estreita, porque
larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdiçã o, e muitos sã o os
que entram por ela”.
227 A citaçã o do Concı́lio de Ancyra segue no inı́cio do pró ximo capı́tulo.
XV
DAQUELES QUE JA FORAM POLUIDOS POR
ANIMAIS OU COM HOMENS,
OU QUE CONTINUAM A DELINGIR
NESTE VICIO 228
“Aqueles que viveram irracionalmente e poluı́ram outros com a lepra
desta grave ofensa sã o ordenados pelo santo sı́nodo a adorar com
aqueles que sã o atormentados por um espı́rito impuro”. 229 Como
claramente nã o diz aqueles que “corrompem” os outros com a lepra
desta grave ofensa, mas sim “poluem” (o que també m concorda com o
pró prio tı́tulo anterior, que começa nã o com aqueles que foram
“corrompidos”, mas com aqueles que que foram “poluı́dos”), é
certamente claro que se um homem de alguma forma foi poluı́do com
outro homem pelo ardor da luxú ria, ele é ordenado a orar nã o entre os
cristã os cató licos, mas entre os endemoninhados. Pois se os sodomitas
sã o incapazes de compreender por si mesmos o que eles sã o, eles
podem de qualquer modo ser ensinados por aqueles com quem eles
sã o enviados para a penitenciá ria comum de oraçã o. E certamente é
bastante apropriado que aqueles que trocam sua carne com demô nios
por meio de um comé rcio tã o sujo contra a lei da natureza, contra a
ordem da razã o humana, recebam um lugar comum de oraçã o com os
endemoninhados. Pois como a pró pria natureza humana resiste
profundamente a esses males, e a falta de diferença sexual é
abominá vel, é mais claro que a luz que eles nunca ousariam se envolver
em tais perversidades a menos que os espı́ritos malignos os
possuı́ssem completamente como “vasos de ira, preparados para
destruiçã o." 230 Mas quando eles começam a possuı́-los, eles derramam
o veneno infernal de sua malignidade em todo o coraçã o invadido que
eles enchem, para que agora possam desejar com â nsia nã o as coisas
que um movimento natural do corpo exige, mas o que só diabó lico
suprimentos de pressa. Pois quando um homem se impõ e a outro
homem para cometer atos impuros, nã o é por um impulso carnal
natural, mas apenas pelo estı́mulo do impulso diabó lico.
Assim, os santos Padres, em sua vigilâ ncia, condenaram os sodomitas a
rezar junto com os endemoninhados, aqueles que eles nã o duvidavam
de terem sido invadidos pelo mesmo espı́rito diabó lico. Portanto, como
pode um mediador entre Deus e o povo na dignidade do ofı́cio
sacerdotal, que, separado da congregaçã o de todo o povo, é ordenado a
rezar apenas entre os endemoninhados? Mas agora que nos
comprometemos a aplicar dois testemunhos de um sagrado concı́lio,
vamos també m apresentar o que o grande Bası́lio pensa sobre esse
vı́cio que está sendo abordado atualmente, 231 para que “pela boca de
duas ou trê s testemunhas possa valer toda palavra”, 232 pois ele diz: 233

228 Este é o tı́tulo dado nas coleçõ es medievais de direito canô nico ao dé cimo
sé timo câ none do Concı́lio de Ancira (ver traduçã o de Dionı́sio Exiguus, PL 67,
154D).
229 Este é o texto do câ non 17 como aparece nas coleçõ es latinas de direito
canô nico medieval. A fonte, novamente, é provavelmente Burchard de Worms (
Libri Decretorum , lib. 17, cap. 31; PL 140, 925B), que a baseou na traduçã o de
Dionı́sio Exiguus (PL 67, 154D).
230 Rom. 9:22.
231 Ou seja, Sã o Bası́lio, Bispo de Cesareia Mazaca (370-79), Pai e Doutor da
Igreja.
232 Mat. 18:16.
233 A citaçã o segue no inı́cio do pró ximo capı́tulo.
XVI
DE CLERICOS OU MONGES
QUE PERSEGUEM OS HOMENS
Um clé rigo ou monge que persegue adolescentes ou crianças, ou que é pego
em um beijo ou outra ocasiã o de indecê ncia, deve ser espancado publicamente
e perder sua tonsura, e tendo sido vergonhosamente barbeado, seu rosto deve
ser manchado com saliva, e ele é ser amarrado em correntes de ferro,
desgastado com seis meses de prisã o, e trê s dias por semana para jejuar em
pã o de cevada até o pô r do sol. Depois disso, passando o tempo separado em
seu quarto por mais seis meses sob a guarda de um superior espiritual, deve
estar atento ao trabalho de suas mã os e à oraçã o, sujeito a vigı́lias e oraçõ es, e
deve sempre andar sob a guarda de dois irmã os espirituais, nunca mais
solicitando relaçõ es sexuais da juventude por discurso ou conselho perverso.
234

Aqui o sodomita deve considerar zelosamente se aquele a quem a


autoridade sagrada julga ser desonrado com tal indignidade
ignominiosa, tã o reprovadora, é capaz de cumprir com segurança os
deveres eclesiá sticos. Tampouco se gabe de nã o ter corrompido
ningué m no traseiro, ou de nã o ter copulado entre as coxas, quando
está claramente escrito que aquele que for pego apenas em um beijo ou
outra ocasiã o vergonhosa será justamente submetido a todas essas
humilhaçõ es. de disciplina vergonhosa.
Pois se um beijo é dado com um castigo de tã o severa retribuiçã o, o
que merece a fornicaçã o entre as coxas? Para punir que crime, por que
monstruosa ofensa nã o bastaria ser espancado publicamente, perder a
tonsura, ser vergonhosamente barbeado, ser untado com a imundı́cie
de saliva, ser con inado por muito tempo e, alé m disso, estar preso em
correntes de ferro? E, inalmente, é prescrito que ele seja alimentado
com pã o de cevada, porque aquele que se tornou como um cavalo e
uma mula 235 nã o é devidamente refrigerado com a comida dos
homens, mas é alimentado com o grã o de mulas.
Alé m disso, se nã o considerarmos o peso deste pecado, ele é
claramente declarado no pró prio julgamento de penitê ncia que é
imposto. Pois quem é forçado pela censura canô nica a se submeter à
penitê ncia pú blica é certamente julgado indigno dos deveres
eclesiá sticos pela sentença clara dos Padres. Assim, o bem-aventurado
Papa Sirı́cio 236 , entre outras coisas, escreveu: “També m foi apropriado
para nó s prever, que como nã o é permitido a nenhum dos clé rigos fazer
penitê ncia, 237 assim també m depois da penitê ncia e da reconciliaçã o
nã o deve ser permitido a nenhum leigo que alcance a honra do ofı́cio
clerical. Pois, embora possam ser puri icados de todo pecado, aqueles
que antes eram vasos de vı́cios nã o devem usar nenhum dos
instrumentos para administrar os sacramentos”. 238 Dado, portanto,
que Bası́lio instruiria aquele que é culpado deste pecado a fazer
penitê ncia nã o apenas rigorosa, mas també m pú blica, enquanto Sirı́cio
proı́be as ordens clericais de penitê ncia, é ó bvio que aquele que foi
poluı́do com a imunda baixeza da luxú ria a impureza com um homem
nã o merece cumprir os deveres eclesiá sticos, nem convé m a quem
manejar o misté rio divino, 239 que, por assim dizer, eram anteriormente
vasos de vı́cios.
234 Esta citaçã o, que a fonte de Damiã o (provavelmente o Libri Decretorum de
Burchard , lib. 17, cap. 35; PL 140, 925D) atribui a Sã o Bası́lio, é na realidade
uma forma ligeiramente truncada de uma pena prescrita para monges por Sã o
Frutuoso de Braga (d. 665) ( Regula Monachorum , cap. 16; PL 87, 1107A–B).
Uma parte dela també m aparece nos decretos de Ecgbert, bispo de York (d.
766) (PL 89, 387D), que atribui corretamente a Fructuosus, mas na posterior
Collectio Canonum Quadripartia , (um manual usado e amplamente referenciado
durante a ú ltima parte do inı́cio da Idade Mé dia na França, Inglaterra e Itá lia),
nã o conté m nenhuma atribuiçã o. Por volta do sé culo X, coleçõ es de leis
canô nicas como a de Burchard estavam incorretamente atribuindo-a a Bası́lio.
235 Esta é uma referê ncia ao Salmo 31:2: “Nã o vos torneis como o cavalo e a
mula, que nã o tê m entendimento. Com cabresto e ré deas, prende as suas
mandı́bulas, que nã o se aproximam de ti”.
236 O 38º papa, que reinou de 384 a 399 .
237 A implicaçã o nã o é que os clé rigos estã o isentos de penitê ncia, mas sim que
eles devem ser privados de seu grau clerical de ordem se forem fazer
penitê ncia.
238 Veja as Epı́s tolas e Decretos do Papa Sã o Sirı́cio, ep. 1, cap. 4 (PL 13, 1145).
239 A palavra “misté rio” neste contexto é uma referê ncia aos sacramentos, e
particularmente à Eucaristia. Assim, no Rito Romano da Igreja Cató lica, a
Eucaristia é referida como o “Misté rio da Fé ”.
XVII
A CONDENAÇAO ADEQUADA
DA INDECENCIA SODOMITICA
Certamente, este vı́cio, que supera a selvageria de todos os outros
vı́cios, nã o deve ser comparado a nenhum outro. Pois este vı́cio é a
morte dos corpos, a destruiçã o das almas, polui a carne, extingue a luz
do intelecto, expulsa o Espı́rito Santo do templo do coraçã o humano,
introduz o incitador diabó lico da luxú ria, lança confusã o e remove a
verdade completamente da mente enganada. Prepara armadilhas para
quem anda, e para quem cai na cova impede a fuga. Abre o inferno e
fecha a porta do paraı́so. Faz do cidadã o da Jerusalé m celestial um
herdeiro do submundo babilô nico. Da estrela do cé u, produz o acender
do fogo eterno. Ele corta um membro da Igreja e o lança na
con lagraçã o voraz da raivosa Gehenna. Este vı́cio procura derrubar os
muros da pá tria celestial e se ocupa em reparar os velhos muros da
queimada Sodoma. Pois é isso que viola a sobriedade, mata a modé stia,
mata a castidade. Ela massacra a virgindade com a espada do mais
imundo contá gio. Ela suja tudo, mancha tudo, polui tudo, e para si nã o
permite nada puro, nada estranho à imundı́cie, nada limpo. Pois “todas
as coisas”, como declara o apó stolo, “sã o limpas para os puros; mas
para os impuros e para os incré dulos, nada é puro”. 240
Este vı́cio elimina os homens do coro da assemblé ia eclesiá stica e os
obriga a rezar com os possuı́dos e oprimidos pelo demô nio. 241 Separa
a alma de Deus, para uni-la com demô nios. Esta rainha mais pestilenta
dos sodomitas 242 torna aquele que é submisso à s leis de sua tirania
indecente para os homens e odioso para Deus. Para semear guerras
ı́mpias contra Deus, ela requer uma militâ ncia do espı́rito mais
miserá vel. Ela separa a alma infeliz da comunhã o dos anjos, retirando-a
de sua nobreza para colocá -la sob o jugo de sua pró pria dominaçã o. Ela
despoja seus soldados dos armamentos das virtudes e, para derrubá -
los, os expõ e aos dardos de todos os vı́cios. Na Igreja ela humilha, e no
fó rum ela condena. Ela contamina em segredo e desonra em pú blico.
Ela ró i a consciê ncia como vermes, queima a carne como fogo e suspira
de desejo de prazer. Mas, em contraste, ela teme ser exposta, sair em
pú blico, ser conhecida pelos outros. A quem nã o deve temer, quem
també m teme o participante da ruı́na comum com temerosa suspeita,
para que o mesmo homem que peca com ele se torne juiz do crime pela
con issã o, quando nã o hesitaria nã o apenas em confessar seu pecado,
mas també m em nomear aquele com quem pecou? Assim como um nã o
pode morrer pelo pecado sem que o outro morra, cada um oferece ao
outro a ocasiã o de ressuscitar, quando ele ressuscita.
Sua carne arde com a fú ria da luxú ria, sua mente frı́gida estremece com
o rancor da suspeita, e o caos agora se enfurece infernalmente no
coraçã o do homem infeliz enquanto ele é atormentado por tantas
preocupaçõ es quanto torturado, por assim dizer, pelo tormentos do
castigo. De fato, uma vez que esta cobra venenosa enterrou seus dentes
em uma alma infeliz, o sentido é imediatamente tirado, a memó ria é
removida, a agudeza da mente é obscurecida; torna-se esquecido de
Deus, esquece-se até de si mesmo. Esta praga remove o fundamento da
fé , enerva a força da esperança, rompe o vı́nculo da caridade, destró i a
justiça, mina a fortaleza, bane a temperança e embota a agudeza da
prudê ncia. E o que mais devo dizer? Como de fato expulsa todas as
pedras angulares das virtudes do pá tio do coraçã o humano, també m,
como se os ferrolhos das portas tivessem sido removidos, introduz
toda a barbá rie dos vı́cios. A isso, de fato, é apropriadamente aplicada a
declaraçã o de Jeremias a respeito da Jerusalé m terrena: “O inimigo”, diz
ele, “estendeu a mã o para todas as suas coisas desejá veis: porque ela
viu os gentios entrarem no seu santuá rio, dos quais ordenaste que nã o
entrassem na tua igreja”. 243
Indubitavelmente, a quem esta besta mais atroz devora uma vez com
suas garras crué is, ela prende de todas as boas obras e desencadeia em
cada abismo da mais perversa depravaçã o. Sempre que algué m cai
neste abismo de extrema perdiçã o, é exilado da pá tria celeste,
separado do corpo de Cristo, confundido pela autoridade de toda a
Igreja, condenado pelo julgamento de todos os santos Padres,
desprezado entre os homens em terra, e rejeitado da comunhã o dos
cidadã os celestiais. O cé u é feito para ele como ferro e a terra como
bronze. 244 Nem lá ele pode se levantar, oprimido pela gravidade de sua
falta, nem aqui ele pode esconder seus males sob o disfarce da
ignorâ ncia. Ele nã o pode se alegrar aqui enquanto vive, nem há
esperança quando morre, porque agora é forçado a suportar o
desprezo do escá rnio humano e depois o tormento da condenaçã o
eterna.
De fato, essa expressã o de lamentaçã o profé tica é bastante adequada
para tal alma, que a irma: “Eis, ó Senhor, porque estou angustiado,
minhas entranhas estã o perturbadas; meu coraçã o está revirado
dentro de mim, porque estou cheio de amargura; a espada destró i, e em
casa há morte igual.” 245

240 Tito 1:15.


241 Esta é uma referê ncia ao câ non 17 do Concı́lio de Ancyra (ver capı́tulo 15).
242 Esta é uma referê ncia ao vı́cio da sodomia.
243 Lam.1:10.
244 Esta é uma referê ncia a Lev. 26:19: “E quebrarei a soberba da tua
obstinaçã o; e farei para ti o cé u em cima como ferro, e a terra como bronze”.
245 Lm. 1:20.
XVIII
UMA
LAMENTAÇAO LAMENTAVEL POR ALMAS ENTREGUES A
ESGOTA DA IMPUREZA

Eu mesmo, ó alma infeliz, choro por ti, e do fundo do meu coraçã o


suspiro pela tua sorte de perdiçã o. Choro por ti, digo, ó alma miserá vel
entregue à s escó rias da impureza, tu que deves ser lamentada com
toda uma fonte de lá grimas. Para o luto! “Quem dará á gua à minha
cabeça e uma fonte de lá grimas aos meus olhos?” 246 E esta expressã o
lú gubre, agora arrancada de mim em soluços, nã o é menos adequada
do que quando saiu da boca do profeta. Pois nã o é o baluarte de pedra
de uma cidade com torres, nem os edifı́cios derrubados de um templo
feito por mã os que eu lamento, nem lamento as colunas de homens
comuns levados cativos ao impé rio do rei babilô nico; 247 Lamento a
alma nobre, feita à imagem e semelhança de Deus e unida ao
preciosı́ssimo sangue de Cristo, mais gloriosa que muitos edifı́cios,
certamente a ser preferida a todos os piná culos da obra terrena.
Portanto, lamento a queda da alma eminente e a destruiçã o do templo
em que Cristo habitou. Que meus olhos deixem de chorar, que
derramem abundantes torrentes de lá grimas e que reguem expressõ es
tristes e tristes com choro contı́nuo. Que meus olhos brotem lá grimas
com o profeta dia e noite, e que elas nã o cessem “porque a virgem ilha
do meu povo está a ligida com uma grande a liçã o, com uma praga
muito forte, extremamente”. 248 E claro que a ilha do meu povo foi
esmagada com o pior dos golpes, porque a alma, que era ilha da santa
Igreja, foi cruelmente ferida com o dardo da impureza pelo inimigo do
gê nero humano, e ela que outrora foi ternamente e gentilmente nutrido
pelo leite da eloquê ncia sagrada no palá cio do rei eterno, agora é visto
deitado rı́gido e inchado nas brasas sulfurosas de Gomorra,
pestilentemente corrompido pelo veneno da luxú ria. Pois “aqueles que
foram alimentados delicadamente morreram nas ruas; os que foram
criados em escarlate abraçaram o esterco”. 249
Por quê ? O profeta continua e diz que é porque “a iniqü idade da ilha do
meu povo se tornou maior do que o pecado de Sodoma, que foi
derrubada em um momento”. 250 De fato, o mal da alma cristã supera o
pecado dos sodomitas, porque seu pecado é tanto pior quanto
despreza os mandatos da graça evangé lica e, para nã o obter o remé dio
do subterfú gio autojusti icante, é veementemente repreendido por seu
pró prio conhecimento da lei divina. Ai, ai, alma infeliz! Por que você
nã o considera de que altura de dignidade você deve ser lançado, de que
graça de esplendor e gló ria você deve ser despojado? “Como o Senhor
cobriu de obscuridade a ilha de Siã o em sua ira!” 251 Ele lançou do cé u
o glorioso de Israel, 252 todo esplendor saiu da ilha de Siã o. 253 Eu,
compadecido da tua calamidade, e lamentando amargamente a tua
desgraça, digo: Meus olhos se encheram de lá grimas, minhas entranhas
estã o perturbadas; meu fı́gado se derramou sobre a terra, pela
destruiçã o da ilha do meu
povo. ” 254 E você , deixando de considerar seus males e tomando
coragem de seu crime, diz: “Sou rainha, e nã o sou viú va!” 255 Eu
proclamo seu cativeiro com piedade: “Por que Jacó é ordenado como
um escravo nato, e por que Israel se tornou uma presa?” 256 E você diz:
“Eu sou rico e enriquecido e nã o tenho necessidade de nada” e nã o
sabe que “tu é s um miserá vel e miserá vel e pobre e cego e nu”. 257
Considere, ó miserá vel, o quanto as trevas oprimem sua alma. Observe
quã o densamente o nevoeiro da cegueira o envolve. A fú ria da luxú ria te
levou ao sexo masculino? A loucura do excesso o incitou ao seu pró prio
tipo; isto é , de homem para homem? Um bode salta sobre um bode,
movido pela luxú ria? Um carneiro salta sobre um carneiro
enlouquecido pelo ardor da relaçã o sexual? Um garanhã o pasta suave e
paci icamente em uma ú nica manjedoura com outro garanhã o, mas ao
ver uma é gua, ele ica subitamente louco de desejo. Nunca um touro se
aproxima insolentemente de outro touro em amor sexual, nunca um
rabo macho ruge com um rabo macho na có pula. 258 Portanto, os
homens degenerados nã o temem cometer um ato que até os animais
brutos abominam. O que é feito pela temeridade da depravaçã o
humana é condenado pelo julgamento do gado irracional.
Fala, ó homem castrado! Responda, ó homem efeminado! O que você
procura em um homem, que você é incapaz de encontrar em si mesmo
– que diferença de sexos, que caracterı́sticas diversas de membros, que
suavidade, que ternura de seduçã o carnal, que prazer de um rosto liso?
O vigor da aparê ncia masculina deve assustá -lo, eu lhe suplico, e sua
mente deve abominar membros viris. A inalidade do apetite natural é
que cada um busque externamente o que nã o pode encontrar no
recinto de seus pró prios meios. Se, portanto, o manuseio da carne
masculina lhe agrada, volte suas mã os para si mesmo e saiba que tudo o
que você nã o encontra em si mesmo, você procura em vã o em outro
corpo.
Ai de ti, alma infeliz, cuja destruiçã o entristece os anjos e que os
inimigos insultam com aplausos! Você se tornou a presa dos demô nios,
o saque dos crué is, o despojo dos ı́mpios: “Todos os teus inimigos
abriram a boca contra ti; eles assobiaram, rangeram os dentes e
disseram: Nó s a engoliremos : eis, este é o dia que procurá vamos: nó s o
encontramos, nó s o vimos.” 259

246 Jr. 9:1.


247 Cf. 2 Cron. 36.
248 Jer. 14:17 (DR).
249 Lam. 4:5.
250 Lam. 4:6.
251 Lm. 2:1.
252 Esta é uma pará frase da segunda frase de Lam. 2:1.
253 Cf. Lam. 1:6: “E da ilha de Siã o se foi toda a sua formosura; os seus
prı́ncipes tornaram-se como carneiros que nã o encontram pastagens.”
254 Lm. 2:11 (DR).
255 Veja Ap. 18:7, a respeito de Babilô nia: “Por mais que ela se glori icou e
viveu em delı́cias, tanto tormento e tristeza lhe dareis. Porque ela diz em seu
coraçã o: Sou rainha e nã o sou viú va; e tristeza nã o verei”.
256 Esta é uma pará frase de Jer. 2:14: “Israel é escravo ou escravo nato? Por
que entã o ele se tornou uma presa?”
257 Ap. 3:17.
258 Pesquisadores documentaram recentemente espé cies de animais em que
alguns membros se envolvem em comportamento sexual com parceiros do
mesmo sexo. No entanto, o fenô meno muitas vezes, se nã o sempre, parece
estar associado à falta de disponibilidade de parceiros do sexo oposto. Veja Jon
Mooallem, “Os animais podem ser gays?” New York Times , 31 de março de
2010, em: www.nytimes.com.
259 Lm. 2:16.
XIX
QUE A ALMA DEVE SENTIR-SE,
PORQUE NAO CHOROU
Por isso choro por ti, ó alma miserá vel, com tantas lamentaçõ es, porque
nã o te vejo chorar. Portanto, estou prostrado no chã o em seu nome,
porque vejo você perversamente reto apó s uma queda tã o grave, até
mesmo se esforçando desenfreadamente para o piná culo da ordem
eclesiá stica. Caso contrá rio, se você tivesse se rebaixado em humildade,
eu, certo de sua restauraçã o, teria exultado no Senhor com tudo o que
há em mim; se a digna compunçã o de um coraçã o contrito tivesse
abalado os recessos ocultos de sua alma, eu teria me deliciado com uma
dança de alegria inefá vel.
Você deve chorar muito, porque você nã o chora. Precisas dos
sofrimentos dos outros porque nã o sentes o perigo da tua ruı́na, e
ainda mais choras com lá grimas amargas de compaixã o fraterna,
porque nã o te incomodas com a tua pró pria lamentaçã o dolorosa. Por
que você deixa de considerar o peso de sua condenaçã o? Por que você
nã o deixa de acumular ira para si mesmo no dia do julgamento 260 ,
primeiro submergindo-se nas profundezas do pecado e depois
elevando-se na arrogâ ncia? Essa maldiçã o está vindo, está vindo sobre
você , que foi lançada pela boca de Davi contra Joabe e sua casa depois
do derramamento do sangue de Abner. Aquela peste de Gomorra, que
condenou a casa de Joabe em retribuiçã o ao cruel homicı́dio, agora vive
na habitaçã o de seu corpo. 261
Depois que Abner é ferido, Davi diz: “Eu e o meu reino somos
inocentes… para sempre do sangue de Abner, ilho de Ner; falhe da casa
de Joabe aquele que dá à luz Gomorra”. 262 Para o qual uma segunda
traduçã o diz: “… que tem um luxo de semente, e que é um leproso
segurando a roca, 263 e o que cai à espada, e o que tem falta de pã o”. Pois
aquele que está manchado pela mancha do pecado grave é aspergido
com lepra. Segurar uma roca, de fato, é abandonar a atividade viril de
uma vida masculina e exibir a sedutora suavidade das maneiras
femininas. Aquele que cai pela espada é aquele que incorre na fú ria da
indignaçã o divina. Aquele que está carente de pã o é impedido de
receber o corpo de Cristo pela penalidade de sua ofensa particular, pois
“este é o pã o vivo que desceu do cé u”. 264
Entã o, se, ó indigno sacerdote, você será obrigado por preceito da lei a
permanecer fora dos acampamentos depois que o luxo leproso de
sê men se completar, por que você ainda se esforça para obter até
mesmo a preeminê ncia de honra nesses mesmos acampamentos? Nã o
é verdade que o rei Ozias, quando altivamente desejou queimar
incenso sobre o altar de incenso, depois reconheceu que havia sido
atingido pelo cé u com a doença da lepra, e nã o apenas aceitou
pacientemente sua expulsã o do templo pelo sacerdotes, mas ele
pró prio apressou-se a sair rapidamente? De fato, está escrito: “E
quando Azarias, o sacerdote, olhou para ele, e todos os sacerdotes
restantes, viram a lepra em sua testa, e rapidamente o expulsaram”, e
entã o o seguinte é acrescentado: “Sim, ele pró prio també m está
amedrontado. , apressou-se a sair, porque logo sentiu o golpe do
Senhor”. 265
Se o rei, ferido de lepra corporal, nã o desprezou ser expulso do templo
pelos sacerdotes, por que você s, que sã o leprosos de alma, nã o
permitem que sejam removidos dos altares sagrados de acordo com o
julgamento? de tantos dos santos Padres? Se ele, tendo perdido a
autoridade da dignidade ré gia, nã o se envergonhou de viver em uma
casa comum até sua morte, por que você se preocupa em descer do alto
do ofı́cio sacerdotal para que, encerrado no tú mulo da penitê ncia como
morto, você pode se esforçar para se juntar à s ileiras dos vivos? E, para
voltarmos à quela histó ria mı́stica de Joabe, se você mesmo caiu pela
espada, como levantará outro pela graça sacerdotal? Se você está
carentemente carente de pã o, isto é , você está separado de Cristo em
seu corpo, como você poderá satisfazer outro com o banquete da mesa
celestial? Se você for atingido na testa com a lepra de Ozias - isto é , se
você for desonrado pelo sinal de desonra em seu rosto - como poderá
lavar outra vez de uma ofensa perpetrada?
Que o orgulho inchado enrubesça, portanto, e nã o procure em vã o
elevar-se acima de si mesmo, pois pesa bem abaixo de si mesmo o peso
de sua pró pria culpa. Que aprenda a ponderar seus males com sutil
consideraçã o, que aprenda a se conter humildemente dentro de seus
pró prios limites, para que nã o usurpe arrogantemente o que nã o pode
obter de forma alguma e perca inteiramente até mesmo o que a
verdadeira humildade poderia ter esperado. .
260 Rom. 2:5.
261 Abner era o general do exé rcito do rei israelita Saul, que fez as pazes com o
rival e sucessor de Saul, Davi, mas depois foi assassinado por Joabe, um aliado
de Davi, por causa de uma disputa pessoal. Davi proferiu uma amarga maldiçã o
contra Joabe e toda a sua famı́lia por este crime. Veja 2 Sam. 2–3.
262 2 Sam. 3:28-29 (2 Reis no esquema Vulgata/Douay). Como Damian passa a
notar, esta é uma das duas traduçõ es disponı́veis para ele, que termina com a
frase Gomorrhianum sustinens (“portando Gomorra”) em contraste com a
Vulgata Clementina (veja a nota de rodapé a seguir). As palavras “diante do
Senhor” apó s a palavra “inocente” sã o omitidas na citaçã o de Damian, e assim
marquei com reticê ncias.
263 Esta “segunda traduçã o” é virtualmente idê ntica à Vulgata Clementina. Nã o
consigo encontrar exemplos do primeiro. Aqui “roca” é uma traduçã o da
palavra latina fusus , que també m pode signi icar “fuso”. Como Damian observa,
a roca é frequentemente associada à feminilidade na literatura clá ssica.
264 Cf. Joã o 6:59: “Este é o pã o que desceu do cé u” e Joã o 6:51 “Eu sou o pã o
vivo que desceu do cé u”.
265 Cron. 26:20.
XX
QUE O SERVIÇO DE UM
PADRE INUTIL E A RUINA DO POVO
Por que, eu pergunto, ó malditos sodomitas, você s buscam o cume da
dignidade eclesiá stica com tã o ardente ambiçã o? Por que você procura
com tanto desejo prender o povo de Deus na teia de sua perdiçã o? Nã o
é su iciente para você que você se jogue fora do alto precipı́cio da
vilania, a menos que você també m envolva outros no perigo de sua
queda?
Se por acaso algué m vier nos exortar a interceder em seu favor junto a
algum homem poderoso que está zangado com ele, mas que nos é
desconhecido, devemos responder imediatamente que nã o podemos
interceder, porque nã o o conhecemos pessoalmente. Se, portanto,
algué m se envergonha de interceder junto a um homem de quem nada
pode presumir, por que raciocı́nio um homem que nã o se sabe ı́ntimo
da graça de Deus por meio de uma vida meritó ria assume o dever de
intercessã o junto a Deus? Deus em nome do povo? Como ele pede
perdã o a Deus em favor dos outros, se ele nã o sabe se Deus está bem
disposto para com ele? Em relaçã o ao qual há algo mais a ser temido
com mais ansiedade: que aquele que se acredita ser capaz de aplacar a
ira possa merecer essa mesma ira devido à sua pró pria culpa. Pois
todos nó s sabemos claramente que quando algué m que está
desagradando é enviado para interceder, ele provoca ainda mais aquele
que já está aborrecido.
Aquele, portanto, que ainda está preso aos desejos terrestres, deve
tomar cuidado, para que, alimentando cada vez mais a ira do juiz estrito
enquanto ele se deleita em sua posiçã o gloriosa, ele possa se tornar a
causa da ruı́na de seus sú ditos. Cada um, portanto, deve tomar sá bia
medida de si mesmo, para que nã o se atreva a agir como sacerdote
enquanto o vı́cio continua a reinar malditamente dentro dele, para que
ele, depravado por sua pró pria ofensa, procure se tornar um
intercessor pelos pecados dos outros. Deixai-vos, portanto, deixai-vos, e
acautelai-vos de in lamar inextinguivelmente a fú ria de Deus contra
vó s, para que com vossas oraçõ es nã o provoqueis mais fortemente
Aquele a quem ofendeis manifestamente por vossos maus atos, e
enquanto vossa ruı́na é certa, acautelai-vos de ser culpado da ruı́na. de
outro. Pois quanto menos você cair pecando, mais facilmente você
poderá se levantar novamente pela mã o estendida da penitê ncia, pela
misericó rdia de Deus.
XXI
QUE DEUS NAO DESEJA
RECEBER SACRIFICIO DAS
MAOS DO IMPURA 266
Se o pró prio Deus onipotente desdenha de aceitar o sacrifı́cio de suas
mã os, quem é você , que se atreve a impô -lo importunamente à quele
que nã o o deseja? Pois os sacrifı́cios dos ı́mpios sã o abominá veis a
Deus. 267 Mas para aqueles entre você s que estã o com raiva de mim e se
recusam a ouvir o escritor, pelo menos ouçam aquele que fala com você
da boca profé tica. Ouça-o, eu digo, declarando, trovejando, rejeitando
seus sacrifı́cios, denunciando publicamente seus serviços. Para Isaı́as,
selecione entre os profetas – de fato, o Espı́rito Santo pela boca de
Isaı́as – diz:
Ouvi a palavra do Senhor, ó governantes de Sodoma, dai ouvidos à lei de nosso
Deus, ó povo de Gomorra. Com que propó sito você me oferece a multidã o de
suas vı́timas, diz o Senhor? Estou farto, nã o desejei holocaustos de carneiros,
gordura de animais cevados, sangue de bezerros, cordeiros e bodes. Quando
você veio me apresentar, quem exigiu essas coisas de suas mã os, para que você
andasse em meus á trios? Nã o ofereça mais sacrifı́cios em vã o: o incenso é uma
abominaçã o para mim. As luas novas, e os sá bados, e outras festas eu nã o
tolerarei, suas assemblé ias sã o perversas. A minha alma odeia as tuas luas
novas e as tuas solenidades: elas me incomodam, estou cansado de suportá -
las. E quando estenderes as mã os, desviarei de ti os meus olhos; e quando
multiplicares a oraçã o, nã o ouvirei... as tuas mã os estã o cheias de sangue. 268
Observe, portanto, que embora a sentença de puniçã o divina deva
atingir todos os males dos vı́cios em comum, ela é lançada
principalmente sobre os prı́ncipes dos sodomitas e o povo de Gomorra,
de modo que, mesmo que a temeridade do contencioso se recuse a
acreditar no testemunho humano sobre a natureza desse vı́cio mortal,
ele poderia pelo menos concordar com o testemunho divino. No
entanto, se algué m objetar que o seguinte seja acrescentado à
declaraçã o profé tica: “suas mã os estã o cheias de sangue” – de modo
que nesta declaraçã o de injú ria divina ele deseja que o homicı́dio, em
vez da impureza carnal, seja entendido – ele descobrirá no declaraçõ es
divinas de que todos os pecados sã o chamados de “sangue”. A isso
atesta Davi, dizendo: “Livra-me dos sangues, ó Deus”. 269 No entanto, se
també m procurarmos examinar cuidadosamente a natureza desse
vı́cio e lembrar as má ximas dos iló sofos naturais, descobriremos que
o luxo de sê men é gerado a partir do sangue. Pois, assim como pela
agitaçã o dos ventos a á gua do mar se transforma em espuma, assim,
pelo toque dos ó rgã os genitais, o sangue se transforma em sê men pela
excitaçã o.
Portanto, nã o está longe de um entendimento adequado se interpretar
“suas mã os estã o cheias de sangue” como signi icando a pestilê ncia da
impureza. E talvez fosse porque a vingança contra Joabe procedeu de
nada menos que a culpa do sangue derramado, de modo que aquele que
voluntariamente derramou o sangue de outro seria atingido com um
castigo digno se sofresse involuntariamente o derramamento de seu
pró prio sangue. 270 Mas como chegamos, atravé s de uma longa
discussã o, ao ponto de mostrar claramente o pró prio Senhor
reprovando e proibindo retumbantemente os sacrifı́cios daqueles que
sã o impuros, por que nó s pecadores nos surpreendemos se somos
desprezados por tais pessoas por nossas admoestaçõ es? Se notarmos
que a autoridade da palavra divina é pouco atendida pelo coraçã o
endurecido dos ré probos, é de se admirar se nó s, que estamos na terra,
nã o somos acreditados?
266 Damiã o nã o argumenta aqui que o sacrifı́cio da Missa, o principal ato de
adoraçã o na Igreja Cató lica, é sacramentalmente invá lido quando oferecido por
um padre que está sujo por pecado grave, mas sim que é um pecado para um
padre oferecer o sacrifı́cio em tal estado. Veja o Prefá cio do Tradutor para
detalhes.
267 Cf. Prov. 15:8; 21:27.
268 Is. 1:10-15. Esta traduçã o é tirada da RDC, exceto a frase “eu nã o desejei”
que é traduzida lá no tempo presente. A palavra “para”, que está na Vulgata
Clementina, é omitida no texto de Damiã o, onde coloquei reticê ncias.
269 Ps. 50:16 (DR).
270 Isto é , o derramamento perverso de seu sê men, pela interpretaçã o de
Damiã o de 1 Sam. 3, explicado no capı́tulo 19.
XXII
QUE NENHUMA OFERTA SANTA E
RECEBIDA POR DEUS SE ESTIVER MANCHADA
PELA SUJEIRA DE IMPUREZA
Assim, agora, aquele que desdenha os venerá veis conselhos dos santos
Padres, que despreza os preceitos dos apó stolos e dos homens
apostó licos, que nã o temeu desrespeitar os decretos de puniçã o
canô nica, e que menospreza a regra da pró pria autoridade divina, deve
pelo menos ser admoestado a colocar o dia de sua convocaçã o diante
de seus olhos, e nã o deve duvidar que quanto mais ele pecar, mais
severamente ele será julgado. Como é dito pelo anjo usando a metá fora
da Babilô nia: “Por mais que ela se glori icou e viveu em delı́cias, tanto
tormento e tristeza lhe dareis”. 271
Ele deve ser advertido a considerar que, por mais que nã o cesse de
padecer do mal desse vı́cio, mesmo que se reconheça que fez algum
bem, nã o merece receber recompensa. Nenhuma religiosidade,
nenhuma automorti icaçã o, nenhuma perfeiçã o de vida manchada por
uma impureza tã o imunda será considerada digna aos olhos do Juiz
celestial. No entanto, para provar que essas coisas sã o verdadeiras,
deixe o testemunho do venerá vel Beda 272 ser apresentado:
Aquele que assim dá esmolas sem descarregar sua culpa, nã o redime sua alma
que ele nã o restringe dos vı́cios. Isso é demonstrado pelas açõ es daquele
eremita que, tendo muitas virtudes, entrou na vida eremı́tica 273 com um certo
associado dele. O demô nio injetou nele o pensamento de que, sempre que suas
paixõ es sexuais fossem excitadas, ele deveria descarregar seu sê men
esfregando seu membro genital, assim como poderia expelir muco pelas
narinas. Por esta razã o, ao morrer, foi entregue aos demô nios enquanto seu
companheiro observava. Entã o o mesmo companheiro, que ignorava sua culpa,
e lembrando seus exercı́cios virtuosos, quase se desesperou, dizendo: “Quem
pode ser salvo, se este homem pereceu?” Entã o, um anjo que estava ao seu
lado disse-lhe: “Nã o te incomodes, porque este homem, embora pudesse ter
feito muito, ainda assim sujou tudo com o vı́cio que o apó stolo 274 chama de
'impureza'”. 275
271 Ap. 18:7.
272 A fonte de Damiã o atribui erroneamente a seguinte citaçã o ao Venerá vel
Beda, quando na verdade é uma má xima do Papa Sã o Gregó rio Magno seguida
de um comentá rio originá rio do sé culo X (ver Prefá cio do Tradutor e nota de
rodapé abaixo).
273 O latim aqui se lê simplesmente deservisset , que signi ica “desertou” ou
“tinha saı́do”, que é uma expressã o abreviada que se refere à deserçã o do
mundo em favor da vida de um eremita.
274 Isto é , Sã o Paulo (Romanos 1:24).
275 Em vez do Venerá vel Beda, a primeira frase desta citaçã o é uma pará frase
do Papa Sã o Gregó rio Magno ( Moralia in Iob , lib. 12; PL 75, 1013). O resto da
citaçã o, que procura ilustrar este preceito de Gregó rio, parece ter origem no
sé culo X nas Collationes de Sã o Odo, abade de Cluny (ver PL 133, 570C-D), bem
como em De Corpore e Sanguine Christi, cap. 60 (PL 137, 403A), uma obra do
contemporâ neo de Odo, o bispo italiano Gezo de Tortona, que confunde a
citaçã o do Papa Gregó rio com o comentá rio de Odo e nã o dá nenhuma
atribuiçã o. Parece prová vel que uma das obras de referê ncia de Damiã o tenha
replicado a citaçã o da obra de Gezo e anexado uma atribuiçã o incorreta a
Beda. Veja o Prefá cio do Tradutor para detalhes.
XXIII
QUE TODAS AS
FORMAS ACIMA NOMEADAS CONSTITUEM SODOMIA
Portanto, ningué m deve se gabar de nã o ter caı́do com outra pessoa se
ele escorregar nessas impurezas da seduçã o sensual por si mesmo,
como aquele eremita infeliz que é entregue aos demô nios no momento
da morte deve ser entendido como nã o tendo poluı́do outro. , mas ter
se arruinado pela corrupçã o. Assim como de uma plantaçã o de uma
videira vá rios brotos brotam, assim de uma impureza sodomı́tica,
como uma raiz mais venenosa, esses quatro crescimentos enumerados
acima se erguem, 276 para que qualquer um que colher as uvas
pestilentas de qualquer uma delas també m pereça, imediatamente
infectado com o veneno.
Porque a sua vinha é da vinha dos sodomitas, e os seus rebentos sã o de
Gomorra. “Suas uvas sã o uvas de fel, e seus cachos muito amargos.” 277
Pois esta serpente, que trabalhamos para esmagar com a estaca de
nosso argumento, tem quatro cabeças, e injeta todo o veneno de sua
maldade com o dente de qualquer cabeça que tenha mordido. Portanto,
se um polui apenas a si mesmo, ou outro acariciando-o com as mã os,
ou copulando entre as coxas, ou mesmo violando-o pelas costas,
independentemente de tais distinçõ es 278 ele é , sem dú vida, culpado de
ter cometido um delito sodomita. Pois nã o lemos que esses moradores
de Sodoma só caı́ram nas costas dos outros, mas deve-se acreditar que,
seguindo o impulso da luxú ria desenfreada, eles praticaram suas
indecê ncias de vá rias maneiras sobre si mesmos ou sobre os outros.
E claro que se algum lugar de indulgê ncia fosse fornecido na ruı́na
desse vı́cio, a quem o perdã o seria mais aplicá vel do que à quele
eremita, que pecou sem saber, que caiu na ignorâ ncia de sua
simplicidade, que concluiu que era permitido como um dever de
obrigaçã o natural? Que esses miserá veis aprendam, que eles aprendam
a se conter da pestilê ncia de um vı́cio tã o detestá vel, a vencer
virilmente a sedutora lascı́via do desejo sexual, a reprimir o
incitamento devasso da carne, a temer profundamente a terrı́vel
sentença do castigo divino, sempre lembrando aquela má xima de
admoestaçã o apostó lica, que a irma: “Coisa terrı́vel é cair nas mã os do
Deus vivo”. 279 Eles també m devem lembrar o que o profeta clama
ameaçadoramente, dizendo que no fogo do zelo do Senhor toda a terra
será devorada, 280 e toda carne em sua espada. 281
Pois se os homens carnais devem ser devorados pela espada divina, por
que eles agora amam a mesma carne? Por que eles cedem fracamente
aos prazeres da carne? E indubitavelmente aquela espada que o Senhor,
atravé s de Moisé s, aponta para os pecadores, dizendo: “A iaria minha
espada como o relâ mpago”. 282 e novamente: “Minha espada devorará
carne” 283 – isto é , minha fú ria engolirá aqueles que vivem no deleite da
carne. Pois, assim como aqueles que lutam contra as abominaçõ es dos
vı́cios sã o sustentados pelo auxı́lio da virtude celestial, aqueles que, ao
contrá rio, se entregam à impureza da carne, sã o reservados para a
ú nica sentença da vingança divina. Assim, Pedro també m diz: “O
Senhor sabe livrar da tentaçã o os piedosos, mas reservar os injustos
para o dia do juı́zo para serem atormentados, especialmente os que
andam segundo a carne na concupiscê ncia da impureza”. 284 E
repreendendo-os em outro lugar, ele diz: “... contando com prazer as
delı́cias de um dia: manchas e manchas, se divertindo em excesso,
tumultuando em suas festas convosco: tendo os olhos cheios de
adulté rio e de pecado que nã o cessa”. 285
Aqueles que foram colocados em ordens sagradas nã o devem se gloriar
se vivem de maneira detestá vel, porque quanto mais alto eles icam,
mais eles caem, e porque eles devem agora superar os outros em uma
vida de santa conversaçã o, mais tarde eles serã o obrigados a suportar
mais severas puniçõ es. Como Pedro a irma: “Porque, se Deus nã o
poupou os anjos que pecaram, mas os livrou, arrastados por cordas
infernais para o inferno inferior, a tormentos, para serem reservados
para o juı́zo… E reduzindo as cidades dos sodomitas e dos gomorreus
em cinzas, condenou-os a serem derrubados, tornando-os um exemplo
para aqueles que depois agiriam impiamente”. 286 Por que o santo
apó stolo se volta para a destruiçã o de Sodoma e Gomorra depois de
relatar a queda da condenaçã o diabó lica, a menos que seja para
mostrar claramente que aqueles que agora sã o entregues ao vı́cio da
impureza serã o condenados ao castigo eterno junto com os espı́ritos
imundos , e que aqueles que agora estã o atormentados pelo ardor da
luxú ria sodomı́tica devem mais tarde queimar na chama da combustã o
perpé tua com o pró prio autor de toda iniqü idade?
O apó stolo Judas també m concorda mais apropriadamente com essa
visã o, dizendo: “Os anjos que nã o guardaram seu principado, mas
abandonaram sua pró pria habitaçã o, ele os reservou nas trevas em
cadeias eternas, para o julgamento do grande dia. Como Sodoma e
Gomorra e as cidades vizinhas, da mesma maneira, tendo-se entregado
à fornicaçã o e seguindo outras carnes, foram feitas exemplo, sofrendo o
castigo do fogo eterno”. 287 E, portanto, claro que, assim como os anjos
que nã o reconhecem sua posiçã o superior merecem sofrer nas trevas
do submundo, també m aqueles que caem da dignidade das ordens
sagradas no abismo da sodomia sã o justamente mergulhados no
abismo da condenaçã o perpé tua.
Para concluir brevemente, quem se sujou com a contaminaçã o da
desgraça sodomı́tica, de qualquer maneira distinguida acima, a menos
que seja puri icado pelo cumprimento da penitê ncia fecunda, nunca
poderá ter a graça de Deus, nunca será digno do corpo e do sangue de
Cristo, e jamais cruzará o umbral da pá tria celestial, como é
manifestamente declarado no livro do Apocalipse pelo apó stolo Joã o,
que, falando da gló ria do reino celestial, acrescenta: e que pratica
abominaçã o.” 288

276 Isto é , os quatro graus do pecado da sodomia apresentados por Damiã o no


capı́tulo um.
277 Deut. 32:32.
278 A frase latina aqui é licet discrição servata , que signi ica literalmente
“embora a discriçã o/distinçã o seja mantida”.
279 Hb. 10:31.
280 Cf. Zef. 1:18: “No fogo do seu zelo a terra será devorada, porque ele
consumará rapidamente a todos os que habitam a terra” (DR).
281 Cf. E um. 66:16: “Porque o Senhor julgará pelo fogo e pela sua espada a
toda a carne, e os mortos do Senhor serã o muitos…”
282 Deut. 32:41.
283 Deut. 32:42.
284 2 Pet. 2:9-10.
285 2 Pet. 2:13-14. Nesta citaçã o, o genitivo de “dia” (diei) foi traduzido
incorretamente em manuscritos medievais como Dei (a forma genitiva de
“Deus”), e o nominativo plural de “manchas” (coinquinationes) como o genitivo
singular coinquinationis . Alé m disso, a palavra “deles” (suis ) é omitida. A
ediçã o Gaetani corrige esses erros.
286 2 Pet. 2:4, 6.
287 Judas 6–7.
288 Cf. Apoc. 21:27. A Vulgata Clementina tem “qualquer coisa” (aliquod) em vez
de “qualquer um” de Damian (aliquis) .
XXIV
UMA EXORTAÇAO AO HOMEM
QUE CAIU EM PECADO, PARA
QUE ELE RESSUSCITE NOVAMENTE
Levanta-te, levanta-te, eu te imploro! Desperta, ó homem que afunda
no sono do prazer miserá vel! Reviva inalmente, você que caiu pela
espada letal diante da face de seus inimigos! O apó stolo Paulo está
aqui! Ouça-o, ouça-o proclamando, exortando, despertando, clamando
a você com má ximas claras: “Levanta-te, tu que dormes, e levanta-te
dentre os mortos, e Cristo te despertará ”. 289
Você que ouve a Cristo o avivador, por que você se desespera de sua
pró pria ressurreiçã o? Ouça de sua pró pria boca: “Aquele que crê em
mim, ainda que esteja morto, viverá ”. 290 Se a Vida, o vivi icador, deseja
ressuscitá -lo, por que você suporta continuar mentindo em sua morte?
291 Cuidado entã o, cuidado, para que o abismo do desespero nã o te
engula. Que sua alma con ie ielmente na bondade divina, para que nã o
se endureça na impenitê ncia pela magnitude do crime. Pois nã o sã o os
pecadores que se desesperam, mas os ı́mpios, 292 nem é a magnitude
das ofensas que leva a alma ao desespero, mas sim a impiedade. Pois se
apenas o diabo foi capaz de submergir você nas profundezas deste
vı́cio, quanto mais a força de Cristo é capaz de devolvê -lo à quele
piná culo do qual você caiu? Aquele que caiu nã o ressuscitará mais? 293
A bunda de sua carne, 294 sob o peso de um fardo, caiu na lama; é a
espora da penitê ncia que pica, é a mã o do Espı́rito que a extrai
vigorosamente. Aquele Sansã o mais forte, por ter revelado
erroneamente o segredo de seu coraçã o a uma mulher persuasiva, nã o
só perdeu sete ios de cabelo pelos quais sua força se mantinha, mas
també m, depois de ser capturado pelos ilisteus, perdeu os olhos. No
entanto, depois que seus cabelos cresceram novamente, ele pediu
humildemente a ajuda do Senhor Deus, destruiu o templo de Dagon e
aniquilou um nú mero muito maior de inimigos do que antes. 295
Portanto, se a vossa carne impura vos enganou, induzindo-vos aos
prazeres, se vos tirou os sete dons do Espı́rito Santo, 296 Se apagou a luz
nã o do rosto, mas do coraçã o, nã o vacile em sua coragem, nã o se
desespere totalmente; continue a reunir suas forças, lute com coragem,
ouse tentar o corajoso, e você será capaz de triunfar, pela misericó rdia
de Deus, sobre seus inimigos. Os ilisteus certamente foram capazes de
raspar o cabelo de Sansã o, mas nã o arrancá -lo, e assim, embora os
espı́ritos malignos tenham excluı́do de você os carismas do Espı́rito
Santo por um tempo, de forma alguma eles podem negar
irrecuperavelmente o remé dio da divina reconciliaçã o.
Como, eu pergunto, você pode se desesperar da abundante
misericó rdia do Senhor, que até repreendeu Faraó por nã o ter fugido
para o remé dio da penitê ncia depois de pecar? Ouça o que ele diz:
“Esmaguei os braços de Faraó , rei do Egito, e ele nã o pediu para ser
curado, e que lhe fosse devolvida a força para empunhar a espada.” 297 O
que devo dizer de Acabe, o rei de Israel? Depois que ele construiu
ı́dolos, depois que ele impiedosamente massacrou Nabote, o jezraelita,
ele foi inalmente parcialmente humilhado e també m parcialmente
encontrado misericó rdia. Pois, de acordo com as Escrituras, depois de
receber o terror da advertê ncia divina, “ele rasgou as suas vestes, e pô s
panos de cabelo sobre a sua carne, e jejuou e dormiu em pano de saco, e
andou com a cabeça baixa”. 298
O que se seguiu? “A palavra do Senhor veio a Elias, o tesbita, dizendo:
Nã o viste Acabe humilhado diante de mim? Portanto, porque ele se
humilhou por minha causa, nã o trarei o mal em seus dias”. 299 Portanto,
se a penitê ncia daquele homem que se sabe perseverou nã o é
desprezada, por que você desespera da abundâ ncia da misericó rdia
divina, se você se esforça incansavelmente para perseverar? Entre em
uma luta constante com a carne e sempre ique armado contra a fú ria
importuna da luxú ria. Se a chama da libertinagem arde em seus ossos,
a lembrança do fogo perpé tuo deve extingui-la imediatamente. Se o
enganador astuto lhe apresenta a beleza elegante da carne, sua mente
deve imediatamente voltar os olhos para as sepulturas dos mortos e
observar cuidadosamente o que há de agradá vel ao toque ou agradá vel
de ver. Deve-se, portanto, considerar que o lodo que agora fede
intoleravelmente, que o pus que dá à luz os vermes e os alimenta, que
qualquer poeira, qualquer cinza seca que se veja ali depositada, foi
outrora carne alegre, sujeita a paixõ es desse tipo durante sua
juventude. Finalmente, deve-se imaginar os tendõ es rı́gidos, os dentes
nus, a estrutura separada de ossos e articulaçõ es, e toda a composiçã o
de membros caoticamente dispersos. Um monstro de tã o terrı́vel
deformidade e semelhança confusa expulsa a ilusã o do coraçã o
humano.
Considere, portanto, quã o perigosa é a troca: por um prazer
momentâ neo, em que o sê men é ejetado em um instante, a puniçã o que
se segue nã o termina por milhares de anos! Considere como é
lamentá vel que, por causa de um membro cujo gozo está agora
completo, todo o corpo junto com a alma seja perpetuamente
atormentado pela mais terrı́vel con lagraçã o de chamas! Afaste tais
males iminentes com os escudos impenetrá veis deste pensamento e de
outros da mesma espé cie, e elimine os do passado pela penitê ncia. Que
o jejum quebre a arrogâ ncia da carne, e que a alma seja aumentada,
engordada por festas de oraçã o. Deste modo, o espı́rito que preside
pode conter a carne subjugada pelo freio da disciplina e esforçar-se
diariamente para apressar-se à Jerusalé m celestial por passos de desejo
fervoroso.
289 Cf. Ef. 5:14. Onde a Vulgata Clementina tem lluminabit (iluminar) a versã o
de Damian tem exsuscitabit (despertar).
290 Joã o 11:25.
291 Isto é , Jesus Cristo, que é “o caminho, a verdade e a vida” (Joã o 14:6).
292 Ou seja, nã o sã o os meros pecadores que se desesperam, mas os ı́mpios
que nã o con iam na misericó rdia de Deus.
293 Cf. Ps. 40:9 (numeraçã o Vulgata/Douay): “Aquele que dorme nã o
ressuscitará mais?” Uma frase semelhante també m aparece em Jeremias 8:4:
“Aquele que cai, nã o se levantará novamente?”
294 O corpo retratado como um jumento teimoso també m foi tema de Sã o
Francisco de Assis, que se referiu ao seu corpo como “irmã o burro” (ver
Francisco bió grafo Tomá s de Celano, Vita Secunda , 82).
295 Ver Juı́zo. 16.
296 Enumerado em Isaı́a s 11:2.
297 Cf. Ezeq. 30:21. A citaçã o difere substancialmente daquela encontrada na
Vulgata Clementina: “Filho do homem, quebrei o braço de Faraó , rei do Egito; e
eis que nã o está atado, para ser curado, para ser amarrado com roupas e
envolto em linho, para que recuperasse as forças e segurasse a espada”. O latim
citado por Damiã o, que parece ser uma interpretaçã o da passagem, aparece
literalmente em uma carta de Bachiarius da Espanha, um escritor eclesiá stico
do inı́cio do sé culo V ( De Reparatione Lapsi , cap. 11; PL 20, 1048A). També m
aparece no Libri Decretorum de Burchard , lib. 19, cap. 48 (PL 140, 994C), onde
erroneamente atribui a uma carta de Sã o Joã o Crisó stomo a Teodoro de
Mopsué stia. Esta é provavelmente a fonte de Damian. Veja o Prefá cio do
Tradutor para detalhes.
298 3 Reis 21:27.
299 3 Reis 21:28–29.
XXV
QUE PARA DOMAR O
DESEJO SEXUAL, DEVE SER
SUFICIENTE CONTEMPLAR
AS RECOMPENSAS DA CASTIDADE
No trabalho també m há recompensa, de modo que você deve
considerar incessantemente as recompensas prometidas da castidade
e, despertado por sua doçura, passar por cima de qualquer esquema
oposto do esperto trapaceiro com o pé desimpedido da fé . Pois se
algué m medita na felicidade que nã o se obté m sem trabalho, o trabalho
é facilmente realizado, e o assalariado alivia o té dio do trabalho
enquanto aguarda ansiosamente os ganhos que lhe sã o devidos.
Considere, portanto, o que é dito dos soldados da castidade pelo
profeta: “Assim diz nosso Senhor aos eunucos: Aos que guardarem os
meus sá bados, e escolherem o que quero, e guardarem a minha aliança,
darei para eles em minha casa e dentro de meus muros um lugar, e um
nome melhor do que ilhos e ilhas”. 300 De fato, eunucos sã o aqueles
que reprimem os impulsos insolentes da carne e afastam de si mesmos
a prá tica de atos perversos. 301 No entanto, a maioria daqueles que se
dedicam ao prazer da atraçã o carnal anseia por deixar para trá s a
memó ria de seu nome para a posteridade dos descendentes. Isso eles
desejam de todo o coraçã o, porque de forma alguma eles se
consideram morrendo completamente para este mundo se
perpetuarem a gló ria de seu nome atravé s do broto sobrevivente dos
descendentes que permanecem. Mas muito mais gloriosa e muito mais
feliz aceita o celibatá rio o mesmo ofı́cio pelo qual o homem comum é
in lamado por tais paixõ es de fervorosa ambiçã o, porque sua memó ria
vive sempre com Aquele que é eterno e nã o está sujeito à lei temporal.
Portanto, por declaraçã o divina, é prometido aos eunucos um nome
melhor do que o de ilhos e ilhas, porque eles merecem possuir em
perpetuidade, sem qualquer impedimento de esquecimento, a
memó ria de um nome que a posteridade dos ilhos teria podido
estender por um breve espaço de tempo. Pois “o justo será lembrado
para sempre”. 302
No livro do Apocalipse també m é dito por meio de Joã o: “E andarã o
comigo de branco, porque sã o dignos … e nã o apagarei o nome deles do
livro da vida”. 303 e lá novamente é dito: “Estes sã o os que nã o estã o
contaminados com mulheres. Pois sã o virgens. Estes seguem o
Cordeiro para onde quer que vá ”, 304 e que mú sica eles cantam, ningué m
pode dizer, exceto que 144.000. 305 De fato, as virgens cantam aquele
câ ntico especial ao Cordeiro porque perpetuamente exultam com ele
sobre a incorrupçã o da carne 306 diante de todos os ié is.
Evidentemente, outros entre os justos nã o podem cantar a mesma
cançã o, embora aqueles que tê m a mesma bem-aventurança possam
merecer ouvi-la, porque na caridade eles realmente olham com alegria
para sua alta posiçã o, mas nã o se elevam ao nı́vel de sua recompensa.
Por isso deve ser considerado e reconsiderado em nossa mente com
todo zelo, quã o digno e quã o excelente é ser elevado ao cume daquele
lugar onde é perfeita felicidade estar entre os mais baixos; lá ascendem
os exaltados em privilé gio, onde é mais abençoado preservar os
direitos iguais de equidade. 307 Sem dú vida, como a Verdade testi ica,
nem todos aceitam este prové rbio nesta geraçã o, 308 e, portanto, nem
todos chegam a essa gló ria de recompensa excepcional.
Estas coisas, e muitas outras desta espé cie, amado irmã o, quem quer
que sejas, considera nos recô nditos da tua alma, e apressa-te a
conservar a tua carne pura de toda peste da luxú ria, para que, de
acordo com o decreto da doutrina apostó lica, você pode saber como
possuir seu vaso “em santi icaçã o e honra, nã o na paixã o da luxú ria,
como os gentios que nã o conhecem a Deus”. 309 Se você ainda está de
pé , tome cuidado com os precipı́cios, mas se você escorregou, estenda
ielmente sua mã o ao gancho da penitê ncia que está disponı́vel em
todos os lugares, para que você que nã o pô de viver longe de Sodoma
com Abraã o, possa emigrar com Ló , mesmo quando a destruiçã o de
fogo já está pressionando. Para você que nã o pô de entrar no porto, que
pelo menos baste ter evitado o naufrá gio da onda que você suportou, e
que seja agradá vel para você que nã o mereceu chegar à baı́a sem perda,
tendo desembarcado no areias seguindo o perigo, para cantar a cançã o
do bem-aventurado Jonas com voz alegre: “Todas as tuas ondas e as
tuas ondas passaram por mim. E eu disse: Fui lançado fora da vista dos
teus olhos, mas ainda verei o teu santo templo novamente”. 310

300 Is. 56:4-5 (RD).


301 A expressã o “cortar” aqui usa a castraçã o como metá fora do celibato
voluntá rio.
302 Ps. 111:7 (numeraçã o Vulgata/Douay).
303 Apoc. 3:4–5.
304 Rev. 14:4 (DR).
305 Veja Ap. 14:3: “E cantavam como que um câ ntico novo, diante do trono e
diante dos quatro seres viventes e dos anciã os; e ningué m podia dizer o
câ ntico, senã o aqueles cento e quarenta e quatro mil que foram comprados da
Terra."
306 Isto é , a pureza do celibato.
307 A frase “para preservar os direitos iguais (ou proporcionais) de equidade”
(paria equitatis iura servare) parece ser uma referê ncia ao ditado jurı́dico
medieval “a equidade requer leis iguais para casos iguais” (aequitas in paribus
casis paria iura desejo) .
308 Cf. As palavras de Cristo sobre a renú ncia ao matrimô nio: “Nem todos os
homens aceitam esta palavra, mas aqueles a quem ela é dada. Porque há
eunucos que assim nasceram desde o ventre de suas mã es; e há eunucos que
assim foram feitos pelos homens; e há eunucos que se izeram eunucos para o
reino dos cé us. Quem pode tomar, tome” (Mt 19:11-12).
309 1 Tess. 4:4-5.
310 Jon. 2:4-5.
XXVI
ONDE O ESCRITOR SE DEFENDE
COM HONRA
Se, no entanto, este pequeno livro pode ter chegado à s mã os de algué m
cuja consciê ncia nã o pode suportar o que está escrito acima, e por
acaso se desagrada com ele, e me acusa de ser um traidor e um delator
dos crimes de meus irmã os, deve saber que procurei com todo o zelo o
favor do Juiz interior, mas nã o tema o ó dio dos depravados ou as
lı́nguas dos detratores. Na verdade, pre iro ser jogado inocente em um
poço com José , 311 que acusou seus irmã os do pior dos crimes ao pai,
do que ser punido pela retribuiçã o da fú ria divina com Eli, que viu a
maldade de seus ilhos e icou calado. 312
Pois, sabendo que a voz divina ameaça assustadoramente pela boca do
profeta, dizendo: “Se você vir seu irmã o fazendo o mal e nã o o corrigir,
exigirei de sua mã o o sangue dele”. 313 Quem sou eu para assistir a um
crime tã o nocivo se espalhar entre os que estã o nas ordens sagradas e
se calar, para ousar esperar o castigo divino como assassino da alma de
outro e começar a ser devedor daquela culpa da qual eu nã o tinha sido
de forma alguma o autor? Alé m disso, enquanto a Escritura diz:
“Maldito aquele que reté m sua espada do sangue”, 314 você me exorta a
colocar a espada da minha lı́ngua em uma bainha de silê ncio, para que
ela mesma pereça enquanto enferruja em desfavor, e nã o seja ú til para
os outros enquanto nã o perfurar as faltas daqueles que vivem vidas
depravadas!
De fato, proibir a espada do sangue é restringir a palavra de correçã o
de atacar os modos de vida carnais. De qual espada novamente é dito:
“De sua boca saiu uma espada a iada de dois gumes”. 315 Pois como
estou amando meu pró ximo como a mim mesmo, se negligentemente
permito que a ferida, pela qual nã o duvido que ele esteja morrendo de
morte cruel, apodreça em sua alma? Vendo, portanto, as feridas
espirituais, devo deixar de curá -las pela cirurgia das palavras? O
eminente pregador que acredita estar limpo do sangue dos outros, na
medida em que nã o se absté m de punir seus vı́cios, nã o me ensina
assim. Pois ele diz: “Por isso tomo você s para testemunhar hoje que
estou limpo do sangue de todos os homens. Pois nã o tenho poupado
para vos anunciar todo o conselho de Deus”. 316 Nã o sou tã o instruı́do
por Joã o, que é instruı́do pela admoestaçã o angé lica: “Aquele que ouve,
diga: Vem”. 317 — de fato, para que aquele que recebe o chamado
interior traga outros consigo també m clamando, para que nem mesmo
aquele que é chamado encontre as portas fechadas se se aproximar
sozinho daquele que o chama.
Se você pensa que é certo repreender a mim que repreende, e, por
assim dizer, acusar-me de acusaçã o presunçosa, por que você nã o
censura Jerô nimo, que contesta tã o cá usticamente contra vá rias seitas
de hereges? Por que você nã o censura Ambró sio, que prega
publicamente contra os arianos, e por que nã o Agostinho, o severo
contestador que investe contra os maniqueus e os donatistas? 318 Você
me diz: “Eles agiram corretamente, porque insultaram hereges e
blasfemadores, mas você nã o teme fazer o mesmo com os cristã os”. Ao
que respondo brevemente: assim como eles lutaram para devolver ao
rebanho aqueles que partiram e se perderam, també m é nossa intençã o
impedir a saı́da daqueles que de alguma forma permanecem dentro.
Eles disseram uma vez: “Eles saı́ram de nó s, mas nã o eram de nó s. Pois
se fossem de nó s, sem dú vida teriam permanecido conosco”. 319 E nó s
dizemos: “Eles de fato estã o conosco, mas de maneira ruim. Portanto,
esforcemo-nos, se for possı́vel, para que no futuro eles estejam conosco
de uma maneira boa”.
A isto també m acrescentamos que, se o pior pecado é a blasfê mia, nã o
sei em que sentido a sodomia é melhor. 320 Pois o primeiro faz com que
os homens se desviem, o segundo, a perecer. O primeiro separa a alma
de Deus; o ú ltimo o une ao diabo. O primeiro o expulsa do paraı́so; o
ú ltimo mergulha-o no Tá rtaro. 321 O primeiro cega os olhos do
discernimento; o ú ltimo lança-se no abismo da ruı́na. E se tivermos o
cuidado de investigar com precisã o qual dos dois crimes pesa mais na
balança do juı́zo divino, a Sagrada Escritura, consultada, nos ensina
mais claramente. Lá os ilhos de Israel, que blasfemam de Deus
adorando ı́dolos, sã o levados ao cativeiro, mas os sodomitas foram
devorados nas chamas do fogo celestial e enxofre.
Nã o apresentei os santos doutores para que eu possa ousar comparar o
tiçã o fumegante com as estrelas brilhantes - eu, de fato, que
di icilmente posso homenagear homens tã o excelentes com minha boca
indigna sem cometer uma ofensa! No entanto, digo que o que eles
izeram repreendendo e confundindo os vı́cios, eles també m ensinaram
seus inferiores a fazer, e se em seu tempo essa praga surgiu com tanta
liberdade de impudê ncia, acreditamos sem dú vida que copiosos
volumes de livros escritos contra isso seria visto hoje. Portanto,
ningué m me julgue por argumentar contra um vı́cio mortal, visto que
nã o procuro o opró brio, mas a promoçã o do bem-estar fraterno – caso
contrá rio, ao perseguir aquele que repreende, pode-se parecer
favorecer o ofensor.
Para usar as palavras de Moisé s: “Se algué m está do lado do Senhor,
junte-se a mim”. 322 Quer dizer que quem se considera um soldado de
Deus deve cingir-se fervorosamente para confundir este vı́cio, nã o deve
deixar de combatê -lo com todas as suas forças, e deve esforçar-se para
perfurá -lo e destruı́-lo com a mais aguda dardos de palavras, onde quer
que se encontrem. Assim, quando o captor é engolfado por uma grande
quantidade de tropas, o cativo pode ser libertado daqueles grilhõ es
com os quais foi escravizado, e quando todos clamam unanimemente
em uma só voz contra o tirano, aquele que estava sendo levado é
imediatamente vergonha de ser feito o prê mio do monstro furioso.
Aquele que nã o duvida, pelo testemunho de muitos, que está sendo
levado para a morte, nã o deve demorar a retornar à vida o mais rá pido
possı́vel depois de cair em si. 323

311 Isto é , José , ilho de Jacó , neto de Abraã o. Veja Gen. 37.
312 Isto é , o sumo sacerdote Eli, que repreendeu, mas nã o disciplinou seus
ilhos quando eles se envolveram em abusos do ofı́cio sacerdotal. Como
puniçã o, os ilhos de Eli foram mortos em batalha, e a Arca da Aliança, que
continha as tá buas de pedra sobre as quais os Dez Mandamentos foram
inscritos, foi temporariamente perdida para os inimigos de Israel. O pró prio Eli
morreu ao receber a notı́cia. Veja 1 Sam. 2; 4.
313 Esta é uma pará frase de Ez. 3:18: “Se, quando eu disser ao ı́mpio:
Certamente morrerá s; nã o lhe digas nem lhe fales, para que se converta do seu
mau caminho e viva; esse ı́mpio morrerá na sua iniquidade, mas da tua mã o
requererei o seu sangue” e 3:20: “E se o justo se desviar da sua justiça e
cometer iniquidade, porei diante dele uma pedra de tropeço, e morrerá .
porque tu nã o o avisaste; ele morrerá no seu pecado, e os seus juı́zos que
praticou nã o serã o lembrados; mas da tua mã o requererei o seu sangue”.
314 Jr. 48:10.
315 Ap. 1:16.
316 Atos 20: 26–27.
317 Ap. 22:17.
318 Sã o Jerô nimo, Santo Ambró sio e Santo Agostinho sã o trê s dos quatro
Doutores originais da Igreja latina que sã o eminentes por seus ensinamentos,
sendo o quarto o Papa Sã o Gregó rio Magno.
319 1 Joã o 2:19.
320 O uso de “nó s” por Damiã o no inı́cio da frase parece ser herdado da
analogia que ele faz no pará grafo anterior, no qual o apó stolo Joã o fala de
“nó s”. Damian aqui muda para “eu” para indicar que a declaraçã o a seguir é
sua.
321 Isto é , inferno.
322 Ex. 32:26.
323 Literalmente, “tendo voltado a si mesmo” (in semetipsum reversus) .
XXVII
ONDE UMA DECLARAÇAO E
DIRIGIDA AO SENHOR PAPA
Agora, para você , papa muito abençoado, voltamos no inal deste
pequeno trabalho. A vó s recordamos a ponta de nossa pena, para que o
im da obra realizada possa ser completado corretamente para aquele a
quem o começo é dirigido. Por isso, pedimos e humildemente
imploramos que Vossa clemê ncia, se é justo dizê -lo, examine
cuidadosamente os decretos dos sagrados câ nones, que já sã o bem
conhecidos por você , e que designe homens espirituais e prudentes
para esta necessá ria investigaçã o, para que você pode nos responder a
respeito desses capı́tulos para remover todo escrú pulo de dú vida de
nosso coraçã o.
Tampouco pretendemos dizer isso como se nã o soubé ssemos aplicar a
este assunto apenas a perı́cia de sua profundidade, que tem Deus como
seu autor, mas para que quando se aplique o testemunho da autoridade
sagrada, quando o assunto for resolvidas pelo consenso e julgamento
de muitos, as acusaçõ es de homens perversos, que talvez eles nã o se
envergonhassem de murmurar em oposiçã o, poderiam ser postas de
lado. Pois o que é estabelecido pelo julgamento de muitos nã o é fá cil de
contestar. No entanto, muitas vezes acontece que uma decisã o proferida
por um indivı́duo em consideraçã o à imparcialidade da lei é
considerada prejudicada por outros.
Portanto, depois de ter inspecionado diligentemente os quatro tipos
deste vı́cio que enumeramos acima, 324 que Vossa Beatitude digne-se a
instruir-me misericordiosamente com um decreto determinando
quem entre os culpados deve ser irrevogavelmente expulso da ordem
eclesiá stica e quem, de preferê ncia à discriçã o, pode ser
misericordiosamente autorizado a permanecer neste ofı́cio. A respeito
de que forma dos vı́cios e nú mero de cú mplices acima mencionados
pode ser permitido a um delinquente continuar na dignidade
eclesiá stica, e por qual forma e nú mero de cú mplices com os quais foi
manchado ele deve ser obrigado a cessar esses deveres? 325 Assim,
muitos que estã o trabalhando sob a mesma ignorâ ncia podem ser
instruı́dos por aquilo que é dirigido a um, como a luz de sua autoridade
dissipa as trevas de nossa incerteza, e, por assim dizer, o arado da Sé
Apostó lica arranca radicalmente o broto de todo erro do campo da
consciê ncia vacilante.
Que Deus Todo-Poderoso conceda, ó reverendo padre, que no tempo de
seu apostolado o monstro deste vı́cio pereça totalmente, e a condiçã o
da Igreja prostrada possa ser restaurada em todos os lugares de acordo
com as leis de sua juventude.
324 Isto é , no capı́tulo um.
325 Como ica claro pelo resto da obra de Damiã o, bem como pela resposta do
Papa Sã o Leã o IX, Damiã o nã o está insinuando que alguns clé rigos que
continuam a se envolver nesses vı́cios devem ser autorizados a continuar no
sacerdó cio, mas sim que eles podem ser permitido retornar ao sacerdó cio
depois de se arrepender e realizar penitê ncias rigorosas exigidas pelo direito
canô nico.
ABREVIATURAS
DR – Bı́blia Douay-Rheims (1582–1610).
RDC – Bı́blia Douay-Rheims-Challoner (1749–1752).
D – Enchiridion symbolorum , ed. HJD Denzinger (1857ss).
Gaetani – Beati Petri Damiani Opera Omnia, ed Constantino Gaetani, 4
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ed. Charles J. Hefele, trad. William R. Clark (Edimburgo, 1872).
Mansi – Sacrorum Conciliorum Nova et Amplissima Collectio, ed. Joannes
Mansi (Florença, 1759).
Percival – Os Sete Concílios Ecumênicos da Igreja Indivisa, ed. Henry R.
Percival (Oxford: James Parker, 1900).
PL – Patrologia Series Latina, ed. JP Migne (Paris, 1844-1855).
Reindel – Peter Damian, Die Briefe des Petrus Damiani, 4 vols, ed. Kurt
Reindel (Munique: Monunmenta Germaniae Historica, 1983-1993).
SELECIONAR BIBLIOGRAFIA
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———. As cartas de Pedro Damião . Traduzido por Owen J. Blum.
Washington: Universidade Cató lica da Amé rica Press, 1990.
———. Opera Omnia em Quatuor Tomos Distributa, Collecta ac
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Ranft, Patrı́cia. A Teologia do Peter Damian: 'Deixe sua vida sempre servir
como testemunha.' Washington, DC: Catholic University of America
Press, 2012.
Ryan, John J. São Pedro Damiani e suas fontes canônicas . Toronto:
Pontifı́cio Instituto de Estudos Medievais, 1956.
SOBRE O TRADUTOR
Os artigos premiados de Matthew Cullinan Hoffman apareceram
centenas de vezes em dezenas de grandes jornais, revistas e serviços de
notı́cias, incluindo Wall Street Journal, London Sunday Times, Detroit
News, LifeSite News, Catholic World Report e National Catholic
Register. E correspondente da Amé rica Latina do LifeSite News desde
2007 e supervisionou a criaçã o e direçã o inicial do Notifam, serviço de
lı́ngua espanhola e portuguesa da LSN. Atualmente é estudante de pó s-
graduaçã o no Holy Apostles College and Seminary, onde é certi icado
pela pro iciê ncia em latim, francê s, espanhol, portuguê s e italiano.
ENDOSSO
“Hoffman produziu uma traduçã o altamente legı́vel da obra mais
famosa de Sã o Pedro Damiã o, com um comentá rio acadê mico e ú til
colocando-a em seu contexto histó rico. Como a Igreja mais uma vez
enfrenta as consequê ncias de um colapso da disciplina sexual clerical,
fazemos bem em ler a insistê ncia de Sã o Pedro em levar a sé rio a
tradiçã o penitencial da Igreja e as referê ncias bı́blicas que formaram a
base para isso, bem como seu zelo pelas almas dos pecadores e das
vı́timas de abuso. Hoffman prestou um grande serviço a seus leitores ao
preparar esta ediçã o.”

—Dr. Joseph Shaw,


Tutorial Fellow em Filoso ia
no St. Benet's Hall, Oxford

“Em um momento em que há um esforço trá gico em nossas sociedades


de ambos os lados do oceano, para considerar normal o que é contra a
natureza, Matthew Hoffman deve ser fortemente parabenizado por
tornar acessı́vel o Liber Gomorrhianus de Sã o Pedro Damiã o, um
importante Doutor da Igreja… A traduçã o é clara e bem articulada,
traduzindo o livro em um inglê s elegante.”

— Mons. Ignacio Barreiro, JD, STD,


Diretor Executivo do Escritó rio
de Roma da Vida Humana Internacional

Liber Gomorrhianus de Peter Damian aborda a imoralidade sexual entre


os cristã os, especialmente clé rigos e religiosos, com franqueza
chocante. No entanto, sua condenaçã o inabalá vel da impureza sexual
aparece ao lado de seus lamentos sobre as almas daqueles que caı́ram
na impureza e exortaçõ es para que ressuscitem. Estudiosos da histó ria
eclesiá stica e um pú blico mais geral composto por aqueles que se
perguntam como as lutas de hoje com a pureza sexual podem ser
iluminadas por um proeminente reformador do perı́odo medieval
apreciarã o esta traduçã o prontamente acessı́vel e iel do Liber
Gomorrhianus .”

—Dr. Daniel Van Slyke, Ph.D., STL


Professor Associado de Teologia
Holy Apostles College and Seminary

“Uma traduçã o excelente e precisa, e a versã o em inglê s mais con iá vel
do Liber Gomorrhianus de Sã o Pedro Damiã o (1007-1072). O trabalho
de Matthew Hoffman na traduçã o de Damian do latim para o inglê s
mostra no lado té cnico um profundo estudo e um intenso compromisso
com este livro e com a linguagem de seu autor - que viveu durante a
Alta Idade Mé dia - e no lado conceitual a vontade devolver ao mundo
angló fono um livro fundamental para a histó ria de nossa Igreja. Graças
a Matthew Hoffman podemos ouvir a voz de Peter Damian contra a
sodomia atravé s desta obra-prima que é o Livro de Gomorra .”

—Dr. Michela Ferri


Professora Adjunta de Filoso ia
Colé gio Santos Apó stolos

“Com esta traduçã o, Matthew Hoffman dá um presente tremendo à


Igreja, em um momento em que ela precisa desesperadamente ouvir a
verdade nã o diluı́da, falada com amor, mesmo correndo o risco de
ofender.”

—Pe. Shenan Boquet


Presidente da Human Life International

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