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Folha de rosto
Direitos autorais e cré ditos
Dedicaçã o
Indice
Agradecimentos
Prefá cio
Introduçã o
Uma Igreja em Crise
O inı́cio da vida de Peter Damian
Dois golpes contra a corrupçã o
Teó logo e ativista
Bispo e Cardeal
Emissá rio e Reformador
Morte e Canonizaçã o
Notas de rodapé
Prefá cio do Tradutor
Estrutura e Temas do Livro de Gomorra
Fraqueza Moral e Falsa Misericó rdia
O caso histó rico e legal para punir a perversã o sexual
A Destrutividade Espiritual e Psicoló gica da Sodomia
A responsabilidade dos prelados pelos pecados de seus sú ditos
A tese da rejeiçã o e outras interpretaçõ es errô neas do livro de Gomorra
Fontes e Mé todos de Traduçã o
Descobertas duas das fontes anteriormente desconhecidas de Damian
Notas de rodapé
Carta de Endosso do Papa Sã o Leã o IX
Capı́tulo I
Capı́tulo II
Capı́tulo III
Capı́tulo IV
Capı́tulo V
Capı́tulo VI
Capı́tulo VII
Capı́tulo VIII
Capı́tulo IX
Capı́tulo X
Capı́tulo XI
Capı́tulo XII
Capı́tulo XIII
Capı́tulo XIV
Capı́tulo XV
Capı́tulo XVI
Capı́tulo XVII
Capı́tulo XVIII
Capı́tulo XIX
Capı́tulo XX
Capı́tulo XXI
Capı́tulo XXII
Capı́tulo XXIII
Capı́tulo XXIV
Capı́tulo XXV
Capı́tulo XXVI
Capı́tulo XXVII
Abreviaturas
Selecionar Bibliogra ia
Sobre o Tradutor
Endossos
O LIVRO DE GOMORRA
E
ST. A LUTA DE PETER DAMIAN CONTRA A
CORRUPÇAO ECLESIASTICA
Teólogo e ativista
Damian continuaria sua campanha contra a corrupçã o eclesiá stica com
determinaçã o fé rrea nos anos e dé cadas que se seguiram, reservando
algumas de suas admoestaçõ es mais fortes para bispos e até papas que
falharam em seu dever de proteger e defender a justiça e a moralidade
clerical. Em 1057 ele escreveu ao Papa Victor II como se estivesse
citando o pró prio Cristo, para repreendê -lo por nã o fazer justiça a um
monge que havia sido maltratado:
Entreguei em tuas mã os as chaves de toda a Igreja universal e sobre o que
redimi com o derramamento de meu pró prio sangue te coloquei como meu
vigá rio...
Eu, poré m, que te dei tais e tantas coisas , nã o encontre lei ou justiça em seu
equilı́brio, e eu me afasto de seus tribunais desprezado e sem vingança. 41
Atacando novamente a imoralidade sexual do clero, Damiã o escreveu
ao Papa Nicolau II em 1059 instando-o a agir contra os prelados
sexualmente incontinentes, perguntando: “Que coisa pior se pode fazer
do que poupar bispos lascivos quando ele tem o poder de corrigi-los? ”
Denuncia a prá tica de encobrir escâ ndalos entre o clero e adverte o
pontı́ ice sobre o castigo divino caso deixe de cumprir seu dever em tais
assuntos:
Claramente, assim como aqueles que punem as faltas sã o dignos de bê nçã o,
aqueles que mimam os pecadores estã o sujeitos a uma maldiçã o, como diz o
profeta: “Maldito aquele que reté m sua espada do sangue.” 42 De fato, aquele
que reté m sua espada do sangue é aquele que se absté m de impor a puniçã o
de uma sentença apropriada contra os malfeitores. “Aqueles que nã o corrigem
sã o eles pró prios culpados do ato.” 43 Se, portanto, Eli, só por causa de dois
ilhos, a quem nã o corrigiu com o devido castigo, pereceu junto com eles e com
tã o grande multidã o de homens, de que sentença julgamos dignos os que
presidem nos palá cios? da Igreja e nas cadeiras de julgamento, e que se calam
diante das ofensas conhecidas de homens depravados? 44
Em 1064, Damiã o escreveu sobre o mesmo tema a Cuniberto, bispo de
Turim, repreendendo-o por permitir que seus padres se casassem,
desa iando o costume histó rico da Igreja. “Leia, ó padre, a carta sobre a
incontinê ncia do clero que enviei ao Papa Nicolau de piedosa memó ria,
e tudo o que você encontrar escrito lá sobre esse assunto, entenda que
nã o é menos dirigido a você ”, escreve Damiã o, que pede ,
Dado que todos os santos Padres, que estabeleceram os câ nones pelo Espı́rito
Santo, sem qualquer divergê ncia concordam unanimemente entre si sobre a
preservaçã o da castidade sacerdotal, que esperança há para aqueles que
blasfemam contra o Espı́rito Santo cumprindo as tentaçõ es carnais em sua
pró pria carne? ? De fato, atravé s da transitoriedade da luxú ria momentâ nea,
eles adquirem o fogo inextinguı́vel da combustã o eterna. Agora se sujam com a
podridã o do prazer, depois, entregues a chamas vingativas, rodopiarã o numa
torrente de alcatrã o e enxofre. 45
Embora se opusesse fortemente ao laxismo de sua é poca,
concentrando seus esforços na correçã o e puniçã o da corrupçã o
clerical, Damiã o també m se opô s ao rigor excessivo nas medidas
punitivas, escrevendo ao Papa Nicolau em 1059 para instá -lo a
rescindir uma excomunhã o que mantinha contra o italiano. cidade de
Ancona, apesar de seus esforços de reconciliaçã o: “Longe esteja de meu
senhor, que enquanto um tirano é contido pelo medo depois de matar
apenas dois ou trê s homens, a espada daquele que é o mestre de toda a
misericó rdia cristã deve correr tumulto pela matança de tantas almas.”
46 Ele escreveu uma carta semelhante ao papa Alexandre II dez anos
depois, criticando-o por anexar aná temas a praticamente todos os seus
decretos, uma prá tica que Damiã o considerava excessiva. 47
As cartas e tratados do santo sobre a reforma moral seguiram
tipicamente o estilo estabelecido no Liber Gomorrhianus e no Liber
Gratissimus , fundando argumentos sobre a Sagrada Escritura, os
Padres da Igreja e o direito canô nico estabelecidos pelos concı́lios da
Igreja, que sã o apresentados em detalhes para apoiar sua posiçã o.
Damiã o també m fez amplo uso das habilidades retó ricas que aprendera
nas melhores escolas de letras latinas, expressando-se com uma prosa
graciosa e intensa que revelava uma profunda paixã o pela integridade
moral da Igreja.
Alé m de suas cartas mais curtas, que chegam a mais de cem, e seus
muitos poemas, sermõ es e hagiogra ias, Damian escreveu dezenas de
opú sculos mais longos ou “pequenas obras” sobre uma variedade de
tó picos teoló gicos. Ele escreveu vá rios longos tratados sobre vá rios
aspectos da vida moná stica. 48 Sua Carta 81 delineia a fé cató lica em
geral, 49 e sua Carta 91 defende a proposiçã o “Que o Espı́rito Santo, sem
dú vida, procede tanto do Pai quanto do Filho”, 50 um recente ponto de
discó rdia com o arcebispo de Constantinopla, Michael Cerularius.
Damian també m defendeu a fé contra as crı́ticas dos judeus. 51 Talvez
sua obra teoló gica mais controversa seja sua carta sobre a onipotê ncia
divina, 52 que busca solucionar aparentes paradoxos decorrentes da
doutrina. Em um ponto da carta, Damiã o parece a irmar que Deus tem
o poder de restaurar a virgindade perdida, implicando que Deus pode
apagar um evento passado, uma visã o posteriormente rejeitada por
Tomá s de Aquino e outros teó logos. No entanto, os estudiosos
modernos estã o divididos sobre essa interpretaçã o, alguns
sustentando que ele nã o pretendia dar a entender que o passado pode
ser modi icado, mas apenas que o estado moral da virgindade pode ser
restaurado. 53
As posiçõ es assumidas pelo santo em relaçã o a vá rias contrové rsias
importantes acabariam se tornando doutrina cató lica e lei cató lica. Seu
conselho de proibir a entrada no sacerdó cio daqueles com tendê ncias
sodomı́ticas foi con irmado pela Sagrada Congregaçã o para os
Religiosos sob o Papa Joã o XXIII em 1961, 54 e rea irmada (depois de
muita experiê ncia dolorosa apó s o descumprimento da diretriz) pela
Congregaçã o da Educaçã o Cató lica com a aprovaçã o expressa do Papa
Bento XVI em 2005. 55 A condenaçã o de Damiã o à prá tica de absolver os
cú mplices apó s o pecado sexual entre um confessor e um penitente
estaria consagrada nas leis da Igreja, que invalidam tais con issõ es e
excomungam os sacerdotes que as ouvem. 56 Sua insistê ncia em
a irmar a validade sacramental das consagraçõ es e ordenaçõ es de
bispos simoniacais enquanto condenava os perpetradores també m foi
mantida contra o rigorismo de Humbert e foi a irmada
dogmaticamente no Concı́lio de Trento. 57 Finalmente, sua irme defesa
do celibato clerical e da rejeiçã o do sacerdó cio casado foi
repetidamente sustentada pelos papas e ainda é a irmada no direito
canô nico ocidental. 58
Bispo e Cardeal
Os efeitos da corajosa liderança de Leã o IX nã o terminaram com sua
morte, pois o pontı́ ice havia se cercado de cardeais virtuosos e
corajosos que o sucederiam no trono papal. A morte de Leã o em 1054
foi seguida por um interregno de um ano, e ele foi sucedido por seu
cardeal nomeado, Gebardo de Calw, que continuou a missã o
reformadora de Leã o durante seus dois anos de papado como Papa
Vı́tor II. Apó s sua morte em 1057, ele foi sucedido pelo Papa Estê vã o X,
que havia sido feito chanceler da igreja romana por Leã o IX e cardeal
por Victor II. Durante seu breve reinado de menos de oito meses,
Estê vã o també m promoveu a causa da reforma de seus dois
antecessores, nomeando Pedro Damiã o como Cardeal Bispo de Ostia,
uma pequena diocese contı́gua a Roma, apesar de sua reticê ncia:
Como, portanto, a fama de sua grande santidade e prudê ncia nã o podia mais
icar escondida, foi levada com clareza aos ouvidos da santa Igreja Romana, e
porque tal homem era considerado ideal para o sacerdó cio e totalmente
necessá rio para o trabalho da Igreja, tendo sido levado ao Sumo Pontı́ ice (que
era entã o Estê vã o IX) para receber a cá tedra episcopal, foi assim compelido
pelos demais bispos e homens da Igreja, bem como pelo Sumo Pontı́ ice ele
mesmo. No entanto, como nã o se esqueceu da solidã o pacı́ ica em que
costumava passar o tempo na leitura das Sagradas Escrituras e na
contemplaçã o, e estava muito horrorizado com a perspectiva de perdê -la e
voltar ao barulho da cidade, ele resistiu à s suas sú plicas com o maior esforço.
No entanto, declarando que ele nã o conseguiria nada com suas exortaçõ es e
sú plicas, começaram agora a ameaçá -lo com a sentença de excomunhã o se ele
continuasse a resistir obstinadamente. O que mais? Finalmente, o Senhor
Apostó lico se esforçou para acrescentar mais uma coisa, que ele nã o podia
ignorar. Ordenou, sob a obrigaçã o de obediê ncia a si mesmo, que Damiã o
cumprisse com seus irmã os, aceitando paci icamente o que lhe era pedido, e
imediatamente, tomando sua mã o direita, dotou-o simultaneamente do anel e
do cajado com que juntou a ele o Igreja de Ostia. 59
O nome de Damiã o agora se juntava à s ileiras ilustres de reformadores
nomeados para o cardinalato por Leã o IX e seus sucessores, nomes
como Hildebrando (o futuro Papa Sã o Gregó rio VII), Desidé rio (abade
de Monte Cassino e o futuro Papa Bl. Victor III ), e Humbert de Silva
Candida. Com Damian como o principal teó rico de seu movimento, eles
trabalhariam em conjunto com outros reformadores de mentalidade
semelhante para lutar incansavelmente contra os vı́cios da simonia,
investidura leiga e incontinê ncia clerical, uma batalha que resultaria em
triunfo para o papado e inauguraria a era. da supremacia eclesiá stica
que de iniria a Alta Idade Mé dia.
Quase imediatamente apó s sua nomeaçã o como cardeal, Damian e
seus companheiros enfrentaram uma grave crise. Apó s a morte de
Estê vã o X, a dinastia ma iosa dos condes Tusculum desferiu outro
golpe contra os reformadores, buscando colocar seu candidato, John
Mincius, cardeal bispo de Velletri, no trono papal como “Bento X”.
Depois de invadir Roma e saquear o tesouro papal por dinheiro para
subornar os cidadã os, eles procuraram Damiã o, que como cardeal
bispo de Ostia tinha o dever tradicional de conduzir o rito de
entronizaçã o do papa. Mas Pedro havia fugido, retirando-se para sua
casa moná stica em Fonte Avellana, onde juntou sua voz à de outros
cardeais bispos, denunciando o usurpador como um simonista
“chafurdando em uma poça imunda” de corrupçã o. 60
Hildebrand, retornando de uma missã o em nome da Santa Sé à
Imperatriz Inê s na Alemanha, chegou a Florença, denunciou a falsa
eleiçã o de Mincius e começou a se corresponder com eminentes
romanos e outros da nobreza regional para determinar um candidato
que seria aceitá vel tanto para os reformadores quanto para a corte
imperial. Ele se estabeleceu no bispo de Florença, Gerard de Borgonha,
que recebeu a aprovaçã o de Inê s e uma promessa de apoio de
Godofredo, duque de Lorena-Toscana. Em dezembro de 1058, os
cardeais que escaparam de Roma se reuniram na cidade italiana de
Siena e elegeram Gerardo, que adotou o nome de Nicolau II. Com o
apoio militar de Godofredo e do chanceler imperial Wilbert, Nicolau
avançou sobre Roma em janeiro e logo expulsou Mincius, anulando a
in luê ncia do barã o italiano corrupto e consolidando o regime dos
reformadores. 61
No ano seguinte, Nicolau enviou Damiã o com Anselmo, bispo de Lucca,
em uma das missõ es mais difı́ceis da carreira de Damiã o: fazer valer a
justiça papal na tumultuada arquidiocese de Milã o. Lá , uma guerra civil
eclesiá stica eclodiu entre os reformadores locais, conhecidos como os
“Patarines”, e o corpo principal do clero em grande parte corrupto, que
procurava defender suas prá ticas ilı́citas de simonia e concubinato.
Hildebrand já havia visitado para resolver a situaçã o durante o papado
de Estê vã o, e agora um comitê de cidadã os estava pedindo uma
segunda intervençã o. Ao chegarem, Damiã o e Anselmo convocaram um
sı́nodo do clero para tratar do assunto. Eles rapidamente se viram em
perigo mortal, enquanto multidõ es enfurecidas corriam pelas ruas
denunciando-os, e o clero da cidade os pressionava, negando o direito
da delegaçã o papal de julgar a igreja milanesa. “Eles pretendiam para
mim, como posso dizer, destruiçã o total e, como muitas vezes me foi
sugerido por meus amigos, alguns deles estavam sedentos pelo meu
sangue”, escreveu Damian a Hildebrand apó s o caso. 62
Apesar do perigo, Damiã o se manteve irme e lembrou ao clero reunido
a origem divina da Igreja de Roma, estabelecida pelo pró prio Cristo por
meio do apó stolo Pedro:
Somente ele [Cristo] fundou a Igreja Romana e a estabeleceu sobre a rocha da
fé que estava nascendo naquele momento, que con iou os direitos do governo
terrestre e celestial ao abençoado portador das chaves da vida eterna. Nã o,
portanto, qualquer declaraçã o terrena, mas aquela Palavra, pela qual o cé u e a
terra foram construı́dos, pela qual todos os elementos foram estabelecidos,
fundou a Igreja Romana. E certo que age por seu privilé gio e é apoiado por sua
autoridade. Nã o há dú vida de que quem priva uma Igreja de seus direitos
comete uma injustiça, mas quem procura tirar o privilé gio concedido à Igreja
Romana que a torna a cabeça suprema de todas as Igrejas, sem dú vida, cai em
heresia, e enquanto o primeiro será conhecido como injusto, o segundo será
chamado de herege. 63
As palavras de Pedro conseguiram paci icar a multidã o de clé rigos e
leigos, um resultado que convenceu Damiã o da importâ ncia de
enfatizar as prerrogativas da Igreja de Roma na luta contra a corrupçã o.
Depois de descobrir que praticamente todo o clero milanê s havia sido
ordenado por simonia, ele decretou penitê ncias de cinco a sete anos de
jejum perió dico, rezando os salmos e alimentando os pobres, e exigia
que apenas aqueles que fossem “alfabetizados, castos e moralmente
distinto” 64 ser autorizados a retornar à s suas funçõ es clericais. O
arcebispo se prostrou no chã o diante de Pedro e Anselmo, confessando
seu fracasso em extirpar o vı́cio clerical de sua diocese, e declarou sua
intençã o de viajar como peregrino ao tú mulo de Sã o Tiago Apó stolo na
Espanha como um ato de penitê ncia. 65
As habilidades de Damiã o foram mais uma vez empregadas na defesa
do papado quando, apó s a morte do papa Nicolau II em 1061, o partido
anti-reformista atacou novamente. O companheiro de Damiã o durante
sua missã o em Milã o, Anselmo de Lucca, foi eleito pelos cardeais e
tomou o nome de Alexandre II. Embora Nicolau tivesse estabelecido o
direito dos cardeais bispos de escolher o papa no Sı́nodo de Latrã o de
1059, exigindo apenas a con irmaçã o do imperador alemã o, a
imperatriz Inê s nã o aceitou essa limitaçã o do poder imperial e
procurou impor seu pró prio candidato ao papado. Recusando-se a
receber os delegados de Roma, ela organizou um sı́nodo na cidade de
Basileia com nobres e clé rigos descontentes que se opunham ao partido
da reforma, onde elegeram Cadalous, o bispo inescrupuloso de Parma,
como papa. Na primavera de 1062, intitulando-se "Honorius II",
Cadalous e suas tropas marcharam sobre Roma para forçar a questã o,
mas foram repelidos pelas forças de Godfrey, duque da Toscana, que
exigiu que Cadalous e Alexander se retirassem até que o assunto
pudesse ser resolvido. ser resolvido atravé s de um sı́nodo
extraordiná rio, que foi realizado em Augsburg em outubro do mesmo
ano.
Enquanto Hildebrand organizava as forças polı́ticas e militares da
penı́nsula contra o antipapa, Damiã o pegava sua pena em defesa do
papado. Ele enviou duas cartas mordazes a Cadalous em meados de
1062, lembrando-o da lei da Igreja sobre as eleiçõ es papais e citando as
Escrituras e os Padres da Igreja para incentivá -lo a ceder. Ele també m
defendeu a eleiçã o de Alexandre pelos cardeais em sua Disceptatio
Synodalis , um diá logo imaginá rio que apresenta os argumentos de
ambos os lados do debate e que parece ter sido direcionado ao sı́nodo
de Augsburgo. 66
Cadalous ignorou as sú plicas de Damiã o e continuou a conspirar para
tomar o trono papal, provocando Damiã o a denunciá -lo como “aquele
perturbador da santa Igreja, esse destruidor do ensino apostó lico, esse
inimigo da salvaçã o do homem, essa raiz do pecado, esse arauto da o
diabo, aquele apó stolo do anticristo”. 67 O sı́nodo decidiu
provisoriamente por Alexandre e ordenou que um delegado imperial
fosse enviado a Roma para investigar. Apó s um relató rio positivo, o
duque Godofredo escoltou Alexandre de volta a Roma no inı́cio de
1063, onde realizou um sı́nodo em abril excomungando Cadalous. O
pretendente respondeu com seu pró prio sı́nodo e excomunhã o de
Alexandre, e conseguiu tomar o controle do Castel Sant'Angelo, onde foi
sitiado até ceder e fugir em 1064. No entanto, muitos dos bispos e
nobres contrá rios à reforma clerical continuaram a se submeter. a
Cadalous, considerando-o o verdadeiro papa.
Ao visitar a França em 1063, Damiã o procurou inalmente resolver a
disputa escrevendo ao arcebispo Anno de Colô nia, que se tornara o
regente do jovem imperador Henrique IV, pedindo-lhe que convocasse
um concı́lio geral com o objetivo de con irmar o ponti icado de
Alexandre. 68 Anno concordou, e o sı́nodo foi realizado em Mâ ntua no
Pentecostes de 1064, com a presença de Alexandre, que humilde mas
irmemente defendeu a validade de sua eleiçã o. O sı́nodo anatematizou
Cadalous e efetivamente pô s im à sua in luê ncia, embora o bispo da
cidade natal de Damian, Ravenna, continuasse a apoiar Cadalous até
sua morte.
Como bispo de Ostia, Pedro se esforçou para exempli icar as virtudes
que há muito exigia de outros prelados, sempre atento à prestaçã o de
contas que faria a Deus pelo bem-estar espiritual de seu rebanho. Joã o
de Lodi nos conta que Damiã o teve o cuidado de aproveitar a
oportunidade de pregar o evangelho a qualquer aglomeraçã o de
pessoas, levantando-se bem antes do amanhecer para chegar a tempo.
Mesmo quando estava com febre, ele se levantava ao amanhecer do
domingo para celebrar a missa e pregar em voz alta até o meio-dia, um
feito que impressionou tanto Lodi e outros que o atribuı́ram à graça
sobrenatural. Por sua exortaçã o, o povo da regiã o lotou as igrejas para
participar do canto dos salmos durante o ofı́cio divino; entre eles havia
muitos padres arrependidos que haviam abandonado sua regra de vida
em favor de casamentos ilı́citos. 69
Alé m de sua pregaçã o fervorosa, Damiã o ocupou-se com visitas
freqü entes aos doentes e pobres, lavando-lhes os pé s à imitaçã o de
Cristo e ajudando-os com alimentos e roupas. Os necessitados també m
se aglomeravam em sua casa, onde ele os tratava como convidados de
honra e os alimentava em sua mesa. Ele frequentemente exortava seu
clero a imitar suas prá ticas, observando que os fundos da Igreja
pertencem a todos os seus membros. A renda dos sacerdotes, segundo
Damiã o,
é sagrado, e é o salá rio dos pecadores. Deve-se ter cuidado, portanto, para que
a avareza ou qualquer descuido negligente tire os pobres de Cristo, a quem
todo o nosso excedente é devido em sua totalidade. Como temos os recursos
disponı́veis para dar alı́vio aos pobres, indague diligentemente com piedosa
consideraçã o para descobrir aqueles pró ximos que estã o doentes, ou famintos,
ou sofrem qualquer tipo de angú stia de necessidade, porque ao ministrar as
necessidades da vida com tã o piedoso compaixã o você adquirirá para nó s e
para você o fruto comum da recompensa eterna no cé u. 70
Joã o de Lodi relata que, para se reanimar espiritualmente e “sacudir a
poeira” acumulada em seus deveres mundanos, Damiã o voltava
periodicamente à ermida de Fonte Avellana, onde retomava seus
exercı́cios penitenciais e se acusava de pecado diante de sua irmã os
nas reuniõ es capitulares, segundo a regra moná stica. 71 Ele ansiava por
icar e pediu ao papa que aceitasse sua renú ncia, escrevendo longas
cartas tanto ao pontı́ ice quanto a Hildebrando reivindicando o direito
dos bispos de renunciar a seus cargos. 72 Nã o está claro quando ou se
ele foi inalmente dispensado de sua sé pelo papa; assumindo que ele
era, a data poderia ser tã o cedo quanto 1063 e tã o tarde quanto 1070.
73
Emissário e Reformador
Damian nã o perdeu impulso em sua busca incansá vel pela reforma
eclesiá stica durante a ú ltima dé cada de sua vida. Alé m de seus deveres
ocasionais como legado papal, ele manteve uma correspondê ncia
contı́nua com o papa, cardeais, bispos, colegas padres e monges,
governantes seculares, parentes e outros, que muitas vezes tomavam a
forma de pequenos tratados sobre uma variedade de tó picos
importantes. . Suas missõ es em nome do papa o levaram por rotas
precá rias para a França e a Alemanha, onde lutou contra os vı́cios
clericais e defendeu a santidade do casamento contra o pró prio
imperador. Tã o grande era sua importâ ncia para o Papa Alexandre II
que ele declarou que, depois de si mesmo, Damiã o era “a mais alta
autoridade dentro da Igreja Romana” e disse que ele era “como nosso
olho e o apoio inabalá vel da Sé Apostó lica”. 74
No sı́nodo romano em abril de 1063, o abade Hughes de Cluny chegou
para relatar que sua abadia havia sido atacada pelas forças do bispo
Drogon da diocese local de Macon, que procuravam usurpar a
independê ncia tradicional de Cluny, há muito concedida a isso pelos
papas. Ele pediu que uma embaixada da Igreja Romana fosse enviada
para corrigir o mau comportamento de Drogon e seus aliados e
reivindicar os direitos de Cluny, que era a instituiçã o moná stica mais
importante da Europa, governando um grande nú mero de mosteiros
em todo o continente.
Quando outros presentes no sı́nodo se opuseram por medo da
violê ncia de Drogon, o idoso Damiã o se ofereceu para a perigosa e
longa missã o, e Alexandre II aceitou a oferta. Apesar do perigo de
ataque dos partidá rios de Cadalous e do clima difı́cil, Damian partiu
com Hughes e sua pequena comitiva, navegando pelos Alpes nevados a
cavalo, insistindo em manter seus jejuns e exercı́cios penitenciais.
Acompanhando-o estava uma carta do papa aos bispos locais
declarando: “Demos a ele (Pedro Damiã o) nossa autoridade para que
tudo o que ele decretar em suas provı́ncias, com a ajuda de Deus, seja
rati icado e con irmado como se tivé ssemos promulgado por nosso
pró prio julgamento particular.” 75
Apó s sua chegada, Damian se viu abordando uma emergê ncia
relacionada. Os monges de Saint-Martial, um mosteiro recentemente
colocado sob a autoridade de Cluny apó s dé cadas de corrupçã o,
revoltaram-se apó s a morte de seu prior e agrediram os monges
enviados por Hughes para organizar os negó cios do mosteiro. Damiã o
viajou vá rias centenas de quilô metros até Saint-Martial para enfrentar
os monges, que se esconderam dele e se recusaram a se apresentar
para defender seu caso. Depois de suplicar-lhes vá rias vezes que
saı́ssem, Damiã o declarou sua excomunhã o na catedral diocesana, para
deleite da multidã o ali reunida. Os monges corruptos desocuparam a
propriedade e foram substituı́dos pelos irmã os Clunaic, que passaram a
revitalizar o mosteiro nos anos que se seguiram.
Damian entã o voltou para confrontar Drogon e seus aliados, cujas
violentas usurpaçõ es ele enfrentou com calma resoluçã o e organizaçã o
superior. Evitando um confronto direto entre ele e o bispo, Damian
convocou um conselho regional de bispos para discutir o status legal de
Cluny. Lá , diante de Drogon e de todo o episcopado reunido, ele
ordenou que fosse lido em voz alta o decreto papal original concedendo
a independê ncia de Cluny do bispo local e estabelecendo sua
responsabilidade direta ao papa, um decreto cuja autenticidade
ningué m poderia negar. Drogon rapidamente capitulou e se reconciliou
com Hughes e seus monges. O dia havia sido vencido de forma pacı́ ica
e decisiva, e o exemplo de santidade de Damiã o nunca foi esquecido
pelos monges de Cluny, que prometiam oferecer a Missa por sua alma
todos os anos e foram dos primeiros a celebrar seu dia de festa apó s
sua morte.
Damiã o mostrou coragem semelhante em sua embaixada na cidade de
Florença em 1067, embora o resultado nã o tenha sido tã o satisfató rio.
O bispo da cidade, Pedro, havia sido acusado de simonia por grupos de
monges e leigos, que consequentemente recusavam os sacramentos do
clero que ele havia ordenado. Enviado pelo Papa Alexandre para
resolver as acusaçõ es e resolver a disputa, Damiã o foi confrontado por
multidõ es indisciplinadas e violentas que nã o ouviram a razã o. Ele
ressaltou que ele mesmo nã o poderia fazer um julgamento sobre a
acusaçã o de simonia e que os cidadã os poderiam recorrer ao pró ximo
sı́nodo anual dos bispos de Roma para apresentar seu caso. Alé m disso,
observou ele, os sacramentos permaneciam vá lidos apesar de qualquer
simonia por parte do bispo ou do clero da cidade, e ainda assim muitos
ié is estavam morrendo sem os ú ltimos ritos por medo de sua
invalidez. Seus protestos caı́ram em ouvidos surdos, e ele foi forçado a
retornar de sua missã o sem ter resolvido o assunto. 76 Embora os
oponentes do bispo seguissem o conselho de Damiã o e levassem seu
caso a Alexandre no sı́nodo romano seguinte, o papa també m achou a
crise difı́cil de resolver e, devido à falta de provas su icientes contra o
bispo, recusou-se repetidamente a decidir contra ele.
Dois anos depois, Damiã o foi enviado pelo papa Alexandre à Alemanha
para defender o sacramento do casamento contra o imperador alemã o
Henrique IV, um jovem famoso por sua luxú ria e in idelidade conjugal.
77 Henrique se afastou de sua esposa, Bertha, e pediu o divó rcio de
Siegfried, arcebispo de Mainz, no Sı́nodo de Worms em 1069, alegando
que o casamento nunca havia sido consumado e que os dois eram
incompatı́veis. Embora os bispos presentes ao sı́nodo mais tarde
revelassem sua oposiçã o ao plano, nenhum mostrou coragem para
desa iar o imperador na cara dele, e eles concordaram em resolver o
assunto em um conselho a ser realizado no inal de setembro na cidade
de Mainz. . Siegfried entã o procurou o conselho do Papa Alexandre II,
que decidiu enviar Pedro Damiã o para representá -lo perante o
imperador e rejeitar seu divó rcio ilegı́timo. 78
Quando Henrique soube que Damiã o havia chegado a Mainz para
proferir sentença contra ele, ele fugiu para Frankfurt e tentou reunir
seus nobres e bispos lá . No entanto, Damian nã o seria recusado. Ele
seguiu o imperador até Frankfurt e, diante da multidã o reunida,
anunciou a decisã o do papa. De acordo com o relato do historiador
contemporâ neo Lambert de Hersfeld, Damian disse ao imperador que
o que ele pretendia fazer era muito mau, e ainda mais abominá vel, pois seria
em nome de um cristã o e até de um rei. Se ele nã o estivesse tã o aterrorizado
pelas leis do homem ou pelas sançõ es da lei eclesiá stica, ele deveria poupar
pelo menos sua reputaçã o e bom nome, para que o veneno de um exemplo tã o
indecente, tomado a princı́pio pelo rei, contaminasse toda a comunidade
cristã . pessoas, e aquele que tinha o papel de vingar crimes tornou-se o autor e
porta-estandarte de tal escâ ndalo. Finalmente, se ele nã o se curvasse a esses
conselhos, seria necessá rio que o papa aplicasse a força eclesiá stica e
proibisse esse pecado por meio do direito canô nico, e suas mã os nunca
consagrariam um imperador que traı́sse a fé cristã com tal exemplo pestilento.
79
Lambert relata que, ao ouvir as palavras de Damiã o, “todos os
prı́ncipes presentes se levantaram” contra Henrique e “expressaram
sua concordâ ncia com o pontı́ ice romano, e suplicaram a Deus que
nenhum pecado fosse in ligido contra Sua gló ria e que a majestade do
rei nome nã o pode ser contaminado pela sujeira de um ato tã o
indecente.” 80 O imperador capitulou rapidamente, concordando em
permanecer em seu casamento, e Bertha logo engravidou. A coragem
de Damian, apoiada pela determinaçã o de Alexandre II, havia vencido
novamente.
Morte e Canonização
No inı́cio de 1072, o papa Alexandre enviou Pedro em sua missã o inal:
reconciliar sua cidade natal de Ravena apó s a morte de seu bispo
cismá tico Henrique, que se apegou ao antipapa Cadalous e foi
excomungado com toda a sua diocese por Alexandre. 81 Embora a saú de
de Damiã o estivesse debilitada, Joã o de Lodi conta-nos que se alegrou
com a oportunidade de reconciliar a cidade onde nasceu com a Igreja
Cató lica e, de alguma forma, pagar a dı́vida que sentia dever para com a
cidade da qual havia recebido muitos benefı́cios em sua juventude. 82
Embora o bispo tenha “contaminado miseravelmente o povo” de
Ravena com seu mau exemplo e “profanado toda a igreja com suas
audá cias ilegais”, a cidade icou admirada e grata por receber um ilho
que se tornou tã o famoso por sua santidade, aprendizado, e liderança,
segundo Joã o de Lodi. Pedro foi “recebido nas mã os dos cidadã os com
imensa alegria”. “Extremamente encantados” com o santo, e “dando
grandes graças a Deus por cuidar deles e ao vigá rio de Cristo por ter
enviado tal homem a eles”, eles “ izeram humildemente penitê ncia por
sua ofensa”. Damiã o entã o lhes deu a absolviçã o papal, e “por toda a
cidade houve uma grande exultaçã o”. 83
Em sua viagem de volta de Ravena, Peter e sua comitiva pararam em
Faenza, onde Damian frequentou a escola quando jovem, para passar a
noite no mosteiro de Santa Maria degli Angeli. Lá Damian foi
acometido por uma febre e icou con inado em sua cama por oito dias.
Na calada da noite da vé spera ou madrugada da festa da Cá tedra de Sã o
Pedro em Antioquia (22 de fevereiro), ordenou aos monges que
rezassem com ele o ofı́cio das Matinas, “desejando primeiro realizar os
ritos da a solenidade apostó lica, e assim inalmente partir em
segurança”. 84 Logo apó s a conclusã o do ofı́cio, ele faleceu.
Ao saber de sua morte, a populaçã o de Faenza imediatamente começou
a se aglomerar no mosteiro, acotovelando-se pela chance de beijar e
tocar o corpo do santo ou sua mortalha, e impedindo que os irmã os de
Damian levassem seu corpo. Ele foi sepultado na capela do mosteiro em
um sarcó fago branco perto da entrada do coro, e os monges começaram
a celebrar o ofı́cio e a missa festiva de seu “nascimento celestial” em 23
de fevereiro. , Cluny e Ravenna e suas dioceses sufragâ neas. Seu corpo
foi posteriormente transferido para uma igreja jesuı́ta, depois para a
catedral diocesana em 1825. Em 1898, uma capela especial foi anexada
à catedral para abrigar seus restos mortais.
Em 1823, o Papa Leã o XII con irmou a profecia de seu homô nimo do
sé culo XI, que havia assegurado a Damiã o que um dia “se regozijaria na
mansã o celestial com o Filho de Deus e da Virgem”, acrescentando a
festa de Damiã o ao calendá rio universal e premiando a ele o tı́tulo de
“Doutor da Igreja Cató lica”.
1 A questã o foi inalmente resolvida pelos canonistas em favor de Formoso,
que hoje é geralmente reconhecido como um papa vá lido, apesar do
julgamento inal negativo de Sé rgio III.
2 O papa Joã o é relatado pelo cronista Liutprando, bispo de Cremona (em seu
Antapadosis , lib. 2, cap.48; PL 136, 827D-828C), ter sido o amante da mã e de
Marozia, Teodora, antes de ascender ao trono papal, mas como um
comentarista muito hostil que nã o estava vivo na é poca dos eventos em
questã o, seus relatos desse perı́o do do papado nã o sã o considerados credı́veis
pelos historiadores.
3 Esta a irmaçã o é relatada em um relato atribuı́do a Gerbert de Aurillac, mais
tarde Papa Silvestre II, na Acta Concilii Remensis , cap. 28 (PL 139, 313B).
4 Esse sı́nodo foi realizado em Roma em 963 sob os auspı́cios do imperador
Otã o I. Embora pareça ser uma resposta ao comportamento moralmente
escandaloso de Joã o XII, sua decisã o de depor o papa é geralmente
considerada ilegal.
5 Liutprando, bispo de Cremona, em seu De Rebus Gestis Ottonis , cap. 20 (PL
136, 908D), notoriamente a irma que Joã o morreu vá rios dias depois de ser
“golpeado nas tê mporas pelo diabo” enquanto em ato de adulté rio, e que
recusou a Sagrada Comunhã o até o im. No entanto, Liutprand era um
oponente de John que havia participado do conselho que pretendia depô -lo, e
é o ú nico a relatar a histó ria.
6 Joã o de Lodi era monge de Fonte Avellana e con idente pró ximo do santo,
que acabaria por ser també m canonizado. Ele é geralmente considerado o
“Joã o” autor da primeira e mais con iá vel biogra ia de Damiã o (encontrada em
Gaetani , vol. 1, 1-16), embora isso nã o possa ser veri icado com absoluta
certeza.
7 A este relato deve ser acrescentado (ou substituı́do) a pró pria declaraçã o de
Pedro, feita em uma carta à imperatriz Inê s, de que apó s a morte de seus pais
ele foi cuidado em algum momento por uma irmã que “cuidou de mim como
uma mã e” (ver Carta 149 em Reindel , vol. 3, 552).
8 Joã o de Lodi, Vita Beati Petri Damiani , cap. 2 ( Gaetani , vol. 1, 3). Traduçã o
minha.
9 O sobrenome de Pedro també m era frequentemente escrito no caso
nominativo, como “Damianus”.
10 Lodi, Vita , cap. 2 ( Gaetani , vol. 1, 3). Traduçã o minha.
11 Ibid.
12 A ordem, que passou a ser conhecida como Santa Croce di Fonte Avellana,
foi absorvida pela Ordem dos Camaldules em 1570 apó s um perı́o do de
declı́nio.
13 Owen J. Blum, São Pedro Damião: seu ensinamento sobre a vida espiritual
(Washington, DC: Catholic University of America Press, 1947), 14.
14 O monge Rodulfus Glaber em seu Historiarum Libri Quinque , lib. 4, cap. 5,
relata que o jovem papa, cujo nome de batismo era Teo ilato, tinha apenas dez
anos de idade em sua ascensã o, uma a irmaçã o que geralmente é rejeitada
como insustentá vel pelos historiadores. Ver Raoul Glaber: les cinq Livres de ses
histoires , ed. Maurice Prou (Paris, 1886), 105.
15 Desidé rio, abade de Monte Cassino (que reinou como Papa Victor III de
1086 a 1087) em seu Dialogi , cap. 3 (PL 149, 1003A–1004B), parece oferecer a
descriçã o mais detalhada e credı́vel do mau comportamento de Bento IX, que
ele diz “receia relatar”. Ele se limita a mencionar a “vida vil e desprezı́vel” de
Bento XVI, seu “rapina, assassinatos e outros atos nefastos” e seus “atos
depravados e perversos” que ele cometeu “incansavelmente contra o povo
romano”. Ele també m o acusa de obter o papado por meio de suborno.
16 Cf. Cançã o do Sol. 2:2.
17 Carta 11 em Reindel , vol. 1, 138-139. Traduçã o minha.
18 Simã o era um feiticeiro que tentou comprar poderes sacramentais do
apó stolo Pedro (Atos 8:9–24) e Giezi era o servo do profeta Eliseu que
enganoumente solicitou o pagamento por uma cura milagrosa (2 Reis 5:1–27).
Ambos sã o vistos na literatura medieval como arqué tipos daqueles que
buscam o lucro material dos bens espirituais, e daı́ os epı́tetos “simonia” e
“simoniacal”.
19 Cf. Gn 8:11.
20 Cf. Matt. 21:12–13; Lucas 19:45–46; Joã o 2:14-16.
21 Carta 13 em Reindel , vol. 1, 143-144. Traduçã o minha.
22 Carta 26 em Reindel , vol. 1, 241-242.
23 Um papa legı́timo, que tomou o nome de Dâ maso II, ocupou a sé por um
total de 23 dias apó s o afastamento de initivo de Bento IX, tendo sido
consagrado em 17 de julho e falecido em 9 de agosto.
24 Cf. Lucas 14:34.
25 Cf. ROM. 9:29; E um. 1:9.
26 Bruno Signiensis, S. Leonis Papae IX Vita (PL 165, 1110B-1111B). Traduçã o
minha.
27 A cidade está hoje na França, embora tenha feito parte do Sacro Impé rio
Romano até o sé culo XVI .
28 Regesta Ponti icum Romanorum , ed. Philippus Jaffé (Berolini: Veit et Socius,
1851), 368-369.
29 O tı́tulo “Livro de Gomorra” só começa a aparecer nos manuscritos durante o
sé culo XIV. No entanto, por ter sido aceito por sé culos como tı́tulo da obra,
optei por mantê -lo para esta traduçã o. A obra aparece como “Carta 31” em
Reindel , vol.1, 284–330. Veja o Prefá cio do Tradutor para detalhes.
30 Reindel atribui esta carta ao ano de 1049 ( Reindel , vol. 1, 284), embora
pudesse ter sido escrita a qualquer momento durante o ponti icado do Papa
Leã o IX (1049-1054).
31 Livro de Gomorra , capı́tulo 1.
32 A previsã o de Leã o IX seria con irmada em 1823, quando a festa de Damiã o
foi universalizada pelo Papa Leã o XII, que també m atribuiu ao santo o tı́tulo de
Doutor da Igreja Cató lica.
33 Carta 40 em Reindel , vol. 1, 384-509.
34 Ver Humberti SRE Cardinalis Adversus Simoniacos Libri Tres (PL 143, 1007A–
1212B).
35 Carta 35 em Reindel , vol. 1, 336-339. Traduçã o minha.
36 Carta 38 em Reindel , vol. 1, 352.
37 Capı́tulo 26.
38 Ex. 5:21.
39 Ou seja, ele con iscou seus bens e os deu a seu servo Siba (2 Sam. 16:1–4).
40 Carta 33 em Reindel , vol. 1, 332-333. Traduçã o minha.
41 Carta 46 em Reindel , vol. 2, 41-42.
42 Jr. 48:10.
43 Esta frase aparece praticamente na ı́ntegra no Decreto de Graciano , pars 1,
dist. 86, c. 3, embora a fonte de Damian seja anterior em pelo menos um
sé culo. Nas ediçõ es do Corpus Iuris Canonici foi atribuı́do a uma carta do Papa
Gregó rio Magno, Theodorico et Theoberto Regibus Francorum , epist. 114, lib. 7,
indiciar. 2.
44 Carta 61 em Reindel , vol. 2, 212-213. Traduçã o minha.
45 Carta 112 em Reindel , vol. 3, 268. Traduçã o minha.
46 Carta 60 em Reindel , vol. 2, 203-205. Traduçã o minha.
47 Carta 164 em Reindel , vol. 4., 165-172.
48 Por exemplo , sobre as horas canônicas (Carta 17 em Reindel , vol. 1, 155-167),
Sobre o desprezo de o Mundo (Carta 165 em Reindel , vol. 4, 173-230), Dominus
Vobiscum (Carta 28, em Reindel , vol. 1, 248-278), Sobre os Institutos de sua
Congregação (Carta 50 em Reindel , vol. 2, 77-131), Sobre a perfeição de Monges
(Carta 153 em Reindel , vol. 4, 13-67), Sobre os Bispos que Recordam Monges ao
Mundo (Carta 38 em Reindel , vol. 1, 347-373).
49 Carta 81 em Reindel , vol. 2, 417-441.
50 Carta 91 em Reindel , vol. 3, 1-13.
51 Disputa contra os judeus (Carta 1 em Reindel , vol. 1, 63-102).
52 Disputa sobre a Questão: i f Deus é onipotente, como ele pode fazer algo que
aconteceu, para não ter acontecido (Carta 119 em Reindel , vol. 3, 341-384).
53 Ver Toivo J. Holopainen, “Peter Damian”, em The Stanford Encyclopedia of
Filoso ia , ediçã o de inverno de 2012, em plato.stanford.edu.
54 Santa Sé , Sagrada Congregaçã o dos Religiosos, “Cuidada Seleçã o e
Treinamento de Candidatos para os Estados de Perfeiçã o e Ordens Sagradas”, 2
de fevereiro de 1961, em EWTN, www.ewtn.com.
55 Santa Sé , Congregaçã o para a Educaçã o Cató lica, “Instruçã o sobre os
Crité rios para o Discernimento das Vocaçõ es em relaçã o à s Pessoas com
Tendê ncias Homossexuais em vista de sua admissã o ao Seminá rio e à s Ordens
Sagradas”, 4 de novembro de 2005, em w2.vatican. va.
56 Ver Código de Direito Canônico (1983), câ n. 977, 1378, 1387; Codex Iuris
Canonici (1917), câ n. 884; Papa Bento XIV, Constituiçã o Apostó lica
Sacramentum Poenitentiae , 1º de junho de 1741, em w2.vatican.va.
57 Sess. 7, pode. 12 (D 855). Veja també m o Papa Nicolau II, Concı́lio Romano
de 1060 (D 354); Concı́lio de Latrã o I, câ n. 1 (D 359).
58 As Igrejas Cató licas Orientais, que compreendem menos de dois por cento
da populaçã o total da Igreja, ainda podem ordenar homens casados, embora
os padres solteiros na ordenaçã o ou que perdem suas esposas apó s a
ordenaçã o nã o possam se casar novamente.
59 Lodi, Vita , cap. 14 ( Gaetani , vol. 1, 10).
60 Carta 58 em Reindel , vol. 2, 193.
61 Meses depois, Damiã o ajudaria a reformar o sistema de eleiçõ es papais no
Sı́nodo de Latrã o de 1059, onde o clero reunido decidiu fortalecer o processo
colocando-o principalmente nas mã os dos cardeais bispos, lançando assim as
bases para o moderno sistema de conclaves.
62 Carta 65 em Reindel , vol. 2, 231. Traduçã o minha.
63 Ibid., 233-234. Traduçã o minha. Parte desta declaraçã o foi usada mais tarde
no Disceptatio Synodalis de Damian escrito para o Sı́nodo de Augsburg de
outubro de 1062 (veja abaixo).
64 Ibid., 246. Traduçã o minha.
65 Infelizmente, a reconciliaçã o de Milã o nã o duraria. Vá rios anos depois, o
arcebispo renegou suas promessas e o con lito recomeçou.
66 Patricia Ranft, A Teologia da Peter Damian (Washington: Catholic University
of America Press, 2012), 132.
67 Carta 99 em Reindel , vol. 3, 99. Ver també m Carta 89, em Reindel , vol. 2, 531-
540.
68 O papa Alexandre, e particularmente Hildebrando, icaram inicialmente
zangados com Damiã o por causa de sua intervençã o por causa de um aparente
mal-entendido sobre o que ele havia escrito ao bispo Anno, um mal-entendido
que ele procurou esclarecer enviando-lhes uma có pia da carta original. Veja a
Carta de Damian 107 em Reindel , vol. 3, 185-188.
69 Lodi, Vita, cap. 15 ( Gaetani , vol. 1, 10).
70 Lodi, Vita , cap. 17 ( Gaetani , vol. 1, 12). Traduçã o minha.
71 Ibid., cap. 18 ( Gaetani , vol. 1, 13).
72 Ou seja, Cartas 57 e 72 em Reindel , vol. 2.
73 Os historiadores divergem sobre esta questã o, que pode ser impossı́vel de
resolver com certeza. Owen Blum favorece a data de 1063 para a
aposentadoria de Damian em seu livro St. Peter Damian: His Teaching on the
Spiritual Life (Washington: Catholic University of America Press, 1947), 35,
nota 138, mas uma carta datada por Reindel em 1070 ( A carta 169 em Reindel ,
vol. 4, 247-249) refere-se à sua demissã o como se ainda nã o tivesse
acontecido. A Carta 96 de Damiã o, que Reindel atribui ao ano 1063, indica que
de alguma forma ele foi dispensado de seus deveres pontifı́cios (ver Reindel,
vol. 3, 46-47) . O historiador francê s Reginald Biron conclui que a
aposentadoria de Damiã o é anunciada em sua carta 57, datada por Reindel em
1058, em St. Pierre Damien (1007-1072), 20ª ed. (Paris: Lecoffre, 1908), 164. No
entanto, o principal bió grafo moderno de Damiã o, Jean Leclerq, em seu Saint
Pierre Damien, ermite et homme d'eglise (Roma: Edizioni di storia e letteratura,
1960), 111, conclui que Damiã o continuou em sua posiçã o como cardeal bispo
de Ostia depois de 1063, mas teve permissã o para morar na Fonte Avellana
devido a problemas de saú de e deixou de ser bispo em 1067.
74 Diploma de Legatione S. Petri Damiani em Gallias (PL 145, 857B).
75 Diploma de Legatione (PL 145, 857B-858B). Um antigo relato da jornada de
Damiã o pode ser encontrado em De Gallica Profectione Domini Petri Damiani (PL
145, 865-880).
76 O relato completo do evento encontra-se em uma carta escrita por Damiã o
aos cidadã os e monges de Florença, datada de 1067 por Reindel. Ver Carta 146
em Reindel , vol. 3, 531-542.
77 Ver Bruno de Merseberg, De Bello Saxonico (Hannover, 1880), 5.
78 Biron, St. Pierre Damien , 178-180.
79 Lambertus Hersfeldensis, Annales , 2ª ed. (Hannover, 1874), 76. Traduçã o
minha.
80 Ibid. Traduçã o minha.
81 Pedro já havia escrito a Alexandre pedindo-lhe que suspendesse a
excomunhã o contra Henrique, talvez porque este se arrependesse antes de sua
morte. Ver Carta 167 em Reindel , vol. 4, pá gina 237.
82 Lodi, Vita, cap. 21 ( Gaetani , vol. 1, 15).
83 Ibid. Traduçã o minha.
84 Ibid., cap. 22. Traduçã o minha.
PREFACIO DO TRADUTOR
O Liber Gomorrhianus ou “Livro de Gomorra” 85 ocupa um lugar singular
na literatura da Igreja Cató lica. E, sem dú vida, a denú ncia mais
eloquente e apaixonada de perversã o sexual já escrita por um santo
cató lico, e traz um endosso altivo e sem reservas de um papa-santo que
virtualmente o canonizou em vida. Embora tenha sido escrito há quase
mil anos, o Livro de Gomorra de muitas maneiras parece dirigida aos
nossos tempos, associando os fenô menos de comportamento
homossexual clerical e pederastia, e endossando a prisã o de clé rigos
que sã o um perigo para a juventude. Expressa um ó dio incessante pelo
pecado da sodomia e ao mesmo tempo uma profunda compaixã o por
seus perpetradores, buscando sua reconciliaçã o com Deus e
assegurando-lhes a esperança de salvaçã o. També m reconhece a
ameaça de um estabelecimento eclesiá stico que procura fechar os
olhos ao problema da corrupçã o clerical e ocultar seus pecados, em vez
de erradicar o problema.
O autor desta grande obra, Sã o Pedro Damiã o, foi um monge eremita
italiano e futuro Doutor da Igreja que liderava uma famı́lia de mosteiros
sediados em Fonte Avellana, cujos membros eram devotados à s mais
rigorosas prá ticas ascé ticas. Ele dirigiu seu opúsculo ou “pequena obra”
a Leã o IX (1049-1054), um dos poucos papas do segundo milê nio que
seriam canonizados como santos. Tanto Leã o quanto Damiã o eram
reformadores apaixonados, camaradas de armas, lutando nã o contra
ameaças externas, mas contra os efeitos enervantes da frouxidã o moral
e da corrupçã o dentro da pró pria Igreja. O Livro de Gomorra seria um
dos muitos opúsculos e cartas que Damiã o escreveria contra o mau
comportamento de monges e clé rigos, comportamento que incluı́a
imoralidade sexual de todo tipo, bem como a prá tica da simonia; isto é ,
a compra da ordenaçã o clerical.
O efeito dos argumentos de Damiã o, que sã o reforçados por copiosas
referê ncias à s Escrituras, aos Padres da Igreja e ao direito canô nico
tradicional, é aumentado por suas habilidades como um latinista de
formaçã o clá ssica que já havia estabelecido sua fama como professor
de retó rica seguindo sua formaçã o formal nas melhores escolas da
Itá lia. Embora seu estilo seja à s vezes forçado e trabalhoso, a prosa de
Damian muitas vezes se eleva em sua cadê ncia e seu uso de metá foras,
e ele é capaz de recorrer a um vasto repertó rio de adjetivos e alusõ es
literá rias da literatura sagrada e profana. Seu domı́nio da gramá tica e
das formas literá rias da lı́ngua o colocam entre os maiores latinistas da
Idade Mé dia. 86
relevância do livro de Gomorra para a Igreja moderna é imediatamente
reconhecı́vel por qualquer pessoa, mesmo remotamente ciente da
reputaçã o comprometida do clero cató lico em todo o Ocidente
moderno, uma situaçã o que surgiu em grande parte devido a um
sacerdó cio cada vez mais efeminado e uma visã o negligente ou
indiferente da sodomia e da violê ncia sexual. imoralidade que parece
atingir os mais altos nı́veis da hierarquia cató lica. Eram precisamente
tais atitudes que Pedro Damiã o procurava combater no sé culo XI,
exortando a restauraçã o dos fortes câ nones penitenciais da Igreja
relativos à sodomia e a suspensã o permanente dos clé rigos que eram
habitualmente inclinados a tal comportamento. Há uma ironia
particularmente amarga para o leitor moderno na citaçã o de Damian
das leis tradicionais que punem rigorosamente os abusadores sexuais
de crianças, enviando-os para prisõ es moná sticas pelo resto de suas
vidas por um ú nico delito. No livro de Gomorra , ouvimos a voz de um
profeta falando conosco ao longo dos sé culos, lembrando-nos de
verdades vitais que abandonamos e nos chamando ao arrependimento.
explı́cita nos primeiros anos do sé culo 20 , começando com The Lives of
os Papas na Idade Média (1910). 95 A nova interpretaçã o de Mann, em
vá rias formas, apareceu entã o no volume onze de The Enciclopédia
Católica (1911), 96 e volume quatro do Dictionnaire de Theologie
Catholique (1939). 97 Foi entã o repetido em uma variedade de
trabalhos, incluindo aqueles de estudiosos revisionistas que buscam
minar a tradicional condenaçã o cristã da sodomia, como
Homosexuality and the Western Christian Tradition (1955) de Derrick
Bailey. 98 e Cristianismo, tolerância social e homossexualidade de John
Boswell (1982), 99 e continua a aparecer na literatura acadê mica sobre
Damiã o, com pouca justi icativa para apoiá -la.
A versã o de Mann da tese a irma que Leo expressou uma vaga
aceitaçã o do Liber Gomorrhianus , mas rejeitou as recomendaçõ es de
Damian para penalizar a ofensa. “Portanto, longe de aprovar as
medidas drá sticas propostas por Sã o Pedro, ele nã o iria (nos humanius
agentes) nem mesmo ir tã o longe quanto a justiça estrita e o direito
canô nico exigido, mas apenas decretaria deposiçã o contra os escrivã es
que fossem culpados do crime. maioria dos crimes”, escreve Mann. 100
Alé m disso, acrescenta Mann, uma reaçã o foi provocada entre os
escandalizados pelas acusaçõ es ou picados pelas crı́ticas e “essas
opiniõ es foram devidamente impressas no Papa” que, temendo que
“tivesse um aliado cujo pró prio zelo o tornasse perigoso … menos
favorá vel a ele”. 101
Essa mudança de atitude por parte do papa “corta a alma sensı́vel de
Damian”, a irma Mann, e Damian escreveu uma carta se defendendo em
resposta. 102 Mann observa que a reaçã o do papa a esta carta nã o é
registrada, mas cita o historiador francê s Delarc sobre as
consequê ncias: “E certo que Pedro Damiã o desempenhou apenas um
papel muito secundá rio durante o reinado de Leã o IX”. 103 Mann nã o
fornece uma citaçã o para seu relato sobre a reaçã o ao Liber
Gomorrhianus .
Elementos da narrativa de rejeiçã o de Mann entã o encontraram seu
caminho em obras de referê ncia cató licas do perı́odo. De acordo com
Leslie Toke, escrevendo em The Enciclopédia Católica (1911): “Até
mesmo o papa, que a princı́pio elogiou a obra, estava convencido de
que era exagerada, e sua frieza arrancou de Damiã o uma vigorosa carta
de protesto.” 104 Uma declaraçã o semelhante de Georges Bareille em
seu verbete de Peter Damian para o Dictionnaire de Theologie
Catholique de 1939, que parece ser inspirado no verbete anterior da
Enciclopédia Católica , nã o menciona os elogios feitos ao trabalho de
Leo, mas a irma que “ o pontı́ ice se comporta com certa frieza em
relaçã o a ele, ao que Damiã o reage de maneira muito sensı́vel”. 105 Um
leve eco da mesma a irmaçã o pode ser encontrado até mesmo na
importante obra de Owen Blum São Pedro Damião: Seu Ensinamento
sobre a Vida Espiritual (1949), na qual ele a irma que “Leo nã o aceitou
tã o prontamente a severidade de Damian, mas ele expressou sua
alegria pela edi icaçã o que Damian deu por sua vida e seus
ensinamentos”. 106
Essa narrativa entã o encontrou seu caminho no trabalho de estudiosos
de lı́ngua inglesa que buscavam minimizar a gravidade da sodomia ou
mesmo justi icá -la. 107 Em seu Homosexuality and the Western Christian
Tradition (1955), o teó logo revisionista Derrick Bailey a irma que “o
pró prio Leã o IX começou a ter dú vidas. Uma re lexã o posterior...
convenceu-o de que Pedro tinha ido longe demais, e ele se sentiu
obrigado a administrar um cheque ao zelo do reformador. Depois de
elogiar, portanto, o motivo por trá s de sua corajosa e direta defesa da
castidade e condenaçã o do vı́cio clerical, o papa passou a repreender
seu espı́rito duro e in lexı́vel”. 108 Essa alegaçã o de uma “repreensã o” é
ecoada por Pierre Payer em sua introduçã o à sua traduçã o do Liber
Gomorrhianus , na qual ele escreve que Leã o “nã o apenas difere de
Damian, mas parece emitir uma repreensã o leve”. 109
O estudioso revisionista homossexual John Boswell procede na mesma
linha em seu Cristianismo, Tolerância Social e Homossexualidade (1980),
alegando que “Leo se recusou a atender à exigê ncia de Pedro de que
todos os clé rigos culpados de qualquer tipo de ofensa homossexual
fossem removidos do cargo e insistiu Em vez disso, os clé rigos que nã o
se envolveram em tais atividades “como uma prá tica de longa data ou
com muitos homens” deveriam permanecer na mesma posiçã o que
ocupavam quando condenados, e que apenas aqueles nos estados mais
severamente pecaminosos poderiam ser degradados de suas
classi icaçã o." 110 Em referê ncia a esta a irmaçã o da rejeiçã o de Leã o da
“exigê ncia” de Damiã o, Boswell acha “particularmente impressionante
que Sã o Leã o tenha discordado de Sã o Pedro sobre este assunto” 111
dado seu acordo em outros pontos, e acrescenta que “Peter, de fato, nã o
teve sorte em convencer ningué m de que a sexualidade gay merecia
atençã o hostil, embora ele fosse extremamente in luente nos
movimentos de reforma da é poca”. 112 Alé m disso, acrescenta Boswell, o
livro foi visto sob uma luz tã o negativa que foi tirado à força de Damiã o
pelo papa Alexandre II, que “na verdade roubou o Liber Gomorrhianus
de Pedro e o manteve trancado”. 113
A aceitaçã o da tese da rejeiçã o por Boswell é aceita acriticamente por
Patricia Ranft em seu recente trabalho The Theology of Pedro Damião
(2012). Ranft repete a a irmaçã o de que Leo “discorda” com Damian
“sobre disciplinar os culpados”, a irmando que “Damian queria que os
clé rigos culpados de sodomia fossem removidos do cargo”, enquanto
“Leo removeria apenas o praticante hardcore”. Ela també m aceita a
a irmaçã o de Boswell de que os bispos em geral nã o foram persuadidos
em relaçã o ao problema, erroneamente alegando que “a hierarquia nã o
tratou do problema em nenhum concı́lio” e citando com aprovaçã o a
a irmaçã o de Boswell de que “Pedro de fato nã o teve sorte em
convencer ningué m de que gays sexualidade merecia atençã o hostil”.
114 Mesmo o mais matizado Glenn Olsen, um crı́tico de Boswell, aceita a
essê ncia da tese de rejeiçã o em seu recente trabalho Sodomitas,
Efeminados, Hermafroditas e Andróginos (2011), embora procure
defender a suposta rejeiçã o de Leo à s recomendaçõ es de Damian. 115
Apesar da popularidade da tese de rejeiçã o entre os estudiosos
recentes, ela parece ser pouco mais do que um meme acadê mico
duradouro baseado em uma leitura apressada e incompleta dos textos
relevantes, que foi inicialmente propagado por estudiosos cató licos
in luenciados pelo trabalho de Mann, e que acabou encontrou seu
caminho na literatura revisionista homossexual. A alegaçã o mais
importante, que é apresentada pela primeira vez por Mann e ecoada em
todas as versõ es da tese de rejeiçã o, é que o Papa Leã o IX resistiu à s
recomendaçõ es supostamente duras de Damiã o e decidiu responder
com mais clemê ncia. No entanto, a alegaçã o de que Damiã o
recomendou medidas mais duras do que as adotadas por Leã o é
facilmente refutada por referê ncia à s declaraçõ es claras de Damiã o no
capı́tulo inal do Liber , no qual ele pede explicitamente ao papa para
distinguir entre diferentes graus de sodomia na determinaçã o de
puniçõ es, oferecendo a possibilidade de penitê ncia e restauraçã o ao
estado clerical para aqueles que caem nos graus menores do pecado.
Isso é , de fato, precisamente o que o papa faz em sua resposta a
Damiã o, seguindo suas sugestõ es quase ao pé da letra, embora o
pró prio esquema do papa seja um pouco mais severo que o de Damiã o.
Como observado anteriormente, Damiã o sugere que o papa determine
o grau da puniçã o com base no nú mero de cú mplices e no grau de sua
severidade, enquanto Leã o acrescenta a isso um terceiro crité rio, que é
o tempo durante o qual o perpetrador esteve envolvido em o
comportamento. Isso signi ica que mesmo a masturbaçã o solitá ria ou a
sodomia femoral com poucos cú mplices, se for um há bito antigo,
resultaria na perda permanente da ordem eclesiá stica, resultado que o
esquema proposto por Damiã o nã o implicava.
A confusã o de Mann parece ter surgido da leitura da carta de Leo sem
consultar su icientemente o Liber Gomorriano para contextualizar, mas
també m pode ter resultado de uma leitura incompleta da obra em si,
ou seja, o argumento de Damiã o, avançado nos capı́tulos 14-16, de que
a antiga lei canô nica exige a demissã o do sacerdó cio de qualquer
pessoa que tenha cometido um ato de sodomia . No entanto, esse
ponto parece ser feito apenas para ins retó ricos, para estabelecer a
gravidade do crime e a frouxidã o implı́cita no que parecem ser câ nones
espú rios inseridos em textos legais, e é claramente contrariado pela
sugestã o inal de Damiã o de que o papa mostrasse clemê ncia para
graus menores de sodomia. Isso nã o deve surpreender, porque as
recomendaçõ es de Damian para clemê ncia gradual no Livro de Gomorra
re lete sua abordagem a outros tipos de corrupçã o clerical da é poca,
particularmente a ordenaçã o simoniacal. Embora de acordo com a letra
da lei, tais ordenaçõ es ilı́citas normalmente exigiriam a degradaçã o de
um padre de seu grau de ordem (uma medida muitas vezes exigida por
leigos e clé rigos indignados na é poca), Damian considera tal medida
impossı́vel em grande parte escala, e recomenda a restauraçã o dos
culpados de graus menores do delito apó s um perı́odo de penitê ncia.
116
Embora Damian implique que a letra dos câ nones penais tradicionais
da Igreja nã o permitiria que ningué m culpado de qualquer ato de
sodomia retornasse ao estado clerical, ele repetidamente sugere que
sua pró pria abordagem nã o seria tã o rigorosa. Por exemplo, no capı́tulo
3 ele reclama que os prelados permissivos sustentam que “aquele que é
conhecido por ter caı́do neste mal com oito, ou mesmo dez outros que
sã o igualmente imundos, deve ser considerado como permanecendo
em sua ordem”, quali icando a proibiçã o pela frequê ncia do pecado, e
no capı́tulo 4, ele condena a noçã o de que aqueles que sã o
“habitualmente corrompidos” pela perversã o sexual devem ser
admitidos no estado clerical ou permitidos a permanecer lá , em vez de
procurar excluir todos aqueles que tê m alguma vez cometeu tais atos.
Alé m disso, como indico em nota de rodapé da carta de Leã o, a frase
citada por Mann para justi icar a noçã o de que Leã o rejeitou a
severidade de Damiã o, nos humanius agentes (“nó s, agindo mais
humanamente”) nã o é uma farpa dirigida contra Damiã o, mas antes
um uso irô nico da pró pria linguagem do Concı́lio de Ancira para
dispensar a severidade dos câ nones penais do mesmo concı́lio, que
foram citados por Damiã o para indicar o rigor da lei antiga. O pró prio
Concı́lio de Ancira, realizado em 314, havia diminuı́do a pena de
excomunhã o perpé tua aplicada por concı́lios anteriores, como o
Concı́lio de Elvira, aos autores de infanticı́dio ou aborto, usando
linguagem muito semelhante à adotada por Leã o em sua carta a
Damiã o . No câ non 2 de Ancira, o concı́lio é citado como decretando:
“Em relaçã o à s mulheres que fornicam e matam seus recé m-nascidos,
ou que fazem com que os concebidos sejam expulsos [do ventre], a
antiga de iniçã o as remove da Igreja até o inal de sua vida. vidas. No
entanto, de inimos de forma mais humana…” 117 A estrutura desta
expressã o é inequivocamente replicada por Leã o, que escreve: “De
acordo com os ditames da justiça, todos aqueles que estã o poluı́dos
com a imundı́cie de qualquer um dos quatro tipos acima mencionados
sã o expulsos de todos os graus de ordem do Igreja imaculada, tanto em
nosso pró prio julgamento como no dos câ nones sagrados. No entanto,
nó s, agindo de forma mais humana, desejamos e assim ordenamos…”
Aparentemente, foi a mesma leitura equivocada da declaraçã o de Leo
que levou Bailey e Payer a concluir que Damian havia até sido
“repreendido” por Leo, uma a irmaçã o particularmente difı́cil de
conciliar. com o fato de que Leã o usa as expressõ es mais superlativas
para elogiar Damian, até mesmo prevendo sua coroaçã o celestial.
A alegaçã o adicional feita por Mann (e ecoada por Toke, Bareille, Bailey
e Payer) de que o papa de alguma forma se voltou contra Damian em
resposta a uma reaçã o crı́tica à obra é baseada em uma leitura
altamente conjectural da Carta 33 de Damian, escrita a Leo em data
desconhecida. 118 Embora ique claro na carta que Damiã o acreditava
que o papa havia sido in luenciado por uma campanha de sussurros
contra ele, ela nã o conté m nenhuma indicaçã o do motivo da campanha,
a irmando apenas que ela é orquestrada por aqueles que se opõ em ao
seu zelo reformador. 119 No entanto, Damiã o nã o estava apenas lutando
contra o pecado da sodomia, mas ainda mais contra o casamento
clerical e o concubinato, bem como as ordenaçõ es simoniacais, todas
as quais, sem dú vida, provocaram muita inimizade contra ele por parte
do clero muitas vezes corrupto da Itá lia. Portanto, é pura conjectura
a irmar que o papa se voltou contra Damiã o por causa do Livro de
Gomorra , uma conjectura que Mann avança como fato. 120
Embora a carta 33 indique que o relacionamento entre Damian e Leo
foi prejudicado pelos detratores de Damian, nã o está claro que a briga
tenha sido permanente. Outras cartas escritas por Damian durante o
ponti icado de Leã o indicam uma forte relaçã o de trabalho em que Leo
fez de Damian seu representante o icial com o objetivo de resolver
contrové rsias, um papel que Damian també m desempenharia em
outros ponti icados. Se essas cartas foram escritas apó s a carta 33, o
relacionamento foi restaurado rapidamente, e isso parece ser
con irmado pelo fato de que os sucessores de Leã o izeram de Damiã o
um cardeal bispo e lhe con iaram as mais altas responsabilidades. No
entanto, a ordem das letras é impossı́vel de determinar com certeza.
A estranha a irmaçã o feita por Boswell e repetida com aprovaçã o por
Ranft de que “Peter, de fato, nã o teve sorte em convencer ningué m de
que a sexualidade gay merecia atençã o hostil”, é desmentida nã o
apenas pela recepçã o efusivamente positiva por parte de Leo em sua
carta a Damian e o decreto penal decretado pelo papa, mas també m
pelo fato de que no mesmo ano da publicaçã o do Liber Gomorrhianus
(1049 segundo Reindel), Leã o presidiu um concı́lio reformista francê s
que decretou que a sodomia fosse punida com o mais severo dos penas
eclesiá sticas. De acordo com o texto dos atos contidos nos Annales
Ecclesiastici , o concı́lio, realizado em Reims na segunda metade de
1049, determinou que os “sodomitas” fossem tratados como hereges e
excomungados da Igreja. 121 Leã o, portanto, decretou puniçõ es para a
sodomia na França e na Itá lia apó s a recepçã o do trabalho de Damiã o,
di icilmente prova de que ele nã o levava a sé rio as preocupaçõ es de
Pedro.
Finalmente, a alegaçã o feita por Boswell de que o Papa Alexandre II
roubou o Livro de Gomorra de Damiã o só pode ser julgada como
totalmente infundada, baseada em uma leitura ainda mais conjectural
da Carta 156 de Damiã o. Nesta carta, que foi escrita vinte anos apó s a
publicaçã o do Livro de Gomorra , e que é um dos mais estranhos em seu
corpus, Damiã o reclama que Alexandre lhe tirou um livro de grande
valor e se recusou a devolvê -lo por algum motivo nã o declarado, tendo-
o trancado. Ele nã o nomeia o livro e nem mesmo indica claramente que
o livro era de sua autoria. Boswell nã o tem como saber que o livro era o
Liber Gomorrhianus , uma conjectura muito imprová vel, uma vez que o
livro já havia sido publicado vinte anos antes, e con iscá -lo seria inú til
para ins de censura. Alé m disso, nã o temos motivos para acreditar que
Alexandre teria objetado ao conteú do do livro, particularmente à luz do
fato de que ele era um forte defensor da cruzada de Damiã o para
reformar a moral sexual do clero e dos leigos.
Ao ser examinada, a tese de rejeiçã o só pode ser vista como um
acidente da histó ria, um meme tê nue baseado em erudiçã o precipitada
que nã o é sustentado por – e até mesmo claramente contradiz – as
evidê ncias histó ricas contidas no Livro de As outras cartas de Gomorra
e Damiã o, a carta de endosso de Leã o IX e outros documentos de apoio
do perı́odo.
duas das
fontes anteriormente desconhecidas de Damian
Como observado acima, o Livro de Gomorra cita extensivamente
autoridades eclesiá sticas por meio de obras de referê ncia que à s vezes
nã o eram con iá veis. Citaçõ es que podem ter se originado com um
concı́lio da Igreja ou um escritor eclesiá stico obscuro foram à s vezes
atribuı́das a um famoso Padre da Igreja ou mesmo à Bı́blia em tais
compilaçõ es. O uso dessas fontes imperfeitas por Damian o levou a
atribuir incorretamente vá rias de suas citaçõ es, duas das quais
permaneceram um misté rio para os estudiosos.
A primeira é a seguinte passagem, que no capı́tulo 22 Damiã o atribui a
Sã o Beda, o Venerá vel, o ú ltimo dos Padres da Igreja latina:
Aquele que assim dá esmolas sem descarregar sua culpa, nã o redime sua alma,
que ele nã o restringe dos vı́cios. Isso é demonstrado pelas açõ es daquele
eremita que, tendo muitas virtudes, entrou na vida eremı́tica com um certo
associado seu. O demô nio injetou nele o pensamento de que, sempre que suas
paixõ es sexuais fossem excitadas, ele deveria descarregar seu sê men
esfregando seu membro genital, assim como poderia expelir muco pelas
narinas. Por esta razã o, ele foi entregue aos demô nios enquanto morria,
enquanto seu companheiro observava. Entã o o mesmo companheiro, que
ignorava sua culpa, e lembrando seus exercı́cios virtuosos, quase se
desesperou, dizendo: “Quem pode ser salvo, se este homem pereceu?” Entã o
um anjo que estava ao seu lado disse-lhe: “Nã o se preocupe; pois este homem,
embora tenha feito muitas coisas, manchou tudo com aquele vı́cio que o
apó stolo chama de impureza. 124
Esta citaçã o nã o é encontrada em nenhum lugar nas obras existentes de
Beda, e até agora os pesquisadores nã o conseguiram descobrir suas
origens. Como mostro na nota de rodapé correspondente de minha
traduçã o, a declaraçã o é de fato uma composiçã o de duas declaraçõ es
diferentes, a primeira uma citaçã o um tanto distorcida do papa do
sé culo VI Sã o Gregó rio, o Grande (540-604), e a segunda de um
comentá rio sobre a citaçã o, que parece originar-se de uma obra do
sé culo X de Sã o Odo de Cluny.
A primeira frase da passagem: “Aquele que assim dá esmolas sem
descarregar sua culpa, nã o redime a alma que nã o restringe dos vı́cios”.
125 é uma forma alterada de uma declaraçã o da Moralia in Job de
Gregório (Homilias morais sobre o Livro de Jó ), onde aparece o
seguinte: “Pois quem quer sempre pecar e sempre dar esmolas, dá
dinheiro em vã o, porque ele nã o redime a alma que nã o restringe dos
vı́cios”. 126 A origem da versã o parafraseada de Damian desta citaçã o
parece clara: aparece literalmente nas Collationes de St. Odo, abade de
Cluny, 127 onde é explicitamente atribuı́do à Moralia de Gregório 128 e é
seguido pelo comentá rio do pró prio Odo, que aparece no capı́tulo
seguinte imediatamente apó s a citaçã o. 129 O comentá rio é idê ntico à
histó ria do monge fornecida por Damiã o em sua citaçã o de “Beda”.
Esta, entã o, é a origem de toda a citaçã o. 130
Apó s a publicaçã o de Collationes de Odo , sua pará frase da Moralia de
Gregório junto com seu comentá rio foi publicada em outros
manuscritos sem a divisã o de capı́tulos distinguindo-os e sem a
atribuiçã o correta. Encontrei um exemplo disso em De Corpore et
Sanguine Christi , 131 uma obra do bispo italiano do sé culo X Gezo de
Tortona, contemporâ neo de Odo. Gezo apresenta a citaçã o de Gregó rio
com o comentá rio de Odo sob um ú nico tı́tulo de capı́tulo e nã o inclui
nenhuma atribuiçã o. E nessa forma composta que a citaçã o chegou à
biblioteca de Damian, embora nã o esteja claro se Damian tinha o
trabalho de Gezo ou outro trabalho reproduzindo o texto de maneira
semelhante. Como isso foi inalmente atribuı́do a Beda també m é um
misté rio.
A ediçã o crı́tica de Reindel do Liber Gomorrhianus e as traduçõ es de
Blum e Payer trataram a primeira frase do texto como uma citaçã o de
origem desconhecida, e o resto do texto como o pró prio comentá rio de
Damian sobre a citaçã o. No entanto, Gaetani apresenta todo o texto
como uma citaçã o oferecida por Damiã o e atribuı́da a Beda, sem
acrescentar nenhuma citaçã o das obras de Beda para substanciar isso.
Ambas as abordagens tê m um elemento de verdade; a citaçã o original
era distinta do comentá rio, mas a fonte de Damian as mistura e ele as
cita juntas como um ú nico texto.
A segunda citaçã o em questã o apresenta um problema semelhante. No
capı́tulo 24 do Livro de Gomorra, Damian escreve:
Como, eu pergunto, você pode se desesperar da abundante misericó rdia do
Senhor, que até repreendeu Faraó , porque ele nã o fugiu para o remé dio da
penitê ncia depois de pecar? Ouça o que ele diz: “Esmaguei os braços de Faraó ,
rei do Egito, e ele nã o pediu para ser curado, e que lhe fosse devolvida a força
para empunhar a espada.”
Este parece ser simplesmente o pró prio texto de Damiã o seguido por
uma citaçã o das Escrituras, que é uma pará frase grosseira de Ezequiel
30:21. 132 No entanto, a mesma pará frase aparece palavra por palavra
em uma citaçã o no Libri Decretorum de Burchard of Worms , 133
acompanhado de um comentá rio semelhante. Burchard, por sua vez,
atribui a citaçã o a Sã o Joã o Crisó stomo escrevendo a Teodoro de
Mopsué stia. Os pesquisadores nã o conseguiram localizar essa citaçã o
nos escritos de Crisó stomo, mas descobri que ela ocorre praticamente
literalmente em De Reparatione Lapsi (Sobre a Reparaçã o dos
Caducados), uma obra do escritor eclesiá stico do inı́cio do sé culo V
Bachiarius da Espanha:
Como, eu pergunto, podemos desesperar da misericó rdia do Senhor, que até
repreendeu Faraó , [perguntando-lhe] por que ele nã o era digno de qualquer
forma de fazer penitê ncia, dizendo atravé s do profeta de Faraó : “Esmaguei os
braços de Faraó , rei do Egito, e ele nã o pediu para ser curado, e que lhe fosse
devolvida a força para empunhar a espada”. 134
Este texto inclui a mesma pará frase de Ezequiel 30:21, com um
comentá rio anterior semelhante, tornando quase certo ser a verdadeira
origem da citaçã o. Trê s capı́tulos antes em seu pró prio trabalho,
Burchard atribui outra citaçã o de Crisó stomo ao De Reparatione Lapsi
de Bachiarius , embora de fato essa citaçã o nã o apareça como obra de
Bachiarius; talvez Burchard ou um editor posterior tenham confundido
os dois textos.
85 Este tı́tulo tem sido usado para se referir ao livro desde o sé culo XIV , mas
parece nã o ter sido usado por Pedro Damiã o nem por seus contemporâ neos.
Isso levou Glenn W. Olsen, um importante estudioso de Damian, em seu livro
Sodomitas, Efeminados, Hermafroditas e Andróginos (Toronto: Ponti ical Institute
for Medieval Studies, 2011), 203, 209, a criticar aqueles que usam esse antigo
tı́tulo e a propor como alternativa a ainda menos histó rica “Carta 31”, retirada
do sistema de numeraçã o usado por Kurt Reindel em sua ediçã o crı́tica das
cartas de Damian. No entanto, optei por manter o tı́tulo tradicional, que foi
dado à obra por um consenso de longa data na Igreja Cató lica, mesmo que nã o
seja originá rio do pró prio Damiã o.
86 Jean Leclercq, Pierre Damien, ermite et homme d'Église (Roma: Edizioni di
storia e letteratura, 1960), 172, citado pelo Papa Bento XVI, Audiê ncia Geral,
Sala de Audiê ncias Paulo VI, 9 de setembro de 2009, em w2.vatican .va.
87 Gê nesis 19.
88 Embora outras razõ es també m sejam dadas no Antigo Testamento para a
destruiçã o das cidades de Sodoma e Gomorra (como negligê ncia dos pobres e
arrogâ ncia; veja Ez. 16:49–50), tanto o Antigo quanto o Novo Testamento
associam claramente imoralidade sexual e perversã o com a condenaçã o das
duas cidades (ver Gn. 19:4-9; Ez. 16:50; Jr. 23:14; Jud. 7).
89 Damian estabelece inicialmente quatro graus de sodomia no capı́tulo dois,
que sã o (em ordem decrescente de gravidade): có pula anal, có pula femoral,
masturbaçã o mú tua e masturbaçã o solitá ria. No capı́tulo quatorze ele mostra
que a sodomia é compará vel à bestialidade no direito canô nico histó rico. No
capı́tulo quatro, ele torna a contracepçã o, especi icamente o pecado de Onã
(que se retirou no momento da ejaculaçã o; veja Gê nesis 38:9-10), uma espé cie
de sodomia també m. No entanto, ele nã o indica o lugar da bestialidade e da
contracepçã o dentro de seu sistema de gradaçã o.
90 Ver o Catecismo de a Igreja Católica , par. 2357.
91 Ver Reginald Biron, St. Pierre Damien (1007–1072) , 20ª ed. (Paris: Victor
Lecoffre, 1908), 56-57.
92 Por exemplo, o Corrector , o dé cimo nono livro do Libri Decretorum de
Burchard de Worms (PL 140, 949A–1014C), uma obra do sé culo XI que se
acredita fornecer grande parte do material de origem para os capı́tulos de
Damian sobre manuais canô nicos defeituosos, tem descriçõ es igualmente
detalhadas dos pecados sexuais.
93 Veja Gen. 19.
94 Por exemplo, pelo Concı́lio de Chalons em 814 (ver Mansi , vol. 14, 101), que
reclama no câ non 38 que os livros penitenciais tê m “certos erros” e “autores
incertos” e ordena o “repú dio” e “eliminaçã o” de tais livros.
95 Horace K. Mann, As Vidas de os Papas na Idade Média , vol. 6 (St. Louis: B.
Herder, 1910).
96 Leslie Alexander St. Lawrence Toke , “ Peter Damian”, em The Catholic
Encyclopedia, vol. 11, 764-766 (Nova York: Robert Appleton Company, 1911).
Toke nã o cita o trabalho de Mann em sua bibliogra ia, mas Mann també m
contribuiu para o dé cimo primeiro volume e dado que Mann parece ser o
primeiro a avançar a tese de rejeiçã o, parece prová vel que seu trabalho (ou sua
in luê ncia pessoal) tenha sido a fonte da mesma tese que aparece na entrada
de Toke.
97 Georges Bareille, “DAMIEN (Saint Pierre)”, In Dictionnaire de Theologie
Catholique , vol. 4, 40-54 (Paris: Librairie Letouzey et Ane, 1939).
98 Derrick Sherwin Bailey, Homosexuality and the Western Christian Tradition
(Londres: Longman's, Green, 1955).
99 John Boswell, Cristianismo, Tolerância Social e Homossexualidade (Chicago:
University of Chicago Press, 1980).
100 Mann, As Vidas de os Papas , 51. Nos humanius agentes (“nó s, agindo mais
humanamente”) é uma citaçã o da carta de Leã o. Veja a traduçã o completa da
carta que precede minha traduçã o do Livro de Gomorra .
101 Mann, As Vidas de os Papas , 52.
102 Ou seja, a Carta 33, que será detalhada a seguir.
103 Mann, As Vidas de the Popes , 53. Para um contexto completo, ver M. l'Abbe
Delarc, Un Pape Alsacien: essai historique sur Saint Léon IX et son temps (Paris: E.
Plon, 1876), 166.
104 Toke, “Peter Damian”, 765.
105 “Le pontife lui té moigna mê me quelque froideur, à laquelle Damien se
montra trè s sensible.” Bareille, “DAMIEN (Saint Pierre)”, 42. Traduçã o minha.
106 Blum, São Pedro Damião , 20-21.
107 Estudiosos franceses e alemã es parecem ter geralmente descartado a tese
de rejeiçã o ou parecem nã o ter conhecimento dela, principalmente o principal
bió grafo moderno de Damian, Jean Leclercq, em seu Saint Pierre Damien ,
ermite et homme d'eglise (Roma: Edizioni di storia e letteratura , 1960), 70.
Entre os estudiosos angló fonos, é notavelmente refutado por William D.
McCready, Odiosa sanctitas: St. Peter Damian, Simony, and Reform (Toronto:
Ponti ical Institute of Medieval Studies, 2011), 211–215.
108 Bailey, Homosexuality , 114, citado em Boswell, Christianity, 212.
109 Livro de Gomorra: um tratado do século XI contra práticas homossexuais
clericais , ed. e trans. Pierre J. Payer (Waterloo, Ontá rio: Wilfrid Laurier
University Press: 1982), 18.
110 Boswell, Cristianismo, 212.
111 Ibid.
112 Ibid., 213.
113 Ibid.
114 Patricia Ranft, A Teologia da Peter Damian: 'Deixe sua vida sempre servir como
testemunha.' (Washington, DC: Catholic University of America Press, 2012), 88-
89.
115 Olsen, Sodomitas , 206-207.
116 Ver, por exemplo, a abordagem de Damian à s ordenaçõ es simoniacais em
Milã o, em sua carta 65 em Reindel , vol. 2, 246.
117 Da antiga traduçã o do concı́lio por Dionı́s io Exiguus (PL 67, 154C–D).
118 Kurt Reindel acredita que foi escrito entre 1050 e 1054 ( Riendel , vol. 1,
332).
119 Ver carta 33 em Reindel , vol. 1, 332-333.
120 Franz Neukirch, Das Leben des Petrus Damiani (Gö ttingen, 1875), 55,
també m contesta essa a irmaçã o, que havia sido feita sé culos antes por Cé sar
Baronius nos Annales Ecclesiastici , observando o forte apoio do papa a Damiã o
em sua carta de resposta a o livro. Alguns estudiosos deram importâ ncia à
citaçã o de Damiã o de um versı́culo da Escritura relacionado a Sodoma e
Gomorra nesta carta (Gn 18:20-21), mas sua referê ncia nã o é ao vı́cio, mas ao
exemplo de Deus investigando reclamaçõ es antes de agir. sobre eles. Esta
referê ncia seria incongruente se Damiã o estivesse defendendo o Livro de
Gomorra , dado que ele é o acusador nessa carta.
121 Cé sar Baronius, Annales Ecclesiastici , vol. 17 (Paris, 1869), 30. O texto que
descreve os câ nones inclui uma excomunhã o contra os culpados de heresia ou
de cooperar com hereges: “E porque novas heresias surgiram na Gá lia, [o
concı́lio] as excomungou, acrescentando aqueles que aceitam ofı́cio ou serviço
deles, ou que lhes dã o qualquer tipo de defesa”, seguido de: “Condenou os
sodomitas da mesma maneira” (Pari modo damnavit et Sodomitas) . Traduçã o
minha.
122 Deve-se notar que modernizei a ortogra ia das citaçõ es do original Douay-
Rheims, mas deixei o texto intacto.
123 Pedro Damiã o, Os Padres de a Igreja Medieval Continuação: As Cartas de Peter
Damian: 31-60, trad. Owen J. Blum (Washington: Catholic University of America
Press, 1990).
124 Os inconvenientes decorrentes das traduçõ es imprecisas e à s vezes
errô neas de Blum sã o observados por Toivo J. Holopainen, “Erros em algumas
passagens na traduçã o de OJ Blum (1998) de De divina omnipotentia”, um
suplemento ao seu artigo “Peter Damian” na The Stanford Encyclopedia o f
Filoso ia , ediçã o de inverno de 2012, em plato.stanford.edu. A natureza
problemá tica do estilo “interpretativo” de Blum em sua traduçã o do Liber
Gomorrhianus també m é notada pelo historiador Glenn Olsen, Sodomitas , 205.
125 Reindel , vol. 1, 319. Traduçã o minha.
126 “Qui ita elemosinam tribuit, ut culpam non dimittat, animam non redimit,
quam a vitiis non compescit.”
127 “Nam qui et sempre peccare vult, et quase sempre eleemosynam largiri,
frustra pretium tribuit, quia non redimit animam, quam a vitiis non compescit.
” Livre 12, cap. 51 (PL 75, 1013B).
128 Lib. 3, cap. 25 (PL 133, 570C).
129 Lib. 3, cap. 26 (PL 133, 570C-D). A semelhança deste comentá rio de Odo já
foi notada por Olsen, Sodomitas , 272, nota 31, embora Olsen nã o resolva a
origem da citaçã o atribuı́da a Beda, nem sua fusã o com o comentá rio de Odo.
130 Essa correlaçã o com a Moralia de Gregório foi descoberta simultaneamente
por Gianandrea de Antonellis, cuja traduçã o italiana do Liber Gomorrhianus
també m foi publicada este ano pela Edizioni Fiducia.
131 Cap. 60 (PL 137, 403A).
132 A citaçã o de Damiã o diz: “Esmaguei os braços do Faraó , rei do Egito, e ele
nã o pediu para receber saú de e para que lhe fosse devolvida a força para
empunhar a espada.” A Vulgata Clementina diz: “Filho do homem, eu quebrei o
braço de Faraó , rei do Egito; e eis que nã o está atado, para ser curado, para ser
atado com roupas, e envolto em linho, para recuperar forças. , e empunha a
espada.”
133 Lib. 19, cap. 48 (PL 140, 994C).
134 Bachiarius, De Reparatione Lapsi , cap. 11 (PL 20, 1048A). Traduçã o minha.
O texto latino é precisamente o mesmo que aparece mais tarde no livro 19 do
Libri Decretorum de Burchard : “Qualiter, rogo, de misericordia Domini
possumus desperare, qui etiam Pharaonem arguit, quare nequaquam
poenitere dignatus sit, dicens in Propheta Pharaonis: Brachia regis Egypti
contrivi ; et non est deprecatus ut daretur in eo sanitas, et redderetur ei virtus
ad compreendum gladium.”
A CARTA DO PAPA LEAO A PETER
DAMIAN SEGUINDO O LIVRO DE
GOMORRA, CONFIRMANDO-O POR SUA
AUTORIDADE APOSTOLICA
Leã o, 135 Bispo, Servo dos Servos de Deus, ao ilho amado em Cristo,
Pedro, o eremita: a alegria da bem-aventurança eterna.
213 Esta é uma referê ncia à metá fora acima dos “arbustos espinhosos”.
214 Isto é , os Santos Padres, os papas.
215 Esta parece ser uma referê ncia a Theodore, Arcebispo de Canterbury (d.
690), que publicou um famoso manual de câ nones penitenciais.
216 Vá rios manuais medievais de câ nones penitenciais traziam este tı́tulo. Ver
Philip Schaff, History of a Igreja Cristã , v. 4 (Nova York: Filhos de Charles
Scribner, 1913), 371-374.
217 Os Câ nones dos Apó stolos ou Câ nones Apostó licos sã o uma coleçã o de
antigas leis eclesiá sticas que faziam parte das Constituiçõ es Apostó licas, uma
obra mais ampla que resume o ensinamento cristã o publicado pela primeira
vez no sé culo III.
218 Concı́lio realizado por bispos cató licos na cidade de Ancira na Galá cia (hoje
Ancara, Turquia) em 314, ano seguinte ao im da ú ltima perseguiçã o aos
cristã os pelos imperadores romanos. Entre outros assuntos, prescreveu vá rias
penitê ncias para aqueles que haviam repudiado sua fé durante a perseguiçã o
do imperador Diocleciano e que desejassem retornar à comunhã o, bem como
penitê ncias por mau comportamento sexual e outros pecados. O concı́lio, em
suas traduçõ es e interpretaçõ es latinas, tornou-se uma importante fonte de
manuais penitenciá rios medievais.
219 A citaçã o do Concı́lio de Ancyra segue no inı́cio do pró ximo capı́tulo.
XIV
DAQUELES QUE FORNICAM
IRRACIONALMENTE; OU SEJA , QUEM SE
MISTURA COM ANIMAIS OU SAO
POLUIDOS COM MACHOS 220
Quanto aos que viveram irracionalmente ou continuam a fazê -lo: Aqueles que
cometeram tal crime antes dos vinte anos podem ser admitidos à comunhã o
de oraçã o depois de terem feito quinze anos de penitê ncia. Entã o, depois de
cinco anos nesta comunhã o, eles podem inalmente receber os sacramentos da
oferta. 221 No entanto, sua vida durante o perı́o do de penitê ncia deve ser
investigada antes de obter misericó rdia, pois se eles aderem insaciavelmente a
essas ofensas, devem passar mais tempo fazendo penitê ncia. Aqueles que
atingiram vinte anos de idade e sã o casados e caem neste pecado devem fazer
vinte e cinco anos de penitê ncia e entã o sã o recebidos na comunhã o de oraçã o.
Depois de permanecer neste estado por cinco anos, eles podem inalmente
receber os sacramentos da oferta. Mas aqueles que assim pecam, que tê m
esposas e já passaram dos cinqü enta anos, devem receber a graça da
comunhã o 222 no inal de suas vidas. 223
Eis que na mesma inscriçã o desta venerá vel autoridade vemos
claramente que nã o apenas aqueles que fornicam na retaguarda, mas
també m aqueles que de alguma forma estã o poluı́dos com homens, sã o
comparados em todos os aspectos com aqueles que se deitam com
animais. Se considerarmos as palavras intercaladas, 224 percebemos
que eles foram colocados ali com cuidado e discernimento muito
judicioso, como está escrito: “Aqueles que se misturam com animais ou
sã o poluı́dos com machos”. Pois se com esta frase, “os que estã o
poluı́dos com homens”, pretendia indicar aqueles que fornicam na
retaguarda, 225 nã o teria sido absolutamente necessá rio acrescentar
duas palavras, quando somente com “mix” poderia ter expressado sua
intençã o.
De fato, seria su iciente para a brevidade do estilo se a frase inteira
tivesse sido composta com um verbo, dizendo: “aqueles que se
misturam com animais ou machos”. Pois aqueles que se adulteram em
um sentido sã o aqueles que violam os animais, e em outro sentido sã o
aqueles que violam os machos pela retaguarda. Mas, como diz que
alguns se misturam com animais, outros nã o “se misturam”, mas “sã o
poluı́dos” com machos, certamente ica claro que no inal da frase ela
julga nã o os corruptores dos machos, mas os “poluidores”. No entanto,
deve-se notar que este regulamento foi instituı́do principalmente em
relaçã o aos leigos, o que se deduz facilmente das seguintes palavras:
“Aqueles que cometeram tal crime antes dos vinte anos podem ser
admitidos à comunhã o tendo feito quinze anos de penitê ncia, entã o,
depois de cinco anos nesta comunhã o, eles podem inalmente receber
os sacramentos da oferta”.
Se, portanto, qualquer leigo culpado deste crime é admitido à
comunhã o de oraçã o depois de cumprir vinte e cinco anos de
penitê ncia, mas ainda nã o é permitido receber os sacramentos da
oferta, como é considerado apropriado que um sacerdote nã o apenas
receba, mas també m para oferecer e consagrar os sagrados misté rios?
Se ele mal tem permissã o para entrar na igreja para orar com os outros,
como é que ele pode se aproximar do altar do Senhor para interceder
pelos outros? Se ele nã o tem o direito de ouvir as santas solenidades
das missas antes de completar um perı́odo tã o longo de penitê ncia,
como é digno de celebrá -las solenemente? Se o primeiro, que pecou
menos enquanto anda pela estrada larga do mundo, 226 é indigno de
receber na boca a celeste oferenda da Eucaristia, como poderá esta
ú ltima ser digna de lidar com tã o terrı́vel misté rio com mã os poluı́das?
Consultemos novamente o mesmo Conselho de Ancyra e o que ordenou
para o mesmo crime: 227
220 Este é o tı́tulo dado em coleçõ es medievais de direito canô nico, como a
Collectio Dionysio-Hadriana, a Collectio Canonum Quadripartia, a Collectio
Dacheriana e o Libri Decretorum de Burchard, ao texto do câ none 16 do Concı́lio
de Ancyra, que segue imediatamente . O tı́tulo aplica o grego para “aqueles que
viveram irracionalmente” (que é relatado em diferentes versõ es dos câ nones
gregos como αλογευσαμενων [ Hefele , 215] ou αλογῶς διαγοντῶν [traduçã o de
Isidorus Mercator, PL 130, 265A]) aos culpados de bestialidade ou atos
homossexuais. A fonte de Damian para o tı́tulo é provavelmente o Libri
Decretorum de Burchard , lib. 17, cap. 30 (PL 140, 924D-925A). Outros câ nones
ocidentais parecem ter sido in luenciados pela mesma interpretaçã o. Assim,
como Percival , 70, observa, um câ none inglê s do tempo do rei Edgar que se
baseava neste mesmo câ none diz: “Se algué m de vinte anos se contaminar com
uma besta ou cometer sodomia, que jejue quinze anos …."
221 Os “sacramentos de oferenda” sã o a Eucaristia ou Sagrada Comunhã o, que
a Igreja Cató lica entende como uma oferta de sacrifı́cio a Deus.
222 Ou seja, deve-se dar o viaticum, sacramento da Sagrada Comunhã o
recebido na hora da morte.
223 Este pará grafo é o câ none 16 do Concı́lio de Ancyra, que é quase idê ntico
ao dado por Burchard no Libri Decretorum , lib. 17, cap. 30 (PL 140, 924D-
925A), que por sua vez foi baseado na traduçã o de Dionı́sio Exiguus, que
primeiro traduziu o câ non para o latim no inı́cio do sé culo VI (veja o Codex
Canonum Ecclesiasticorum , PL 67, 154C-D).
224 Isto é , no tı́tulo do câ non.
225 Isto é , somente aqueles que fornicam na retaguarda.
226 Esta é uma referê ncia a Mateus 7:13: “Entrai pela porta estreita, porque
larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdiçã o, e muitos sã o os
que entram por ela”.
227 A citaçã o do Concı́lio de Ancyra segue no inı́cio do pró ximo capı́tulo.
XV
DAQUELES QUE JA FORAM POLUIDOS POR
ANIMAIS OU COM HOMENS,
OU QUE CONTINUAM A DELINGIR
NESTE VICIO 228
“Aqueles que viveram irracionalmente e poluı́ram outros com a lepra
desta grave ofensa sã o ordenados pelo santo sı́nodo a adorar com
aqueles que sã o atormentados por um espı́rito impuro”. 229 Como
claramente nã o diz aqueles que “corrompem” os outros com a lepra
desta grave ofensa, mas sim “poluem” (o que també m concorda com o
pró prio tı́tulo anterior, que começa nã o com aqueles que foram
“corrompidos”, mas com aqueles que que foram “poluı́dos”), é
certamente claro que se um homem de alguma forma foi poluı́do com
outro homem pelo ardor da luxú ria, ele é ordenado a orar nã o entre os
cristã os cató licos, mas entre os endemoninhados. Pois se os sodomitas
sã o incapazes de compreender por si mesmos o que eles sã o, eles
podem de qualquer modo ser ensinados por aqueles com quem eles
sã o enviados para a penitenciá ria comum de oraçã o. E certamente é
bastante apropriado que aqueles que trocam sua carne com demô nios
por meio de um comé rcio tã o sujo contra a lei da natureza, contra a
ordem da razã o humana, recebam um lugar comum de oraçã o com os
endemoninhados. Pois como a pró pria natureza humana resiste
profundamente a esses males, e a falta de diferença sexual é
abominá vel, é mais claro que a luz que eles nunca ousariam se envolver
em tais perversidades a menos que os espı́ritos malignos os
possuı́ssem completamente como “vasos de ira, preparados para
destruiçã o." 230 Mas quando eles começam a possuı́-los, eles derramam
o veneno infernal de sua malignidade em todo o coraçã o invadido que
eles enchem, para que agora possam desejar com â nsia nã o as coisas
que um movimento natural do corpo exige, mas o que só diabó lico
suprimentos de pressa. Pois quando um homem se impõ e a outro
homem para cometer atos impuros, nã o é por um impulso carnal
natural, mas apenas pelo estı́mulo do impulso diabó lico.
Assim, os santos Padres, em sua vigilâ ncia, condenaram os sodomitas a
rezar junto com os endemoninhados, aqueles que eles nã o duvidavam
de terem sido invadidos pelo mesmo espı́rito diabó lico. Portanto, como
pode um mediador entre Deus e o povo na dignidade do ofı́cio
sacerdotal, que, separado da congregaçã o de todo o povo, é ordenado a
rezar apenas entre os endemoninhados? Mas agora que nos
comprometemos a aplicar dois testemunhos de um sagrado concı́lio,
vamos també m apresentar o que o grande Bası́lio pensa sobre esse
vı́cio que está sendo abordado atualmente, 231 para que “pela boca de
duas ou trê s testemunhas possa valer toda palavra”, 232 pois ele diz: 233
228 Este é o tı́tulo dado nas coleçõ es medievais de direito canô nico ao dé cimo
sé timo câ none do Concı́lio de Ancira (ver traduçã o de Dionı́sio Exiguus, PL 67,
154D).
229 Este é o texto do câ non 17 como aparece nas coleçõ es latinas de direito
canô nico medieval. A fonte, novamente, é provavelmente Burchard de Worms (
Libri Decretorum , lib. 17, cap. 31; PL 140, 925B), que a baseou na traduçã o de
Dionı́sio Exiguus (PL 67, 154D).
230 Rom. 9:22.
231 Ou seja, Sã o Bası́lio, Bispo de Cesareia Mazaca (370-79), Pai e Doutor da
Igreja.
232 Mat. 18:16.
233 A citaçã o segue no inı́cio do pró ximo capı́tulo.
XVI
DE CLERICOS OU MONGES
QUE PERSEGUEM OS HOMENS
Um clé rigo ou monge que persegue adolescentes ou crianças, ou que é pego
em um beijo ou outra ocasiã o de indecê ncia, deve ser espancado publicamente
e perder sua tonsura, e tendo sido vergonhosamente barbeado, seu rosto deve
ser manchado com saliva, e ele é ser amarrado em correntes de ferro,
desgastado com seis meses de prisã o, e trê s dias por semana para jejuar em
pã o de cevada até o pô r do sol. Depois disso, passando o tempo separado em
seu quarto por mais seis meses sob a guarda de um superior espiritual, deve
estar atento ao trabalho de suas mã os e à oraçã o, sujeito a vigı́lias e oraçõ es, e
deve sempre andar sob a guarda de dois irmã os espirituais, nunca mais
solicitando relaçõ es sexuais da juventude por discurso ou conselho perverso.
234
311 Isto é , José , ilho de Jacó , neto de Abraã o. Veja Gen. 37.
312 Isto é , o sumo sacerdote Eli, que repreendeu, mas nã o disciplinou seus
ilhos quando eles se envolveram em abusos do ofı́cio sacerdotal. Como
puniçã o, os ilhos de Eli foram mortos em batalha, e a Arca da Aliança, que
continha as tá buas de pedra sobre as quais os Dez Mandamentos foram
inscritos, foi temporariamente perdida para os inimigos de Israel. O pró prio Eli
morreu ao receber a notı́cia. Veja 1 Sam. 2; 4.
313 Esta é uma pará frase de Ez. 3:18: “Se, quando eu disser ao ı́mpio:
Certamente morrerá s; nã o lhe digas nem lhe fales, para que se converta do seu
mau caminho e viva; esse ı́mpio morrerá na sua iniquidade, mas da tua mã o
requererei o seu sangue” e 3:20: “E se o justo se desviar da sua justiça e
cometer iniquidade, porei diante dele uma pedra de tropeço, e morrerá .
porque tu nã o o avisaste; ele morrerá no seu pecado, e os seus juı́zos que
praticou nã o serã o lembrados; mas da tua mã o requererei o seu sangue”.
314 Jr. 48:10.
315 Ap. 1:16.
316 Atos 20: 26–27.
317 Ap. 22:17.
318 Sã o Jerô nimo, Santo Ambró sio e Santo Agostinho sã o trê s dos quatro
Doutores originais da Igreja latina que sã o eminentes por seus ensinamentos,
sendo o quarto o Papa Sã o Gregó rio Magno.
319 1 Joã o 2:19.
320 O uso de “nó s” por Damiã o no inı́cio da frase parece ser herdado da
analogia que ele faz no pará grafo anterior, no qual o apó stolo Joã o fala de
“nó s”. Damian aqui muda para “eu” para indicar que a declaraçã o a seguir é
sua.
321 Isto é , inferno.
322 Ex. 32:26.
323 Literalmente, “tendo voltado a si mesmo” (in semetipsum reversus) .
XXVII
ONDE UMA DECLARAÇAO E
DIRIGIDA AO SENHOR PAPA
Agora, para você , papa muito abençoado, voltamos no inal deste
pequeno trabalho. A vó s recordamos a ponta de nossa pena, para que o
im da obra realizada possa ser completado corretamente para aquele a
quem o começo é dirigido. Por isso, pedimos e humildemente
imploramos que Vossa clemê ncia, se é justo dizê -lo, examine
cuidadosamente os decretos dos sagrados câ nones, que já sã o bem
conhecidos por você , e que designe homens espirituais e prudentes
para esta necessá ria investigaçã o, para que você pode nos responder a
respeito desses capı́tulos para remover todo escrú pulo de dú vida de
nosso coraçã o.
Tampouco pretendemos dizer isso como se nã o soubé ssemos aplicar a
este assunto apenas a perı́cia de sua profundidade, que tem Deus como
seu autor, mas para que quando se aplique o testemunho da autoridade
sagrada, quando o assunto for resolvidas pelo consenso e julgamento
de muitos, as acusaçõ es de homens perversos, que talvez eles nã o se
envergonhassem de murmurar em oposiçã o, poderiam ser postas de
lado. Pois o que é estabelecido pelo julgamento de muitos nã o é fá cil de
contestar. No entanto, muitas vezes acontece que uma decisã o proferida
por um indivı́duo em consideraçã o à imparcialidade da lei é
considerada prejudicada por outros.
Portanto, depois de ter inspecionado diligentemente os quatro tipos
deste vı́cio que enumeramos acima, 324 que Vossa Beatitude digne-se a
instruir-me misericordiosamente com um decreto determinando
quem entre os culpados deve ser irrevogavelmente expulso da ordem
eclesiá stica e quem, de preferê ncia à discriçã o, pode ser
misericordiosamente autorizado a permanecer neste ofı́cio. A respeito
de que forma dos vı́cios e nú mero de cú mplices acima mencionados
pode ser permitido a um delinquente continuar na dignidade
eclesiá stica, e por qual forma e nú mero de cú mplices com os quais foi
manchado ele deve ser obrigado a cessar esses deveres? 325 Assim,
muitos que estã o trabalhando sob a mesma ignorâ ncia podem ser
instruı́dos por aquilo que é dirigido a um, como a luz de sua autoridade
dissipa as trevas de nossa incerteza, e, por assim dizer, o arado da Sé
Apostó lica arranca radicalmente o broto de todo erro do campo da
consciê ncia vacilante.
Que Deus Todo-Poderoso conceda, ó reverendo padre, que no tempo de
seu apostolado o monstro deste vı́cio pereça totalmente, e a condiçã o
da Igreja prostrada possa ser restaurada em todos os lugares de acordo
com as leis de sua juventude.
324 Isto é , no capı́tulo um.
325 Como ica claro pelo resto da obra de Damiã o, bem como pela resposta do
Papa Sã o Leã o IX, Damiã o nã o está insinuando que alguns clé rigos que
continuam a se envolver nesses vı́cios devem ser autorizados a continuar no
sacerdó cio, mas sim que eles podem ser permitido retornar ao sacerdó cio
depois de se arrepender e realizar penitê ncias rigorosas exigidas pelo direito
canô nico.
ABREVIATURAS
DR – Bı́blia Douay-Rheims (1582–1610).
RDC – Bı́blia Douay-Rheims-Challoner (1749–1752).
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Gaetani – Beati Petri Damiani Opera Omnia, ed Constantino Gaetani, 4
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Mansi – Sacrorum Conciliorum Nova et Amplissima Collectio, ed. Joannes
Mansi (Florença, 1759).
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Percival (Oxford: James Parker, 1900).
PL – Patrologia Series Latina, ed. JP Migne (Paris, 1844-1855).
Reindel – Peter Damian, Die Briefe des Petrus Damiani, 4 vols, ed. Kurt
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Ryan, John J. São Pedro Damiani e suas fontes canônicas . Toronto:
Pontifı́cio Instituto de Estudos Medievais, 1956.
SOBRE O TRADUTOR
Os artigos premiados de Matthew Cullinan Hoffman apareceram
centenas de vezes em dezenas de grandes jornais, revistas e serviços de
notı́cias, incluindo Wall Street Journal, London Sunday Times, Detroit
News, LifeSite News, Catholic World Report e National Catholic
Register. E correspondente da Amé rica Latina do LifeSite News desde
2007 e supervisionou a criaçã o e direçã o inicial do Notifam, serviço de
lı́ngua espanhola e portuguesa da LSN. Atualmente é estudante de pó s-
graduaçã o no Holy Apostles College and Seminary, onde é certi icado
pela pro iciê ncia em latim, francê s, espanhol, portuguê s e italiano.
ENDOSSO
“Hoffman produziu uma traduçã o altamente legı́vel da obra mais
famosa de Sã o Pedro Damiã o, com um comentá rio acadê mico e ú til
colocando-a em seu contexto histó rico. Como a Igreja mais uma vez
enfrenta as consequê ncias de um colapso da disciplina sexual clerical,
fazemos bem em ler a insistê ncia de Sã o Pedro em levar a sé rio a
tradiçã o penitencial da Igreja e as referê ncias bı́blicas que formaram a
base para isso, bem como seu zelo pelas almas dos pecadores e das
vı́timas de abuso. Hoffman prestou um grande serviço a seus leitores ao
preparar esta ediçã o.”
“Uma traduçã o excelente e precisa, e a versã o em inglê s mais con iá vel
do Liber Gomorrhianus de Sã o Pedro Damiã o (1007-1072). O trabalho
de Matthew Hoffman na traduçã o de Damian do latim para o inglê s
mostra no lado té cnico um profundo estudo e um intenso compromisso
com este livro e com a linguagem de seu autor - que viveu durante a
Alta Idade Mé dia - e no lado conceitual a vontade devolver ao mundo
angló fono um livro fundamental para a histó ria de nossa Igreja. Graças
a Matthew Hoffman podemos ouvir a voz de Peter Damian contra a
sodomia atravé s desta obra-prima que é o Livro de Gomorra .”