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UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO

FACULDADE DE DIREITO “LAUDO DE CAMARGO”

OS PRINCÍPIOS DO CÓDIGO CIVIL E SUA RELAÇÃO COM A


EXERÇÃO DA LIBERDADE INDIVIDUAL

FILIPE PEREIRA MAURICIO


CÓDIGO N.º 837063
1º ETAPA
TERMO DIURNO
SALA VIRTUAL

RIBEIRÃO PRETO/SP
OUTUBRO/2021
1 INTRODUÇÃO

Com o início dos agrupamentos sociais e desenvolvimento das relações


intersubjetivas, o Direito surge na sociedade como regrador dessas relações entre indivíduos,
visando manter, através da definição de deveres e direitos aos membros dessa sociedade, a
coesão e harmonia social. Segundo Miguel Reale (1987, p.5) “o Direito é, sob certo prisma,
um manto protetor de organização e de direção dos comportamentos sociais”. Essa direção de
que Reale diz é determinada pelos valores e princípios que determinada sociedade deseja
preservar. No que concerne a vida comum do cidadão, o Código Civil é responsável por
tutelar o comportamento humano em sua vida privada, ou seja, em suas relações com outros
indivíduos, postulando o que se pode ou não fazer e o que se deve fazer. O Direito Civil se
refere ao homem comum enquanto pessoa particular que estabelece relações com outros
indivíduos, bens e entidades coletivas.
Sua origem se deveu à necessidade de codificação das normas civis,
organizando-as em “um único diploma diferentes regras jurídicas da mesma natureza,
agrupadas segundo um critério sistemático” (GAGLIANO e FILHO, 2009, p. 33). S eu
surgimento como código data do Império Romano, onde o Direito era divido em jus publice e
jus civile. O ius publice tratava dos assuntos públicos do Império, enquanto o ius civile tratava
dos negócios privados do cidadão. É importante salientar que o “Direito Civil” dos romanos
era o que se chama hoje de Direito Privado, pois aquele englobava tanto o Direito Civil
quanto o Comercial. Com seu surgimento em 1804, o Código Civil Napoleônico marcou o
início de uma série de codificações de diversos códigos civis diferentes da qual o Brasil não
fez parte, mas só elaborou um Código Civil no início do século XX baseado no Código
francês, e que foi reelaborado em 2002.
Partindo da definição do Direito Civil como organizador da vida privada dos
cidadãos de determinada sociedade, torna-se implícito que a jurisdição civil, portanto, deve
seguir certos fundamentos e princípios previamente determinados e considerados valorosos
pela sociedade em que ele funciona. Com grande influência do código alemão, que valorizava
os direitos individuais sob o ângulo social, o Código Civil brasileiro de 2002 recodificou o
direito privado no Brasil fundamentado em principalmente três pilares: a eticidade, a
socialidade e a operabilidade.
O princípio da eticidade tem como objetivo valorizar a dignidade humana e a boa-
fé, efetivando os princípios que constam na Constituição Federal. O princípio da socialidade
tem relação íntima com o eticidade e visa regular os interesses do homem situado em
sociedade. Por último, o princípio da operabilidade visa garantir a facilitação da aplicação do
Código Civil através da flexibilização e interpretação das normas.
Dessa forma, os princípios do Código Civil funcionam como fundamentos, causas
primeiras dos direitos e deveres atribuídos ao homem comum, ao ser humano pertencente a
uma sociedade, pelo ordenamento na medida em que definem os objetivos e as regras
primeiras as quais o ordenamento visa alcançar e proteger.

2.1 A DEFINIÇÃO DA PESSOA NATURAL E JURÍDICA E DOS PRINCÍPIOS DO


CÓDIGO CIVIL

O Código Civil é definido por Reale (1987) como “a constituição do homem


comum”, isto é, aquele que regra as atividades básicas e recorrentes na vida de todo cidadão,
aquela que tem importância concreta em suas decisões e nas realizações de negócios diversos.
Por lidar com a vida comum do homem em sociedade, o Código Civil no
entendimento de Silvio Rodrigues:

“É o diploma da mudança. Pode não ser a legislação ideal, face à demora na sua
edição à velocidade das transformações sociais, mas é a de que se dispões, com
excelentes ferramentas para adequá-las às vicissitudes da atualidade, notadamente
pela liberdade que é conferida ao magistrado, de maneira a fazer valer a melhor
solução para o caso no momento em que é julgado.” (RODRIGUES, 2007, p. 194)

Com o intuito de permitir e proteger o pleno desenvolvimento da personalidade


humana, o Código Civil primeiramente define conceitos necessários para a atribuição de
direitos e deveres ao cidadão, tais como os de capacidade e incapacidade e os de pessoa
natural e jurídica. Essas definições tem suma importância no processo de adaptação das
normas para casos específicos e necessários para classificar determinados negócios jurídicos.
O Art. 1º do Código Civil de 2002 define que “Toda pessoa é capaz de direitos e
deveres na ordem civil”, ou seja, ele não faz distinção de qualquer tipo entre os cidadãos. No
conceito de “pessoa” posto no artigo diferenciam-se duas: a pessoa natural ou pessoa física,
ou seja, o ser humano como tal, e a pessoa jurídica, essa formada por um grupo de pessoas
naturais. Cada uma dessas tem deveres e direitos diferentes estipulados pelo ordenamento
jurídico.
Para o Código Civil, a pessoa natural, ou pessoa física, é o próprio ser humano
dotado de capacidade. A partir de seu nascimento, a pessoa natural adquire personalidade
civil, isto é, a aptidão para adquirir direitos e contrair deveres em sociedade. Todo indivíduo
recebe a denominação de pessoa natural para poder ser intitulado como sujeito de direito,
capaz de realizar atos e negócios jurídicos. Essa capacidade se refere a aptidão que
determinado indivíduo tem de executar determinados atos e participar da vida civil.
Há também a pessoa jurídica que é definida pela jurista Maria Helena Diniz
(2002) como “a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de
certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações.”, ou seja,
um conjunto de pessoas dotados de personalidade jurídica própria. Elas não são propriamente
“reais”, na verdade são uma ficção jurídica, uma entidade reconhecida pelo Estado como
possuidora de personalidade jurídica.
Independente do tipo de pessoa que se considere, ambas possuem personalidade
jurídica. De acordo com Paulo Stoze (2021), a personalidade jurídica é a aptidão para
titularizar direitos e contrair obrigações, ou seja, é o atributo para ser sujeito de direito. A
partir da aquisição da personalidade jurídica o indivíduo passa a poder atuar na vida civil
social, realizando negócios e atos jurídicos diversos como compra e venda, propriedade,
casamento, locação, etc.
Por lidar com a vida comum do homem em sociedade, tanto o Código Civil como
os direitos e deveres pessoais devem se basear em determinados princípios postos e
considerados a priori pela sociedade como virtuosos e valorosos. A partir da definição da
direção pela qual a sociedade quer seguir, torna-se fundamental de que os direitos e deveres
assegurados pelo seu ordenamento sejam fundados em princípios que mantenham a sociedade
coesa e assegure o funcionamento da vida comum do homem, permitindo-lhe realizar
negócios e atos jurídicos individuais e interpessoais, possuir, vender e comprar bens, entre
outras atividades básicas.

2.2 OS PRINCÍPIOS DO CÓDIGO CIVIL COMO FUNDAMENTO DOS DIREITOS


PESSOAIS

Como já dito anteriormente, o Código Civil de 2002 foi feito baseado em três
princípios norteadores: eticidade, operabilidade e socialidade. O objetivo era tornar o novo
Código Civil mais eficaz e práticas, proporcionando maior adequabilidade das normas aos
casos concretos e maior segurança jurídica, no intuito de buscar a justiça entre as partes.
O princípio da Eticidade “é aquele que impõe justiça e boa-fé nas relações civils
(“pacta sunt servanda”). No contrato tem que agir de boa-fé em todas as suas fases. Colorário
desse princípio é o princípio da boa-fé objetiva” (BERTOCCO, 2009, p. 01). Esse princípio
tem por objetivo coibir todos os atos considerados injustos, punindo-as com rigor,
preservando os valores da sociedade como a boa-fé, a honestidade, a lealdade e a confiança.
A partir desse princípio, é notório que determinada pessoa jurídica deve sempre
agir de boa-fé no âmbito civil e privado, de forma que ela possa exercer todos os seus direitos,
mas também permitir ao outro o exercício dos seus, mantendo a funcionalidade e coesão
social. Por exemplo, considera-se previamente na realização de um contrato jurídico, que
ambos os participantes do contrato agem de boa-fé e de acordo com as suas próprias vontades.
Sem essa consideração, seria impossível realizar um contrato jurídico sequer, visto que ambos
os contratantes ficariam receosos de serem enganados pelo benefício do outro.
O princípio de operabilidade é aquele que visa a concretude do Código Civil,
buscando soluções viáveis, garantindo sua aplicação. Para Bertocco (2009) o princípio da
operabilidade busca regras que devem ser aplicadas da maneira mais simples possível, sem
muitas complicações e que devem solucionar o caso concreto de maneira mais efetiva. O
seu objetivo central é tornar as normas realmente eficazes e efetivas para solucionarem
problemas reais.
Consequentemente, o Código Civil não busca se tornar um obstáculo burocrático
no caminho da realização de negócios jurídicos, mas sim auxiliar e tornar mais simples sua
efetivação e compreensão através da reformulação de normas confusas e incompletas. Além
disso, ela garante a aplicabilidade das normas do Código, protegendo assim os direitos
diversos da pessoa natural e jurídica. O princípio da operabilidade, por exemplo, faz com
que o que se postula sobre aluguel de propriedade ou diferenças entre domicílio e residência
se encontrem o mais claro e objetivo possível no Código Civil, facilitando a compreensão
do homem comum para que este tome decisões mais racionais e a par das regras e normas
que regem aquele ato.
Por último, mas não menos importante, o princípio de socialidade postula e
impõe que os objetivos e valores coletivos devem prevalecer sobre os demais, respeitando
os valores e a dignidade da pessoa humana. Ele guarda íntima relação com o princípio da
eticidade visto que as normas são fundamentalmente éticas e as normas éticas têm afinidade
com a socialidade. Portanto, o Código Civil, ao tomar todos os cidadãos como iguais, sem
fazer qualquer distinção entre eles, leva isso as últimas consequências, ou seja, aquilo que
for benéfico para apenas um indivíduo e maléfico para a sociedade como conjunto, não
deverá ser realizado, isso com intuito de respeitar a liberdade e os direitos alheios.
No entendimento de Carvalho (2015) se existir no caso concreto, uma colisão
entre direitos individuais e coletivos, os coletivos terão um peso maior, pois se referem à
coletividade. Este caráter social pode ser verificado em vários dispositivos, por exemplo, no
Artigo 422º, do Código Civil, o qual diz que “a liberdade de contratar será exercida em
razão e nos limites da função social do contrato”. Tanto o princípio da socialidade quanto o
da eticidade se relacionam com a ética kantiana, no sentido em que toma o ser humano
como único fim e atribui a própria ética a imperatividade categórica, preservando a
liberdade de todos os indivíduos em sociedade através de certa limitação dessa liberdade.
Dessa forma, percebe-se que o intuito dos princípios que regem o Código Civil
são aqueles necessários para que o homem, exercendo sua liberdade e respeitando a do
outro, mantenha a sociedade coesa e operável, visto que o tempo todo pessoas naturais e
jurídicas realizam negócios jurídicos interpessoais, os quais devem ser regidos por
determinadas regras. Esses princípios são o fundamento da vida civil de homem em
sociedade para que ela se mantenha harmoniosa. Caso eles não fossem respeitados ou
seguidos, gerar-se-ia potencialmente atos jurídicos simples, como a compra e venda, que
produziriam diversas perturbações sociais.

3 CONCLUSÃO

É notável, portanto, a necessidade de princípios fundamentais para a prática da


cidadania de forma justa, harmoniosa e honesta, salvaguardando os direitos de todo cidadão.
Consequentemente, a existência de um Código Civil baseado em princípios que proporcionem
maior segurança jurídica e adequabilidade aos fatos concretos possibilita não só a prática, mas
também a existência da liberdade de ação da pessoa natural e jurídica, visto que, definindo-se
claramente no que se devem basear as atividades civis, o homem adquire a sua liberdade
através do respeito à liberdade do outro, adquirindo seus direitos e deveres no âmbito privado.
Faz-se notório, portanto, que os atos e negócios jurídicos intersubjetivos ou não,
devem ser mediados por esses princípios visando sua funcionalidade e efetividade, punindo
aqueles que agem de má fé no intuito de conservar esses valores considerados essenciais pela
sociedade. Somente através do respeito à esses fundamentos e princípios é possível preservar
a sociedade e melhor buscar a justiça.
REFERÊNCIAS
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2002.p.206)

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