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Revista Brasileira de FisiologiaVegetal, 10(1):45-50, 1998

RESISTÊNCIA AO FLUXO DE ÁGUA NO SISTEMA


SOLO-PLANTA E RECUPERAÇÃO DO POTENCIAL
DA ÁGUA NA FOLHA APÓS ESTRESSE HÍDRICO EM
MUDAS DE CAFEEIRO1

Orivaldo Brunini2 e Luiz Roberto Angelocci3


Seção de Climatologia Agrícola - Instituto Agronômico - C.P. 28, Campinas, SP, 13001-
970 - BRASIL

RESUMO- Mudas jovens de cafeeiro (Coffea arabica, L.) cultivar Icatu, provenientes de cruzamento
interespecífico de duas espécies (C. arábica x C. canephora), foram submetidas a diferentes taxas de
transpiração pela mudança da intensidade luminosa sobre a planta ou pela redução da água disponí-
vel no solo. Uma relação linear entre diferença de potencial da água solo-planta e taxa de transpiração
para um dado valor de potencial da água no solo foi encontrada. Observou-se que a maior resistência ao
transporte de água no sistema solo planta para esta cultura esta localizada nas raízes. Além disto, a
recuperação no potencial da água na folha após um estresse hídrico foi bifásica, indicando algum pos-
sível mecanismo de alteração na permeabilidade das raízes ao movimento de água ocasionado pelo
estresse, pois quando o sistema radicular foi removido, a recuperação do potencial da água nas plantas
foi unifásica.
Termos adicionais para Indexação: Coffea arabica, permeabilidade das raízes, potencial da água na
folha, potencial da água no solo, resistência da planta, resistência do solo.

RESISTANCE TO WATER FLOW IN THE SOIL-PLANT SYSTEM AND LEAF WATER


POTENTIAL RECOVERY AFTER WATER STRESS FOR COFFEE SEEDLINGS

ABSTRACT- Young seedlings of coffee plants (Coffea arabica, L) (Cultivar Icatu),originated from
interspecific breeding of two species (C.arabica x C. canephora), were exposed to different transpiration
rates by changing light intensity over the plant or by soil water depletion. A linear relationship was found
between water potential difference from leaf to soil and transpiration rate for a given value of soil water
potential. Major resistance to water transport in the soil plant system was located in the roots. Recovery
in leaf water potential after a severe water stress was biphasic, suggesting changes in the mechanism
of root permeability to water flow due to water stress, because when root system was removed the
recovery in leaf water potential was not biphasic.
Additional index terms: Coffea arabica, leaf water potential, plant resistance, root permeability, soil
resistance, soil water potential.

1 Recebido em 03/08/1997 e aceito 24/04/1997


2 Corresponding author - Eng. Agr. Ph.D. - IAC - C.P. 28, Cam-
pinas, SP, 13001-970 - Bolsista do CNPq -Email:
brunini@cec.iac.br
3 Professor - Doutor - Departamento de Física e Meteorologia,
ESALQ-USP - C.P. 9 - Piracicaba, SP, Brasil, Bolsista do
CNPq

45
46 Brunini & Angelocci

INTRODUÇÃO tência limitadora do fluxo na fase líquida quando o solo


está úmido (Passioura, 1988), embora em árvores me-
O fluxo de água no sistema solo-planta-atmosfera em tade da resistência hidráulica total seja devida à parte
condições de equilíbrio dinâmico, pode ser relacionado aérea (Yang & Tyree, 1994). Nas raízes, tem-se assumi-
à disponibilidade hídrica e às características do cami- do que a maior resistência encontra-se no caminho radial
nho de fluxo, através da equação (van den Honert, 1948): de fluxo, do córtex aos vasos do xilema (Williams, 1974;
Newman, 1976), podendo a endoderme representar a
T = (ΨF - ΨS) / R (1) principal barreira (Kramer, 1983), mas essa generaliza-
na qual T é o fluxo de transpiração, ΨF e ΨS são o po- ção deve ser feita com cautela, devido aos efeitos das
tencial da água na folha e no solo, e R é a resistência variações estruturais nos sentidos radial e axial das
ao fluxo de água oferecida pelo sistema. raízes sobre a resistência (Melchior & Steudle, 1993;
Apesar das aproximações nele contidas, esse mo- North & Nobel, 1996).
delo tem sido bastante utilizado para estudos de Apesar do grande número de estudos sobre relações
transporte no sistema-solo-água-planta. Um aspecto de hídricas em cafeeiros, poucos se ocupam das resistên-
interesse nos estudos é o tipo de relação existente en- cias ao transporte de água. Em plantas envasadas com
tre T e (ΨF - ΨS). Trabalhos com herbáceas e lenhosas 6 a 8 meses dos cultivares Catuaí e Robusta, em condi-
em boas condições de suprimento hídrico mostram re- ções ambientais controladas, Angelocci et al. (1983 a,
sultados conflitantes, tendo-se obtido tanto relações b, c) verificaram que a resistência à difusão de vapor da
lineares, ou seja, resistência invariável com a variação folha (RF) cresceu drasticamente a partir de potencial
do fluxo (Nulsen & Thurtell, 1980; Brunini & Thurtell, da água da folha (ΨF) inferior a –1,2 MPa e –1,0 MPa
1981) como não lineares (Newman, 1969; Stocker & para os respectivos cultivares, e que a resistência hi-
Weatherley, 1971; Bizzard & Boyer, 1980, Jones et al., dráulica da planta sempre foi maior do que a do solo,
1982). embora esse resultado possa ter sido afetado pelo mo-
As diferentes condições experimentais e delo de estimativa do potencial da água na superfície
metodológicas dos trabalhos podem ter contribuído para radicular e que ocorreu um padrão bifásico de recupe-
as discrepâncias e dificultam a análise das suas cau- ração do potencial da água das folhas quando elas foram
sas. Vários problemas conceituais também podem ser irrigadas após certo grau de déficit hídrico. Golbert et al.
considerados como possíveis fontes das discrepâncias, (1984) observaram que RF foi diretamente afetada pela
como o emprego incorreto da lei de Ohm (Richter, 1973), disponibilidade hídrica no solo, porém ΨF aumentou ra-
a aplicação do conceito de resistência hidráulica pidamente após a supressão do estresse hídrico; o
desconsiderando o acoplamento dos fluxos hídrico e cultivar Arabusta mostrou-se mais susceptível ao déficit
iônico (Fiscus & Kramer, 1975), o efeito da transição do hídrico que o Robusta, como indicado pelo aumento de
fluxo de absorção osmótica para a passiva da água RF. . Meinzer et al. (1990) verificaram para cultivares de
(Dalton et al., 1975). Nulsen & Thurtell (1978, 1980) cafeeiro no campo as relações entre o potencial da água
obtiveram evidências de acúmulo de sais na superfície da folha e os fluxos gasosos, a variação do módulo de
e no córtex das raízes, cuja desconsideração levaria a elasticidade da célula, do potencial osmótico e do po-
erros no cálculo das resistências. Boyer (1974) verificou tencial da água da folha, bem como a relação entre as
que uma fonte de erro no cálculo das resistências pode variações de condutância estomática à difusão de va-
ser o fato de que a parte do fluxo de água usada no por e do potencial de pressão da folha, quando ocorria
crescimento dos tecidos é desconsiderada, principal- secamento do solo.
mente quando o valor do fluxo é baixo. Visando aumentar o conhecimento sobre os meca-
O segundo aspecto é em qual parte do sistema solo- nismos biofísicos do transpor te de água no
planta está localizada a principal resistência ao fluxo na sistema-solo-água-planta em cafeeiros, o presente tra-
fase líquida. Newman (1969) verificou que a conclusão balho foi realizado com os objetivos específicos de
de que a resistência do solo seria sempre predominan- estudar a relação entre as resistências ao fluxo de água
te (Gardner 1960; Gardner & Ehling, 1962 e Lang & e a diferença de potencial da água entre solo e planta,
Gardner, 1970), era correta, por terem esses autores e verificar a importância do sistema radicular nesse pro-
usado valores muito baixos de densidade de raízes nos cesso, em mudas do cultivar Icatu.
modelos. Trabalhos posteriores indicaram que a resis-
tência da planta predominaria em qualquer grau de MATERIAL E MÉTODOS
disponibilidade hídrica no solo (Bizzard & Boyer, 1980;
Samui & Kar, 1981), mas em outros concluiu-se que a Material Vegetal
planta representaria a principal resistência em boas con- Foram utilizadas mudas de cafeeiro (Coffea arabica,
dições de disponibilidade hídrica, mas a resistência do L.) cultivar Icatu, proveniente de cruzamento
solo passaria a predominar a partir de certo grau de interespecífico de duas espécies ( C.arabica x
secamento (Reicosky & Ritchie, 1976; Seaton et al., C.canephora) com idade entre 6 a 9 meses, crescidas
1977; Burch, 1979; Zur et al., 1982). A última hipótese em recipiente plástico de dimensões 0,25 m de altura
tem sido mais aceita, embora Tardieu et al (1992) colo- por 0,16 m de diâmetro, preenchido com solo de textura
quem em dúvida tal generalização, principalmente argilosa. As mudas foram transferidas do viveiro de mu-
quando há efeito de arranjo espacial de raízes sobre a das para uma sala com temperatura controlável e deixada
absorção hídrica. por 4 dias de modo a condicionarem-se ao novo ambi-
Assume-se que a raiz representa a principal resis- ente. A temperatura do ar na sala durante o estudo variou
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Resistência ao fluxo de água . . . 47
de 20o a 25oC. Nenhum controle existia sobre a umidade q = taxa de absorção de água por unidade de compri
do ar que oscilou entre 40 e 80%. Durante o período de mento das raízes (m3 m-1 s-1)
condicionamento as mudas eram irrigadas diariamente. K = condutividade hidráulica do solo (m s-1)
r = raio médio das raízes (m)
Relações entre transpiração e estado de energia da água
no sistema solo-planta O raio médio estimado das raízes foi 0,5.10-3m, com
Para o estabelecimento da relação entre a diferença uma densidade média de 2,68 m raiz m-3 de solo, sendo
de potencial da água no sistema solo-planta e a o comprimento das raízes determinado pelo método das
transpiração, foram medidos simultaneamente o poten- intersecções (Tennant, 1975). Nessas determinações
cial da água na folha e no solo, bem como a taxa de foram utilizadas 4 mudas.
transpiração, sob duas condições experimentais. Na pri- O valor de q foi obtido considerando-se que a taxa
meira, em níveis fixos de irradiância (200 W m-2 e 400 W de absorção de água pelas raízes (A) era equivalente à
m-2) no plano das folhas amostradas, de modo que as taxa de transpiração por assumir-se condições de equi-
variações da taxa transpiratória e do potencial da água líbrio dinâmico. Entretanto, essa equivalência somente
na planta fossem consequências da diminuição do teor pode ser assumida com altas taxas de transpiração, nas
da água no solo. Na segunda, a taxa de transpiração foi quais a água que a planta utiliza irreversivelmente para
alterada submetendo-se as plantas à diferentes níveis crescimento é desprezível em comparação a própria taxa
de irradiância (entre 50 e 400 W m-2) através de um con- de transpiração (Boyer, 1974). Fora dessa situação, a
junto de lâmpadas do tipo fluorescentes e taxa de água absorvida (A) será igual à taxa medida de
incandescentes distantes 1 m das folhas. transpiração (T) mais a quantidade de água retida nos
A equação (1) foi utilizada para se estimar a resis- tecidos para o seu crescimento (C), ou seja:
tência global ao fluxo hídrico. Para se estimar resistências
separadas do solo e a planta, em condições de equilí-
A=T+C (4)
brio dinâmico, utilizou-se: Quando T > C, o valor de T pode ser usado para
calcular a resistência “verdadeira” da planta ao fluxo de
T = (Ψsr- Ψs ) / Rs = (Ψf - Ψsr ) / RP (2)
água, a conotação de “verdadeira” refere-se ao valor de
sendo T a taxa de transpiração em certo intervalo de resistência que mais se aproxima do real por não embu-
tempo (entre 1 e 3 horas), ψs, ψsr e ψf o potencial da tir na sua estimativa erro acentuado devido à não
água, respectivamente no solo na superfície das raízes consideração da água usada para crescimento. No pre-
e nas folhas, Rs e Rp as resistências hidráulicas do solo sente estudo, adotou-se como valores de resistência
e da planta. “verdadeira” aqueles obtidos a partir de altas taxas de
A transpiração foi medida de 1 a 3 horas, através de transpiração e de diferenças de potencial da água entre
uma balança com sensibilidade de 0,1 g, evitando-se a superfície radicular e folha correspondentes, ou mesmo
evaporação do solo pela colocação do recipiente com a utilizando taxas de transpiração à valores de potencial
muda em um saco plástico, cuja boca foi fechada pela da água da folha inferiores a –0,4 MPa.
sua fixação com fita adesiva em torno do caule. Dessa maneira, a água utilizada para crescimento à
O estado da energia livre da água (potencial da água) baixas e médias irradiâncias pode ser determinada uti-
foi medido no centro do volume de solo e na folha mais lizando a expressão:
expandida no topo da planta. O potencial da água foi
medido por higrômetros de termopar de ponto de orva-
C = Ae – T (5)
lho sendo o de folhas do modelo proposto por Neumann sendo C, Ae e T as densidades de fluxo por unidade de
& Thurtell (1972), enquanto o do solo era do modelo pro- área foliar (g m-2 s-1), respectivamente, da água usada
posto por Brunini & Thurtell, (1982). Os higrômetros no crescimento, da água absorvida do solo (estimada
permitem medir o estado de energia livre da água com através da relação entre a diferença de potencial da água
precisão de ± 0,01 MPa. Cada valor de potencial da água e a resistência “verdadeira” naquela situação de ener-
representa a média de 3 leituras tiradas a intervalos gia potencial da água) e de transpiração observada.
subsequentes de 1 minuto na mesma folha. Tanto o Desta maneira, a densidade de fluxo de água retida pela
higrômetro de folha como o do solo ficavam instalados planta para o crescimento (C) pode ser razoavelmente
permanentemente nesses corpos, durante a série de estimada. A área foliar foi medida através de medidor de
medidas. Os sensores foram instalados na folha e no área foliar portátil modelo LI-2000 (LI-COR Inc.,
solo 24 horas antes do início das medidas para atingi- Nebraska, EUA).
rem equilíbrio térmico e hídrico. As características físico-hídricas do solo utilizado,
Pela impossibilidade de se medir o potencial da água necessárias para a determinação de K, foram obtidas
na superfície das raízes, ele foi estimado pelo modelo de Grohmann et al. (1976).
de Gardner (1960):
Recuperação do potencial da água das folhas após
Ψs- Ψsr = (q / 4πΚ ) Ιn (b2 / r2) (3) estresse hídrico
sendo: Algumas mudas (3) foram submetidas a estresse
ψs= potencial da água no solo (MPa), considerando- hídrico pela suspensão da irrigação e monitorado
se um cilindro com raio b em torno da raiz (m); continuadamente o potencial da água na folha e no solo.
b= (πLv)-1/2 sendo Lv densidade de raízes (m raiz/m3 solo) Quando os sintomas de murcha tornaram-se visíveis,
ψsr= potencial da água na superfície da raiz (MPa), as plantas foram irrigadas com água destilada, e a recu-

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peração do potencial da água na folha e no solo foi -1
TRANSPIRAÇÃO:(g.h )
monitorada com as plantas submetidas no escuro até a 0 2 4 6
recuperação completa da turgescência foliar. 0,0

RESULTADOS E DISCUSSÃO
-0,1
Relação entre transpiração e diferença de potencial da

DIFERENÇA DE POTENCIAL DA ÁGUA ENTRE FOLHA E SOLO:(MP


MUDA 1
água entre folha e solo MUDAS 2,3
-0,2
A figura 1 mostra as relações encontradas entre o MUDA 4
fluxo de transpiração e a diferença de potencial da água
-0,3
entre o solo e a folha em mudas submetidas às diferen-
tes irradiâncias (50, 200 e 400 W m-2), em duas situações
de umidade do solo. Os dados foram agrupados inde- -0,4

pendentemente do nível de irradiância, mas no caso


daqueles correspondentes a alta umidade do solo, hou- -0,5
ve necessidade de separação por mudas usadas, sendo
que para duas delas (1 e 2) foi possível agrupá-las em
-0,6
um conjunto. Os valores de transpiração para a muda 1
foi obtido com umidade do solo entre -0,01 e -0,2 MPa,
enquanto para as mudas 2 e 3 a umidade do solo va- -0,7

riou de -0,4 a -0,6 MPa, e para a muda 4 representa os


de transpiração obtidos com umidade do solo infe- -0,8
rior a –1,2 MPa.
Em todos os casos observa-se uma relação linear -0,9
entre ∆Ψ e T1 mas ocorreram diferenças de potenciais
entre o solo e as folhas à taxas nulas de transpiração,
-1,0
conforme indicado pelas linhas de regressão. Isto pode-
ria estar relacionado a uma resistência hidráulica global FIGURA 1- Relação entre transpiração e diferença de potenci-
do sistema realmente variável e não constante, como al da água entre solo e folha para mudas de cafeeiro (cultivar
Icatu), submetidas a diferentes densidades de fluxo de energia
indicada pelas relações lineares, ou ao uso de parte do radiante (50, 200 e 400 Wm-2) e diferentes valores do potencial
fluxo para crescimento das plantas. Utilizando o trata- da água no solo.
mento descrito em Material e Métodos, estimou-se que
em média o fluxo de água usado no crescimento (valor ponentes solo-superfície radicular e superfície radicular-
C) foi 0,78 ± 0,18 g m-2 h-1. Alvim (1960) e Castilho (1961), folha com a variação do potencial da água no solo. No
trabalhando com mudas dos cultivares Typica, Bourbon intervalo de água no solo disponível, a resistência global
e Robusta em condições de campo, observaram cresci- apresentou uma amplitude de variação cerca de 3 vezes
mento de mudas de cafeeiro na faixa de valores de 0,13 em relação ao menor valor, sendo que a resistência da
a 0,46 g m-2 h-1. Evidentemente essas diferenças são planta (superfície da raiz às folhas) foi sempre superior
decorrentes das condições experimentais diferentes nos à do solo, conflitando com a hipótese mais aceita atual-
três trabalhos, além do fato de que o valor de C pode mente de que em condições de baixa disponibilidade
representar não somente a água utilizada hídrica no solo sua resistência suplantaria à da planta.
irreversivelmente no crescimento, mas parte dela pode Entretanto, deve-se levar em conta que o potencial da
ficar retida temporariamente no tecido por outro lado, o água na superfície radicular foi estimado pelo modelo de
crescimento medido em condições de campo pode in- Gardner (1960). Sabe-se que tal modelo apresenta uma
cluir ganho de matéria orgânica, além da água. série de problemas, por não considerar distúrbios físicos
Apesar dessas diferenças, o valor médio estimado e químicos na interface solo-raiz que interferem na ab-
de C no presente estudo é da mesma ordem de gran- sorção (Tinker, 1976), além de considerar eficiência
deza dos obtidos pelos dois autores citados, indicando uniforme de absorção por todo o sistema radicular e dis-
que o procedimento de estimativa foi adequado. Assim, tribuição uniforme das raízes no solo, sendo que ao se
é possível concluir que as relações lineares entre T e considerar a distribuição espacial desuniforme e por agru-
(ΨF e Ψs) são válidas, indicando uma resistência hidráu- pamentos de raízes no solo, há modelos demonstrando
lica do sistema constante com a variação do fluxo que a diferença entre potencial da água no solo e nas
transpiratório, de acordo com parte dos trabalhos en- raízes pode ser elevada com o secamento do solo (Lafolie
contrados na literatura (Nulsen & Thurtell, 1978; Brunini et al., 1991; Tardieu et al., 1992), ao contrário dos pe-
& Thurtell, 1981). A diferença encontrada entre as mu- quenos valores normalmente estimados pelo modelo de
das sob boas condições hídricas no solo indicam Gardner.
resistências hidráulicas diferentes entre elas. Tais dife-
renças podem ocorrer, pois a resistência depende da Recuperação do potencial da água na folha
estrutura anatômica ligada à parte hidráulica e das di- A figura 3 mostra o aumento do potencial da água
mensões do sistema radicular e da área foliar, que podem no tempo de 3 mudas com diferentes valores de poten-
ser diferentes entre as plantas. cial da água do solo no momento em que foram irrigadas.
A figura 2 mostra a variação da resistência hidráulica Os tempos para que as folhas atingissem valores de
global no sistema solo-planta, bem como das suas com- potencial próximo de zero no escuro foram dependen-
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a qual teve o sistema radicular eliminado quando o seu
RESISTÊNCIA AO MOVIMENTO DE ÁGUA: (MPa.dm.hg )
-1

16
potencial da água era de –1,3 MPa. e o caule colocado
2

em um recipiente com água. Na figura 4 observa-se que


14 a recuperação total do potencial da água no escuro foi
da ordem de 100 minutos, bem mais rápida do que quan-
12 do uma muda em condições idênticas foi colocada a
recuperar sem eliminação das raízes (figura 3). Na figu-
10 ra 4, verifica-se que após a muda sem raízes ter sido
retirada do recipiente com água e as luzes acesas, a
8 perda de turgescência foi, também, rápida. Colocada a
seguir novamente no recipiente com água e as luzes
6
apagadas, mais uma vez a recuperação foi rápida (cer-
4
ca de 90 minutos). Nulsen & Thurtell (1980) também
observaram esse fato em plantas de milho.
2 O mecanismo responsável pelo padrão bifásico na
recuperação da turgescência não é exatamente conhe-
0 cido. Em primeiro lugar, deve-se lembrar que a relação
-1,6 -1,4 -1,2 -1 -0,8 -0,6 -0,4 -0,2 0 entre a variação do potencial e do teor de água na folha
POTENCIAL DA ÁGUA NO SOLO: (MPa) não é linear, de modo que na fase inicial um aumento
FIGURA 2- Resistência ao transporte de água no sistema solo rápido de ψF não significa necessariamente um influxo
planta em fução do potencial da água no solo. Resistência do elevado de água na folha, do mesmo modo que a pe-
solo até a folha o——o; resistência da raiz à folha l——-l, e quena variação de ΨF no final da segunda fase não
resistência do solo à superfície da raiz ¡——¡. significa necessariamente um pequeno influxo de água.
Por outro lado, Nulsen & Thurtell (1978, 1980) sugeri-
tes do valor do potencial da água na folha no momento
ram que os períodos de fluxo zero durante a recuperação
da irrigação, mas em todos os casos foram longos, de 8
ocorreriam em função do decréscimo do potencial
a 12 horas.
osmótico da solução externa ao plasmalema das célu-
Foi observado um padrão bifásico de recuperação,
representado por uma fase inicial de alta taxa de varia- las corticais, pois com o aumento do déficit hídrico o
ção de ΨF, a qual termina com um primeiro patamar. A transporte iônico ativo através da membrana seria inibi-
do, com aumento da concentração de sais no espaço
recuperação do potencial da água na folha, após a planta
livre da raiz. Após a irrigação, a água entraria passiva-
ter sido submetida a um estresse hídrico prolongado,
mente no cilindro central em função do aumento do
também foi muito vagarosa para milho e sorgo (Sanches-
gradiente de potencial, mas em consequência desse flu-
Dias & Kramer, 1971). O padrão bifásico foi observado
em girassol, soja e feijoeiro (Boyer, 1971), em milho xo de massa, o acúmulo salino seria retomado. Somente
(Nulsen & Thurtell, 1978) e para plantas jovens de cafe- quando o transporte iônico para o cilindro central fosse
restabelecido, o gradiente de potencial necessário para
eiros Catuai e Robusta (Angelocci et al., 1983c),
o transporte também seria restabelecido, causando o
ocorrendo quando ΨF é inferior a –1,0 MPa.
As raízes são a causa desse padrão, como pode se TEMPO: (HORAS)
constatar a partir dos resultados obtidos para outra muda,
0 1 2 3 4 5 6 7
TEMPO: (HORAS)
0 2 4 6 8 10 12 0,0

-0,2 -0,2
POTENCIAL DA ÁGUA NA FOLHA: (MPa)

-0,4
POTENCIAL DA ÁGUA NA FOLHA: (MP

-0,6

-0,6
-1

-0,8
IRRIGAÇÃO
-1,4

-1,0

-1,8
MUDA 1 -1,2
MUDA 2
UMEDECIMENTO
0,00
-2,2 IRRIGAÇÃO MUDA 3
-1,4
SECAMENTO
2,18
IRRIGAÇÃO
-2,6 -1,6

FIGURA 3- Recuperação do potencial da água no solo e na FIGURA 4- Recuperação do potencial da água na folha em
folha em mudas de cafeeiro (cultivar Icatu) após um estresse mudas de cafeeiro (cultivar Icatu) com o sistema radicular re-
de água severo, com o sistema radicular intacto. movido após um estresse de água severo.

R. Bras. Fisiol. Veg., 10(1):45-50, 1998.


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