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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2021.0000480528

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1079381-36.2020.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante
BAALBEK COOPERATIVA HABITACIONAL, é apelado MOISES PEREIRA DA
SILVA (JUSTIÇA GRATUITA).

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 8ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram
provimento em parte ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator,
que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores THEODURETO


CAMARGO (Presidente sem voto), PEDRO DE ALCÂNTARA DA SILVA LEME
FILHO E SILVÉRIO DA SILVA.

São Paulo, 22 de junho de 2021.

SALLES ROSSI
Relator(a)
Assinatura Eletrônica
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Voto nº 47.045
Apelação Cível nº 1079381-36.2020
Comarca: São Paulo (F. Central) 3ª Vara
1ª Instância: Processo nº 107938136/2020
Apte..: Baalbek Cooperativa Habitacional
Apdo.: Moises Pereira da Silva

VOTO DO RELATOR

EMENTA COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA


RESCISÃO CONTRATUAL C.C. RESTITUIÇÃO DE
VALORES PAGOS Decreto de procedência
Inconformismo da ré Não acolhimento RELAÇÃO DE
CONSUMO caracterizada - Súmula 602 do C. STJ -
Desistência do cooperado que não constitui óbice para que
postule a rescisão da avença, tampouco a devolução parcial
do quanto adimplido - Inteligência das Súmulas 1 e 2 da
Seção de Direito Privado deste E. Tribunal de Justiça, 543
do C. STJ e art. 53 do CDC Descontos previstos no termo
de adesão que são excessivos e afrontam a regra legal antes
descrita - Correta a restituição de 80% dos valores pagos
pelo autor Retenção de 20% sobre referido montante
suficiente para reparação pela rescisão do negócio
(anotando que o bem poderá ser novamente comercializado
pela cooperativa) SEGURO PRESTAMISTA já incluso
no percentual a ser retido como despesas administrativas,
sendo abusiva qualquer retenção a esse título Precedentes
- JUROS DE MORA - Termo inicial - trânsito em julgado -
Tese fixada em Recurso Repetitivo/ Resp 1.740.911/DF -
Sentença reformada apenas para este fim Recurso
parcialmente provido.

Cuida-se de Apelação interposta contra a r. sentença


proferida em autos de Ação de Rescisão Contratual cumulada com
Restituição de Valores, parcialmente procedente para o fim de declarar
rescindido o termo associativo firmado entre as partes, condenando a ré
a restituir ao autor a importância de R$ 14.404,62,em em uma única
parcela, com correção do desembolso e juros de mora a partir da citação,
arcando ainda com as custas, despesas processuais e verba honorária,
fixada em 10% sobre o valor atribuído à causa.
Apelação Cível nº 1079381-36.2020.8.26.0100 -Voto nº 47.045 2
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Apela a vencida (fls. 482/504), pugnando pela


necessidade de reforma da r. sentença recorrida, sob o argumento de
que: na qualidade de Cooperativa Habitacional, rege-se pela Lei de n.º
5.764/71 (Política do Cooperativismo) e respectivo Regimento Interno,
não podendo ser equiparada a uma incorporadora/construtora e por conta
disso, inaplicável o ao caso concreto CDC; b) que o APELADO tinha
ciência que estava se associando à uma Cooperativa Habitacional, vez
que recebeu toda cópia na íntegra do Estatuto Social e Regimento
Interno, sendo assim por livre vontade formalizou sua inscrição como
sócio cooperado; c) que foi o APELADO que descumpriu com o
compromisso firmado, antecipando a saída do quadro de sócios
cooperados estando ciente com a forma de devolução e os prazos; d))
conforme todo explanado em Contestação e que não fora analisada
minuciosamente pelo I. Juiz a quo, é notável que o APELADO uma vez
que não fora contemplado nas modalidades se arrependeu do
compromisso firmado e tenta imputar uma culpa inexistente à
APELANTE, assim tenta se esquivar das suas obrigações como sócio
cooperado, contudo não seria justo a APELANTE e seus Sócios
Cooperados adimplentes arcarem com os prejuízos causados por parte
do autor, tendo que arcar com as quantias sentenciada pelo Juiz a quo; d)
que os compromissos dos Sócios Cooperados não são equivalentes à de
comprador/vendedor e nem ao menos se compara a um “contrato de
compra e venda”, mas sim uma adesão voluntária de Sócio e Usuário; e)
no que toca a retenção aplicada pela Juíza a quo de 20% (vinte por
cento), deverá ser reformado, pois o apelado tinha pleno e total
conhecimento sobre o Regimento Interno da Cooperativa, sendo certo
que este documento foi devidamente aprovado em Assembleia pelos

Apelação Cível nº 1079381-36.2020.8.26.0100 -Voto nº 47.045 3


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sócios cooperados presentes, ou seja, o mesmo estava ciente que caso


solicitasse a sua demissão ou fosse eliminado por inadimplemento do
quadro de sócios cooperados os valores a serem devolvidos seria de
acordo com as condições previstas na cláusula e observada (art. VII, §2º,
IV), sendo que a APELANTE demonstrou as despesas com os custos de
manutenção, tanto que foram aprovadas em Assembleias de Prestação de
Contas divergindo assim com todo respeito da r. decisão de primeiro
grau; f) que uma vez que como já demonstrado não houve culpa da
APELANTE e sim do APELADO, deverá ser fixado o percentual de
30% de dedução como decidiu este E. Tribunal em caso semelhante; g)
que foi OPÇÃO do APELADO de contratar o Seguro, portanto, NÃO
deverá ser reembolsado ao APELADO, pois o destinatário dos
pagamentos é pessoa jurídica diversa (Bradesco S/A) e o APELADO se
beneficiou dos pagamentos, estando segurado e fazendo direito à à
indenização em caso de ocorrência do sinistro no prazo do
Adimplemento do seu compromisso, assim improcede a restituição do
valor atinente ao seguro prestamista, uma vez que tal importância foi
pago ao Banco Bradesco, sendo somente a APELANTE a estipulante; h)
no que toca ao JUROS DE MORA, que não devem incidir desde a data
da citação, uma vez que quem descumpriu com o compromisso firmado
foi o próprio APELADO, de sorte que são devidos a partir do trânsito
em julgado. Por fim, pela repartição das custas e verba honorária.
Contrarrazões às fls. 510 e seguintes.
É o relatório.
Recebo o apelo interposto, no duplo efeito, na forma
do artigo 1.012, caput, do CPC, passando ao seu julgamento, conforme
autoriza o inciso II do artigo 1.011 do mesmo Estatuto.

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O recurso comporta parcial provimento.


De plano, são aplicáveis as disposições do Código de
Defesa do Consumidor à hipótese, ainda que se trate de cooperativa
habitacional, diante da caracterização da relação de consumo.
Trata-se de típica compra e venda de imóvel, atuando a
cooperativa na incorporação, promoção e comercialização de
empreendimento imobiliário, desvinculada, portanto, de suas atividades
tradicionais.
A relação jurídica se apresenta como “um tipo de
associação que muito mais se aproxima dos consórcios do que
propriamente de cooperativa, até porque, via de regra, nem sempre é o
efetivo espírito cooperativo que predomina nessas entidades”. Ademais,
“o associado que a ela adere apenas para o efeito de conseguir a
aquisição de casa própria, dela se desliga e se desvincula uma vez
consumada a construção”. (Apelação n. 166.154 - Des. OLAVO
SILVEIRA - 3ª Câmara de Direito Privado TJ/SP).
Acerca do tema, a Segunda Seção do C. (STJ) aprovou
a Súmula 602:
O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos
empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades
cooperativas.
No mais, tem-se há muito pacificado o entendimento
segundo o qual a desistência do compromissário comprador (a ele se
equiparando o cooperado), ainda que inadimplente, não constitui óbice à
rescisão do contrato/termo de adesão, tampouco para postular a
restituição dos valores pagos, o que também encontra amparo na regra
do artigo 53 do CDC, bem como na redação das Súmulas 1 e 2 da Seção

Apelação Cível nº 1079381-36.2020.8.26.0100 -Voto nº 47.045 5


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de Direito deste E. Tribunal de Justiça e ainda, Súmula 543 do C. STJ


que dispõem, verbis:
“Súmula 1. O Compromissário comprador de imóvel,
mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e rever as
quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de
administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor,
assim como o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem.”
“Súmula 2. A devolução das quantias pagas em
contrato de compromisso de compra forma de parcelamento prevista
para a aquisição.”
“Súmula 543. Na hipótese de resolução do contrato de
promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa
do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas
pelo promitente comprador integralmente, em caso de culpa exclusiva
do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o
comprador quem deu causa ao ajuizamento.”
Com relação aos valores a serem abatidos, de fato, não
se ignora que foi o cooperado quem deu causa à rescisão do contrato ao
desistir do negócio - o que afasta a devolução da integralidade dos
valores que pagou.
Tem-se firmado posicionamento de que ao menos
parte dos valores deve ser retida pela cooperativa para se ressarcir das
despesas empregadas na administração do empreendimento, assim como
pelo desfazimento do negócio em atendimento ao que dispõe a própria
Súmula 1 antes mencionada.
Nesta conformidade, do total pago pelo autor, reputo
correta e adequada a restituição de 80% em favor deste (tal qual

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decidido pela r. sentença).


A importância assim fixada, com a retenção de 20%,
mostra-se suficiente para indenizar a apelante pela administração,
despesas e desfazimento do negócio. Isso aliado ao fato de que o imóvel
poderá ser novamente por ela negociado, sendo, ademais, excessivos os
descontos previstos no termo de adesão, afrontando a regra do artigo 53
antes referido.
No que tange ao requerimento de retenção do importe
destinado ao pagamento de seguro prestamista, sem razão a apelante,
haja vista que a resolução do negócio opera efeitos ex tunc. Vale dizer,
desfaz a relação obrigacional e retroage à data da celebração do contrato.
Nesse sentido:
“VENDA E COMPRA. LOTE DE TERRENO.
Ação de resolução de contrato. Parcial procedência. Rescisão
contratual que opera efeitos ex tunc. Determinação de devolução de
80% dos valores quitados. Direito de retenção de 20% pela
vendedora, sobre o montante pago, a título de ressarcimento dos
custos administrativos. Taxa de corretagem. Entendimento
consolidado pelo E. STJ em incidente de recurso repetitivo. Indevida
a restituição pelo serviço de intermediação do negócio realizado.
Possibilidade de transferir ao comprador o pagamento dessa
comissão. Inteligência dos artigos 722, 724 e 725 do Código Civil.
Cobrança informada por ocasião da realização do negócio.
Devolução que deve ser efetuada de uma só vez. Inteligência das
Súmulas nºs 1, 2 e 3 deste E. Tribunal de Justiça. Sentença mantida.
RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP - AC: 10210652820188260576
SP 1021065-28.2018.8.26.0576, Relator: Paulo Alcides, Data de

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Julgamento: 25/10/2019, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de


Publicação: 25/10/2019).”
A retenção arbitrada já engloba todas as despesas
administrativas, não se cogitando a retenção de valores atinentes a taxas
de adesão, seguro e outras, como pretende fazer crer a ré.
A devolução haverá de ser feita em uma única parcela
(sendo descabida a restituição fracionada) com correção desde os
respetivos desembolsos e acrescidos de juros de mora a partir do
trânsito em julgado(até mesmo porque inexiste mora da cooperativa) e
não da citação, como fez constar a r. sentença, cuidando-se, aliás, de
questão sedimentada pelo C. STJ em sede de recursos repetitivos (Resp
1.740.911/DF):
“Nos compromissos de compra e venda de unidades
imobiliárias anteriores à lei 13.786/18, em que é pleiteada a
resolução do contrato por iniciativa do promitente-comprador de
forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora
incidem a partir do trânsito em julgado da decisão.”
Decidindo situação idêntica, envolvendo a mesma
cooperativa, recentíssimo precedente desta 8. Câmara e Relatoria, no
julgamento da Apelação Cível nº 1007685-53.2020.8.26.0224. Confira-
se a ementa que possui inteiro enquadramento ao caso concreto:
“EMENTA - COOPERATIVA HABITACIONAL -
Adesão Compromisso de venda e compra Cooperativa habitacional -
Forma adotada a afastar caracterização de regime cooperado
tratando-se, em realidade, de negócio comum de venda e compra
mediante pagamento parcelado - RELAÇÃO DE CONSUMO
caracterizada - Incidência das regras do Código de Defesa do

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Consumidor - Inteligência da Súmula 602 - do STJ - RESCISÃO DE


CONTRATO CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE VALORES -
Procedência parcial - Inadimplência ou desistência do
compromissário comprador e que não constitui óbice para que
postulem a rescisão da avença, tampouco a devolução do quanto
adimpliu - Inteligência da Súmula 1 deste E. Tribunal de Justiça,
Súmula 543 do STJ e art. 53 do CDC- Sentença que julgou
injustificado o pleito de resolução e determinou retenção de 20%
sobre todos os valores pagos Admissibilidade - Percentual fixado de
acordo com o entendimento jurisprudencial adotado por esta E.
Câmara, apto a ressarcir as despesas administrativas, sem causar
prejuízo ao vendedor e nem enriquecimento ilícito do comprador -
SEGURO PRESTAMISTA já incluso no percentual a ser retido
como despesas administrativas, sendo abusivo qualquer retenção a
esse título - Precedentes - JUROS DE MORA - Insurgência quanto
ao termo inicial de cômputo dos juros de mora - Juros de mora
incidem a partir do trânsito em julgado da decisão - Tese fixada em
Recurso Repetitivo Resp 1.740.911/DF - Sentença retificada somente
neste capítulo - Recurso PARCIALMENTE PROVIDO.”
Exatamente por conta disso, o apelo é parcialmente
provido apenas para alterar o termo inicial dos juros de mora (data do
trânsito em julgado), ficando, no mais, mantida a a r. sentença
guerreada, inclusive no tocante à sucumbência.

Isto posto, pelo meu voto, dou parcial provimento ao


recurso.

SALLES ROSSI

Relator
Apelação Cível nº 1079381-36.2020.8.26.0100 -Voto nº 47.045 9

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