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1ª Parte
(Composição do Cantus Firmus- cf)

O Contraponto Modal ou Palestriniano é praticado na forma de espécies. Cada espécie


consiste de um cantus firmus (cf) em semibreves ao qual se contrapõe uma linha melódica,
ou seja, a linha do contraponto. É escrito no sistema dos Modos Litúrgicos ou
Eclesiásticos.

I – Classificação dos Intervalos

O reconhecimento dos intervalos e suas inversões é fundamental para a prática do


contraponto modal. Os intervalos são considerados da seguinte forma:

Consonâncias perfeitas – 8ªj, 5ªj, uníssono (vide observação abaixo sobre a 4ªj)
Consonâncias imperfeitas- 3ªs M e m, 6ªs M e m
Dissonâncias – 2ªs M e m, 7ªs M e m, intervalos aumentados e diminuídos

Obs.: embora seja considerada uma consonância perfeita na classificação tradicional, no


contraponto a duas vozes a 4ªj é considerada uma dissonância. No contraponto a três ou
mais vozes pode ser considerada consonância, desde que não esteja entre as duas vozes
inferiores, isto é, quando estiver sustentada por um intervalo de terça. Está é a origem do
chamado “acorde de sexta”, presente no sistema tonal.

II - Modos Litúrgicos ou Eclesiásticos

Os modos litúrgicos são divididos entre autênticos e plagais.

Os modos autênticos são: dórico, frígio, lídio, mixolídio, eólio e jônio


Os modos plagais são: hipodórico, hipofrígio (lócrio), hipolídio, hipomixolídio
Hipoeólio e hipojônio.

Hipo = abaixo.

Na prática, a diferença entre os modos autênticos e plagais é principalmente uma questão


de tessitura.
Os modos plagais situam-se em uma tessitura mais baixa, mas sua estrutura é a mesma.
Esta diferenciação tem uma importância fundamental no estudo do Canto Gregoriano mas,
na prática do contraponto não existe razão para diferenciá-los, de forma que apenas
consideraremos os modos autênticos neste estudo.
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Modos Autênticos

A Finalis - F - a primeira e última nota - é a nota mais importante da escala. O contraponto,


via de regra deve iniciar e terminar com esta nota.
A Confinalis - C é a segunda nota mais importante da escala. É a quinta em relação à
finalis exceto no modo frígio, onde é a sexta.
No sistema modal, a finalis e confinalis desenvolveram-se com a alteração das escalas até
se transformarem na tônica e na dominante no sistema tonal. No entanto, sua força de
atração é de natureza melódica, horizontal.
Na construção das melodias, devemos estar atentos à posição da F e C pois estas notas
sustentam a melodia como um eixo.

III - Alterações - Musica Ficta

Literalmente significa “Música Falsa”.


A sensibilidade melódica dos compositores renascentistas levou gradualmente à redução
das escalas modais. Podemos observar em partituras e edições de música deste período (as
que preservam a notação da época) que as alterações eram colocadas acima, e não à frente
das notas. Esta forma de notação sugeria que a alteração era opcional, mas, com o
estabelecimento gradual das escalas tonais tornou-se obrigatória. Algumas gravações de
obras do período gótico e renascentista demonstram esta prática de transição especialmente
nas cadências e nos fragmentos envolvendo o trítono.

A Musica Ficta era utilizada nas escalas para:

-Evitar o trítono melódico ou vertical.


-Enfatizar a finalis alterando-se a sétima nota da escala (como precursora da sensível)
-Impedir a terça menor nos finais, em contrapontos de três a mais vozes.

Com o uso contínuo, estas alterações modificaram permanentemente as escalas modais,


dando origem aos modos maior e menor do sistema tonal.
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As alterações da Musica Ficta são as seguintes:

Dórico - si - sib, quando for bordadura de lá


dó - dó # , quando for bordadura de ré ou tiver função de sensível.

Frígio - ré - ré#, ocorre raramente.

Lídio – si - sib, quando a linha melódica for ascendente.

Mixolídio – fá - fá#, com função de sensível.

Eólio - sol - sol#, com função de sensível.


fá - fá#, se a linha for ascendente e levar ao sol#

Jônio – si - sib, para evitar o trítono.

Na prática do contraponto, o modo lídio coincide com o jônio, portanto não serão
necessários exercícios neste modo.

Recomendações para o aluno - 1:

A compreensão da Musica Ficta é de fundamental importância neste estudo por causa de


suas implicações na teoria musical. No estudo do modo menor, consideramos as escalas
natural, harmônica, melódica e bachiana, todas elas variantes do modo eólio (escala de lá
menor). Estude atentamente este tópico, tocando e cantando as diversas escalas e suas
alterações com a Musica Ficta. Observe os vários tipos de escala menor e faça comparações
entre elas. Como orientação básica, utilize as escalas em sua forma original, sem
transposições.

IV - Cantus Firmus

O Cantus Firmus é a pedra básica do contraponto. Origina-se de fragmentos de melodias


Gregorianas que eram utilizados pelos compositores como base para seus contrapontos. As
frases musicais originais serviam de base para combinações de notas sobre notas (punctus
contra punctus) e linhas sobre linhas. Pelo estudo das formas primitivas do contraponto
gótico podemos comprovar a origem e propriedade do sistema de espécies desenvolvido
por Fux.

Em nosso estudo, o Cantus Firmus (cf) é uma linha melódica em semibreves sobre a qual
se escreve a linha do contraponto. Portanto, antes da prática das espécies devem ser
compostos cantus firmus em todas as escalas modais.

Alguns princípios estruturais devem ser observados na composição dos cantus firmus.
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Este passo inicial, antes do início da prática de espécies deve ser tratado com o maior rigor
possível, pois dele dependerá todo o aproveitamento neste estudo.
O princípio estrutural do contraponto é a combinação de linhas melódicas. Apenas se tais
linhas melódicas forem harmoniosas, equilibradas e fluentes, teremos um contraponto de
boa qualidade.

V - Indicações para composição do Cantus Firmus:

- Use apenas semibreves, com frases de aproximadamente 10 notas.


- Use apenas os modos litúrgicos.
- O cf deve ser iniciado e terminado na finalis do modo.
- A última nota deve ser alcançada por grau conjunto, ascendente ou descendente.
- Não devem ser usados os intervalos: 7a M e m,
6a M, 6a m descendente
intervalos aumentados e diminuídos
- Observe o limite na extensão das vozes.
- Havendo dois saltos consecutivos ou um salto e um grau conjunto na mesma direção o
intervalo maior deve estar abaixo do menor (este item pode ser flexibilizado nas linhas em
semibreves).
- Não utilizar cromatismo, repetição de notas, repetição de motivos, seqüências tonais
(marchas).
- O âmbito melódico não deve exceder a oitava.
- Devem ser usados o maior número possível de graus conjuntos.
- Não podem haver mais de dois saltos na mesma direção (compensação dos saltos).
- O cantus firmus deve ter apenas um ponto culminante

VI - Extensão das vozes

Recomendações para o aluno - 2:

Estas indicações são derivadas de características básicas das melodias gregorianas e após a
audição e análise de algumas delas, devemos compor um certo número de pequenas linhas
semelhantes, cantá-las, tocá-las e modificá-las até conseguirmos um resultado equilibrado.
Ao se deparar com tantas “indicações” (ou “regras”), o aluno frequentemente sente alguma
dificuldade. A aquisição desta técnica deve ser gradual e é natural que haja alguma
dificuldade inicial. O processo correto deve ser o seguinte:
- confira atentamente a melodia composta com cada uma das indicações acima;
- cante ou toque sua melodia e observe como soa no todo;
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- examine a relação entre as regras (aspecto racional) com o fluir sonoro (aspecto
sensorial). O objetivo é o desenvolvimento de uma sensibilidade melódica modal.
Para vencermos alguma dificuldade inicial em sentir o ambiente modal das escalas, é
recomendável que cantemos e ouçamos melodias gregorianas durante alguns dias, além de
compormos um bom número de melodias.
Por outro lado, as regras não são capazes de prever todas as possibilidades e algumas
exceções podem ocorrer nas melodias. Observe o ex. 2 (frígio) logo abaixo. Nele não há
grau conjunto antes da última nota e sim um salto.

Exemplo 1:

Cantus Firmus

Exercício 1:

Faça melodias de cantus firmus, duas em cada modo seguindo as indicações dadas. (10
melodias no total)

Obs.: as melodias compostas pelo aluno serão usadas nos demais exercícios juntamente
com as melodias propostas pelo professor.
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VI – Movimentação entre as vozes

Ao criarmos uma linha melódica sobre um CF , produzimos diferentes intervalos entre as


vozes. Estes diferentes intervalos criam diferentes movimentos entre elas.
No contraponto existem quatro tipos de movimentos distintos entre as vozes:

1-movimento contrário - mc:

Quando as vozes se movimentam em direção contrária. É o movimento preferencial no


contraponto porque preserva a independência entre as vozes.

2-movimento oblíquo - mo:

Quando uma voz se mantém na mesma nota (não necessariamente ligada) e a outra se
move. Também preserva a independência entre as vozes.

3-movimento direto - md:

Quando as duas vozes se movem na mesma direção, porém em intervalos diferentes. Deve
ser usado com cuidado, pois diminui a independência entre as vozes.

4-movimento paralelo - mp:

Quando as duas vozes se movem na mesma direção e com o mesmo intervalo. Praticamente
anula a independência entre as vozes. A duas vozes só pode ser usado sobre consonâncias
imperfeitas.
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Recomendações para o aluno - 3:

Nos exercícios seguintes deve haver uma proporção maior de movimentos contrário e
oblíquo e menor de movimentos direto e paralelo. Nos primeiros exercícios o aluno poderá
indicar as iniciais mc, mo (mov. contrário, oblíquo, etc) a fim de controlar a movimentação
entre as vozes. Após alguns exercícios isto pode ser abandonado.

Obs. Na evolução da escrita musical a unidade de tempo sofreu algumas alterações. As


obras renascentistas, via de regra não eram escritas em partes individuais e o tempo era
controlado pelo pulso (takt) da mínima, não havendo notação de compassos. Mas, em
edições modernas de Palestrina e contemporâneos, a escrita antiga foi adaptada pelos
editores de forma que encontramos compassos de 4/2 com a unidade de tempo sendo a
mínima e o uso de valores pouco usados atualmente como a breve e a longa.. Em nossos
exercícios portanto, deveremos nos conscientizar de que unidade de tempo é a mínima. No
contraponto tonal isto já não vale. Exercícios baseados em divisão ternária não serão feitos
podendo ser pesquisados individualmente pelo aluno. Optamos neste estudo em não utilizar
as claves antigas, de forma a facilitar o processo, no entanto, é recomendável aos alunos de
composição e principalmente de regência que pratiquem um certo número de exercícios nas
claves antigas.

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