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Sociedade anônima. Natureza jurídica do vínculo.

Diretor eleito
Escrito por Marcelo Rodrigo Carniato   
Ter, 22 de abril de 2008 14:02

PROC. NU.: 00519.2007.003.13.00-0


ACÓRDÃO
RECURSO ORDINÁRIO
RECORRENTE: ANA ELISABETH TINOCO DE ALMEIDA
RECORRIDO: FIBRASA - FIAÇÃO BRASILEIRA DE SISAL S/A
RECORRIDO: EDGAR SAEGER FILHO
E M E N T A: SOCIEDADE ANÔNIMA. NATUREZA JURÍDICA DO VÍNCULO. DIRETOR
ELEITO. A condição jurídica do diretor de sociedade é matéria das mais controvertidas. No caso
das sociedades anônimas, pela própria característica e natureza, o diretor não age como
simples mandatário, pois atua em nome e como órgão da companhia, conforme preconiza o art.
144 da Lei das Sociedades por Ações. Portanto, em princípio, não há como reconhecer a
existência de vínculo de emprego em tais hipóteses, pois as situações de diretor e empregado
são conflitantes e incompatíveis, não podendo coexistir.
VIOLAÇÃO A DIREITO PERSONALÍSSIMO. INOCORRÊNCIA. DANO MORAL NÃO
CONFIGURADO. Não demonstrada a ofensa a direitos personalíssimos, não procede o pedido
de indenização decorrente do suposto dano moral. Recurso provido em parte.
Vistos etc.
Recurso Ordinário proveniente da 3ª Vara do Trabalho de João Pessoa/PB, interposto nos
autos da Reclamação Trabalhista ajuizada por ANA ELISABETH TINOCO DE ALMEIDA contra
FIBRASA – FIAÇÃO BRASILEIRA DE SISAL S/A.
O sentenciado de 1° grau, às fls. 1.322-1.324, complementado pela decisão de Embargos de
fls.1.330, extingüiu o processo sem julgamento do mérito quanto ao segundo reclamado (Edgar
Saeger Filho), e quanto aos pedidos de restituição do imposto de renda, juros e multa; e rejeitou
os demais pedidos formulados pela reclamante em face da reclamada.
Custas pela reclamante, no valor de R$ 320,00 (trezentos e vinte reais), calculadas sobre o
valor da causa, dispensadas na forma da lei.
Inconformada com os termos do julgado, a reclamante recorre ordinariamente a este Tribunal,
às fls.1.335-
1.346, renovando os termos da exordial, pugnando pela procedência do seu pedido, e pelo
reconhecimento da responsabilidade solidária do Sr. Edgar Saeger Filho.
A recorrida apresentou contra-razões, às fls. 1.351-1.365, pugnando pela manutenção da
sentença em todos os seus termos.
O Ministério Público do Trabalho não teve vista antecipada dos autos, considerando não estar a
hipótese
inserida nas exceções previstas no Regimento Interno deste Regional, art. 31, parágrafo
primeiro.
É o relatório.
VOTO
ADMISSIBILIDADE
Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do Recurso Ordinário.
MÉRITO
Busca a recorrente a reforma da sentença originária, que decidiu pela inexistência de liame
empregatício entre os litigantes, julgando improcedente a demanda. Aduz, em síntese, que
restam plenamente configurados, na hipótese vertente, os elementos do pacto laboral
perseguido, entre os quais a subordinação jurídica.
Consta, nos autos, que a autora era acionista da empresa promovida, detentora de 12,24%
(doze vírgula vinte e quatro por cento) das ações ordinárias, quando foi admitida Diretora
Superintendente, através de eleição realizada na Assembléia Geral Ordinária de 29/04/1999,
conforme cópia de documentos de fls. 43-45, cargo que exerceu até renunciar, em 14/04/2005,
(fls. 53).
Desse modo, o cerne da questão gira em torno de esclarecer se esta condição de membro da
diretoria, na qual encontrava-se a recorrente perante a demandada no período
retromencionado, pode ser considerada de vinculação empregatícia.
A condição jurídica do diretor de sociedade é matéria das mais controvertidas. No caso das
sociedades anônimas, pela própria característica e natureza, o diretor não age como simples
mandatário, pois atua em nome e como órgão da companhia, conforme preconiza o art. 144 da
Lei das Sociedades por Ações.
Portanto, em princípio, não há como reconhecer a existência de vínculo de emprego em tais
hipóteses, pois as situações de diretor e empregado são conflitantes e incompatíveis, não
podendo coexistir. Até mesmo quando o diretor ostenta a condição de empregado, antes de
assumir o cargo para o qual foi eleito, prevalece o entendimento de que não subsiste a relação
empregatícia, que fica suspensa enquanto perdurar essa situação. A excepcionalidade admitida
pelo TST, por meio do Súmula 269, direciona-se no sentido de considerar o diretor empregado
apenas naqueles casos em que o obreiro alça o elevado posto de direção perante o seu
empregador, mas o grau de subordinação jurídica remanesce inalterado. Vê-se, portanto, que a
condição especial de diretor empregado pressupõe dois requisitos básicos: ser empregado da
empresa antes mesmo da assunção do referido cargo; permanecer inalterada a subordinação
jurídica preexistente.
No caso dos autos, não se aperfeiçoa nenhum desses requisitos. A reclamante não era
empregada da FIBRASA, conforme atesta às fls. 03, mas sua acionista, detentora, portanto, de
parcela do capital que constitui a Sociedade Anônima empregadora.
No que tange à subordinação, em momento algum foi demonstrada a sua efetiva ocorrência. O
simples fato de haver na empresa uma entidade administrativa superior, no caso o Conselho de
Administração, não é o bastante para caracterizá-la. A finalidade de tais órgãos é de
acompanhamento da gestão empresarial de forma ampla, do cumprimento de diretrizes
regulamentares e das normas legais pertinentes. A subordinação que se pede neste caso é
aquela direta, que restringe a autonomia do diretor na sua área de atuação.
Certamente não é o que ocorreu na hipótese vertente.
Além do mais, a reclamante em seu depoimento de fls. 1.318, afirmou, verbis :
[...] que o horário dela depoente era livre; que a depoente tirava férias a sua livre escolha, mas
quando saía
deixava tudo organizado, deixando assinados os documentos que precisavam de sua
assinatura; que não
tinha tempo determinado para suas férias, pois às vezes passava um mês e outras vezes mais
de um
mês;[...].
Nesse sentido já decidiu esta Corte Trabalhista:
SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIRETOR ELEITO. NATUREZA JURÍDICA DO
VÍNCULO. Via de regra, não há relação de emprego entre o diretor eleito pelo Conselho de
Administração e a empresa respectiva, pois incompatíveis, em princípio, as qualidades de
empregado e de representante ou órgão da pessoa jurídica. A exceção prevista pelo Colendo
TST em seu enunciado n° 269 pressupõe a preexistência de contrato de trabalho e a
permanência da subordinação jurídica peculiar ao liame empregatício. Ausente alguma dessas
situações, prevalece o entendimento ordinário, não se caracterizando o vínculo empregatício.
Recurso desprovido. (TRT 13ª Região. Proc n° 424.2003.006.13.00-2)
O Tribunal Superior do Trabalho tem entendimento consolidado acerca da inexistência de
vínculo trabalhista entre o diretor acionista e a empresa, verbis:
RECURSO DE REVISTA - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - ACÓRDÃO -
NULIDADE -
RELAÇÃO DE EMPREGO - DIRETOR - SOCIEDADE ANÔNIMA - 1.
(...) 2. Diretor eleito pela assembléia geral, para gerir sociedade anônima e inclusive sem
ostentar, em
momento anterior ao evento, a condição de empregado da empresa, está situado fora da
clientela do art. 3º da CLT. Precedentes. 3.Recurso de revista não conhecido. (TST - RR
549551 - 1ª T. - Rel. Min. Conv. João
Amílcar Pavan - DJU 14.09.2001 - p. 397.)
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - JUSTIÇA ESTADUAL E DO TRABALHO - EX-
DIRETOR DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - AUSÊNCIA DE VÍNCULO
EMPREGATÍCIO - A investidura no cargo de diretor em sociedade de economia mista, que é de
confiança, em nada alude à condição de empregado, por ser estranha ao quadro de pessoal da
empresa, estando os seus direitos delimitados por previsão estatutária. Desse modo, o fato de o
pedido do requerente estar fundado em dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, por
si só, não faz com que a pretensão assuma contornos de natureza trabalhista.Conflito
conhecido, para declarar a competência da Vara da Fazenda Pública, suscitante. (STJ - CC
34589 -
AL - 2ª S. - Rel. Min. Castro Filho - DJU 16.12.2002.)
Nesse contexto, irretocável a decisão revisanda.
Frise-se que, inexistindo o vínculo trabalhista afirmado na petição inicial, não há que se falar em
condenação da empresa em relação a pagamento de diferença salarial e salário retido.
Por outro lado, a norma expressa no artigo 16 da Lei 8.036/90 autoriza as empresas sujeitas ao
regime da legislação trabalhista a equipararem seus diretores não empregados aos demais
trabalhadores sujeitos ao regime do FGTS, no tocante ao direito aos depósitos do FGTS.
É o caso.
Os documentos de fls. 17-21 demonstram que a empresa reclamada efetuou, aleatoriamente,
depósitos do FGTS em favor da recorrente, o que revela sua intenção de equiparar esta, na
qualidade de diretora não empregada, aos demais trabalhadores, quanto ao direito aos
depósitos do FGTS. Diante disso, a recorrente tem direito à diferença dos depósitos do FGTS
não efetuados, pelo que condeno a empresa recorrida ao pagamento dos valores respectivos, a
serem apurados em liquidação.
No tocante à responsabilidade solidária do Sr. EDGAR SAEGER FILHO, resta prejudicada, em
decorrência da inexistência de vínculo empregatício da reclamante com a empresa.
Insurge-se também a reclamante em relação aos valores descontados a título de imposto de
renda e não repassados à Receita Federal. Afirma, na inicial, que foi notificada pelo Órgão
arrecadador para pagar o imposto incidente sobre a renda declarada, com juros e multa pelo
não-recolhimento (fls. 08) cuja responsabilidade era da empresa, de quem pretende o
ressarcimento.
Com razão.
O Juízo de 1° grau em sua decisão assim consignou: "A empresa alega que fez uma
compensação do imposto de renda com um crédito referente ao PIS, embora não haja prova de
que esta compensação tenha sido deferida pela Receita Federal".
Como se pode observar, a empresa não fez prova robusta que realmente efetuou a
compensação dos débitos a título de imposto de renda junto à Receita Federal com o crédito
referente ao PIS.
Sendo assim, a reclamante não pode arcar com o ônus de ter que pagar novamente o imposto
de renda que fora retido pela reclamada, haja vista que a empresa é a responsável pelo
repasse ao orgão fazendário dos valores e não o fez.
Logo, é justo que a empresa seja responsável pelo ressarcimento dos valores deduzidos à título
de imposto de renda da reclamante, bem como de todos os consectários decorrentes do não
recolhimento.
Deve ser reformada a sentença, nesse particular, para condenar a reclamada a ressarcir à
reclamante os valores que foram recolhidos de seu pro labore a título de imposto de renda
durante o ano de 2003 bem como a multa e juros aplicados pelo orgão fazendário em
decorrência da mora.
Por fim, insurge-se a reclamante em relação à indenização por danos morais. Aduz que a
empresa descumpriu reiteradamente normas trabalhistas, além de não ter repassado o imposto
de renda retido do seu salário à Receita Federal.
Não lhe assiste razão.
A jurisprudência e a doutrina, no âmbito do contrato de trabalho, têm se firmado no sentido de
que a indenização por dano moral somente é cabível quando demonstrado que a atitude do
empregador implica em violação de direito da personalidade do trabalhador, em qualquer de
seus aspectos.
Nesse sentido, Paulo Luiz Netto Lôbo :
De modo mais amplo, os direitos de personalidade oferecem um conjunto de situações
definidas pelo sistema jurídico, inatas à pessoa, cuja lesão faz incidir diretamente a pretensão
aos danos morais, de modo objetivo e controlável, sem qualquer necessidade de recurso à
existência da dor ou do prejuízo.
A responsabilidade opera-se pelo simples fato da violação (damnu in re ipsa); assim, verificada
a lesão a direito da personalidade, surge a necessidade de reparação do dano moral, não
sendo necessária a prova do prejuízo, bastando o nexo de causalidade. Por exemplo, a
instituição financeira que promove a indevida
inscrição de devedor em bancos de dados responde pela reparação do dano moral que decorre
dessa inscrição; basta a demonstração da inscrição irregular.
Portanto, se se admitir que não há incidência de danos morais além das hipóteses de direitos
da personalidade, então o juízo de eqüidade, conferido ao juiz, ater-se-á ao quantum da
indenização compensatória.
[...]
Também denominado direito à integridade moral ou à reputação, o direito à honra tutela o
respeito, a consideração, a boa fama e a estima que a pessoa desfruta nas relações sociais.
Toda pessoa, por mais que se conduza de modo não ético, desfruta desse direito, em grau
maior ou menor, a depender de seu comportamento moral e da comunidade em que vive ou
atua. A honra, que se constrói no ambiente social, é o mais frágil dos direitos da personalidade,
porque pode ser destruída em virtude de informação maliciosa ou dolosa. A honra há de ser
aferida pelo juiz considerando os valores do lesado em harmonia com os valores cultuados na
comunidade em que vive ou atua profissionalmente. Costuma-se confundir o direito à honra
com o direito a imagem, mas este diz respeito apenas à retratação externa da pessoa. A
reputação relaciona-se à honra e não à imagem.
A honra pode ser entendida como subjetiva, quando toca à pessoa física, porque somente ela
pode sofrer constrangimentos, humilhações, vexames. Tem-se admitido a honra objetiva, no
caso das pessoas jurídicas, que também dependem de consideração, apreço e estimas sociais
(Cf. R. Esp. Nº 60.633-2-MG, do STJ).
[...]
A rica casuística que tem desembocado nos tribunais permite o reinvio de todas os casos de
danos morais aos tipos de direitos da personalidade. Nenhum dos casos deixa de enquadrar-se
em um ou mais de um tipos, conforme acima analisados. A referência freqüente à "dor" moral
ou psicológica não é adequada e deixa o julgador sem parâmetros seguros de verificação da
ocorrência de dano moral. A dor é uma conseqüência, não é o direito violado. O que concerne à
esfera psíquica ou íntima da pessoa, seus sentimentos, sua consciência, suas afeições, sua
dor, correspondem a dos aspectos essenciais da honra, da reputação, da integridade psíquica
ou de outros direitos da personalidade.
O dano moral remete à violação do dever de abstenção a direito absoluto de natureza não
patrimonial. Direito absoluto significa aquele que é oponível a todos, gerando pretensão à
obrigação passiva universal. E direitos absolutos de natureza não patrimonial, no âmbito civil,
para fins dos danos morais, são exclusivamente os direitos da personalidade. Fora dos direitos
da personalidade são apenas cogitáveis os danos materiais. O mesmo norte tem sido seguido
pela Jurisprudência deste Tribunal, conforme revela a seguinte ementa,
verbis:
DANO MORAL. OFENSA AOS DIREITOS PERSONALÍSSIMOS NÃO CONFIGURADA.
INDEFERIMENTO DO PEDIDO. Não demonstrada a ofensa a direitos personalíssimos, nem os
prejuízos alegados pelo autor, inexiste o direito à indenização decorrente de dano moral.
Recurso ordinário a que se nega provimento. (TRT da 13ª Região. Recurso Ordinário
00617.2006.024.13.00-8. Relator Juiz Ubiratan Moreira Delgado. DJ/PB 08/05/2007)
Reportando-nos ao caso em epígrafe, tem-se que a empresa não descumpriu nenhuma norma
trabalhista, nem tão pouco praticou atos ilegais que desabonassem o conceito moral da
reclamante.
Na espécie, portanto, não há um nexo causal inequívoco entre a ação da empresa e o alegado
dano moral à autora, porque não há prova de que houve qualquer tipo de constrangimento a
direito personalíssimo.
A autora se limitou a afirmar, de forma superficial, que sofreu constrangimento perante os
empregados da empresa e estava estressada.
Os argumentos são por demais frágeis a ensejarem uma indenização por danos morais. Isso
porque não há prova a demonstrar que a lesão (estresse) tenha tido a repercussão alegada
pela autora e que tivesse sido capaz de gerar um abalo profissional ou mesmo social que
autorizasse o deferimento de indenização. Portanto, só a alegação, mas sem prova efetiva de
que a prática da empresa tenha trazido prejuízos, não configura o dano moral, pelo que entendo
irretocável a sentença que indeferiu o pleito.
Mantém-se a sentença, nesse aspecto.
Isso posto, conheço do Recurso e dou-lhe provimento parcial para condenar a reclamada a
ressarcir à reclamante os valores que foram recolhidos do seu pro labore a título de imposto de
renda durante o ano de 2003 incluindo multa e juros aplicados pelo orgão fazendário em
decorrência da mora, e a pagar os valores correspondentes aos depósitos do FGTS não
efetuados, a serem apurados em liquidação.
Custas invertidas e acrescidas, no importe de R$ 788,00 (setecentos e oitenta e oito reais).
ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, com a presença do
Representante da Procuradoria Regional do Trabalho, Sua Excelência o Sr. Procurador Claúdio
Cordeiro Queiroga Gadelha, por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso para condenar
a reclamada a ressarcir à reclamante os valores que foram recolhidos do seu "pro labore" a
título de imposto de renda durante o ano de 2003 incluindo multa e juros aplicados pelo orgão
fazendário em decorrência da mora, e a pagar os valores correspondentes aos depósitos do
FGTS não efetuados, a serem apurados em liquidação. Custas invertidas e acrescidas, no
importe de R$ 788,00 (setecentos e oitenta e oito reais).
João Pessoa/PB, 27 de março de 2008.
WOLNEY DE MACEDO CORDEIRO
Juiz-Relator

http://www.trt13.jus.br/ejud/index.php?view=article&id=54%3Asociedade-anonima-natureza-
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