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A experiência de Sobradinho (1973-1978)

Desapropriações

1. Expropriação de mais de 70 mil pessoas habitantes da região.


2. População deslocada para Serra do Ramalho para colonização.
3. Proletarização dos camponeses: transformação nas relações de trabalho, acesso à
terra.
4. População originalmente organizada em vilarejos, agricultura de subsistência e
venda de pequeno "excedente" para compra de artigos de primeira necessidade, de
comerciantes que faziam as vezes de "ricos" nesse arranjo social.
5. O rearranjo hídrico produzido pela barragem alteraria toda a lógica da produção
agropecuária e pesqueira da população, um verdadeiro cataclisma pra economia de
subsistência da população da região.
6. O projeto tratava-se de uma abertura para o capital industrial com a expulsão
dos camponeses para regiões de terras improdutivas. É possível traçar paralelos
tardios com os processos de cercamentos da acumulação primitiva nos países de
capitalismo clássico, com a distinção de se tratar de uma economia dependente e
subdesenvolvida a serviço do capital estrangeiro.
7. O problema das indenizações: endividamento do erário público para benefício do
capital privado.
8. O problema da propriedade fundiária: como indenizar as famílias pelas terras
expropriadas sem um regime juridicamente consistente de propriedade? As terras eram
exploradas de diversas formas, como terras públicas dominadas por coronéis da
política às margens do rio, como terras privadas nos sequeiros, terras devolutas em
regime de condomínio sem regularização de títulos e, por fim, antigas sesmarias
exploradas por posseiros sem regularização.
9. Nesse regime irregular de terras, a maioria esmagadora da população não foi
indenizada, pois o seu direito a terra era consuetudinário, sem validade jurídica
para o Estado, que indenizou apenas os grandes proprietários pelo valor da "terra
nua" que, geralmente, era avaliada muito abaixo do valor, sem levar em conta os
preços inflacionados acumulados ao longo dos anos.
10. Pela distância entre os agentes responsáveis do Estado e do capital industrial
privado interessado e os atingidos, as contradições de classe desse processo eram
nublados e levavam os camponeses a direcionar sua revolta contra os trabalhadores
imediatos que faziam os serviços de execução das obras.
11. Quem pagou pelas soluções dadas pelo Estado aos expropriados foi toda a
população brasileira, via impostos, sem contrapartidas do setor privado.

Reassentamentos

1. Para a questão dos reassentados, o autor apresenta as três possibilidades diante


destes: a) se reinstalar na borda do lago; b) tomar parte do projeto de colonização
do INCRA ou c) se deslocar para outras regiões do país. Desta última, a maioria se
deslocou para regiões próximas, enquanto uma minoria se deslocava para o centro-
sul, como São Paulo. A parte dos que não se encaixavam nessas soluções eram os
dados como "falecidos" ou de "destino desconhecido".
2. O ideal para aqueles desterrados seria não aceitar a expropriação, mas essa
opção estava fora do horizonte de possibilidades.
3. As áreas prioritárias para reassentamento dos expropriados seria as cidades
margeando o rio São Francisco, mas o INCRA posteriormente deu como inviável o
projeto de colonização da região da margem do lago a despeito da avaliação de
viabilidade apontada pela própria população da região, que não eram considerada por
considerar uma região de interesse da agroindústria para projetos futuros,
privilegiadas na disposição de recursos técnicos e crédito para o seu
desenvolvimento produtivo.
4. Aqueles que ainda insistiam em optar pela primeira opção, o reassentamento na
borda do lago. Para esses, a CHESF ficou responsável pelas obras de reconstrução de
infraestrutura, repartição de terras, apoio financeiro das famílias e transporte de
materiais, além do programa de extensão rural para capacitar os colonos.
5. A CHESF não podia, legalmente, transferir os títulos de terras para os colonos,
por serem públicas. Para contornar isso, um convênio foi feito com a INTERBRA, mas
por interferência política das oligarquias, esses títulos nunca foram entregues.
6. As terras desapropriadas pela CHESF por "utilidade pública", mas por questões de
propriedade privada, as cessões nunca foram feitas por receio de que os antigos
proprietários reclamassem a posse das terra.
7. Pela sobrecarga de famílias interessadas em ocupar as terras na borda do lago, o
INCRA, através dos módulos regionais, não poderia atender a todos os pedidos de
reassentamento realizados.
8. Os únicos títulos efetivados se deram por conta das prefeituras. Apenas o
município de Casa Nova realizou plenamente os assentamentos. A maioria esmagadora
das terras na borda do reservatório são ocupadas por posseiros vulneráveis à
desapropriação por grileiros.
9. Por uma série de razões, como a distribuição de terras sem uma consequente
distribuição de capital, o arrendamento das melhores terras pelas oligarquias, que
valorizavam suas terras com seus melhores recursos e, com isso, contratavam
trabalhadores, reproduzia-se, na prática, ainda que em tese os camponeses fossem
proprietários das terras, as antigas relações de dependência, pois se reproduzira a
concentração de capital, sem uma organização dos pequenos produtores que lhe
pudesse fazer frente.
10. Esses pequenos proprietários, fazendo as vezes de posseiros enquanto as terras
não eram regularizadas, viviam apreensivos com a grilagem, e a dependência da usura
dos comerciantes.

Colonização do INCRA

1. O projeto de colonização mais bem sucedido do INCRA tratava-se da colonização da


serra do Ramalho, que transferiu compulsoriamente 4 mil famílias.
2. O reservatório de Sobradinho foi criado em caráter de urgência por razão da
crise do petróleo nos anos 70.
3. Foram as necessidades energéticas do capital industrial que viabilizaram as
"soluções" do INCRA.
4. As populações da área a ser desapropriada, de mais de 60 mil pessoas, tinham
tradições populares de banditismo, messianismo, etc... precisavam de coerção.
5. Algumas medidas "especiais" foram tomadas para conformar a população: a ocupação
integral de produtores incapacitados por idade ou doença; tentativa de reprodução
da organização espacial das família de suas antigas vizinhanças; organização da
transferência pela comunidade e, por fim, a autonomia dos produtores pra escolher
seus itens de cultivo. Apenas uma parte da terra era de cultivo orientado e de uso
facultativo.

Conclusões

1. O projeto da barragem foi repleto de atos autoritários e sem qualquer tipo de


diálogo com a população, que se desgastava com os agentes de execução, mais
ocupados em fiscalizar o projeto do que em incentivar a produção.
2. Para muitos dos proprietários, esse regime de reassentamento era um "cativeiro".
3. A transferência de terras era custosa para o pequeno produtor, que tinha de
gastar com anuidades da operação.
4. O grande beneficiário desse projeto, mesmo, foi o capital industrial e os
verdadeiros indenizados foram as oligarquias latifundiárias.
5. As populações trabalhadoras, pagadoras de impostos, foram os credores dessa
aventura, sem contrapartida dos beneficiários do grande capital.
6. Mesmo com tantas indignidades, os pequenos produtores provaram ser excelentes
benfeitores das terras que tiveram direito, produzindo grandes safras.
7. Na prática, os colonos não tinham a propriedade de suas terras e eram, na
verdade, trabalhadores a domicílio subservientes a uma "tecnocracia
esterilizadora". Muito mais proveitoso, avalia a autora, seria desburocratizar os
regulamentos e dar apoio financeiro e técnico aos colonos.
8. A obra da barragem foi mais uma forma do capital industrial subordinar a
produção agrícola aos seus interesses com o auxílio do Estado.
9. A barragem foi um "bem público" para benefício do setor privado. Socialização
dos custos e privatização dos lucros.
10. As relações de dominação de classe eram mascaradas, de forma que as verdadeiras
autoridades e agentes beneficiários da obra ficavam protegidos da revolta popular
que era direcionada aos trabalhadores diretos.
11. O discurso do "desenvolvimento" foi justificador de sacrifícios impostos à
população para benefício do capital industrial, aliado de uma legislação capciosa,
encobriam as vantagens das quais esse capital se beneficiava.
12. Por fim, a redistribuição das terras beneficiou largamente as oligarquias e a
agroindústria, demonstrou que reformas parciais apenas reeditam no médio e longo
prazo as antigas relações de posse e produção que se julgava superar.

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