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Contribuições do Psicodrama de Grupo para a Minimização de Conflitos Durante a Transição para a Vida Adulta

Contribuições do Psicodrama de Grupo para a Minimização de Conflitos Durante a Transição


para a Vida Adulta

Contributions of the Group Psychodrama for the Minimization of Conflicts During the
Transition to Adult Life

Amanda Castroab; Viviane Oliveira de Almeidaa

a
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, SC, Brasil.
b
Universidade do Extremo Sul Catarinense.
*E-mail: viviane0101@hotmail.com

Resumo
Entre o final da adolescência e o início da idade adulta são exploradas diversas possibilidades, tanto em nível das relações afetivas como
em nível das preferências profissionais, que gradativamente se transformarão em opções. O adolescente necessita de suporte durante esse
momento de emergência de novos papéis, de cobrança social, sendo o contexto de grupo ideal para o desenvolvimento deste apoio. Entre pares,
o adolescente busca o apoio necessário para se identificar e, assim, se posicionar diante das exigências sociais. Nesse contexto, o Psicodrama
de grupo pode se constituir como uma ferramenta de intervenção entre adolescentes, favorecendo o desenvolvimento de novos papéis e os
ajustes dos projetos dramáticos, diante da mediação entre o real e o ideal. A população deste estudo foi constituída por 15 adolescentes com
idades entre 18 e 21 anos, que não praticam atividades laborais ou que praticam por menos de 1 ano e que ingressaram ou estão ingressando
em Universidades. Os adolescentes participaram de sessões de Psicodrama, que ocorreram uma vez por semana. Com base na análise de
conteúdo das sessões foi possível identificar que o Psicodrama de grupo na condição de mecanismo de intervenção com adolescente contribui
para o desenvolvimento de papéis e para a antecipação de informações e atribuições futuras, reduzindo a ansiedade do adolescente frente
ao desconhecido. De forma equivalente se pôde desmistificar a rigidez e o enfado conferido comumente ao papel do adulto, ao propiciar a
revisitação da infância em momentos de necessidade.
Palavras-chave: Psicodrama de Grupo. Adolescência Tardia. Papéis.

Abstract
Between the end of adolescence and early adulthood various possibilities are explored, about affective relationships and occupational
preferences, which gradually will become options. The adolescent needs support during this period when new roles arise, they are socially
charged, where the group becomes important for the development of this support. When in a group, the adolescent seeks the support necessary
to identify and thus position themselves regardingthe social requirements. In this context, the group Psychodrama can be constituted as an
intervention tool among adolescents encouraging the development of new roles and dramatic projects adjustments for the mediation between
the real and the ideal. To accomplish this papergroup Psychodrama was used in critical action-research. The study population consisted of 15
adolescents aged 18 to 21 years, who do not practice labor activities or practicing for less than one year and who igressed or are ingressing
into Universities. Adolescents participated in Psychodrama sessions that took placeonce a week. Based on the sessions content analysis it was
possible to identify that the group Psychodrama used as an intervention mechanism with adolescents contributes to the development of roles
and to anticipate information and future assignments, reducing adolescents anxiety facing the unknown. Likewise it was possible to demystify
the stiffness and boredom commonly given to adult role, by providing childhood’s return in times of need.
Keywords: Group Psychodrama. Late Adolescence. Roles.

1 Introdução sujeito, que passa por um estágio específico da vida, em um


lugar histórico, quase que eterno, no sentido de remetê-lo,
Estudar a adolescência é entrar em contato com as
inevitavelmente, ao período de crise.
memórias de portas batendo, canções, paixões e decepções,
É necessário levar em consideração o que significa ser
responsabilidades e pressão nas escolhas. Sobretudo, é
adolescente neste contexto histórico. De acordo com César
repensar as exigências sociais que culpabilizam o adolescente
(1998), não se deve insistir na concepção do adolescente
estereotipando-o como rebelde. O desempenho de novos enquanto sujeito em crise – concepção inserida na psicologia
papéis exige espontaneidade e criatividade e, nesse contexto, do desenvolvimento – pois, assim, ele estará fadado a
a rebeldia pode representar uma tentativa de adequação a permanecer nesse lugar, ou melhor, em um lugar de “ajustes”,
partir da inadequação, a subversão como pedido de auxílio “tormentas”, dificuldades.
diante de novas atribuições e expectativas sociais. Tendo em vista esse contexto, César (1998) sugere que é
No entanto, é necessário considerar que a fase de vida preciso analisar a epistemologia do conceito de adolescência,
denominada adolescência também foi uma construção ou seja, “analisar o discurso psicopedagógico que inventou
histórica, assim como o conceito de criança. De acordo a “adolescência” como objeto de investigação científica, não
com César (1998), a “invenção da adolescência” colocou o significa buscar reconstituir a sua coerência interna, mas sim

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detectar a sua fragilidade epistemológica constitutiva”. Isso ideal para o desenvolvimento deste apoio. Entre pares, o
quer dizer que se deve levar em consideração a construção adolescente busca o apoio necessário para se identificar e assim
histórica desse papel. Só assim se tem condições de se posicionar diante das exigências sociais. Assim sendo, o
problematizá-la, efetivamente. De acordo com Perazzo (1994), Psicodrama de grupo pode se constituir como uma ferramenta
o desenvolvimento histórico é relevante, pois o passado de intervenção entre pares, favorecendo o treinamento de
se atualiza nos vínculos do presente por meio de pedaços novos papéis e os ajustes dos projetos dramáticos diante da
de memórias, costurados entre sensações, sentimentos e mediação entre o real e o ideal. Possibilitando, assim, que os
percepções, atuados por meio de papéis sociais. Nesse sentido, adolescentes possam viver esse período de transição de forma
ao possibilitar a identificação e clarificação dos papéis e saudável, ingressando para a vida adulta a partir da busca por
dos vínculos estabelecidos pelos adolescentes no presente soluções espontâneas e criativas.
será possível, igualmente, revisitar os papéis concernentes Com este trabalho, se objetiva desenvolver formas de
à infância (no passado), viabilizando a identificação de auxiliar adolescentes a resgatar, dentre outras coisas, a
“possibilidades de ser” no mundo. espontaneidade e a criatividade, por meio do desenvolvimento
O objeto desta pesquisa possivelmente protagoniza de papéis, tendo em vista situações passadas, presentes e
as dificuldades de muitos Psicodramatistas e demais futuras, assim como demonstrar o quanto o Psicodrama de
psicoterapeutas em seus consultórios: lidar com adolescentes grupo pode contribuir para a minimização de conflitos que
que possivelmente apresentam dificuldades de expressarem surgem para o adolescente na transição para a vida adulta.
seus conflitos e de realizarem o desenvolvimento de papéis.
2 Material e Métodos
Conforme Bustos (1982), o Psicodrama de grupo pode ser
para estes adolescentes um lugar em que podem participar Este trabalho se constituiu como uma pesquisa
de um processo de forma passiva, até que gradativamente qualitativa de estudo de caso, na modalidade pesquisa-ação.
os conflitos expostos pelos outros comecem a mobilizá-los e Os participantes da pesquisa foram acessados a partir de
façam com que se entendam- e lancem-se como protagonistas. indicações de pessoas do convívio social da pesquisadora,
Assim, o Psicodrama de grupo oferece a “inserção relacional por meio da técnica metodológica bola de neve (snowball).
na rede grupal e observação por meio dos múltiplos olhares Assim, a população deste estudo foi constituída por 15
terapêuticos do grupo” (FONSECA, 2000, p. 202) adolescentes com idades entre 18 e 21 anos, que não praticam
O Psicodrama sensibiliza o indivíduo às dificuldades e aos atividades laborais ou que praticam por menos de 1 ano e
imponderáveis da dinâmica da interação e esclarece sobre a que ingressaram ou estão ingressando em Universidades. A
importância do implícito e dos sentimentos não exprimidos. escolha dos participantes levou em consideração os principais
O Psicodrama é também uma formação de pessoas, que aspectos, que englobam o processo de transição para a vida
ajuda cada indivíduo a desenvolver seu potencial humano adulta e o desempenho de novos papéis. Os adolescentes
e a emancipar-se em um adulto responsável, atingindo sua participaram de 8 sessões de Psicodrama, que ocorreram uma
maturidade afetiva e desbloqueando sua espontaneidade vez por semana, no período compreendido entre março e maio
criativa (SCHÜTZENBERGER, 1978). de 2016, nesta pesquisa será transcrita a primeira sessão.
A presente pesquisa, na condição de pesquisa ação, A pesquisa seguiu procedimentos éticos, sendo esta
concebe o sofrimento psíquico expresso por um adolescente aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer 1.485.364),
como um sofrimento interpsíquico, que abrange o campo com garantia de anonimato dos participantes, que receberam
social e por este é envolto (NERY; COSTA, 2016). Os nomes fictícios para este estudo. Os participantes foram
métodos psicodramáticos de tratamento grupal evidenciam a contatados individualmente e convidados para participar das
dinâmica social por meio do protagonista. O protagonista é o sessões do Psicodrama de grupo. Após aceite dos participantes
participante, que propicia a expressão de conflitos de todos foi apresentado e discutido o Termo de consentimento livre e
os membros do grupo. Nesse sentido, a pesquisa apresenta esclarecido. As sessões foram realizadas em espaço cedido
contribuições sociais para a compreensão de aspectos da pela própria pesquisadora, em Florianópolis, em sala ampla
adolescência, fornecendo subsídios para futuras intervenções e livre de ruídos. Com a combinação dos dias e horários
que favoreçam a vivência da adolescência com o recurso da das sessões (de aproximadamente 1h50min minutos) estas
espontaneidade e da criatividade, possibilitando igualmente ocorreram semanalmente (uma vez por semana). Os dados
a concretização dos conhecimentos adquiridos ao longo da obtidos por meio da pesquisa-ação foram submetidos a uma
formação em Psicodrama e o desenvolvimento prático da análise de conteúdo.
direção de grupos.
3 Resultados e Discussão
A adolescência tardia é um fenômeno social recente e
que necessita de maiores esclarecimentos. O adolescente Inicialmente, foi estabelecido o contrato verbal, em
necessita de suporte durante esse momento de emergência de que foram delimitados os horários e dias e enfatizada a
novos papéis, de cobrança social, sendo o contexto de grupo relevância da pontualidade e assiduidade, a necessidade de

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manutenção do sigilo, e da importância do comprometimento existem (DATNER, 2006; FONSECA, 2000).


e da responsabilidade dos membros do grupo para o bom Portanto, respeitada a fase inicial do grupo foi proposto
funcionamento do mesmo. Moreno (1975) esclarece que para aquecimento específico em atividades individuais.
o grupo necessita desenvolver o sigilo para garantir que os Após pensarem como seus personagens são, eles foram
membros sintam-se confortáveis, favorecendo a troca de direcionados para caminharem pelo espaço da sala como os
sofrimentos. Conforme Conceição e Nery (2011), o sigilo é personagens escolhidos caminhariam, alterando a postura
construído a cada sessão, conforme cresce a intimidade, os corporal de acordo com este personagem. Depois de cerca de
membros do grupo observam como são tratados e como são dois minutos, foi solicitado aos personagens que escolhessem
os problemas relacionados à confiança e de modo similar a um espaço na sala para se acomodarem. Como recurso de
pontualidade e assiduidade são reforçadas a medida que são iniciador auditivo foi utilizada uma trilha sonora instrumental
desenvolvidos os vínculos. durante todo processo. Foram distribuídos papel e caneta e
O grupo aquiesceu e se comprometeu verbalmente pedido que anotassem na folha a sua história de vida (como
aos requisitos dispostos no contrato terapêutico. Após o personagens) e no verso da folha suas qualidades e defeitos
estabelecimento do contrato deu-se início ao aquecimento (ainda na condição de personagens). Todos os participantes do
inespecífico. A partir do aquecimento inespecífico é realizada grupo estavam compenetrados e mobilizados pela atividade,
a ambientação e a preparação para a cena a ser dramatizada, sentavam e se portavam como o personagem escolhido, se
culminando no surgimento do protagonista (NAFFAH apropriando da biografia deste. Nesse momento, portanto,
NETO, 1979). Nesse Psicodrama de grupo foi realizado o estavam sendo utilizados aquecimentos mentais/imaginários.
aquecimento inespecífico a partir de iniciadores, seguindo a Muitas vezes, conforme Calvente (1982), os adolescentes
espiral de aquecimentos explicada abaixo. não estão dispostos a contar suas histórias, pois as modificações
O aquecimento Físico/Fisiológico envolve estimulações que vivem nessa fase de transição trazem insegurança e
internas ou externas ao indivíduo, voluntária ou involuntária, desconfiança. Nesse sentido, é importante apresentar outros
utilizadas para o aquecimento do paciente, com o objetivo meios para facilitar-lhes a expressão, como a representação de
de sensibilizá-lo e introduzi-lo no desempenho espontâneo outras histórias que não são as suas, mas que são igualmente
e criativo dos papéis na dramatização pretendida. Ao aceitar significativas. É, nesse sentido, que neste trabalho se utilizou
a proposta do diretor de andar e expandir a musculatura de personagens, a fim de acessar aspectos projetivos dos
demonstram a superação da conserva cultural e indicam adolescentes.
a disponibilidade para a aventura da criação, para o ato de Após cerca de 15 minutos, os adolescentes concluíram
nascer (ALMEIDA, 1998). a atividade e começaram-se as apresentações para o grande
O tato é o primeiro sentido a surgir no desenvolvimento grupo a partir do personagem escolhido. No drama grego,
humano e o último a desaparecer com a morte, podendo o processo de realização ocorre em um palco, graças a um
ser estimulado ao sentir o próprio corpo. A audição começa personagem simbólico, de modo similar na auto-apresentação,
a ser estimulada pela própria palavra do diretor ao dar suas por meio de um personagem o sujeito retrata as figuras que
consignas. A forma como o som da voz chega dentro do preenchem seu mundo particular. A luta, a competição e,
processo de compreensão de quem ouve dependerá da finalmente, a colaboração dos caracteres pessoal e inventado
evocação sentimental provocada. Do mesmo modo, podem são nitidamente visíveis em cada representação (MORENO,
ser utilizadas melodias para despertar sentimentos. Assim, 1999).
os estados cinestésicos ou sensações corporais específicas Todos os participantes se apresentaram e, sendo que Lilian
são as metáforas somáticas, representando possivelmente um ao descrever-se na condição de Pocahontas: independente,
conflito (ALMEIDA, 1998). guerreira, mas com conflitos diante da tomada de decisões
Desse modo, inicialmente foi solicitado aos adolescentes se emocionou, dando-se conta que falava de si mesma: “Sou
que alongassem o corpo, utilizando-se portando de iniciadores eu” (sic). Foram colocadas almofadas para representar cada
cinestésicos (corporais) e auditivos (a voz da diretora). personagem, em seguida foi sugerido ao grupo que escolhesse
Posteriormente, foram convidados a caminhar pelo espaço da a almofada, cuja descrição do personagem mais se identificava.
sala com a consigna de que deveriam pensar em um personagem Por consenso, o grupo escolheu Lilian para protagonista, e
com o qual eles se identificassem no momento, que gostassem, Lilian, por sua vez, aceitou trabalhar suas questões em terapia
tentando pensar em todas as características que envolvem este psicodramática. Lilian tem 20 anos e é estudante de ciências
personagem, ao identificar o seu personagem deveriam parar contábeis.
de caminhar. Assim, passou-se dos aquecimentos fisiológicos Bustos (1982) esclarece que com o surgimento de um
para os aquecimentos intelectivos/racionais. protagonista, e objetivando a elaboração e aprofundamento
Neste primeiro momento, o grupo estava na fase de de uma situação passa-se a dramatizar. Com a ação dramática
indiferenciação. Nesta fase, os indivíduos não se conhecem, bem dirigida o grupo irá experienciando, gradativamente, as
ou se já se conhecem não se conhecem naquela circunstância, diferentes cenas representadas pelo protagonista e a catarse de
estão ansiosos, estão voltados para si, os outros ainda não integração poderá abranger todo o grupo (BUSTOS, 1982).

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Assim, para preparar a protagonista para a ação dramática se vou seguir minha vida do jeito que eu desejo (sic)”. A
deu-se início ao aquecimento específico. diretora pergunta se os animais a ajudam, e a protagonista diz
Lilian iniciou a conversação falando sobre o personagem que não. Então, a diretora diz fazendo um duplo: “Como é
“Pocahontas” em primeira pessoa: difícil tomar essa decisão, me sinto tão sozinha, mas eu sou
Eu Pocahontas, nasci em uma aldeia e sou filha de cacique. guerreira, sou independente, tenho que conseguir [...]”. Ao
Sou independente, forte, de pés no chão, mas sou desconfiada esbarrar em alguma resistência do protagonista, o diretor
demais. Minha tradição era se casar um homem mais forte pode adotar a conduta de proximidade-distância, permitindo
da aldeia, mas como sou aventureira, conheci um homem
branco, um lindo soldado, como sou guerreira, independente
a utilização de um duplo que o devolva para a ação, pois o
fui atrás das coisas que queria e acabei me aventurando em duplo é a evidência daquilo que está sendo defendido (latente)
um grande amor. Fui para a cidade com o homem branco, (PERAZZO, 1994).
onde ele me ensinava como uma moça deve se portar, mas Assim, após o duplo feito pela diretora, a paciente se
essa não sou eu, meu lugar sempre foi e sempre vai ser na
floresta, independente de tudo tenho que ser feliz (sic). emocionou, sendo prontamente acolhida pelo grupo que estava
igualmente emocionado. Moreno (1984) destaca que não só o
Aqui se percebe “o aquecimento do protagonista protagonista, mas também o grupo vivencia momentos e atos
preparando-o para a ação dramática” (GONÇALVES, 1998, individuais, pois o espectador projeta determinados fatores
p.101). em cena colorindo a ideia cênica com matrizes particulares.
Diante do silêncio que segue, a diretora pediu que falasse A diretora continuou dizendo, como é difícil escolher,
sobre o que estava pensando, que dessa voz ao seu pensamento. e pergunta o que a paciente está sentindo e ela diz estar
Aqui, é possível perceber, conforme preconizou Moreno confusa. A diretora questiona em que momento da vida a
(1999) que o solilóquio (dar voz ao pensamento) é utilizado protagonista se sentiu assim (e dispensa os egos auxiliares).
para evidenciar pensamentos e sentimentos escondidos do Nesse momento, ocorre o aquecimento intrapsíquico, fazendo
protagonista, promovendo o autoconhecimento deste. Assim, a ponta entre cenas. A paciente diz: “É como se tivesse dois
a protagonista disse que pensava sobre trecho do desenho lados, desse lado tem a felicidade das pessoas e do outro lado
Pocahontas, que a emocionava profundamente. E descreveu a minha (sic)”. A diretora pede que a protagonista escolha dois
a cena em questão: “É momento em que a Pocahontas, quer egos-auxiliares para representar ambos os lados, dispõe um
dizer eu, tinha que decidir se eu casava ou se eu viveria meu ego à direita e outro à esquerda da protagonista, segurando-a
futuro do jeito que eu queria”. Assim, a protagonista começa pelo braço. A diretora pede que a protagonista troque de papel
a descrever a cena e aqui, portanto, ocorre o aquecimento da com cada um dos egos, assumindo um lado de sua decisão.
cena. Tal troca, conforme Bustos (1982), é importante quando se
A Dramatização “é a ação dramática propriamente dita, inicia a dramatização, para que o ego auxiliar veja como
onde o protagonista irá dramatizar (representar), no contexto deverá compor determinado papel e, muitas vezes, revela
dramático figuras de seu mundo interno, presentificando seu fatos aparentemente desconhecidos para o protagonista.
conflito no cenário” (GONÇALVES, 1998, p.101). Aqui, Em seguida, a diretora solicita aos egos auxiliares que
pretende-se buscar uma resolução dramática diante da cena, repitam as frases ditas pela protagonista, tentem convençer
que está sendo exposta e elucidada. verbalmente e a puxem para o seu lado. E, assim, eles repetem
Ao escolher o tema, afirma Bustos (1982), o diretor ao mesmo tempo: “Você tem que me ajudar, tem que me fazer
apresenta uma hipótese terapêutica, faz o diagnóstico feliz, você é uma egoísta (sic)” (Felicidade das pessoas) e
aproximado do conflito, o qual poderá ser confirmado ou “Você é independente, guerreira, livre, pode fazer o que quiser
invalidado durante a ação dramática. Assim, para verificar a (sic)” (sua própria felicidade). Nesse momento, a protagonista
hipótese terapêutica de um conflito concernente aos momentos se emociona e a diretora pede que dê voz ao seu pensamento
de decisão, a diretora pede que a paciente descreva a cena do e a protagonista afirma: “Me sinto sozinha, não tem ninguém
desenho que a emociona e a protagonista relata: “Estou no (sic)”. A diretora pergunta quem ela gostaria que estivesse ao
meio da floresta, na minha frente tem um rio, to sozinha (sic)” seu lado nesse momento e a paciente indica seu namorado
(a protagonista é convidada a colocar almofadas no lugar do e seus amigos. A diretora pede que a protagonista faça uma
rio). A diretora repete o que a protagonista disse, na tentativa imagem, posicione os egos auxiliares do modo como gostaria
de fazer um duplo espelhado e a protagonista continua: “Nesse que estivessem para que se sentisse amparada. A protagonista
momento estão comigo um guaxinim e um beija-flor (sic)” (a então posiciona todos ao seu redor em um abraço e a diretora
diretora pede que escolha egos-auxiliares para representarem pergunta como ela se sente ali. A protagonista diz: “Feliz,
os dois animais). “Nesse momento, eu estou decidindo... segura, amada (sic)”. A diretora pergunta se a protagonista
Porque as pessoas acham que devemos ser como rio, ir sempre deseja mudar alguma coisa e esta diz que não. Então, é
pro mesmo lugar. Mas o rio não é assim... Então nós entramos convidada a sair desse lugar para que um ego auxiliar assuma
em um barco, em uma canoa (sic)” (a Diretora convida a sua posição e, assim, por meio de um espelho possa ver a
protagonista a posicionar os egos auxiliares na canoa). “É imagem formada. A diretora congela a imagem e retoma a cena
a partir daqui que eu decido se vou seguir meu caminho ou anterior, montando com ajuda dos egos auxiliares escolhidos

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pela protagonista o momento em que Pocahontas está sozinha vida constituída por sonhos e desejos é também um tempo
em um barco, com os animais, para tomar sua decisão. de incerteza e ansiedade diante dos sonhos e expectativas
Assim, segundo Almeida (2004), sendo uma extensão do de terceiros em relação à vida do adolescente (ANDRADE,
diretor o ego-auxiliar realiza as hipóteses da cena, vivenciando 2010). A protagonista, inicialmente, sentia que deveria fazer
o papel imaginário do mundo interno do protagonista. Assim uma escolha entre a sua felicidade e a felicidade de terceiros.
com a ajuda dos egos auxiliares, a protagonista percebe como Sendo essa escolha inevitável, posteriormente, ela percebeu
vivencia suas decisões e como gostaria de vivenciá-las. Ao que poderia contar com o apoio de amigos para aliviar o peso
observar as imagens, a protagonista se emociona e mais das escolhas.
uma vez é acolhida pelo grupo, visivelmente emocionado. Nesse sentido, Cunha e Bertussi (2010) destacam que o
A diretora estimula o solilóquio outra vez e a protagonista Psicodrama busca auxiliar o adolescente a enfrentar todas as
diz: “Eu escolho ficar sozinha (sic)”. Em seguida, fica em mudanças que se impõem neste período da vida, ancorando
silêncio. Fazendo um duplo do protagonista a diretora diz: suas ações e reflexões em um confronto entre o ideal e o real e,
“Eu sou independente eu sou guerreira, eu consigo segurar também, buscando fortalecer sua autoimagem e identidade de
tudo sozinha”. A paciente faz sinal de sim com a cabeça e, em forma que possa afirmar as decisões que ela virá a tomar como
seguida, diz emocionada: “Eu quero ajuda, quero as pessoas resultado de uma escolha pessoal e não como continuidade
pra me ajudarem, eu não consigo sozinha (sic)”. dos desejos e projetos de outrem.
A diretora convida a paciente a voltar ao barco como Nessa etapa final, o grupo de adolescentes expressou
Pocahontas, no rio, com os animais. E solicita que tome o suas emoções, a partir do modo como a dramatização atingiu
lugar dos animais. Bustos (1982) aponta a necessidade da seus sentimentos. Os adolescentes se emocionaram durante
troca de papéis visando mostrar ao paciente como o outro a sessão em compartilhamento e destacaram aspectos como:
recebe suas condutas. E a diretora pergunta à protagonista dificuldade na tomada de decisões, ausência de decisões
no papel de Guaxinim, o que ele pensa sobre a decisão de difíceis na vida, dificuldade de perder pessoas e a perda
Pocahontas e, nesse papel, a protagonista responde: “Não diante das escolhas. Os adolescentes compreenderam o
sei ela não me perguntou nada, ele parece que nem sabe funcionamento do processo de compartilhar, e desse modo,
que estou aqui (sic)”. Logo após, a diretora solicita que ela contribuíram para a catarse de integração. A catarse de
retome o papel de Pocahontas e que mostre como gostaria de integração, segundo Bustos (1982), consiste na compreensão
finalizar aquela cena da decisão. Cukier (1992) esclarece que integradora dos fatos que foram revelados pela ação dramática
a tomada de papel propicia a vivência no papel do outro e, por parte do grupo.
concomitantemente, o emergir de dados sobre o próprio papel. É necessário levar em consideração que para chegar
A protagonista então desce do barco e abraça os animas, à catarse de integração a cena inicial correspondia a um
dizendo que poderia ouvir os amigos primeiro, antes de tomar personagem de desenho animado. Na maioria das vezes, os
as decisões, que ficaria mais fácil. A diretora pergunta se a filmes, desenhos animados, marcam de forma intensa a vida das
protagonista gostaria de encerrar assim e a mesma afirma que pessoas, e como se trata de histórias de vidas, esta possibilita
sim. Desse modo, ocorre a ação reparatória. Ação reparatória, um espaço de identificação. Como objeto intermediário, o
conforme Perazzo (1994) é o momento da dramatização, em filme ou personagem escolhido traz “o esconde e revela”, o
que um papel imaginário conservado se transforma em papel mergulho no caos, o desestruturar-estruturar, a cena dentro da
psicodramático espontâneo e criativo, abrindo caminho para cena, o imaginário coletivo representado na cena do filme, a
a catarse de integração, ou seja, para o momento em que as intersecção das duas cenas, a espontaneidade. Nesse sentido, a
percepções e conhecimentos despertados com a terapia se direção busca resoluções criativas, o poder da cena (AMATO,
unificam. 2015).
Diante dessa sessão ficou evidente que os egos auxiliares, Assim, como é possível verificar no compartilhamento,
apesar de não treinados representaram com propriedade os o poder da cena também pode ter sido expandido, pois no
papéis relacionados ao conflito da protagonista. E ao mesmo caso de adolescentes o grupo parece representar uma fonte
tempo, a protagonista conseguiu vivenciar seu conflito de de socialização menos repressiva que a família, favorecendo
forma intensa na cena, emocionando a si mesma e ao grupo, o encontro com o “eu” e, sequencialmente, com outros “tus”.
confirmando a escolha inicial e, possivelmente, representando Entre pares, geralmente, os adolescentes são menos exigidos
igualmente um conflito do grupo. a negociar perspectivas e eles encontram oportunidade
Para Lilian, a tomada de papel foi essencialmente de legitimar os próprios sentimentos e visões de mundo,
catártica, levando-a a perceber que pode contar com o apoio norteados pela intensa identificação, compreensão e aceitação
de amigos em momentos de decisões difíceis. Entre o final pelo grupo (MARQUES, 1996). Assim, é possível que o
da adolescência e o início da idade adulta são exploradas psicodrama de grupo com adolescentes forneça as condições
uma série de possibilidades, que gradualmente se irão necessárias para o fortalecimento de vínculos entre pares em
transformar em opções. Se, por um lado, é uma etapa de direção às soluções espontâneas e criativas diante de conflitos.

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CASTRO,A.; ALMEIDA,V.O.

3 Conclusão ANDRADE, C. Transição para a idade adulta: das condições


sociais às implicações psicológicas. Anál. Psicol., v.28, n.2,
A adolescência é um período de transição em que se p.255-267, 2010. doi: 10.14417/ap.279
revisita a infância em momentos de crise e em que há uma
BUSTOS, D.M. O psicodrama: aplicações da técnica
cobrança social e familiar para o desempenho de tarefas que psicodramática. São Paulo: Ágora, 1982.
exigem uma postura de responsabilidade. Nessa posição de
CALVENTE, C. Psicodrama em adolescentes. In: BUSTOS,
conflito, o adolescente necessita conhecer e desbravar novos D.M. (Org.). O psicodrama. São Paulo: Ágora, 1982. p.207-223.
papéis, a fim de que a transição para a vida adulta ocorra
CESAR, M.R.A. A invenção da adolescência no discurso
de modo gradativo e natural. Nesse sentido, o Psicodrama psciopedagógico. Dissertação (Mestrado em Educação) -
de grupo surge como uma ferramenta de acesso a esse Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998.
adolescente, que se identifica majoritariamente entre pares, CUKIER, R. Psicodrama bipessoal. Sua técnica, seu terapeuta e
utilizando, portanto, do contexto grupal para legitimação de seu paciente. São Paulo: Ágora, 1992.
seus conflitos antes vistos como individuais. CUNHA, A.M.A.L.; BERTUSSI, M. Adolescência, juventude: a
Na adolescência são recorrentes momentos de discussão experiência clínica. Rev. Bras. Psicodrama, v.18, n.2, p.159-170,
e de questionamento sobre o adiantamento de algumas 2014.
responsabilidades da vida adulta. O adolescente deseja DATNER, Y. Jogos para educação empresarial. São Paulo:
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expressá-las, mas não almejar lidar com os encargos advindos FONSECA, J. Psicoterapia da relação. Elementos do psicodrama
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relações de amizade na infância, entrar no mundo dos adultos GONÇALVES, C.S. Técnicas básicas, duplo, espelho e inversão
significa para o adolescente, concomitantemente, a liberdade de papéis. In: MONTEIRO, R.F. (Org.). Técnicas fundamentais
e o luto relativo à infância. Essa contradição de sentimentos do Psicodrama. São Paulo: Ágora, 1998. p.56-68.
e de pensamentos gera momentos de tensão com o meio MARQUES, J.C. Estilos de relações interpessoais na
familiar e social. Nessa pesquisa, o Psicodrama de grupo agiu adolescência. Psico, v.27, n.1, p.23-27, 1996.
de modo a configurar uma nova relação com os papéis da MORENO, J.L. Psicodrama. São Paul: Cultrix, 1975.
infância, possibilitando por meio dos duplos e da inversão de MORENO, J.L. Psicoterapia de grupo e psicodrama. Campinas:
papéis a experimentação e desmistificação do papel de adulto, Livro Pleno, 1999
viabilizando igualmente a realocação do papel de criança na MORENO, J.L. O teatro da espontaneidade. São Paulo: Ágora,
vida adulta, como mecanismo para lidar com as ansiedades da 1984
vida adulta. NAFFAH NETO, A. Descolonizando o imaginário. Um ensaio
sobre JL Moreno. São Paulo: Brasiliense, 1979.
Referências
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ALMEIDA, W.C. Técnicas dos iniciadores. Técnicas indivíduo ao grupo. Estud. Psicol., v.25, n.2, p.241-250, 2008 .
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NERY, M.P. Psicodrama e amor. Rev. Bras. Psicodrama, v.19,
ALMEIDA, L. O trabalhador no mundo contemporâneo: n.1, p.35-48, 2011.
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PERAZZO, S.  Ainda e sempre psicodrama. São Paulo: Ágora,
AMATO, M.A.P. Cinedrama. In: CONGRESSO 1994.
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Rev. Adol. Confl. n.15, p.70-75, 2016 75

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