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TRABALHO E SOCIABILIDADE

Unidade II
Anteriormente, fizemos uma importante passagem por aspectos políticos, econômicos e sociais
que resultaram na construção do Estado moderno como o conhecemos hoje, organizado a partir de
leis que são definidas por representantes da sociedade e executadas pelos três poderes da república:
Executivo, Legislativo e Judiciário. Foi uma longa caminhada para que parte da humanidade, incluído
o país em que vivemos, identificasse nessa forma de organização social, econômica e política a mais
efetiva para a garantia do bem comum, do interesse social, embora seja importante reconhecermos
que essa forma de organização também tem defeitos e aspectos que necessitam de aprimoramento.

Agora, vamos estudar as diferentes formas de organização do trabalho nas atividades empresariais
ao longo da trajetória histórica da humanidade, para podermos angariar subsídios para refletir e
analisar as formas como o trabalho se desenvolve na sociedade contemporânea.

Também vamos trabalhar com aportes teóricos que nos auxiliem a compreender as características
da sociedade em que estamos vivendo na atualidade, marcada essencialmente pelo uso intensivo de
tecnologias e inovações, algumas das quais talvez não possam ser comparadas com outros momentos
já vivenciados pela humanidade.

Nesse momento, temos muito mais dúvidas do que certezas em relação ao futuro do trabalho e
da sociabilidade que ele constrói, porém, com o auxílio dos estudos que vamos fazer, será possível
identificar o papel essencial dos assistentes sociais na construção de alternativas para a proteção dos
trabalhadores e para a garantia da proteção da dignidade humana.

5 DEFINIÇÃO DE TRABALHO: FORMAS DE ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL


DO TRABALHO

Nosso objetivo é compreender trabalho e sociabilidade no contexto histórico e na sociedade


contemporânea e a partir dessa compreensão, refletir sobre a atuação do profissional de serviço
social. Vamos começar refletindo sobre o que podemos entender por trabalho.

Três definições merecem ser analisadas. A primeira, de Sandroni:

Trabalho – um dos fatores de produção, é toda atividade humana


voltada para a transformação da natureza, com o objetivo de satisfazer
uma necessidade. O trabalho é uma condição específica do homem e,
desde suas formas mais elementares, está associado a um certo nível de
desenvolvimento dos instrumentos de trabalho (grau de aperfeiçoamento
das forças produtivas) e da divisão da atividade produtiva entre os diversos
membros de um agrupamento social. Assim, o trabalho assumiu formas
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particulares nos diversos modos de produção que surgiram ao longo da


história da humanidade. Na comunidade primitiva, teve caráter solidário,
coletivo, ao passo que, nas sociedades de classes (escravista, feudal e
capitalista), se tornou “alienado” como afirmam os teóricos marxistas.
O trabalho assalariado é típico do modo de produção capitalista, no qual o
trabalhador, para sobreviver, vende ao empresário sua força de trabalho
em troca de um salário. Essa forma de trabalho foi analisada por Marx
e Engels, partindo do conceito de “valor-trabalho” elaborado por David
Ricardo e Adam Smith. Segundo esse conceito, o trabalho incorporado ao
produto é o elemento comum a toda espécie de mercadoria, fenômeno
que determina as relações de troca. Na análise marxista, a capacidade
de trabalho recebe a denominação de trabalho abstrato, e sua realização
prática na produção é o trabalho concreto. A medida para avaliar o
trabalho concreto, incorporado, é dada pelo tempo social necessariamente
gasto na produção da mercadoria. E isso, ainda segundo Marx, é dado não
apenas pelo trabalho individual, mas sobretudo pelo trabalho social, em
determinado nível de desenvolvimento das forças produtivas. Elemento
essencial na medida do valor das mercadorias, o trabalho necessariamente
social é o eixo em que se estrutura a teoria da mais-valia de Marx
(SANDRONI, 1999, p. 609).

Repare que a definição de Sandroni utiliza conceitos importantes da teoria marxista que estudamos
anteriormente. Giddens define:

Podemos definir o trabalho, remunerado ou não, como a realização de


tarefas que envolvem o dispêndio de esforço mental e físico, com o
objetivo de produzir bens e serviços para satisfazer necessidades humanas.
Uma ocupação ou emprego é um trabalho efectuado em troca de um
pagamento ou salário regular. O Trabalho é, em todas as culturas, a base da
economia. O sistema económico consiste em instituições que tratam
da produção e distribuição de bens e serviços (GIDDENS, 2013, p. 1006).

Lembrete

A obra de Giddens utilizada para a transcrição é publicada pela


editora da Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa, Portugal, e o texto
foi mantido no original, ou seja, com o uso da língua portuguesa como
utilizada naquele país.

Outra definição que podemos considerar para nossas reflexões é de Plácido e Silva, que oferece
uma visão em sentido jurídico, dado o fato de se tratar de um autor da área de conhecimento do
direito. Ele define:

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Trabalho [...] todo esforço físico, ou mesmo intelectual, na intenção de


realizar ou fazer coisa. No sentido econômico e jurídico, porém, trabalho não
é simplesmente tomado nesta acepção física: é toda ação, ou esforço, ou
todo desenvolvimento ordenado de energias do homem, sejam psíquicas,
ou sejam corporais, dirigidas com um fim econômico, isto é, para produzir
uma riqueza, ou uma utilidade, suscetível de uma avaliação, ou apreciação
monetária. Assim, qualquer que seja a sua natureza, e qualquer que seja
o esforço que o produz, o trabalho se reputa sempre um bem de ordem
econômica, juridicamente protegido (DE PLÁCIDO E SILVA, 1978, p. 1573).

A noção jurídica de trabalho é importante porque sabemos que as relações de trabalho são
mediadas por leis que no Brasil estão organizadas na Constituição Federal e na CLT, à qual nos
referimos anteriormente.

Alguns aspectos relevantes da legislação trabalhista brasileira precisam ser conhecidos.

O direito do trabalho é dividido, para efeitos didáticos, em direito individual e direito coletivo.
O primeiro regula as relações entre o empregador individualmente considerado e seu empregador; e, o
segundo, trata da organização sindical, das negociações coletivas, das situações que autorizam a prática
de greve e da representação das diferentes categorias de trabalhadores.

O artigo 3º da CLT define empregado como toda pessoa física que prestar serviços de natureza não
eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Dependência deve ser entendida
como subordinação, ou seja, o empregado é toda a pessoa que está sob as orientações profissionais
de seu empregador.

Empregador é definido no artigo 2º da CLT como a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo
os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige prestação pessoal de serviço.

Para o direito, o que caracteriza uma relação de trabalho são a comprovada existência dos
seguintes elementos:

• Pessoalidade: o contrato de trabalho exige uma relação entre empregador e empregado que
deve ser pessoa física como determina a CLT. O trabalho deve ser desempenhado pela própria
pessoa física contratada, ou seja, não pode ser substituída por outra.

• Não eventualidade ou habitualidade: esse elemento se refere à continuidade da prestação


de trabalho pela pessoa física a seu empregador, ou seja, há exigência de que a relação entre
as partes se prolongue no tempo. Em 2017, a Reforma Trabalhista ocorrida no Brasil regulou a
existência de trabalho eventual, conforme veremos mais à frente.

• Subordinação: o empregado recebe orientações e diretrizes profissionais do empregador e deve


cumpri-las na execução do trabalho. Nenhum empregado estará obrigado a cumprir ordens que
o coloquem em risco ou que ofendam sua integridade física, psicológica ou moral.
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• Onerosidade: o empregado deve receber salário pelos serviços prestados ao empregador. É um


direito do trabalhador e um dever do empregador.

• Alteridade: quem assume os riscos do êxito ou fracasso da atividade econômica é o empregador


conforme estipulado no artigo 2º da CLT. O empregado não pode correr riscos decorrentes da
atividade econômica, ou seja, sua remuneração não pode estar condicionada ao sucesso
da atividade empresarial do empregador ainda que, em alguns casos, parte da remuneração possa
ser paga com repartição dos resultados positivos como acontece no pagamento de comissões pela
venda de produtos ou serviços. Mas isso não pode ocorrer de forma integral porque, se for assim,
não estará caracterizada a relação de emprego.

Esses são apontados pelos estudiosos como os principais elementos que caracterizam a relação
de emprego. Sempre que estiverem presentes, a relação de emprego estará caracterizada, ainda que o
contrato de trabalho não tenha sido formalizado entre as partes. Não é incomum que as pessoas físicas
sejam contratadas sem representação do contrato na Carteira de Trabalho e, posteriormente, tenham
que ingressar na justiça do trabalho para demonstrar a existência do vínculo. A prova da existência do
vínculo é o mesmo que a prova da existência dos elementos que analisamos anteriormente.

A lei permite a contratação de empregados de formas diferentes como, por exemplo, aprendiz,
empregado em domicílio, em regime de teletrabalho, empregado doméstico, empregado rural,
trabalhador temporário, trabalhador avulso, trabalhador eventual, estagiário e trabalhador autônomo.

As novidades implementadas no direito brasileiro pela Reforma Trabalhista de 2017 são:

• Empregado em regime de teletrabalho: o teletrabalho não se resume ao trabalho realizado pelo


empregado em seu domicílio porque pode ser prestado em outros lugares como, por exemplo,
em coworking ou espaços de compartilhamento que são criados para que as pessoas possam
compartilhar os equipamentos necessários para seu trabalho (computadores, impressoras, água,
luz, sala de reuniões, bancadas de escritório etc.). São muito utilizados na atualidade nos grandes
centros urbanos, em especial por profissionais que atuam em regime de teletrabalho. O artigo 75-B
da CLT define teletrabalho como a prestação de serviços preponderantemente fora das
dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação
que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. Estabelece a CLT que a
prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato
individual de trabalho, que especificará, ainda, as atividades que serão realizadas pelo empregado.
O gestor empresarial deve definir claramente em que condições o trabalho será executado e ficar
atento para garantir que a lei seja cumprida. É obrigação do empregador instruir os empregados,
de maneira expressa e ostensiva segundo o artigo 75-E da CLT, quanto às precauções a tomar a
fim de evitar doenças e acidentes de trabalho. O empregado em regime de teletrabalho assinará
termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.

• Trabalhador por tempo parcial: esse regime de trabalho foi modificado pela entrada em vigor da
Reforma Trabalhista de 2017. O artigo 58-A da CLT, alterado pela reforma, define trabalho em regime
de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a 30 horas semanais sem a possibilidade de horas
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suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a 26 horas semanais, com a
possibilidade de acréscimo de até seis horas suplementares semanais. As férias dos empregados
em regime parcial serão concedidas em períodos que vão de 12 a 30 dias, a depender do número
de faltas do empregado durante o período aquisitivo. Os empregados contratados em tempo
parcial também poderão converter 1/3 do período de férias em abono pecuniário. No tocante às
horas extras, os trabalhadores em regime de até 30 horas semanais não poderão realizá-las e os
em jornada de 26 horas poderão realizar no máximo 6 horas extras por semana. De acordo com
a lei, o salário a ser pago aos empregados sob o regime de tempo parcial será proporcional à sua
jornada em relação aos empregados que cumpre, nas mesmas funções, tempo integral. O objetivo
da lei é garantir a proporcionalidade dos salários entre trabalhadores em regime de tempo integral
com aqueles em regime de tempo parcial.

• Trabalhador por tempo parcial: é outra modalidade introduzida pela Reforma Trabalhista
de 2017 e está regulado pelo artigo 443, parágrafo 3º da CLT, que define como intermitente o
contrato de trabalho no qual a prestação de serviços com subordinação não é contínua, ocorrendo
com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas,
dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador,
exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. O contrato de trabalho intermitente
deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho,
que não pode ser inferior ao valor horário do salário-mínimo ou àquele devido aos demais
empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou
não. E as obrigações trabalhistas – férias, descanso semanal remunerado, 13º salário – deverão
ser calculadas proporcionalmente aos dias trabalhados.

• Trabalhador por tempo parcial: não se caracteriza como empregado nos termos do artigo 3º
da CLT, porque não estão presentes os elementos caracterizadores do vínculo empregatício.
O autônomo organiza seu tempo da forma como julgar conveniente e não há subordinação
caracterizada em relação àqueles para os quais presta serviços. O artigo 442-B da CLT, modificado
pela Reforma Trabalhista de 2017, estabeleceu que a contratação do autônomo cumpridas por
este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a
qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação. O reconhecimento da qualidade de
empregado depende da existência de subordinação, e se não estiver presente esse elemento, não
se caracterizará o vínculo e, consequentemente, a relação continuará sendo com um autônomo.

A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) é o documento que deve ser apresentado ao
empregador mediante contra recibo de entrega, para que sejam realizadas as anotações exigidas por lei,
tais como data da admissão, remuneração e condições especiais de trabalho. O empregador tem prazo
fixado por lei para proceder às anotações obrigatórias em qualquer atividade profissional.

O encerramento do contrato de trabalho pode decorrer de vontade do empregador ou do


empregado e, em ambas as hipóteses, deverá ser aplicado o disposto no artigo 477 da CLT, no
sentido de que o empregador deverá proceder à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência
Social, comunicar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas
rescisórias no prazo de 10 (dez) dias contados do término do contrato. Tendo ocorrido o período
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de aviso-prévio, contados da data final deste. As verbas rescisórias deverão ser pagas em dinheiro,
depósito bancário ou cheque visado, em conformidade com o que as partes acordarem. Sendo o
empregado analfabeto, o pagamento somente poderá ser feito em dinheiro ou depósito bancário.
O descumprimento do prazo pelo empregador ensejará a aplicação de multa. Também será de
10 (dez) dias o prazo para pagamento e entrega de documentos para o recebimento dos
depósitos fundiários e seguro-desemprego, a contar do término do contrato ou da data final
do aviso-prévio, caso este tenha sido cumprido.

A Reforma Trabalhista de 2017 introduzida pela Lei n. 13.467, de 2017, determinou que as
despensas coletivas de empregados não precisam de anuência prévia do sindicato e nem de celebração
de convenção ou acordo coletivo de trabalho. Nos casos em que a empresa tenha criado Plano de
Demissão Voluntária (PDV) ou Incentivada (PDI), o pagamento dos valores pactuados pelas partes
ensejará o valor jurídico de quitação plena e irrevogável de direitos decorrentes da relação de trabalho.

No direito trabalhista brasileiro, a rescisão do contrato de trabalho por decisão do empregador


ocorre por justa causa ou sem justa causa.

Justa causa é a dispensa que decorre de ato incorreto do empregador, tipificado pela lei e que
gera a possibilidade de imediata ruptura do contrato de trabalho, mesmo que não seja essa a vontade
do empregado. Existe um rol taxativo para as hipóteses de aplicação de justa causa, no artigo 482 da
CLT. A situação concreta ensejadora da demissão por justa causa deverá ser provada pelo empregador
por meio de documentos, testemunhas ou perícia. A jurisprudência brasileira tem sido firme no
entendimento de que não basta o empregador formalizar um boletim de ocorrência para que a
situação que deu ensejo a aplicação de justa causa seja comprovada. É preciso que existam elementos
complementares de prova como documentos, testemunhas e prova pericial.

A demissão por justa causa só ocorrerá nos termos do artigo 482 da CLT quando estiver provado
ato de improbidade do empregado (desonestidade, por exemplo); incontinência de conduta ou mau
procedimento; negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregados e,
quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial
ao serviço; condenação criminal do empregado passada em julgado e para a qual não tenha ocorrido
a suspensão da execução da pena; desídia no desempenho das funções; embriaguez habitual ou
em serviço; violação de segredo da empresa; ato de indisciplina ou de insubordinação; abandono
de emprego; ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou
ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
prática constante de jogos de azar; perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o
exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado; prática de atos atentatórios
à segurança nacional.

Demissão sem justa causa ocorre quando não há mais interesse do empregador em manter o
vínculo com o empregado, sem nenhuma causa especial ou aparente para isso.

A demissão por justa causa do empregado obriga o empregador ao pagamento de saldo de salário e
férias vencidas caso haja; e a demissão sem justa causa obriga o pagamento de saldo de salário, férias
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vencidas e/ou proporcionais, 13º salário, aviso prévio, depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço mais a multa de 40%, juros e correção monetária.

A rescisão do contrato de trabalho pode ocorrer, ainda, por acordo entre empregado e empregador;
quando o empregado pedir demissão; ou, ainda, quando ocorrer a rescisão indireta, nos casos em que o
empregado puder comprovar a falta grave do empregador em relação aos deveres que havia assumido.

A área denominada direito coletivo do trabalho é aquela que regula os acordos ou convenções
coletivas de uma determinada categoria de trabalhadores, direito de greve para as diferentes
categorias de trabalhadores, negociação coletiva de salários, organização sindical e direito de greve,
entre outras possibilidades.

Os sindicatos são associações de pessoas físicas ou jurídicas com o objetivo de proteger interesses
coletivos e individuais de seus membros. A Constituição Federal brasileira determina em seu artigo 8º
que é livre a associação profissional ou sindical, mas ninguém será obrigado a se filiar ou a se
manter filiado.

Na atualidade, também a contribuição sindical é ato de vontade do empregado, nos termos do


artigo 545 da CLT. Essa contribuição chamada de imposto sindical era obrigatória, mas passou a ser
facultativa por força da chamada Reforma Trabalhista.

A Constituição Federal proíbe que seja criado mais de um sindicato representando a mesma
categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial. A base territorial, por sua vez, não
poderá ser inferior à área de um município.

A atuação dos sindicatos e demais formas de representação profissional dos empregados é


fundamental na elaboração de convenções ou acordos coletivos de trabalho, pois em conformidade
com o artigo 611 da CLT, as convenções e acordos coletivos podem prevalecer sobre a lei quando
dispuserem sobre alguns temas muito importantes previstos na própria lei, tais como pacto quanto à
jornada de trabalho; banco de horas anual; intervalo interjornada, respeitado o limite mínimo de
trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; plano de cargos, salários e funções compatíveis
com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como
funções de confiança; regulamento empresarial; representante dos trabalhadores no local de trabalho;
teletrabalho, regime de sobreaviso e trabalho intermitente; remuneração por produtividade, incluídas
as gorjetas percebidas pelo empregado e remuneração por desempenho individual; modalidade de
registro de jornada de trabalho; troca do dia de feriado; enquadramento em grau de insalubridade;
prorrogação da jornada de trabalho em ambientes insalubres sem prévia licença das autoridades do
Ministério do Trabalho; participação nos lucros da empresa, entre outras estabelecidas na lei.

As negociações ou acordos coletivos geram normas coletivas para atender as necessidades


específicas de cada categoria profissional. Assim, empregadores e empregados devem participar das
negociações coletivas com propósito de buscar bons resultados construídos em conjunto.

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A Constituição Federal assegura o direito de greve cabendo aos trabalhadores decidir sobre a
oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devem defender por meio da greve. Essa
determinação do artigo 9º da Lei Maior do país destaca a responsabilidade pelo uso desse poderoso
instrumento que é a greve.

Determina a Constituição Federal que a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá
sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade durante o período de greve da
categoria profissional. Determina a Constituição Federal que os abusos cometidos sujeitam os
responsáveis às penas previstas na lei.

De seu lado, os empregadores deverão ser igualmente responsáveis nas práticas de lockout, palavra
em inglês que significa bloqueio e que expressa nos termos da CLT a suspensão dos trabalhos por
determinação dos empregadores nos termos do que dispõe o artigo 722 daquela norma. A prática de
lockout está sujeita à prévia autorização do tribunal competente e se for efetivada sem ela, sujeitará o
empregador a sanções. Também incorrerão em sanções os empregadores que se recusarem a cumprir
as decisões do dissídio coletivo.

A Constituição Federal e a CLT são aplicadas no território nacional por todas as empresas,
nacionais ou de capital internacional. Além disso, o Brasil possui justiça especializada em área do
direito do trabalho, composta de magistrados singulares e tribunais regionais, com decisão colegiada
de desembargadores. Há, ainda, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), com sede em Brasília, que julga
em última instância os processos judiciais.

Essa organização atende a determinação da Constituição Federal de garantir acesso à justiça


como direito fundamental de todos.

Ao longo da história, as empresas utilizaram diferentes as formas de organização do trabalho e


isso, com certeza, repercutiu diretamente nas relações de trabalho.

Vamos conhecer as formas de organização da produção econômica mais estudadas para podermos
analisar suas características, o impacto para os trabalhadores e para podermos comparar com aquelas
que são utilizadas na atualidade.

5.1 Formas de organização empresarial

A Revolução Industrial não foi um evento único. Ao contrário, teve diferentes fases e, na atualidade,
os pesquisadores do tema convergem para a existência de pelo menos quatro fases.

A Primeira Revolução Industrial teria ocorrido entre 1760 e 1830, sempre de forma aproximada porque
não há delimitação peremptória para fenômenos sociais e econômicos como a mudança na produção.
A Primeira Revolução Industrial teve início com a invenção da máquina mecânica a vapor e sua utilização
na indústria têxtil. O carvão era a principal matriz energética, era empregado no setor de transporte,
de mercadorias e de pessoas, tem início a utilização das estradas de ferro, que resultaram em ganho de
tempo e ampliação da distribuição dos produtos.
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A Segunda Revolução Industrial ocorreu no período entre 1830/1850 a 1950 e foi marcada por
métodos de produção que utilizavam metalurgia, siderurgia e química, o que foi uma mudança
significativa em relação às tecnologias utilizadas até então. As máquinas passaram a utilizar matriz
energética do petróleo e elétrica, o que viabilizava a formação de industriais de grande porte que
ocupavam muito espaço e produziam em série, viabilizando a produção de grande quantidade
de produtos.

A Terceira Revolução Industrial ocorreu na segunda metade do século XX e se estendeu até o


final do mesmo século. Foi marcada pela utilização dos conhecimentos de informática e robótica na
produção industrial e pela utilização dos recursos da rede mundial de computadores, mais conhecida
como internet. A produção também adquire novas características com a produção por demanda, na
medida exata da necessidade do mercado, de forma a não incorrer nos efeitos negativos da sobra
de produção.

Finalmente, a Quarta Revolução Industrial ou a Indústria 4.0 é o momento em que estamos vivendo.
Um marco histórico importante desse novo período foi a Feira de Hannover, considerada a principal feira
industrial do mundo, que em 2011 apresentou novos modelos de produção, automatizados e inteligentes,
para os quais a presença física dos empregados seria necessária apenas para gerenciar a ação das
máquinas, e não para operá-las, pois, para isso, elas teriam autonomia. Além disso, a Quarta Revolução
Industrial se caracteriza pelo uso intensivo e essencial da internet, de tecnologias como a inteligência
artificial e máquinas que conseguem aprender a partir da análise de quantidades gigantescas de dados
armazenados e disponibilizados para utilização delas.

A Indústria 4.0 é totalmente automatizada na linha de produção, no atendimento de consumidores,


com sistemas totalmente informatizados e que demandam a utilização de menor número de pessoas.

Figura 19

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Quais impactos a Revolução 4.0 tem causado para os trabalhadores? Como está sendo organizado
o mundo do trabalho a partir da implantação maciça da tecnologia, inclusive substituindo humanos
por braços robóticos?

A)

B)

Figura 20

Antes de construirmos essa análise, vamos conhecer algumas diferentes formas de organização
empresarial utilizadas ao longa da história e apreender como elas impactaram nos trabalhadores.
Em seguida, vamos começar a analisar o mundo do trabalho na atualidade e seu impacto na vida dos
trabalhadores e nas relações sociais.

A primeira forma de organização empresarial ou industrial mais conhecida e estudada foi


chamada de modelo fordista ou, simplesmente, fordismo. Foi criada por Henry Ford, fundador da Ford
Motor Company, empresa norte-americana criada em 1914. Esse sistema foi utilizado por grande
parte das indústrias no século XX, especialmente entre os anos 1920 e 1970, tornando-se bastante
conhecido e estudado.

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As principais características do método fordista de produção industrial são:

• produção em massa, produzir cada vez mais com menor custo e aumento de lucro;

• trabalho em linhas de montagem automatizadas, modelo de esteiras rolantes, com processos de


produção padronizados que permitiam a aceleração da produção e o barateamento dos custos;

• trabalhadores especializados em uma única atividade e que não conhecem o processo integral de
produção e, em consequência, aceleração da produção e alienação do trabalhador;

• produção acelerada viabiliza menor tempo para o produto chegar ao mercado de consumo.

Henry Ford, para criar seu método de organização de produção industrial, utilizou conceitos
e princípios de Frederick Taylor, norte-americano, engenheiro, que escreveu importante obra
denominada Os princípios da administração científica, publicada em 1911. Taylor viveu no período
entre 1856 e 1915 e influenciou de tal forma os modelos de produção do século XIX que é reconhecido
como o pai da administração científica. Suas reflexões são construídas em um momento histórico em
que a indústria norte-americana teve forte aceleração de crescimento e, em consequência, surgiu a
necessidade de organizar adequadamente a produção para que ela tivesse eficiência, o que significa
menores custos, maior celeridade e rápida distribuição para o mercado de consumo.

Taylor tinha uma grande vantagem para construir suas análises e estudos: ele havia começado
sua vida profissional como operador de máquinas e cursou engenharia no período noturno. Pode,
portanto, aliar a experiência prática com o conhecimento científico, o que viabilizou as propostas do
que, mais tarde, seriam conhecidas como sistema taylorista ou, simplesmente, taylorismo.

As principais características do taylorismo são:

• utilizar sempre métodos científicos testados no processo de produção e abandonar os métodos


empíricos e improvisados;

• selecionar os trabalhadores a partir de suas melhores aptidões e treiná-los para desempenhar


sua tarefa;

• exercer rigoroso controle sobre o trabalho executado para verificar se estão sendo atendidas as
regras determinadas;

• criar uma disciplina para a execução do trabalho, ou seja, etapas que deverão ser rigorosamente
cumpridas;

• singularizar as funções dos trabalhadores, de forma que cada um execute apenas uma tarefa do
processo de produção industrial.

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Ao longo do tempo e com o desenvolvimento de estudos sobre administração, outros princípios


foram incorporados e criados, porém esses anteriormente mencionados são considerados
os fundamentais.

Ao analisar os principais aspectos do taylorismo, Andressa de Freitas Ribeiro diz:

Alguns autores da economia clássica já vinham pensando sobre estratégias


de organização e controle do trabalho, mas foi Frederick Winslow Taylor
quem, nas últimas décadas do século XIX, desenvolveu a ideia de gerência
científica. Nessas décadas já se verificava um enorme aumento do
tamanho das empresas, o início da organização monopolista da indústria
e a intencional e sistemática aplicação da ciência a produção. Taylor e
com ele o taylorismo surge na cadeia de desenvolvimento desses métodos
e organização do trabalho. O que Taylor propõe é uma gerência científica
do trabalho, isso significa um “empenho no sentido de aplicar os métodos
científicos aos problemas complexos e crescentes do controle do trabalho
nas empresas capitalistas em rápida expansão” (Braverman, 1987: 82).

Taylor propôs a ideia de uma gerência que criasse, através de métodos


de experimentação do trabalho, regras e maneiras padrões de executar o
trabalho. Essas regras padrões seriam obtidas pela melhor equação possível
entre tempo e movimento. Para Taylor a garantia da eficiência era papel
fundamental da gerência. Assim, criavam-se métodos padronizados de
execução que deveriam otimizar a relação entre tempo e movimento. O que
Braverman (1987) afirma é que sempre existiram métodos experimentais
aplicados ao trabalho, inclusive, os próprios trabalhadores nas oficinas
buscavam, através da experimentação, a melhor maneira de realizar o seu
trabalho, o elemento inovador é que o estudo do trabalho, na perspectiva
de Taylor, deveria ser feito por aqueles que administram e em favor deles.

A formação de uma gerência capaz de pré-planejar e pré-calcular todos


os elementos do processo de trabalho estava, então, intimamente ligada
a uma proposta de intenso controle do trabalho. Taylor elevou o conceito
de controle a um plano inteiramente novo quando “asseverou como uma
necessidade absoluta para a gerência a imposição ao trabalhador da
maneira rigorosa pela qual o trabalho deve ser executado” (Braverman,
1987, p. 86). Aqui se localiza uma característica fundamental da gerência
científica proposta por Taylor, a expropriação do saber do trabalhador, a
divisão entre execução e concepção (RIBEIRO, 2015, p. 65-79).

A necessidade de controle era justificada em razão da necessidade de aumento do volume


de produção. Se cada trabalhador realizasse sua atividade na quantidade e no tempo planejados,
os resultados seriam positivos para toda a produção e, consequentemente, o mercado teria mais
produtos para consumir e gerar lucro para os industriais. Para os trabalhadores, a tarefa se torna
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repetitiva, pouco criativa e opressiva, porque existem metas a cumprir para que a produção alcance
os resultados planejados.

A principal diferença entre o fordismo e o taylorismo está na utilização de tecnologia que foi
implantada por Ford em seu processo industrial, principalmente com o sistema de esteiras rolantes.
Essa tecnologia passou a ditar o ritmo da produção e exigir que os trabalhadores acompanhassem
rigorosamente a velocidade das máquinas.

Saiba mais

O inglês Charles Chaplin criou um famoso personagem, Carlitos, que


é protagonista do filme Tempos modernos, de 1936. O filme é sobre um
operário, Carlitos, que trabalha em uma fábrica em que sua função é apertar
parafusos durante todo o período de trabalho. É uma crítica às novas
tecnologias e aos padrões de trabalho daquele momento histórico. Vale a
pena assistir e pode ser encontrado em plataformas na internet. Assista:

TEMPOS modernos. Direção: Charles Chaplin. EUA: Charles Chaplin


Productions, 1936. 87 minutos.

O sistema fordista inspirado no taylorismo é considerado um marco de grande importância da


Segunda Revolução Industrial. Além da indústria automobilística, foi implantado com êxito na indústria
têxtil e em vários outros setores de produção econômica, contribuindo de forma significativa para
o aumento da produção e para o consumo de massa. Por outro lado, é criticado por ter submetido
os trabalhadores a um processo automatizado de trabalho, que favoreceu a alienação e a pouca
qualificação profissional.

Thomaz Wood Júnior:

Neste novo sistema, o operário não tinha perspectivas de carreira e


tendia a uma desabilitação total. Além disso, com o tempo, a tendência
de superespecialização e perda das habilidades genéricas passou a atingir
também os demais níveis hierárquicos.

A Ford procurou verticalizar-se totalmente, produzindo todos os


componentes dentro da própria empresa. Isto se deu pela necessidade de
peças com tolerâncias mais estreitas e prazos de entrega mais rígidos,
que os fornecedores, ainda num estágio pré-produção em massa, não
conseguiam atender.

A consequência direta foi a introdução em larga escala de um sistema


de controle altamente burocratizado, com seus problemas próprios e sem
soluções óbvias.
91
Unidade II

[...] A crise do petróleo dos anos 70 encontrou as indústrias europeias e


americana num patamar de estagnação. A ascensão de novos concorrentes,
vindos do Japão, colocou definitivamente em cheque o modelo de
produção em massa (WOOD JÚNIOR, 1992).

O próximo modelo de produção industrial que vamos estudar é chamado de toyotismo e foi
criado no Japão a partir da Segunda Guerra Mundial, mais especificamente a partir de 1948. O Japão
havia participado do conflito mundial ao lado de Alemanha e Itália e, consequentemente, estava em
situação econômica e política bastante ruim, com dificuldade de importar matéria-prima, produzir
em grande escala e exportar sua produção. Nunca é fácil ficar ao lado dos perdedores, e essa era a
situação do Japão naquele momento histórico.

Três profissionais da área da indústria automobilística japonesa estudaram o sistema de


produção fordista e concluíram que era possível modificá-lo para aumentar a produção e diminuir
significativamente os custos, grande objetivo que norteava os estudos que eles estavam fazendo.
Taiichi Ohno (1912-1990), Shingeo Shingo (1909-1990) e Eiji Toyoda (1913-2013) apresentaram seus
estudos para a fábrica automotiva Toyota que decidiu implementar o sistema.

E quais são os principais aspectos do sistema toyotista de produção industrial?

Eles propuseram um sistema em que a fábrica só produziria se fossem feitos pedidos pelo mercado,
ou seja, a produção começaria a ser feita apenas quando as concessionárias de veículos apresentassem
pedidos em razão de vendas já realizadas para consumidores finais. Com isso a fábrica economizaria
em aluguel de espaços para estocagem de peças e componentes, diminuiria o desperdício e poderia
aumentar a produção na medida em que as vendas igualmente aumentassem. Parecem ideias simples,
mas, acreditem, isso fez da Toyota uma das maiores fabricantes de veículos do mundo com exportações
significativas para vários países, especialmente para os Estados Unidos da América do Norte, onde os
veículos Toyota se tornaram campeões de venda no setor.

O Toyotismo tem por objetivo a sincronia entre o fornecimento de matéria-prima, a produção


dos veículos e a distribuição para o mercado consumidor. Seus pontos fundamentais são, portanto,
rapidez, flexibilidade e pontualidade. Criaram um sistema que ficou conhecido como just-in-time,
ou seja, “no tempo certo”. Os fornecedores de matéria-prima deveriam concordar em produzir dessa
forma, sem venda antecipada de grande quantidade de componentes, mas com fornecimento apenas
no momento da fabricação do veículo

Assim, podemos resumir o sistema de produção toyotista a partir das seguintes características:

• produção a partir da existência de demanda;

• redução dos estoques ou estoques flexíveis;

• diversificação de produtos distribuídos para o mercado;

92
TRABALHO E SOCIABILIDADE

• uso intensivo de tecnologia principalmente na automação das etapas de produção;

• uso de mão de obra multifuncional e qualificada.

Dois aspectos foram determinantes para que o modelo toyotista se tornasse bem-sucedido:
a utilização de tecnologia de ponta e mão de obra qualificada liderada por profissionais igualmente
muito qualificados. O trabalho na linha de produção é realizado por equipes e todos são responsáveis
por monitorar a qualidade do trabalho realizado, do início ao fim do processo de produção. O sistema
impõe o aprimoramento constante de todas as fases da operação, o que ficou conhecido no mundo
da administração de empresas do kaizen, palavra que em japonês significa “melhoria contínua”. Essa
prática kaizen no modelo toyotista não deve ser aplicada somente ao ambiente de trabalho, mas
também na vida pessoal dos profissionais que devem buscar constantemente melhorar em tudo o
que fazem. Esse modelo de concretização de melhoria contínua se adaptou muito bem à situação
econômica, social e política que o Japão vivia no pós-guerra, um país devastado pela destruição
e pelos problemas econômicos e que precisava muito de alta produção com baixo custo. Por isso,
o estímulo para que toda a população atuasse de forma a melhorar continuamente tudo o que
fazia, em especial na produção de bens para o mercado de consumo internacional. Na atualidade, o
método kaizen é aplicado na administração empresarial em várias partes do mundo e por empresas
de diferentes portes.

Mas o toyotismo também aplicou um outro princípio que se mostrou bastante relevante: genchi
genbustu, que pode ser traduzido como “vá e veja”. Esse princípio parte do pressuposto que para
corrigir um problema ou melhorar um sistema de produção, é preciso recorrer à fonte, ou seja, ir ao
local, verificar como ocorre, analisar, propor melhorias, aplicá-las e monitorar os resultados. E esse
processo deverá ser realizado de modo contínuo, constante, para que nunca se perca a oportunidade
de conhecer os processos e suas possibilidades de melhoria. É uma forma de solução de problemas
que leva em conta a experiência concretamente vivida, ou seja, que obriga que a pessoa esteja no
local em que a situação concreta acontece, que no caso da produção industrial, é o chamado “chão
de fábrica”, onde estão os operários e as máquinas.

Para os trabalhadores o toyotismo resultou em redução de postos de trabalho em razão do uso


intensivo de tecnologia, embora, para os empregados que mantiveram seus empregos, o trabalho
tenha se tornado menos repetitivo, porque há valorização do trabalho em equipe e do esforço
de melhoria contínua na produção, que leva à possibilidade de prêmios por metas de produção.
Na prática, um estímulo para que os trabalhadores trabalhem sempre cada vez mais horas e com
menor número de postos de trabalho.

A busca de melhoria constante tornou o toyotismo um dos fatores responsáveis pela implementação
de certificações de qualidade como o ISO, emitido pela Associação Internacional de Padronização ou,
em inglês, Internacional Organization for Standartizacion, e que são muito utilizados por empresas em
todo o mundo, inclusive no Brasil.

93
Unidade II

Erika Batista, ao comentar o trabalho do precursor do toyotismo, Taishii Ohno e os desdobramentos


do método, afirma:
Ohno cristalizou o envolvimento individualizado do trabalhador e o
compromisso do trabalho em equipe. A apropriação do saber tácito do
trabalhador também foi sistematizada para padronizar as operações,
e o princípio de combinar trabalho em equipe e habilidade individual
proporcionou o desenvolvimento das aptidões individuais até a mais plena
capacidade. Para isso foi necessário o foco na iniciativa e comprometimento
dos trabalhadores, juntamente com o envolvimento da gerência na
operacionalização das tarefas.

A nova lógica impôs aos operários um sistema de gestão total que


incorporava ao trabalho repetitivo o trabalho multifuncional, intensificando
a atividade do trabalho e penetrando na “alma” do trabalhador.
O dispositivo de regulação desta gestão total se deu pela padronização das
tarefas, que foram otimizadas através do método de kanban.

Este viabilizou a sincronização do just-in-time e autonomização das


operações, conferindo maior flexibilidade às operações.

A flexibilidade também foi transferida para a força de trabalho, já


que a operacionalização do kanban deve contar com a iniciativa e
multifuncionalidade do operário para ser corretamente ajustado e seguido
a tempo de evitar o desperdício.

Entretanto, a “autonomia” humana deveria ser “capturada” e controlada


sempre no limite de sua possibilidade de transferência para as máquinas.
“A mente industrial extrai conhecimento do pessoal da fabricação, dá o
conhecimento às máquinas que funcionam como extensões das mãos e
pés dos operários, e desenvolve o plano de produção para toda a fábrica”
(OHNO, 1997, p. 65).

Junto à gestão participativa se pode conceber também a ideia dos CCQs,


cuja função era combinar o sistema JIT ao método kanban e por meio da
apropriação do saber tácito da força de trabalho. Para isso, o rodízio das
tarefas foi utilizado como técnica bem como a “auto supervisão”.

É importante destacar que mesmo com as novas técnicas de gestão


sistematizadas na Toyota, os trabalhos parcelados e repetitivos continuaram
coexistindo com os de caráter multifuncional e pluriespecializado.
A novidade se deu em aplicar a todos os tipos as formas de controle do
processo de trabalho, o que ratifica a suposição inicial de que existe uma
continuidade nos três métodos de organização do trabalho, continuidade
com sofisticação, e não superação, daí estas formas serem sociais, e não
restritas ao espaço de trabalho (BATISTA, [s.d.], p. 10).
94
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Como podemos observar nos sistemas de produção estudados que são considerados os mais
relevantes e, em outros adotados ao longo desse mesmo período histórico estudado aqui, é que a
prioridade sempre está na produção para o mercado com resultado de lucro para os investidores; e, em
contrapartida, o valor do trabalho e do salário é tratado como custo que, necessariamente, precisa ser
administrado para estar sob controle e não interferir demasiadamente no preço final ao consumidor.

Lembrete

O volvismo é uma forma de organização empresarial bastante


mencionada nos estudos sobre o tema.

O processo de globalização ocorrido com o fim da Guerra Fria, final dos anos 1980 e início da
década de 1990, aprofundou o que podemos chamar de mercantilização da vida, com a criação
de cada vez maiores necessidades de consumo, impossibilidade de produção individual ou familiar
porque os custos se tornariam muito incompatíveis com os das grandes indústrias e, portanto, sem
nenhuma chance de concorrência.

Para os países economicamente mais fortes e que ocuparam o centro da produção mundial a partir
da globalização, a produção é abundante, tecnológica porque existem recursos para investimento –
acesso ao crédito, por exemplo –, e dimensionada para redução de custos, o que inclui, muitas vezes,
utilizar mão de obra mais barata em outros países que estão à margem na escala da economia
mundial, não ocupam o centro de poder econômico e por isso mesmo são chamados de periféricos.

Na atualidade e já há algumas décadas, não é incomum que empresas de capital norte-americano


se instalem em países periféricos para que a produção seja mais barata, especialmente em razão do
valor pago para a mão de obra. Isso obriga o trabalhador a se dedicar mais horas ao trabalho para
poder ganhar um pouco melhor; ou, em determinadas categorias, como saúde, segurança privada,
limpeza e educação, a trabalhar em vários empregos para poder somar rendimentos que viabilizem
uma vida digna.

Há verdadeira patrimonialização da força de trabalho, o que modifica profundamente as relações


sociais. Para poder ganhar o suficiente, o trabalhador aumenta o número de horas de trabalho,
mora mais longe do trabalho para pagar mais barato pela moradia, gasta bom número de horas em
deslocamento especialmente nos grandes centros urbanos e, mesmo assim, não consegue garantir
empregabilidade, consumo de todos os itens necessários e nem tão pouco qualidade de vida.

Isso repercute na saúde e na segurança do trabalhador ao mesmo tempo que enfraquece o poder
de negociação dos sindicatos, em vista do temor de redução do número de postos de trabalho.
Além disso, o sistema globalizado coloca os países periféricos à mercê do movimento do capital que
ocorre nos países do centro do poder econômico. Por isso, quando um país de economia forte como
Estados Unidos ou Alemanha, por exemplo, vivenciam uma crise econômica, os países da periferia
sofrem muito mais porque aumentam as taxas de juros, falta capital para o crédito e consequentemente
para os investimentos, há redução dos postos de trabalho e aumentam os índices de desemprego.

95
Unidade II

As crises no modelo capitalista são cíclicas e a cada nova crise ocorrem episódios de retração da
empregabilidade, achatamento salarial e novas exigências para a obtenção de vagas de trabalho –
experiência, estudo, capacitação técnica –, que nem sempre são acessíveis a todos.

Nas últimas décadas, as relações sociais, econômicas e políticas têm sido fortemente modificadas
pelo uso das tecnologias de informação e comunicação e pela intensificação das tecnologias digitais.

Vamos conhecer um pouco mais sobre a chamada sociedade de informação ou sociedade


tecnológica, que é o período histórico em que vivemos, e refletir sobre as mudanças que ela tem
trazido para as relações sociais e de trabalho.

Observação

Indústria 4.0 é o nome utilizado para caracterizar a produção


econômica no mundo contemporâneo, em que há intensa utilização
de novas tecnologias, disrupção em relação a processos produtivos
anteriormente utilizados.

6 TECNOLOGIA, SOCIEDADE E PRODUÇÃO ECONÔMICA

Com toda certeza, você já deve ter ouvido ou lido que vivemos na atualidade em uma sociedade
de informação. Essa afirmação é repetida na imprensa, nas redes sociais, no ambiente escolar e
profissional com frequência, mas, acredite, nem sempre quem afirma que vive em uma sociedade
de informação sabe exatamente o que isso significa, ou, pelo menos, tem uma noção precisa das
múltiplas possibilidades contidas nessa afirmação.

Também é certeza que você já ouviu por inúmeras vezes as palavras que se tornaram parte do
nosso vocabulário de alguns anos para cá: informação, big data, inteligência artificial, machine
learning, sociedade em rede e, mais recentemente, nosso vocabulário ficou repleto de expressões
como fintechs, insurtechs, sandbox, bitcoins, criptomoedas, entre tantas outras.

Figura 21

96
TRABALHO E SOCIABILIDADE

São esses elementos que nos fazem ter certeza que estamos, realmente, em um mundo que se
modifica com rapidez em razão do barateamento e, consequentemente, da utilização em maior escala
das chamadas novas tecnologias. Essas mudanças estão presentes na nossa forma de falar – com a
inserção dessas novas expressões como aquelas que utilizamos anteriormente –, em nossa forma de
nos relacionarmos uns com os outros, na escolha de nossas atividades de lazer e, principalmente, no
trabalho, área da vida social que passa por significativas mudanças.

De fato, se antes o trabalho era direcionado para a produção de bens para serem consumidos, na
atualidade, a economia está focada na rentabilidade da utilização de dados de todas as formas, inclusive
dados pessoais que possam ser utilizados para identificar gostos e vontades dos consumidores e fazer
chegar a eles de imediato, aquilo que querem consumir.

Dados ou informação se tornaram fonte de riqueza na economia mundial contemporânea.


Há quem associe os dados com o petróleo e atribua a eles o mesmo valor ou até superior.

Possuir dados, organizá-los de forma objetiva e com vistas ao desenvolvimento de atividades


econômicas já se tornou objeto de estudo das ciências. É a chamada ciência de dados, que hoje
já é curso superior em muitas universidades que formam profissionais capacitados para gerenciar,
analisar e tratar dados que serão utilizados por diferentes áreas, especialmente no fornecimento de
serviços para os consumidores.

Todas as atividades econômicas, na atualidade, utilizam dados e as perspectivas é que utilizarão


em cada vez maior quantidade. A importância dos dados na produção econômica não está restrita às
atividades de maior porte porque também as atividades mais simples utilizam cada vez mais dados
e informações.

Ao abastecer o veículo no posto de gasolina, cortar cabelo na barbearia, utilizar a academia para
exercitar-se, fazer compras no supermercado, levar os filhos na aula de natação, tirar uns minutinhos
durante o dia para tomar um café com amigos na padaria ou cafeteria preferida, em todos os lugares,
geramos dados a nosso respeito e recebemos informação dessas atividades. Os cartões de débito e
de crédito, os cartões de afinidade das lojas e supermercados, nossas consultas e compras na rede
mundial de computadores, os perfis que criamos em redes sociais, todas essas atividades, que muitas
vezes executamos sem nos atentar para elas, geram dados e informações que podem ser utilizadas
pelo setor econômico para nos oferecer produtos e serviços.

Dados e informações são, portanto, um valor para a sociedade em que vivemos e para as
organizações empresariais que nela se formam. São sistematicamente coletados, organizados e
muitas vezes, compartilhados.

Esse compartilhamento se tornou comum na sociedade contemporânea, que é também conhecida


como sociedade em rede, como a definiu Manuel Castells:

Rede é um conjunto de nós conectados. Nó é ponto no qual uma curva


se entrecorta. Concretamente, o que é um nó depende do tipo de redes
concretas de que falamos. São mercados de bolsas de valores e suas
centrais de serviços auxiliares avançados na rede dos fluxos financeiros

97
Unidade II

globais. São conselhos nacionais de ministros e comissários europeus da


rede política que governa a União Europeia. [...] A topologia definida por
redes determina que a distância (ou intensidade e frequência de interação)
entre dois pontos (ou posições sociais) é menor (ou mais frequente, ou
mais intensa), se ambos os pontos forem nós de uma rede do que se não
pertencerem à mesma rede. Por sua vez, dentro de determinada rede os
fluxos não têm nenhuma distância, ou a mesma distância, entre dois nós.
Portanto a distância (física, social, econômica, política, cultural) para um
determinado ponto ou posição varia entre zero (para qualquer nó da rede)
e infinito (para qualquer ponto externo à rede). A inclusão/exclusão em
redes e a arquitetura das relações entre redes, possibilitadas por tecnologias
da informação que operam à velocidade da luz, configuram os processos
e funções predominantes em nossas sociedades (CASTELLS, 2016, p. 554).

Observe que Castells se refere às redes como processos e funções predominantes em nossas
sociedades, e sinaliza que as redes estão presentes em todas as formas de organização social
contemporânea, tanto na área econômica e política que ele menciona no início do texto, como em
todas as demais que compõem a vida humana, como a social, cultural e física.

Mas Castells afirma ainda mais:

Uma vez que as redes são múltiplas, os códigos interoperacionais e as


conexões entre redes tornam-se as fontes fundamentais da formação,
orientação e desorientação das sociedades. A convergência da evolução
social e das tecnologias de informação criou uma nova base material
para o desempenho de atividades em toda a estrutura social. Essa base
material construída em redes define os processos sociais dominantes,
consequentemente dando forma à própria estrutura social.

[...]

Em razão da convergência da evolução histórica e da transformação


tecnológica, entramos em um modelo genuinamente cultural de interação e
organização social. Por isso é que a informação representa o principal
ingrediente de nossa organização social, e os fluxos de mensagens e
imagens entre as redes constituem o encadeamento básico de nossa
estrutura social (CASTELLS, 2016, p. 554 e 560).

Se a informação representa o principal ingrediente de nossa organização social contemporânea,


como afirma Manuel Castells, então podemos avaliar a importância dela para a sociedade em que
vivemos, considerando o fato de que as informações não param de circular entre as redes de relações
sociais, econômicas, culturais e políticas, porque esse é o modo de viver do nosso tempo atual.

98
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Os estudiosos têm utilizado a denominação “sociedade de informação” ou “sociedade digital” para


caracterizar esse período em que vivemos, e isso tem uma explicação histórica.

Figura 22

Luiz Akutsu e José Antonio Gomes de Pinho nos remetem à história da construção da expressão
“sociedade de informação”. Afirmam os autores:

A informação, não só como conceito, mas também como ideologia, está


intrinsecamente ligada ao desenvolvimento do computador durante e
após a II Guerra Mundial (Kumar, 1997). Dois pontos focais aparecem
como determinantes para a formação da sociedade da informação: a
computação e a comunicação, que, por sua vez, são diretamente ligadas
a “dois objetos tecnológicos”: o microcomputador e a rede Internet (Bell,
citado por Kumar, 1997).

A teoria da sociedade da informação procura não somente analisar as


transformações provocadas pelas novas TIs, mas também prever mudanças
que poderão ocorrer em um futuro próximo. Um dos pressupostos da
teoria da sociedade da informação é que o advento de novas TIs, ao
possibilitar o acesso a informações a um maior número de pessoas, com
maior rapidez e menor custo, não somente aumentaria a oferta de bens
disponíveis para a humanidade por meio da melhoria do gerenciamento
dos bens de produção, como também diminuiria os conflitos sociais, ao
permitir aos cidadãos melhor acesso às informações acerca da gestão dos
administradores públicos, permitindo-lhes acompanhar as administrações,
avaliar e escolher melhor seus governantes.

Kumar (1997:212) registra que “a ideia de uma sociedade de informação


foi elaborada sistematicamente, pela primeira vez, por estudiosos
japoneses em fins da década de 1960”. Citando como exemplo obras de
Masuda e Kishida, o autor afirma ainda que “os pensadores japoneses
figuraram entre os mais ativos proponentes da ideia” (Kumar, 1997:212).
O mesmo autor avalia, entretanto, que o expositor mais eminente do
modelo teórico da sociedade da informação foi Daniel Bell, cuja teoria

99
Unidade II

coloca o computador como o “símbolo principal” e “motor principal” das


mudanças advindas. Na sua obra O advento da sociedade pós-industrial,
Bell formulou inicialmente a ideia de uma sociedade pós-industrial:
“A tese apresentada neste livro afirma que no decorrer dos próximos
trinta ou cinquenta anos presenciaremos o aparecimento do que designei
como ‘sociedade pós-industrial’, [...] [que] constituirá uma característica
primordial do século XXI, nas estruturas sociais dos Estados Unidos, Japão,
União Soviética e Europa Ocidental” (Bell, 1977:10).

Já nessa obra, Bell (1977:516) deixava implícita a denominação de sociedade


da informação: “a sociedade pós-industrial é uma sociedade de informação,
assim como a sociedade industrial é uma sociedade de produção de bens”.
Em outro trecho da mesma obra, reforça essa denominação: “a sociedade
pós-industrial representa o aparecimento de novas estruturas e princípios
axiais: uma sociedade produtora de bens transformada em sociedade de
informação, ou erudita” (Bell, 1977:538) (AKUTSU; PINHO, 2002).

Repare que os aportes teóricos utilizados por Akutsu e Pinho referem-se, principalmente, a aspectos
da produção econômica e tecnológica para construírem um conceito de sociedade de informação.
De fato, a caracterização da sociedade de informação como pós-industrial está relacionada diretamente
ao modo de produção e os novos elementos que ele requer para se desenvolver.

Assim, as sociedades pós-industriais ou de informação possuem quase sempre e respeitadas as


diferenças econômicas, sociais e culturais que lhe são particulares, as seguintes características:

• Crescimento do setor econômico de serviços: bancos, seguradoras, financeiras e mais


recentemente, aplicativos que podem ser utilizados nos mais diversos equipamentos eletrônicos
como celulares, tablets, notebooks ou computadores pessoais. O setor de serviços se torna tão
relevante economicamente quando o setor industrial.

• Crescimento rápido das tecnologias de informação (TICs): seja em quantidade como em


possibilidades de acesso. O mundo contemporâneo tem diferentes possibilidades de acesso à
informação, seja para captação, armazenamento ou tratamento dos dados, seja para utilização na
vida pessoal ou profissional. Até os bens, ou coisas, já possuem acesso à internet, como televisões,
carros, relógios e até alguns modelos de geladeira. Também sistemas de alarme, de iluminação
que podem ser acessados à distância ou monitorados por seus proprietários. O mesmo acontece
na área de produção econômica em que muitos dispositivos estão conectados à internet e podem
ser monitorados e acessados à distância por seus usuários.

• Importância do conhecimento e das práticas criativas: são fundamentais na sociedade de


informação porque o crescimento das possibilidades de utilização dos recursos tecnológicos está
diretamente relacionado com a criatividade de quem trabalha com eles. A maior prova disso são
os incontáveis aplicativos que surgiram nos últimos anos para finalidades as mais diversificadas,
inclusive para serviços de intermediação de transporte e hospedagem.
100
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Desse modo, a sociedade pós-industrial ou sociedade de informação ou, ainda, sociedade digital,
vai aos poucos substituindo a ideia de produção industrial que a humanidade conheceu após os três
primeiros períodos da Revolução Industrial. Por essa razão, está sendo chamada de sociedade 4.0.

Ana Elizabeth Lapa Wanderley Cavalcanti afirma

A ciência, as novas descobertas e as novas tecnologias fazem parte da


sociedade moderna de tal forma que não conseguimos mais pensar em
nossas vidas sem o uso de equipamentos eletrônicos, mecanismos digitais
etc. A vida hoje gira ao redor das tecnologias de informação e conhecimento
(TICs), muitas das nossas atividades são totalmente mecanizadas. Esta é
uma realidade, a nosso ver, sem volta. Daqui para frente teremos cada dia
mais uma novidade tecnológica que iremos acrescentar ao nosso dia a
dia, seja no trabalho, na nossa residência, na relação com os amigos, com
nossos médicos, com o governo etc.

Essa nova realidade nos traz muita coisa positiva, o desenvolvimento, o


progresso, a possibilidade de intercâmbio maior entre os povos, maior
compartilhamento de informações e descobertas, mas também nos traz
muita coisa negativa, como por exemplo, mudança de comportamento
social com o afastamento físico entre as pessoas (as cidades estão
cada dia mais “virtuais”, fazemos praticamente tudo pela internet, por
exemplo), circulação maior de informações sem confirmação do conteúdo
com velocidade recorde, produzindo cada vez mais as chamadas fake
news (contribuindo até mesmo para um movimento de desinformação
em massa, já que muitos buscam apenas informações em redes sociais
na internet), e, até mesmo a violação de direitos personalíssimos como
é o caso da privacidade com a manipulação de dados pessoais sem a
segurança e o sigilo adequados.

[...] vemos que essa “revolução tecnológica” que estamos presenciando na


Sociedade de Informação impacta não somente nossas vidas, mas também
a estrutura governamental, de poder e, logicamente, o sistema jurídico
(CAVALCANTI, 2020, p.15).

As abordagens podem ser construídas por diferentes áreas do conhecimento – administração,


economia, direito –, porém o tema continua sendo da mais alta relevância para todas: como
compreender as características da sociedade de informação e como avaliar os impactos que ela
produz nas relações de trabalho e na sociabilidade.

Mais recentemente, a sociedade de informação introduziu em seu vocabulário diário um conceito


importante que tem sido muito difundido: o big data, ou, em tradução literal, “grande volume de
dados”. Big data é a forma como estamos nos referindo ao volume gigantesco de dados que são
produzidos pelas pessoas em seus movimentos diários, seja na atividade profissional ou na atividade
101
Unidade II

particular. Mesmo quando não temos nenhuma intenção de produzir dados a nosso respeito ou a
respeito das atividades que exercemos, vamos deixando nossas “pegadas digitais” espalhadas por aí e
esses dados podem significar algumas vantagens ou grande quantidade de problemas.

Walter Sosa Escudero, economista pela Universidade de Buenos Aires, especialista em estatística
e econometria teórica e aplicada a questões sociais, professor da Universidade de San Andrés e da
Universidade Nacional de La Plata, ambas na Argentina, afirma

O mais óbvio é dizer que big data são “dados maciços”. Porém na realidade
se refere a um volume e tipo de dados provenientes da interação com
dispositivos interconectados, como telefones celulares, cartões de
crédito, caixas automáticos, relógios inteligentes, computadores pessoais,
dispositivos de GPS e qualquer objeto capaz de produzir informação e
enviá-la eletronicamente a outra parte (ESCUDERO, 2019, p. 31).

E o professor argentino provoca nossa reflexão quando afirma:

Pensem no que fizeram nas últimas duas horas. Se caminharam com


o celular, muito provavelmente tenham gerado dados de endereços
geográficos, isso sem falar no uso do GPS para viajar em um carro.
Ou mesmo se saíram para correr com seu relógio inteligente que lhes
informa o ritmo cardíaco e o número de passos. Ou se usaram o cartão de
crédito, viajaram no metrô, se assistiram Netflix, ou deram um “curtir” em
uma foto de sua tia no Facebook, se mandaram ou receberam um e-mail
ou se buscaram um par de sapatos na Amazon. Tudo gerou dados.

[...]

A diferença entre uma pesquisa sistemática, como uma pesquisa política ou


essas que são feitas pelo telefone fixo, os dados de big data são anárquicos
e espontâneos. Toda vez que abrimos o celular para que um aplicativo
de GPS nos guia até algum lugar, geramos dados, não com o propósito
de contribuir para nenhuma pesquisa nem estudo científico, mas para
evitar o trânsito ou se perder. Quer dizer, os dados não são gerados com o
propósito de criá-los, como as respostas de uma pesquisa tradicional, mas
como resultado de uma outra ação: ir a uma reunião, pagar um cartão de
crédito, entrar em um site da web, etc.

Então, os dados do big data não são mais dos mesmos velhos dados
(de pesquisas, registros administrativos, etc.), mas sim um animal
completamente distinto. (tradução da autora) (ESCUDERO, 2019, p. 31).

O professor Escudero parece estar completamente correto. Os dados que produzimos na sociedade
de informação são diferentes daqueles que produzíamos há 10 anos atrás, quando ainda tínhamos
102
TRABALHO E SOCIABILIDADE

algum controle de nossos dados, sabíamos onde estavam e podíamos gerenciá-lo. Eram tempos
razoavelmente recentes, de dez ou vinte anos atrás, mas que tinham uma dinâmica de produção
e utilização de dados bastante diferente. Quem tinha nossos dados pessoais – nome, endereço,
número do documento, estado civil, gênero masculino ou feminino, profissão –, era a nossa escola, o
trabalho, o plano de saúde, o clube, o banco e o cartão de crédito. Na atualidade, nossos dados estão
em milhares de arquivos que desconhecemos, aos quais não temos acesso e não podemos sequer
gerenciar a forma como esses dados são acessados por aqueles que têm interesse neles.

Quando fazemos uma pesquisa na rede mundial de computadores sobre um produto ou um serviço
para o qual temos interesse, por exemplo, uma viagem para a Europa para conhecer Portugal, é muito
comum que no momento seguinte que acessamos a rede social de nossa preferência, o Facebook ou
Instagram, comecem a ser veiculadas publicidades sobre passagens aéreas, hotéis e pousadas, pacotes
de viagem e outras ofertas relacionadas com a pesquisa anterior que havíamos feito. Não geramos
dados porque desejamos, mas porque na sociedade de informação eles se tornaram importantes para
quase todas as atividades da vida cotidiana e, principalmente, para a produção econômica.

O que acontece não é um fenômeno, mas o trabalho da inteligência artificial ou dos algoritmos
programados para organizar dados a partir de uma determinada finalidade.

Segundo explica Lee (2019), os dados produzidos permitem aos programas de computadores
reconhecer padrões porque fornecem muitos exemplos e como os computadores são máquinas mais
rápidas e com maior capacidade de armazenamento, o círculo produtivo não tem fim. Quando
mais dados forem disponibilizados, maior capacidade dos programas para treinar os computadores
para reconhecimento de símbolos, sinais, imagens, sons e outros.

Assim, a inteligência artificial se beneficia dos dados espalhados nas redes de computadores e se
tornou possível em razão da criação dos algoritmos que são na expressão de Paulo Victor Alfeo Reis
(2020), verdadeiro procedimento lógico-matemático, finito de passos discretos, e eficaz na solução de
um problema ou questão pontual.

Como sequência lógica, finita e definida de instruções que devem ser seguidas para a solução de
um problema ou execução de uma tarefa, o algoritmo se torna um passo a passo, uma receita ou
trilha a ser seguida para que o resultado pretendido seja viabilizado. Algoritmo é um processo, um
fluxograma que viabiliza um resultado que será sempre a decisão para um problema colocado.

Em razão da grande quantidade de dados e da criação dos algoritmos que viabilizam a realização
de tarefas, a inteligência artificial tornou-se realidade na vida cotidiana e está presente em quase
todos os momentos, ainda que muitas vezes sequer tenhamos percepção ou consciência disso.

Ela seleciona imagens para vermos, filmes para assistirmos, músicas para ouvirmos, viagens e
ofertas de produtos e serviços que nos são indicados nas redes sociais; além disso, indica caminhos,
pilota automóveis, trens e vagões de transporte de pessoas e coisas e, em alguns lugares do nosso
mundo, já entrega pizzas e produtos adquiridos em lojas on-line.

103
Unidade II

A inteligência artificial auxilia no monitoramento da casa e do trabalho executando ordens e


colocando tudo para funcionar no modo e no tempo certo. E, por vezes, nos oferece sugestões tão
perfeitamente adequadas que parece nos conhecer melhor que nós mesmos. Cria uma forma de
dependência, passamos a desejar que a inteligência artificial organize as informações e os dados e
nos responda o que precisamos ou queremos saber.

Peixoto e Silva definem inteligência artificial como:

[...] é uma subárea da ciência da computação que faz modelagens


computacionais do comportamento humano. Tal construção se dá
por iniciativas de modelagem de inteligência, identificando formatos
comportamentais em determinadas situações e buscando, no computador,
comportamentos da mesma maneira. A diferença será, destacadamente, sob
o aspecto técnico, a velocidade e a acurácia (PEIXOTO; SILVA, 2019, p. 71).

E Caitlin Mulholand afirma:

Por Inteligência Artificial (IA), entende-se todo sistema computacional


que simula a capacidade humana de raciocinar e resolver problemas, por
meio de tomadas de decisão baseadas em análises probabilísticas. A IA
não substitui o gênio e a criatividade humanos, mas permite o rápido
processamento de uma vasta gama de informações – dados – que, uma
vez analisados, levam à possibilidade de tomada de decisão, tanto por
humanos, quanto pelas próprias “máquinas”. O objetivo do desenvolvimento
da IA é a aceleração de processos de aprendizado e a otimização de seus
resultados, visando uma maior eficiência e reduzindo o tempo de análise
de dados necessários para a tomada de decisão (MULHOLAND, 2019, p. 5).

E tudo pode ser apenas o começo de um novo tempo!

É real a possibilidade de algoritmos efetuarem aprendizagem automática e viabilizarem


sistemas que aprendem por si mesmos ou, como são usualmente chamados, machine learning. E a
sequência serão as redes neurais artificiais profundas também chamadas de deep learning, ou seja,
“aprendizado profundo”.

Todas essas inovações tecnológicas são bem-vindas, trazem muitas facilidades para o nosso
cotidiano, mas, sem dúvida, também trazem concreta sensação de insegurança e preocupação.

Em relação ao nosso objeto de estudo, trabalho e sociabilidade, a preocupação é bastante


acentuada porque tudo indica que quanto mais tecnologia for utilizada na produção de bens e
serviços, menor será a quantidade de postos de trabalho que estarão disponíveis. Além disso, os
postos de trabalho disponíveis vão exigir capacitação técnica e intelectual dos trabalhadores, o que
sabemos que nem sempre é possível para todos ou que nem todos os trabalhadores têm acesso à
educação que os capacite para o trabalho nesse mundo digital e tecnológico.
104
TRABALHO E SOCIABILIDADE

O professor norte-americano Michael J. Sandel, filósofo e professor na Universidade de Harvard,


nos fornece dados importantes sobre esse tema. Afirma Sandel ao analisar a realidade na sociedade
norte-americana:

Do fim da Segunda Guerra Mundial até os anos 1970, era possível para
quem não tinha diploma universitário encontrar um bom emprego,
sustentar a família e levar uma vida de classe média confortável. Isso é
muito mais difícil hoje em dia. Ao longo das últimas quatro décadas, a
diferença de renda entre quem tem diploma de ensino médio e diploma
universitário [...] dobrou. Em 1979, pessoas com formação educacional
superior recebiam aproximadamente 40% a mais do que quem tinha
ensino médio; em 2000, recebiam 80% a mais.

Apesar de os anos de globalização terem resultado em recompensas


valiosas aos que possuem mais titulações, nada fez para os trabalhadores
mais comuns. De 1979 a 2016, a quantidade de emprego na indústria dos
Estados Unidos caiu de 19,5 milhões para 12 milhões. A produtividade
aumentou, mas os trabalhadores ficavam com uma parte cada vez menor
daquilo que produziam, enquanto executivos e acionistas capturavam
uma parte maior. No fim da década de 1970, CEOs de grandes empresas
estadunidenses lucraram trinta vezes mais do que o trabalhador padrão,
em 2014, eles receberam trezentas vezes mais (SANDEL, 2020, p. 283).

A diminuição do número de postos de trabalho em um país de industrialização avançada e


economia central como os Estados Unidos sinaliza para riscos que poderão atingir o mercado de
trabalho nos países de economia periférica e pouco industrializados, como são quase todos os países
da América Latina.

Para além da redução de postos de trabalho em função da utilização em larga escala da tecnologia,
existem sinais de que está ocorrendo uma mudança significativa na produção, seja em relação aos
objetos de produção, seja em relação aos insumos necessários para que ela aconteça.

Vamos compreender melhor essa mudança no próximo tópico deste estudo.

Observação

Insumo: cada um dos elementos (matéria-prima, equipamentos,


capital, horas de trabalho etc.) necessários para produzir mercadorias ou
serviços (HOUAISS, 2001, p. 1629).

105
Unidade II

7 NOVAS FORMAS DE PRODUÇÃO E TRABALHO: PLATAFORMAS DIGITAIS,


EMPREENDEDORISMO DIGITAL E NECESSIDADE DE PROTEÇÃO JURÍDICA E
SOCIAL DO TRABALHADOR

Que expressão pode traduzir melhor o mundo em que vivemos na atualidade? Podemos chamar
a sociedade contemporânea de:

• Sociedade de informação?

• Sociedade do conhecimento?

• Sociedade de tecnologia?

• Sociedade de dados?

• Sociedade em rede?

Figura 23

Existem muitas denominações possíveis para serem utilizadas com o objetivo de caracterizar a
sociedade em que vivemos, as mudanças significativas que a tecnologia tem causado em todos os
quadrantes da vida em sociedade.

Giddens, importante sociólogo britânico, professor na Universidade de Cambridge, identifica que


estamos vivendo a economia do conhecimento, e afirma:

Alguns observadores sugerem que assistimos hoje à transição para um novo


tipo de sociedade que já não se alicerça na indústria. Alegam que estamos
a entrar numa fase de desenvolvimento que vai além da era industrial.
Tem sido utilizada uma variedade de termos para caracterizar esta nova
ordem social, como os de sociedade pós-industrial, era da informação e

106
TRABALHO E SOCIABILIDADE

nova economia. Todavia, a designação mais utilizada tem sido economia


do conhecimento.

É difícil formular uma definição precisa para economia do conhecimento;


porém, entende-se geralmente por esta expressão uma economia na
qual as ideias, a informação e as formas de conhecimento sustentam a
inovação e o crescimento econômico. Uma economia do conhecimento é
aquela em que grande parte da força de trabalho está envolvida não na
produção material ou na distribuição de bens materiais, mas em concepção,
desenvolvimento, tecnologia, marketing, venda e serviços. Podem
designar-se esses empregados como trabalhadores do conhecimento.
A economia do conhecimento é dominada pelo fluxo constante de
informação e de opiniões, bem como pelo poderoso potencial da ciência e
da tecnologia. Como observou Charles Leadbeater:

Muitos de nós (trabalhadores do conhecimento) fazemos dinheiro no


ar: não produzimos nada que possa ser pesado, tocado ou facilmente
medido. A nossa produção não é armazenada em portos, armazéns ou
colocada em carruagens de comboio. Muitos de nós ganhamos a vida
fornecendo serviços, avaliações, informações e análises, seja num centro
de atendimento, no escritório de um advogado, num departamento
governamental ou num laboratório científico. Todos estamos no negócio
do ar rarefeito (1999, vii).

Até que ponto a economia do conhecimento se encontra difundida no


início do século XXI? Um estudo de 1999 realizado pela Organização para
a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) tentou avaliar a
extensão da economia do conhecimento entre as nações mais desenvolvidas,
através da medição da percentagem da produção total dos negócios de
cada país que podem ser atribuídos a indústrias baseadas no conhecimento.
Por indústrias baseadas no conhecimento entende-se em sentido lato a
alta tecnologia, a educação e a formação, a pesquisa e o desenvolvimento,
bem como o sector financeiro e de investimentos. As indústrias baseadas
no conhecimento detinham mais da metade da produção dos negócios em
meados dos anos 90 no total dos países-membros da OCDE. A Alemanha
detinha a percentagem elevada de 58,6%, tendo os Estados Unidos, o Japão,
a Grã-Bretanha, a Suécia e a França contribuído com valores acima de 50%.

Em 2006, The Work Fundantion produziu um relatório para a União


Europeia com dados respeitantes a 2005. Os autores observaram que
mais de 40% dos trabalhadores na União Europeia encontravam-se em
indústrias baseadas no conhecimento, registrando-se as percentagens
mais elevadas na Suécia, na Dinamarca, no Reino Unido e na Finlândia.
A educação e os serviços de saúde constituíam o maior grupo, a que se
107
Unidade II

seguiam os serviços recreativos e culturais. No seu conjunto, estes sectores


empregavam quase 20% dos trabalhadores na União Europeia. Os serviços
privados, incluindo os serviços financeiros, empresariais e de comunicação,
representavam 15%.

Os investimentos na economia do conhecimento – sob a forma de educação


pública, gastos em desenvolvimento de software e em investigação e
desenvolvimento – representam actualmente uma parte significativa
dos orçamentos de muitos países. Reconhece-se que a economia do
conhecimento permanece um fenómeno difícil de analisar, tanto no
plano quantitativo como no qualitativo. É mais fácil medir o valor das
coisas físicas do que ideias, pesquisa e conhecimento » sem peso». É, no
entanto, inegável o facto de a criação e a aplicação do conhecimento
assumirem crescentemente um papel central na vida económica moderna
(GIDDENS, 2013, p. 1042).

O texto anterior foi reproduzido no original em português da forma como se escreve em Portugal
porque a edição da obra é de uma editora de Lisboa.

Veja que Giddens introduz uma nova possibilidade para caracterizarmos a sociedade contemporânea:
a economia do conhecimento, embora ressalte que se trata de fenômeno difícil de mensurar.

Sally Burch, jornalista britânica que atua de forma independente e é diretora-executiva da Agência
Latino-americana de Informação, trabalha com a definição de sociedade de informação e sociedade
do conhecimento. Ela afirma:

Estamos vivendo numa época de mudanças ou numa mudança de época?

Como caracterizar as profundas transformações que acompanham a


acelerada introdução na sociedade da inteligência artificial e as novas
tecnologias da informação e da comunicação (TIC)? Trata-se de uma
nova etapa da sociedade industrial ou estamos entrando numa nova era?
“Aldeia global”, “era tecnotrônica”, “sociedade pós-industrial”, “era – ou
sociedade – da informação” e “sociedade do conhecimento” são alguns
dos termos cunhados com a intenção de identificar e entender o alcance
destas mudanças. Mas, enquanto o debate continua no âmbito teórico,
a realidade se adianta e os meios de comunicação escolhem os nomes
que temos de usar.

Fundamentalmente, qualquer termo que usemos é um atalho que nos


permite fazer referência a um fenômeno – atual ou futuro – sem ter de
descrevê-lo todas as vezes; mas o termo escolhido não define, por si só,
um conteúdo. O conteúdo surge dos usos em um dado contexto social
que, por sua vez, influem nas percepções e expectativas, uma vez que
108
TRABALHO E SOCIABILIDADE

cada termo carrega consigo um passado e um sentido (ou sentidos), com


sua respectiva bagagem ideológica. Era de se esperar, então, que qualquer
termo que se queira empregar para designar a sociedade na qual vivemos,
ou à qual aspiramos, seja objeto de uma disputa de sentidos, por trás da
qual se confrontam diferentes projetos de sociedade (BURSH, [s.d.], p. 1).

Bursh destaca em seu texto que “sociedade de informação” foi utilizada pela primeira vez em
1973 pelo sociólogo norte-americano Daniel Bell, no livro O advento da sociedade pós-industrial.
Ela destaca que, nesse livro, o autor:

(...) formula que o eixo principal desta sociedade será o conhecimento


teórico e adverte que os serviços baseados no conhecimento terão de se
converter na estrutura central da nova economia e de uma sociedade
sustentada na informação, onde as ideologias serão supérfluas
(BURSH, [s.d.], p. 2).

A autora ainda salienta que:

A noção de “sociedade do conhecimento” (knowledge society) surgiu no


final da década de 90. É empregada, particularmente, nos meios acadêmicos
como alternativa que alguns preferem à “sociedade da informação”.

A Unesco, em particular, adotou o termo “sociedade do conhecimento” ou


sua variante “sociedades do saber” dentro de suas políticas institucionais.

Desenvolveu uma reflexão em torno do assunto que busca incorporar


uma concepção mais integral, não ligada apenas à dimensão econômica.
Por exemplo, Abdul Waheed Khan (subdiretor-geral da Unesco para
Comunicação e Informação), escreve [3]: “A Sociedade da Informação é a
pedra angular das sociedades do conhecimento. O conceito de “sociedade
da informação”, a meu ver, está relacionado à ideia da “inovação
tecnológica”, enquanto o conceito de “sociedades do conhecimento”
inclui uma dimensão de transformação social, cultural, econômica,
política e institucional, assim como uma perspectiva mais pluralista e de
desenvolvimento. O conceito de “sociedades do conhecimento” é preferível
ao da “sociedade da informação” já que expressa melhor a complexidade e
o dinamismo das mudanças que estão ocorrendo. [...] o conhecimento em
questão não só é importante para o crescimento econômico, mas também
para fortalecer e desenvolver todos os setores da sociedade”.

Um detalhe nesse debate, que apenas diz respeito aos idiomas latinos,
é a distinção entre “conhecimento” ou “saber” (em inglês, ambos são
traduzidos como “knowledge society”). A noção de “saberes” implica
certezas mais precisas ou práticas, enquanto que conhecimento abarca
uma compreensão mais global ou analítica (BURSH, [s.d.], p. 3).
109
Unidade II

O mais relevante não é definir se vamos utilizar a expressão sociedade de informação ou sociedade
do conhecimento, mas participar do compartilhamento de ideias que têm sido construídas a esse
respeito para compreender que o mundo de produção industrial, que foi estudado longamente
nesta disciplina, está sendo substituído por outras formas de produção e trabalho impulsionadas
não apenas pelo uso de tecnologias, mas pelo saber ou conhecimento necessários para que essas
tecnologias sejam implementadas com êxito, o que significa, de forma resumida, com produção de
novos produtos e serviços de interesse do mercado e que viabilizem a movimentação econômica
global. Esses novos serviços e produtos obtidos por meio de tecnologia exigem trabalhadores
com conhecimento técnico ao mesmo tempo que reduz postos de trabalho que deixam de existir.
Nem sempre há substituição do homem pela máquina na sociedade do conhecimento ou da
informação, o que acontece muitas vezes é que não há mais necessidade daquela tarefa, nem para
ser realizada por um humano e nem por uma máquina. O processo tecnológico é diferente e dispensa
inúmeras tarefas que eram tidas como essenciais há poucos anos.

Maria Alice Guimarães Borges traça características marcantes da sociedade de informação ou


sociedade de conhecimento. Ela afirma:

Após essas considerações, a sociedade da informação e do conhecimento


pode ser caracterizada sinteticamente, por alguns itens, como:

— a grande alavanca do desenvolvimento da humanidade é


realmente o homem;

— a informação é um produto, um bem comercial;

— o saber é um fator econômico;

— as tecnologias de informação e comunicação vêm revolucionar a


noção de “valor agregado” à informação;

— a distância e o tempo entre a fonte de informação e o seu


destinatário deixaram de ter qualquer importância; as pessoas não
precisam se deslocar porque são os dados que viajam;

— a probabilidade de se encontrarem respostas inovadoras a situações


críticas é muito superior à situação anterior;

— as tecnologias de informação e de comunicação converteram o


mundo em uma “aldeia global” (MacLuhan);


as novas tecnologias criaram novos mercados, serviços,
empregos e empresas;

110
TRABALHO E SOCIABILIDADE

— as tecnologias de informação e comunicação interferiram no “ciclo


informativo”, tanto do ponto de vista dos processos, das atividades,
da gestão, dos custos etc.:

- o próprio usuário da informação pode ser também o produtor ou


gerador da informação;

- registro de grandes volumes de dados a baixo custo;

- armazenamento de dados em memórias com grande capacidade;

- processamento automático da informação em alta velocidade;

- recuperação de informação, com estratégias de buscas automatizadas;

- acesso às informações armazenadas em bases de dados em vários


locais ou instituições, de maneira facilitada;

- monitoramento e avaliação do uso da informação (BORGES, 2000, p. 29).

Especificamente em relação ao conhecimento para o trabalho, Elisabete Gonçalves Souza:

Essa versatilidade das TIC e sua aplicação em inúmeros campos da


ciência e da cultura podem alimentar a visão ingênua de determinismo
tecnológico, segundo a qual as transformações em direção à sociedade
da informação resultam da tecnologia, como se esta seguisse uma lógica
técnica e, portanto, neutra, ou seja, fora da interferência de fatores sociais
e políticos (Demo, 1999).

No entanto, o que ocorre é o inverso: a tecnologia resulta de uma interação


complexa, em que fatores sociais preexistentes, como as condições
para a pesquisa científica, somam-se a outros, como a criatividade, o
espírito empreendedor, o mercado. Na atual conjuntura, a mola-mestra
que impulsiona tais fatores é a competitividade econômica baseada na
produção e uso intensivo de conhecimento, que geram novos produtos
e serviços que garantem a reprodução ampliada do capital. Pode-se
dizer que, no paradigma neoliberal, informação e conhecimento são os
principais fatores de produção, o que vem implicando numa reorganização
das relações sociais, de trabalho.

No bojo desta discussão “surge a necessidade do desenvolvimento


de novas competências que tornem as pessoas capazes de lidar com
o construto informação” (Santos et al., 2008, p. 210). O que significa
saber buscar, selecionar, avaliar e analisar informações de modo a
111
Unidade II

poder usá-las na construção de novos conhecimentos. No entanto, no


âmbito organizacional, em especial em países de capitalismo tardio, as
competências se restringem à dimensão pragmática, o que é necessário à
produtividade da empresa, em geral, e do trabalhador, em particular.

Nesse contexto, opta-se (governos e empresas) pela transferência de


tecnologias e pelo treinamento em detrimento da qualificação contínua
dos trabalhadores (SOUZA, 2011, p. 222).

Não se trata de sociedade de conhecimento ou de informação em um sentido clássico, em que


esses fatores – conhecimento/informação – tenham caráter emancipatório para os trabalhadores,
funcionem como elemento de apropriação de saberes que serão utilizados para a melhoria da condição
de empregabilidade, de ganho salarial ou até para a organização de empreendimentos econômicos
bem-sucedidos por meio dos quais o trabalhador possa substituir a relação de emprego pela
propriedade da atividade empresarial. Ao contrário, o conhecimento é necessário para o crescimento
econômico e a conquista de mercados internacionais e, nessa lógica, fornecido para garantir a
apreensão necessária para a concretização das habilidades práticas que viabilizem produção, ainda
que esta, agora, seja muito mais digital do que industrial.

Na sociedade contemporânea, as empresas internacionais que geram os maiores valores em lucros


anualmente não são empresas de produção industrial. Amazon, Google, Facebook ou Microsoft estão
avaliadas entre 220 a 79 bilhões de dólares (AMAZON..., 2020) e, no entanto, não utilizam produção
industrial. Fornecem serviços muitos dos quais gratuitos para o usuário, como é o caso do Facebook,
que cobra apenas de seus anunciantes.

O conhecimento e a informação são essenciais para os novos modelos de produção digital que
substituíram a compra de um CD por uma assinatura de streaming que permite ao consumidor
ouvir apenas as músicas que ele gosta e não todas aquelas que eram selecionadas pelo artista, pela
gravadora ou por seus produtores. Ao “baixar” as músicas em um fornecedor digital por assinatura,
o consumidor escolhe apenas o que deseja ouvir, paga pelo tempo que acha necessário e, se quiser,
substitui o fornecedor de músicas em poucos “clics” no celular ou no computador. Acontece o mesmo
para ter acesso a filmes, livros digitais, games e muitos outros produtos e serviços.

Essa sociedade de informação ou de conhecimento associada aos avanços tecnológicos viabilizou


o surgimento das plataformas digitais que, na atualidade, são agentes econômicos que se relacionam
com diferentes partes para a realização de negócios em volume que só a existência da internet e das
tecnologias de comunicação tornou possível.

O professor Manuel Gustavo Neubarth Trindade caracteriza as plataformas digitais e o novo


modelo de mercado econômico que elas criaram:

Inegável reconhecer que observamos uma nova realidade nos mercados.


A facilidade de se transacionar, assim como a escala atingida pelo comércio,
em pouco tempo, alcançou níveis sequer antes imaginados. Em outras
112
TRABALHO E SOCIABILIDADE

palavras, a eficiência econômica ensejada é realmente muito grande e


progressivamente vem sendo aumentada. Igualmente é inegável que
nesse processo o desenvolvimento tecnológico é variável determinante,
como um todo. Contudo, há que se identificar e compreender que não é
uma nova tecnologia em especial que está a promover a disrupção aqui
sustentada, mas sim a combinação de fatores tecnológicos que estão, em
realidade, a permitir uma alteração na conformação das estruturas das
relações que se estabelecem no âmbito de grande parte dos mercados.
Ou seja, a verdadeira mudança ou transformação não é uma nova
tecnologia em si, mas, sim, especificamente, uma forma de organização
diferenciada dos mercados, qual seja, a disposição de suas estruturas (dos
mercados) em forma de plataforma, o que está sendo largamente difundido
em diversos segmentos, sendo responsável por reduzir severamente os
custos de transação e, dessa forma, ensejando ao sistema de mercado
proporcionar ainda maior eficiência econômica. Tal fenômeno, justamente,
é o que estamos a sustentar que seja a Economia de Plataforma. Portanto,
como salientado, não é uma inovação tecnológica em específico, mas sim a
forma com que as relações estão se estruturando no âmbito dos mercados,
ainda que tais novas conformações tenham sido fundamentalmente
ensejadas por conta de transformações tecnológicas, como, por exemplo,
o surgimento da internet e a crescente quantidade de dados em alta
velocidade que se permite transmitir. Mas não só, também a mobilidade
trazida pela tecnologia em constante desenvolvimento da telefonia móvel
e de seus aparelhos (smartphones), assim como os infindáveis aplicativos
que nesse contexto estão a surgir. Mais, geolocalização, armazenamento em
nuvem, streaming, entre outros. Nesse sentido, há que se bem diferenciar as
inovações tecnológicas, como, por exemplo, as mais recentes e festejadas
blockchain, smart contracts, inteligência artificial, machine learning, deep
learning, big data, redes neurais, como, por outro lado, as novas estruturas
de mercado que podem ser facilitadas ou mesmo ensejadas por meio
desses avanços tecnológicos, mas que, frise-se, com eles não se confundem
(TRINDADE, 2020).

As plataformas digitais modificaram a forma de produção e distribuição, mas, principalmente,


estão provocando mudanças significativas nas relações de trabalho.

Exemplos mais comumente estudados de plataformas digitais são a Uber e o Airbnb, a primeira na
área econômica de transporte urbano; e a segunda, no compartilhamento de imóveis para estadias
mais ou menos prolongadas, a depender da vontade de quem cede e de quem contrata a permanência.
O primeiro impacto do surgimento mundial dessas plataformas foi, sem dúvida, a concorrência com
os táxis e outros sistemas de transporte urbano e com os hotéis, pousadas e outros empreendimentos
de hospedagem. E a revolta em especial dos taxistas por sofrerem concorrência de um formato
completamente diferente de agente econômico, que não estava sujeito à regulação estatal nem
ao pagamento de tributos. Em várias partes do mundo, a reação dos taxistas foi significativa com
113
Unidade II

interrupção dos serviços que ocasionaram congestionamentos nas grandes cidades e, por vezes, até
prática de atos de violência contra os condutores de Uber.

Veja, por exemplo, a notícia publicada no portal G1, em maio de 2016:

Taxistas protestam contra decreto que libera Uber em São Paulo

Empresas do novo serviço outorga por km rodado com passageiro. Segundo Haddad, a
medida vai beneficiar também os taxistas.

Taxistas fecharam a Rua Libero Badaró e o Viaduto do Chá, no centro de São Paulo, na
tarde desta terça-feira (10). A categoria protesta contra o decreto do prefeito de São Paulo,
Fernando Haddad, que autoriza serviços de transporte individual por aplicativos na cidade.

Os taxistas criticam a decisão de Haddad. “Isso prejudica a categoria. Vai virar um caos.
Tem que proibir esses serviços”, disse o taxista Marcos Vinícius, que participa de protesto em
frente à Prefeitura.

Após ocupar a frente do prédio da Prefeitura, eles seguiram em carreata pela Avenida 23
de Maio, perto da 9 de Julho. Os dois sentidos da via foram fechados pelos taxistas. A Polícia
Militar acompanhava de perto o ato.

Veja as regras do transporte remunerado:

— Os aplicativos precisam ser credenciados.

— Devem informar trajeto, horário, motorista, placa do veículo e avaliação da corrida.

— Devem emitir recibo eletrônico por corrida.

— Motorista não precisa de alvará. Basta CNH profissional e curso de formação.

— O motorista precisa ter um certificado: pode ser o Condutaxi ou outro similar emitido
por escolas ou entidades cadastradas pela Prefeitura.

— Prefeitura vai cobrar do aplicativo taxa por quilômetro rodado.

— Prefeitura vai fixar valor máximo por tarifa.

— Em caso de carro compartilhado, será possível transportar até 4 passageiros.


O preço por passageiro não pode ser maior do que o valor que ele pagaria para ser
transportado sozinho no carro.

Fonte: Pinho (2016).

114
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Objetivamente, os taxistas lutavam por legislação que tornasse a concorrência com os motoristas
de Uber mais equilibrada. A plataforma digital, por sua vez, defende que os serviços que ela presta
não são de transporte, mas de fornecimento de um aplicativo por meio do qual as pessoas que
desejam se locomover encontram motoristas que utilizam seus veículos particulares para viabilizar o
transporte desejado. Não é serviço de transporte no entender da plataforma, mas de fornecimento de
um aplicativo acessível por meio digital, para ser utilizado por pessoas que precisam ser transportadas
e motoristas que desejam realizar esse transporte.

E qual o aspecto mais relevante dessa relação entre motoristas e pessoas que compram a
locomoção? O motorista não é funcionário da plataforma, nem da pessoa que deseja ser transportada.
Ele é um trabalhador autônomo que paga para utilizar os serviços tecnológicos que a plataforma
digital disponibiliza, assim como paga para abastecer o veículo, cuidar da manutenção, alimentar-se
durante o horário em que trabalha, comprar o veículo à vista ou mediante financiamento, entre outros
encargos decorrentes de seu trabalho. E paga tudo sozinho porque não é empregado da plataforma
digital, é usuário do sistema que ela criou para aproximar pessoas que desejam se locomover e outras
que oferecem serviços para viabilizar essa locomoção.

Isso também ocorre nas plataformas de entrega de comida, compras de supermercado ou qualquer
outro produto.

Esses trabalhadores não empregados estão no centro de um fenômeno que hoje é chamado de
precarização do trabalho ou Uberização do trabalho.

Vamos entender um pouco mais sobre esse importante fenômeno contemporâneo?

Aparentemente ser Uber é uma vantagem para o trabalhador. Não tem patrão, não recebe ordens
diretas, trabalha a quantidade de horas que desejar, atende apenas aos chamados que interessam e
descarta aqueles que não parecem vantajosos economicamente, pode trabalhar apenas nos dias que
desejar, faz seu horário de refeição e de lanches quando quiser, escolhe se quer ou não trabalhar nos
finais de semana e feriados e, principalmente, não tem subordinação. Tanta liberdade foi pensada
para um trabalho que seria, na verdade, um “bico”, ou seja, complemento econômico em relação a
uma outra atividade profissional.

E esse foi o perfil de muitos motoristas de Uber no início da implantação da plataforma no mercado
econômico: profissionais de diferentes áreas de trabalho utilizavam seus veículos particulares para
transportar pessoas com objetivo de complementação de renda. O famoso “bico”, muito utilizado por
diferentes categorias profissionais. Ocorre que com a crescente diminuição de postos de trabalho
formais, aumento das taxas de desemprego, os serviços antigamente utilizados como “bicos” foram,
passo a passo, se tornando a principal ocupação profissional de muitas pessoas e, no caso específico
da plataforma digital Uber, muitos trabalhadores buscaram essa alternativa como principal fonte
de sustento.

115
Unidade II

O mesmo ocorreu com os serviços de entrega de comida pronta, de alimentos e de todo o tipo de
produto. Os entregadores que utilizam motos ou bicicletas exerciam essa atividade como opção para
complemento de renda e, com o passar do tempo, tornaram essa atividade sua fonte principal em
vista da dificuldade em encontrar emprego. Na atualidade, em especial nos grandes centros urbanos,
a quantidade de entregadores é muito significativa, em especial entre os trabalhadores mais jovens e
menos qualificados profissionalmente.

Sobre a Uberização do trabalho, o professor Ivan Simões Garcia destaca:

O trabalho contemporâneo tem sido profundamente redimensionado pelo


processo de incorporação das tecnologias da informação e comunicação na
produção e circulação capitalista.

Por isso mesmo é necessário pensar o uso dessas tecnologias para além
delas mesmas.

As tecnologias não são a causa remota das transformações globais nem


tampouco uma determinação natural inexorável que aniquila o emprego e
acelera desmesuradamente a velocidade do trabalho e da vida.

[...]

Hoje cresce a subordinação do trabalho ao capital, redisponibilizando a força


de trabalho para uma condição com menos direitos.

Trata-se de um trabalho sem a disciplina tradicional (o que revela um


incremento da violência estatal); sem a agregação fabril. Sem atuação ou
vida homogeneizada; sem a mediação do contrato tradicional, ocasionando
maior precarização das condições de vida e de trabalho do trabalhador.

Essa degradação social de massas de trabalhadores disponíveis e


necessitados aliada às inovações tecnológicas (desde sistemas de GPS por
satélite até o algoritmo que determina os processos de trabalho e produção)
constituem as condições que tornaram possível a “Uberização” do trabalho.

O que caracteriza a “Uberização” do ponto de vista objetivo é a confluência


de fatores que ensejam o achatamento salarial, o controle absoluto do
trabalhador, a intensificação e ampliação do tempo de trabalho (a tecnologia
faz evanescer a separação entre tempo de trabalho e tempo fora do trabalho),
a redução ou eliminação de direitos.

Por outro lado, a tecnologia serve ao capital para aumentar o tempo de


rotação do capital, seja na produção (v. g. as inovações da indústria 4.0), seja
na circulação (como ocorre na articulação de empresas como a Uber com
116
TRABALHO E SOCIABILIDADE

empresas de cartão de crédito, permitindo que, a cada corrida, a empresa


faça a punção imediata, em frações de segundo, do mais valor produzido –
no caso os 25% do valor da corrida).

Do ponto de vista subjetivo, as tecnologias capturam ainda mais a


subjetividade do trabalhador. Pelo próprio meio tecnológico que permite
tornar o mais trabalho camuflado ou invisível ou por meio de recursos
ideológicos que disseminam o mais trabalho como virtuoso, senão
mais autônomo, mais livre (porque realizado sem o controle pessoal do
empregador), até se disseminar o imaginário do trabalhador não se ver
como tal, mas como um empreendedor.

No caso do Uber, essa autonomia é reforçada pela aparente participação na


atividade econômica pelo motorista com a utilização do seu carro (próprio
ou alugado). Porém, para o motorista, o carro não é capital, não só porque
não aufere nenhum tipo de ganho sobre o investimento nesse suposto
meio de produção (capital variável, vivo, sobre o capital fixo ou morto),
como tampouco recupera o valor perdido com o desgaste do carro dado
pelo uso – o que seriam em ambos os casos cobertos pelo trabalho alheio
de um empregado.

O carro, no entanto, será sim meio de produção, mas para a Uber. Embora a
propriedade jurídica seja do trabalhador-motorista, para este, o carro não é
mais do que um instrumento de trabalho, condição para trabalhar, e sobre
o qual não aufere qualquer ganho. Fosse meio de produção do trabalhador,
a propriedade reclama uma parte do valor gerado pelos empregados (sob a
forma de renda, aluguel, compensação pela depreciação etc.).

O fenômeno da “Uberização” se dissemina a partir daí, como a articulação


de meios de produção e força de trabalho, mediados pelas TICs, em relações
em cadeia e em modelos de negócio que crescem em escala.

No âmbito do trabalhador, esse se invisibiliza como tal, aparecendo como


trabalhador por conta própria (“empreendedor”) plasmado numa diversidade
de figuras contratuais novas e diversas, podendo ter (i) todos os direitos
tradicionais; (ii) alguns direitos; (iii) poucos direitos; (iv) nenhum direito
trabalhista (GARCIA, 2019, p. 722).

Vários aspectos relevantes desse texto devem nortear nossas reflexões sobre as relações de trabalho
no mundo contemporâneo. A primeira e mais relevante é, sem dúvida, a “Uberização” como ideia
central de precarização das relações de trabalho com a consequente diminuição da proteção jurídica
ao trabalhador, que atua como empreendedor, porém sem as perspectivas de rendimento que uma
empresa pode gerar. Em outras palavras, atua como empresa sem a proteção jurídica do trabalhador
e recebe remuneração inferior, porque parte dos resultados econômicos deverá obrigatoriamente ser
117
Unidade II

utilizada para custear as condições materiais de trabalho (carro, bicicleta, moto e o necessário para
manutenção desse equipamento).

Figura 24

Outra reflexão relevante que o texto provoca é a respeito do tempo do trabalho que em situação
formal é mediado pela lei, que estabelece horas máximas permitidas para o trabalho. No caso da
“Uberização” ou precarização do trabalho, a quantidade de horas é determinada pela necessidade de
ganho, o que pode levar alguns trabalhadores a dedicarem muito mais tempo do que aquele regulado
por lei, não sendo incomum encontrar motoristas de aplicativo que trabalham entre 12 e 15 horas
diariamente, muito além das horas permitidas pela legislação que regula a atividade empregatícia
de motoristas.

O imaginário é de que o trabalhador é agora um “empreendedor”, alguém que tem total


liberdade para utilizar seu tempo e seu conhecimento para produzir em seu próprio benefício,
porém a realidade tem se mostrado bastante diferente.

A realidade, no entanto, parece ser bem diferente. Leia o artigo a seguir, assinado pelo advogado
trabalhista Geison Pascoal:

A lua de mel acabou! A vida de um motorista Uber

O lado da história que os usuários não querem ver.

Entrei no carro de Gabriel*. Era uma tarde de sexta-feira em Salvador em dezembro.


Já dá para imaginar como estava o trânsito na capital baiana, conhecida por ter um dos
piores (senão o pior) trânsito do Brasil.

118
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Não era uma corrida longa, mas houve tempo suficiente para ele resumir seus 4 meses
de trabalho na Uber.

“Fiquei desempregado e a Uber foi uma oportunidade que veio em boa hora. Fiz todo
o cadastro e comecei a trabalhar com o carro do meu pai”. Conta o jovem que é formado
em Contabilidade.

De fato, a imagem que se tem da Uber é que ela chegou num momento de uma das
piores crises do país e gerou inúmeras oportunidades de trabalho. Só que não é bem assim:

“Comecei a trabalhar na metade de setembro e não pude saber direito se estava ganhando
bem. Foi só no mês de outubro que pude sentir a realidade”.

A propaganda da Uber sempre foi muito positiva, especialmente pelos relatos dos
usuários, afinal, era um serviço que estava revolucionando o transporte de passageiros,
e não deveria ser diferente para os motoristas, pois a empresa ofertava ganhos de até
R$ 7.000/mês.

Mas o jovem continuou a dar detalhes da sua experiência:

“No meu primeiro mês de trabalho completo, eu fiz de valor bruto R$ 2.300,00”.

O que parece um bom número para quem estava desempregado. Mas quando você
começa a descontar as despesas de combustível, limpeza e cortesias, esse valor cai
pela metade.

“Quando eu vi, ficou na minha mão um pouco mais de mil reais”. Foram seis dias de
trabalho por semana, 12 horas por dia. “Treze horas em vésperas de feriado”, acrescenta.

Fazendo a conta, aos 26 dias que trabalhou, por cada uma das 312 horas recebeu 3,68 reais
por hora. Não há subsídio de férias, 13º salário, auxílio refeição, descanso remunerado então
nem pensar. Em caso de doença, não recebe nada. “Se não rodar na rua, não ganha nada”.

Por cada viagem feita, a Uber ganha 25%. Apesar de trabalhar o horário de quem tem
um emprego e meio, Gabriel ganha menos que os 880 reais de salário mínimo fixados
pelo governo — que subiu para R$ 937 em 1º de janeiro de 2017. Mesmo assim, o jovem
mantém o sorriso, com o entusiasmo de quem só agora começou um novo desafio. “Se
bobear eu ainda não conheço os melhores lugares, onde há mais chamados, mas geralmente
são shoppings e aeroporto”, arrisca.

Mas além de tudo isso, os motoristas enfrentam um grande desafio. Em Salvador,


por exemplo, a atividade dos Uberistas não está regulamentada pela prefeitura, que por
conta disso, monta ‘emboscadas’ perseguindo os motoristas e apreendendo os seus carros.
“Depois que chegou o verão, a prefeitura e a polícia militar estão armando emboscadas
119
Unidade II

para apreender os motoristas Uber no aeroporto, shoppings e rodoviária. Eles fazem um


chamado como um passageiro normal, e quando você chega lá, tem um circo armado”.

A situação ficou tão séria, que os agentes da superintendência de trânsito estavam


confiscando os celulares dos motoristas e até mesmo a chave dos veículos, que eram
rebocados e levados para o pátio municipal, só saindo de lá depois de pagar uma multa de
R$ 2.500,00 na primeira e de R$ 5 mil na reincidência. “A Uber até paga essa multa, mas
ninguém gosta de ter essa dor de cabeça”, conta Gabriel.

Além de toda essa dificuldade, os motoristas são avaliados por tudo que fazem na
direção. Francisco* tem 7 meses de Uber e conta que se deu bem no início. Diretor de
comunicação em uma grande construtora, foi demitido por conta da crise. “Essa Operação
Lava Jato acabou com milhares de postos de trabalho, mas ninguém fala muito nisso”.

Em novembro de 2016, Francisco respondeu a um anúncio que pedia motoristas Uber.


“Comecei a trabalhar às 8h30 da manhã, parei meia hora para almoçar e só desliguei o
carro às 20h30 da noite”. As corridas somaram 180 reais no total, hoje Francisco trabalha
no mesmo horário e não consegue faturar mais do que R$ 80 reais. E ao fim das 12 horas
de trabalho, terá de fazer o desconto de 25% da Uber e do combustível gasto. “Já cheguei a
dirigir 16 horas seguidas, tenho consciência que é perigoso para as pessoas que transporto.
Mas pela minha idade eu não tenho grande chance de voltar a ter um emprego como tive
no passado. Não tenho escolha”.

Os relatos em grupos de redes sociais e aplicativos de mensagens mostram que, nos


últimos dois ou três meses, o número de veículos disponíveis aumentou bastante. “Quando
eu comecei, o aplicativo tocava toda hora, as vezes até emendava uma corrida com outra.
Agora, chego a ficar uma hora ou mais sem que a ‘cornetinha’ toque.”

E basta abrir o aplicativo de passageiros que é possível notar o aumento. Em certas


localidades é possível ver até 10 carros no mesmo bairro.

Recorde de reclamações de passageiros

Fato recente é que a Uber passou a figurar entre as principais empresas reclamadas no
site Reclame Aqui. Vários relatos de carros velhos, sujos, motoristas mal-educados.

“Antes os carros eram novos e ofereciam balinha e água. Hoje eu só vejo carros velhos
e motoristas perdidos” Conta Gleici Rezende, usuária do aplicativo. “Nem o sistema de
avaliação está resolvendo isso, piorou muito”. Completa a jovem.

Pelo visto, os dias floridos da Uber no Brasil estão com os dias contados. São frequentes
as manifestações de motoristas parceiros pelo Brasil lutando por melhorias e mais segurança.
Alguns optaram até mesmo por ingressar na justiça pleiteando direitos trabalhistas.

120
TRABALHO E SOCIABILIDADE

“Para os passageiros tá bom demais. Pagam barato e vão para onde quiserem. Mas e para nós?
Ninguém pensa que o motorista também é pai de família e tem contas pra pagar. Nem a Uber”.

* Os nomes são fictícios. Os motoristas parceiros não quiseram se identificar, por medo
que as declarações pudessem prejudicar a parceria com a Uber.

Fonte: Pascoal (2017).

Repare que os depoimentos de motoristas de aplicativo coincidem com as reflexões teóricas que
analisamos no texto do professor Ivan Simões. Há invisibilidade do trabalhador porque não existem
relações jurídicas formais de trabalho como aquelas que a lei determina e que estudamos aqui. Há a
disseminação da ideia de que não se trata de um trabalhador, mas de empreendedor ou parceiro, em
sistema de economia compartilhada também chamada comumente de colaborativa e que seria um
novo modelo de produção e relação social neste século. Por fim, a conclusão de que os resultados
não são positivos e que há necessidade de reconhecimento de vínculo empregatício para que sejam
concretizados os direitos previstos na lei.

Essa discussão está ocorrendo em várias partes do mundo nesse momento histórico. Muitos
trabalhadores do sistema de aplicativo – motoristas e entregadores, principalmente – reivindicam
o reconhecimento de relação empregatícia e, consequentemente, o dever de aplicação dos direitos
histórica e socialmente construídos como pagamento de salário, férias e contribuição previdenciária
com vistas à aposentadoria.

Henrique Amorim e Felipe Bruno Moda em pesquisa acadêmica realizada apontaram aspectos
complementares que são bastante relevantes. De início, eles apontam aspectos caracterizadores
do trabalho mediado pelo uso de tecnologias de informação e comunicação, como acontece, por
exemplo, com a Uber:

A introdução desta nova modalidade de TICs permite aumentar a


flexibilidade dos processos de trabalho e transformar a relação das
empresas-aplicativo com os trabalhadores, clientes e outras empresas,
implementando assim uma nova forma de gestão da força de trabalho para
recuperar as taxas de lucro que estavam em baixa desde a crise econômica
de 2008 (SRNICEK, 2017). O intuito último destas plataformas é “alterar a
relação existente entre trabalho vivo versus trabalho morto reconduzindo
a relação de dominação capitalista de maneira objetivada” (CINGOLANI,
2016, p. 42-43). Ou seja, é mais uma forma de incorporar o saber-fazer
dos trabalhadores às máquinas (no caso, o software), aumentando o poder
de controle do capital e, com isso, a subsunção real do trabalho. Esta nova
forma de gestão atua de forma a aumentar a produtividade do trabalho e
diminuir a autonomia do trabalhar tanto quando analisamos o trabalhador
do ponto de vista individual quanto do ponto de vista coletivo. No que tange
ao trabalhador individual, o impacto da implementação dos aplicativos
na forma de se trabalhar pode ser compreendida quando comparamos
121
Unidade II

a atividade desempenhada com funções semelhantes realizadas sem a


utilização desta tecnologia, como, por exemplo, comparando os motoristas
da Uber com os taxistas. Ao realizar tal comparação, temos que saberes que
anteriormente eram de posse dos taxistas, tais como as rotas mais curtas
para a realização do trajeto, as vias menos congestionadas e as regiões
com maior número de clientes em potencial, passam a ser dataficadas
(MEJIAS; COULDRY, 2019), organizadas de maneira automatizadas através
de cálculos algorítmicos e informadas pelo aplicativo aos motoristas,
diminuindo assim a possibilidade de tomadas de decisões sobre o seu
trabalho. Porém, as modificações gerenciais implementadas a partir da
utilização de aplicativos não afeta apenas a produtividade do trabalhador
individual, já que os motoristas não atuam como indivíduos dispersos e
isolados e sim conformando uma força produtiva social, um trabalhador
coletivo, com cada trabalhador sendo parte integrante “de um organismo
ativo que acrescenta novas potências sociais à capacidade de trabalho
de cada um” (ROSDOLSKY, 2001, p. 201), isto é, reproduzindo a lógica de
organização cooperativa da qual o capital se apropria sem custo. Assim,
a gerência algorítmica realiza uma maior organização do trabalhador
coletivo, já que a grande capacidade de reter e analisar dados dos
aplicativos permite que, por exemplo, 3 milhões de motoristas ao redor
do mundo tenham o seu trabalho coordenado, racionalizando de maneira
mais efetiva a prestação do serviço e, consequentemente, tendo um
aumento de produtividade superior à mera soma do que é extraído de
cada trabalhador individualmente (AMORIM, MODA, 2020).

Em seguida, os pesquisadores analisam o cotidiano da atividade dos motoristas de


aplicativo e relatam:

Umas das características do trabalho dos motoristas da Uber é a


intermitência na prestação do serviço, com a empresa não estipulando
a jornada e o local de trabalho. Por trás da aparente liberdade dada
aos motoristas para decidirem onde, quando e por quanto tempo
permanecerão dirigindo, existem mecanismos de controle bastante sutis,
por serem realizados de maneira automatizada e sem contato direto
entre a empresa e os trabalhadores e, ao mesmo tempo, persuasivos e
eficientes. Assim, temos um trabalho constantemente vigiado, controlado
e modulado, garantindo que o serviço seja prestado de maneira contínua,
intensa e com garantias de lucro.

[...]

As nossas entrevistas demonstram a eficácia desta forma de organização


na implementação do autogerenciamento dos trabalhadores, já que a
jornada de trabalho desempenhada está acima das 8 horas diárias previstas
122
TRABALHO E SOCIABILIDADE

na legislação brasileira. As jornadas extenuantes são uma prática comum


dos motoristas, como podemos ver no seguinte relato:

Geralmente eu ligo o aplicativo por volta das 4 ou 5 horas da manhã,


trabalho até as 10 horas e paro. Vou em casa, faço almoço, minhas
tarefas, porque eu também tenho, digamos, tarefas do lar, continuo sendo
responsável pelas tarefas do lar. Daí eu volto às 14h e aí eu vou até às
vezes 1h da manhã, meia noite. [...] Eu faço isso todos os dias, só não na
quinta-feira, que é meu rodízio [e eu trabalho como diarista].
Mas faço também aos sábados e domingos, que são os dias principais
(ENTREVISTADA 9, 54 anos, abr. de 2019).

A partir do relato dos próprios trabalhadores, é comum termos uma média


de 10 a 12 horas de trabalho diárias, muitas vezes 6 vezes por semana, já
que o descanso acontece apenas nos dias de rodízio do veículo. Porém,
motoristas relatam muitas vezes desempenharem jornadas de trabalho
superiores a 20 horas, sendo esta uma prática comum na categoria,
sobretudo em momentos de maiores necessidades financeiras. A pesquisa
desenvolvida por Kalil (2019), que entrevistou mais de 100 motoristas
da Uber em São Paulo, chegou a um resultado parecido, onde mais
que a metade dos trabalhadores afirmavam realizar jornadas diárias
superiores a 10 horas.

Sobre a remuneração, os motoristas calculam trabalhar de 10 a 12 horas


diárias que gera, em média, um valor bruto de R$ 250,00. Porém, ao
subtrairmos o valor gasto em combustível, temos que o valor líquido
chega próximo de R$ 150,00. Dessa forma, aparentemente, a remuneração
paga aos motoristas é superior ao salário mínimo brasileiro, que é de
R$ 4,54 por hora. Entretanto, visto que as ferramentas de trabalho como o
celular e o automóvel são responsabilidade dos motoristas, compreender
os seus valores de depreciação torna-se um grande desafio para calcular
exatamente a remuneração líquida recebida. Estas informações permitem
questionarmos a flexibilidade de horários presente nesse tipo trabalho.
Apesar de a Uber propagandear a capacidade dos motoristas terem
jornadas mais flexíveis do que os trabalhos regulamentados pela CLT,
temos que, na prática, a única flexibilidade existente é a hora pelo qual
o serviço é prestado, já que a jornada total é, muitas vezes, superior às
realizadas nas ocupações formais. Os efeitos perversos desta forma de
remuneração estão presentes no relato de outra entrevistada:

A desvantagem é que se acontecer algum imprevisto, você toma muito


prejuízo. Se roubarem o seu celular, seu carro, você tem que investir em
seguro de carro etc. O meu seguro acabou ficando mais caro por isso,
porque falei que era Uber. Eles colocaram rastreador no carro, então,
123
Unidade II

se for roubado, dá para saber onde está. E por você investir mais nisso,
você acaba tendo que fazer mais grana e vira um ciclo vicioso, parece um
joguinho e de repente você está a louca do Uber, querendo fazer dinheiro,
dinheiro, dinheiro (ENTREVISTADA 6, 29 anos, Mar. de 2019).

Trabalhar como motorista de aplicativo aumenta os gastos de manutenção


do veículo, levando o trabalhador a passar mais horas dirigindo para
cobrir estes gastos. Dirigir por mais horas faz com que o trabalhador
invista ainda mais em seu veículo, aumentando assim a sua necessidade
de ganhos financeiros. Trabalhe mais, ganhe mais, gaste mais: um ciclo
vicioso que leva milhares de brasileiros a saírem cotidianamente de suas
casas para dirigir por longas horas em busca de um salário que garanta
a sua sobrevivência. Uma segunda forma de controle desempenhada na
relação estudada diz respeito ao controle ideológico sobre o trabalho.
Na home page oficial da empresa, encontramos terminologias como
“parceiros”, “confiança”, “conexão” e outras que criam a imagem de
uma aparente relação horizontal entre todos os participantes desta
“comunidade”. Porém, ao mobilizar tais ideia, a empresa promove
consequências concretas na forma pela qual os motoristas vivenciam
o seu trabalho. A pergunta “você trabalhar para a empresa x?” poderia
ser facilmente respondida por trabalhadores e trabalhadoras do regime
taylor-fordista e até toyotista. Entretanto, ao fazermos esta pergunta
para trabalhadores vinculados às empresas-aplicativo, tivemos uma gama
de respostas diferentes. “Eu sou um autônomo”; “eu sou uma espécie de
profissional liberal”; “eu sou um cooperador da Uber”; “eu trabalho para
Uber”; “eu trabalho com a Uber”; “A Uber é a minha intermediadora” ou
“a Uber trabalha para mim”. Essas são algumas das respostas que obtivemos
e a variedade de visões existentes nelas demonstram a complexidade em
classificar tal trabalho (AMORIM, MODA, 2020).

O texto nos convida a uma profunda reflexão sobre a identidade do trabalho no modelo de
plataformas digitais. Ele não se identifica como trabalhador assalariado com subordinação, porém
também não se identifica exatamente como empreendedor, autônomo ou liberal. A falta de identidade
definida e, consequentemente, de compreensão do papel e das relações sociais e econômicas
construídas com essa atividade, dificulta a concretização de direitos porque o trabalhador sequer
sabe em que categoria legal ele está efetivamente inserido.

A tese de doutorado mencionada de autoria do pesquisador Renan Bernardi Kalil, defendida em


maio de 2019 no Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da USP, examinou as dinâmicas
de trabalho e o modo de operação, as condições de trabalho, o gerenciamento algorítmico e as
associações entre dependência e precariedade em cada uma das formas de trabalho (KALIL, 2019).

124
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Saiba mais

Assista ao documentário:

GIG: a Uberização do trabalho. Direção: Carlos Juliano Barros; Cauê


Angeli; Maurício Monteiro Filho. Brasil: Repórter Brasil, 2019.

Utilizou entrevistas como um dos métodos de coleta de dados e apontou resultados relevantes,
como por exemplo:

2.11) Em um dia normal de trabalho, quanto você recebe realizando


trabalho sob demanda por meio de aplicativos (em reais), descontada a
taxa do aplicativo?

Até 200 = 43,1%

Mais de 200 até 500 = 56,9%

Mais de 500 até 1000 = 0%

Mais de 1000 = 0%

2.11.1) Em um dia normal de trabalho, quanto você gasta com despesas


fixas para trabalhar (como combustível, seguro, manutenção, depreciação,
limpeza, telefone celular, plano de dados, etc.)?

Até 50 = 35,3%

Mais de 50 até 100 = 55,9%

Mais de 100 até 200 = 8,8%

Mais de 200 = 0% (KALIL, 2019).

Perguntados sobre suas condições para cuidados com a saúde e futura aposentadoria, os
entrevistados que trabalham com aplicativo de transporte responderam:

5.10) Algum dos trabalhos que você faz promove o recolhimento da


contribuição para a Previdência Social ou você recolhe voluntariamente
para a Previdência Social?

Sim = 28,4%

125
Unidade II

Não = 71,6%

5.11) Você tem plano de saúde?

Sim = 32,4%

Não = 67,6% (KALIL, 2019).

Saiba mais

As entrevistas foram realizadas com motoristas do aplicativo Uber em


São Paulo. É um trabalho que merece ser lido e que poderá acrescentar
importantes apontamentos às nossas reflexões sobre trabalho e
sociabilidade na sociedade contemporânea. Veja em:

KALIL, R. L. Capitalismo de plataforma e direito do trabalho: crowdwork


e trabalho sob demanda por meio de aplicativos. Tese (Doutorado em
Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em:
https://bit.ly/3aduvh4. Acesso em: 15 abr. 2021.

8 TRABALHO E SOCIABILIDADE

Trabalho é atividade social, a produção que dele resulta é destinada a toda a sociedade.
Os trabalhadores na forma de organização capitalista ou neoliberal não produzem para sua subsistência,
mas para que existam produtos e serviços no mercado mundial e que poderão ser trocados por
moedas dadas em pagamento que, enfim, serão utilizadas em parte para a remuneração do trabalho.

As formas de trabalho alteraram-se significativamente desde os primeiros passos da humanidade


no planeta Terra e também mudaram significativamente as relações sociais. Dois importantes
momentos que estudamos neste trabalho sobre produção e relações sociais foram: (i) a passagem dos
coletadores para o homem fixado em um determinado território e com instrumentos e conhecimento
para viabilizar a produção agrícola; e (ii) a construção das regras para regular a vida dos grupos sociais
com limitação para todos, inclusive para os governantes, por meio de leis, ou seja, a constituição do
Estado Moderno.

Nesse momento da história mundial, as formas de organização da produção econômica, do trabalho


e das relações sociais sofrem profundas mudanças e, muitas vezes, ainda é difícil construir aportes
científicos e teóricos que possam auxiliar na reflexão, porque tudo está em constante mudança,
as novas tecnologias nos impõem novos conhecimentos até mesmo para podermos analisar os
fenômenos socioeconômicos. O conhecimento construído historicamente até este momento parece
não dar conta das novas necessidades.

126
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Será que não temos conhecimento suficiente para compreender e refletir sobre a nova realidade
e, principalmente, sobre trabalho e sociabilidade que são nossos principais objetos de estudo?

Reginaldo Guiraldelli analisa que:

[...] necessário elucidar que, atualmente, o que se verifica é a redução de


empregos estáveis e protegidos, o que não significa o “fim do trabalho”
nem o “fim da história”. Na atualidade, o que se observa é a eliminação
de postos de trabalho, a redução de trabalho vivo e crescentes taxas de
desemprego, que assume dimensão estrutural, ampliando o índice
de trabalhadores supérfluos ao capital. Diferentemente do desemprego
temporário e cíclico causado em períodos e conjunturas de crise do capital,
o desemprego estrutural é caracterizado pela expulsão dos indivíduos da
cadeia produtiva sem possibilidade de reinserção futura no mercado de
trabalho, ou como diz Pochmann (2001, p. 89), é um “[...] desajuste entre a
mão de obra demandada pelo processo de acumulação do capital e a mão
de obra disponível no mercado de trabalho”.

Dessa forma, o trabalho não perdeu centralidade, como assinalado por


Antunes (2007). O que se observa são mudanças nas formas de gerir e
organizar os processos de produção na atual divisão internacional do trabalho.
O trabalho permanece sendo o componente fundamental e estruturante
da sociabilidade humana (Marx, 2006), em que homens/mulheres
transcendem sua forma meramente biológica e constituem também
uma natureza social, tornando-se seres sociais. Assim, o trabalho funda a
sociabilidade humana. Por mais que os seres sociais tenham avançado no
conhecimento e habilidades técnicas e científicas no domínio da natureza,
não é possível haver vida social dissociada da vida natural, pois tanto a
natureza social quanto a natureza biológica compõem a sociabilidade. Pelo
trabalho, o homem se diferencia das demais espécies animais, tendo em
vista sua capacidade teleológica, ou seja, sua ação consciente e projetiva.
É pelo trabalho que o homem se constitui e realiza suas potencialidades
humano-sociais, mas na sociabilidade regida pelo capital, marcada pela
mercantilização não só de bens, serviços e produtos, mas da própria vida
humana, e pela exploração intensiva e extensiva da força de trabalho,
verifica-se uma nova configuração das relações sociais e de trabalho, que
passam a ser mediadas pela relação entre compradores e vendedores da
força de trabalho (GUIRALDELLI, 2014).

E destaca o mesmo autor as principais tensões que estão colocadas na sociedade


contemporânea:

127
Unidade II

Tendo em vista que a financeirização da economia adentra todos os


meandros da vida social, a atual crise capitalista que se espraia por
todos os hemisférios, territórios e formas de sociabilidade, não pode
ser analisada de forma autonomizada, naturalizada, focalizada e
desistoricizada, desconsiderando aspectos conjunturais e estruturais da
realidade social. Os custos sociais da crise contemporânea têm recaído
de forma avassaladora sobre a classe trabalhadora, diante do crescente
desemprego, precarização das relações de trabalho, cortes e privatização
dos serviços sociais públicos, violência, miserabilidade, repressão e
criminalização dos movimentos sociais e populares.

[...] na sociabilidade capitalista não há a plena universalização dos direitos


sociais. Os programas governamentais e as políticas sociais podem,
reconhecidas suas limitações, amenizar a pobreza e as desigualdades por
meio de ações pautadas na redistribuição de renda e da riqueza produzida,
porém não alteram na sua essencialidade e substancialidade a estrutura
de classes assentada num modo de produção desigual, baseado na
sustentação da propriedade privada (GUIRALDELLI, 2014).

Indagação semelhante sobre o fim do trabalho ou do papel do trabalho na sociabilidade formula


a professora Sara Granemann:

Terá mesmo o trabalho realizado pelos homens deixado de ser o


sustentáculo na construção da natureza humana? A argumentação aqui
desenvolvida sustenta: o trabalho continua a ser o eixo fundamental da
sociabilidade humana; a dimensão capaz de criar uma natureza humana,
isto é, a atividade capaz de nos tornar seres portadores de uma natureza
diversa da dos outros seres naturais (animais, aves e insetos) que, não
obstante, desenvolvem trabalho com níveis diversos de sofisticação no
âmbito do mundo natural.

A concepção de trabalho como fundador da sociabilidade humana


implica o reconhecimento de que as relações sociais construídas pela
humanidade, desde as mais antigas, sempre se assentaram no trabalho
como fundamento da própria reprodução da vida dado que, por meio de
tal atividade, produziram os bens socialmente necessários a cada período
da história humana (GRANEMANN, [s.d.]).

E não será diferente nesse momento histórico, ainda que o trabalho esteja sendo realizado de
formas as mais diversificadas como em home office (trabalho em casa, fora da empresa), trabalho
intermitente, autônomo ou em plataformas digitais. São novas formas de trabalho, mas a essência da
produção no modelo capitalista parece continuar a mesma e exigir a construção de novos direitos ou
a adequação de direitos para a efetiva proteção dos trabalhadores.

128
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Ainda sobre a compreensão da sociabilidade e a aplicação desse conceito no mundo do


trabalho contemporâneo, Carvalho e Marcelino recuperam ideias essenciais para nossa reflexão
quando afirmam:

Segundo Frederico (2009, p. 176), Marx “retoma a ideia hegeliana de


atividade”, entendendo que é a atividade ou autoatividade o próprio
processo de produção do indivíduo. Esse é o centro do debate sobre a
evolução humana em Marx: o ser humano em atividade que produz o
próprio ser humano. Por consequência, toda atividade do ser humano
interfere em sua formação.

Com a compreensão de que o ser humano em atividade produz o próprio


ser humano, temos uma ruptura entre a visão do mundo centrada em
mitos ou construções teóricas que retiravam o ser humano do centro do
debate e uma nova concepção, que consegue integrar o conjunto teórico
já desenvolvido anteriormente (ciência) e dar uma noção de totalidade à
realidade social.

É importante frisarmos que a alteração do centro de estudos do


desenvolvimento humano do mítico para a própria atividade humana
altera também o eixo dos estudos que tentavam, até aquele momento,
analisar a evolução da humanidade. Portanto, é uma mudança
substancial nas análises.

[...] Temos em Marx uma concepção monista (princípio único) da vida social.
A atividade como conceito se torna princípio basilar da sociedade enquanto
capacidade natural do ser humano de viver coletivamente em sociedade.

Nesse contexto, utilizaremos o conceito de sociabilidade para apresentar


os processos históricos do desenvolvimento humano e as relações sociais
que ocorrem ao longo da história e como eles podem ser compreendidos e
correlacionados (CARVALHO; MARCELINO, 2019, p. 59-60).

A retrospectiva histórica realizada sobre as diferentes formas de produção, a modificação dos


meios de produção a partir da agricultura e depois com as várias fases da Revolução Industrial, a
organização do Estado criada a partir das revoluções burguesas, a proteção que os trabalhadores
tornaram obrigatória para o Estado na concretização de seus direitos, tudo isso corrobora o conceito
de Carvalho e Marcelino, no sentido de que a atividade é princípio basilar da sociedade, forma por
meio da qual os seres humanos conseguem viver e interagir em grupos sociais.

A recuperação desse conceito ancorado no pensamento de Marx nos prepara para refletir sobre o
futuro do trabalho e das relações sociais nesse momento em que se discute até mesmo se há futuro
para o trabalho em um mundo digital, em que as bigtechs, empresas estruturadas com grande volume

129
Unidade II

de capital para utilizar tecnologia de ponta em todas as suas etapas de produção, parece que vão
dominar o mercado e interferir fortemente na vida política e social.

Ilona Kovács em relevante artigo (redigido em português de Portugal) cuja leitura integral é
bastante recomendável, resgata estudos recentes em torno do debate sobre o futuro do trabalho:

Muitos livros e artigos publicados em revistas como Economist, Harvard


Business Review reforçam o mito do empreendedorismo já muito
divulgado nas décadas de 1980 e 1990 pelos teóricos do pós-emprego,
nomeadamente por Handy e Bridges. O colapso da sociedade de pleno
emprego assalariado e a transformação profunda do trabalho manifesta
na divisão entre trabalhadores nucleares e periféricos, na difusão do
trabalhador de portfólio, na ligação dos trabalhadores através das
tecnologias de informação e comunicação e na consequente substituição
da burocracia e da hierarquia por uma organização em rede, já foram
prognosticados por Charles Handy (1984) no seu livro The future of
work. Numa visão muito optimista agourou um novo mundo do trabalho
inserido na economia do conhecimento que permite maior flexibilidade
e mais oportunidades para os indivíduos terem uma vida mais livre dos
constrangimentos organizacionais. Bridges dez anos mais tarde (1994)
reforçou a tese do colapso do trabalho assalariado e anunciou a era
pós-emprego na qual o trabalho passa a ser uma empresa individual.
Cada um está por sua conta e em concorrência com uma multidão de
empresas individuais. Para os teóricos do pós-emprego, o desaparecimento
de empregos é inevitável, devido às mudanças nas tecnologias e nos
processos produtivos e de gestão. Segundo estes autores na maioria das
actividades do futuro, abundarão os free-lancers. Esta evolução implica um
grande desafio ao trabalhador que tem de se transformar de empregado
em empreendedor e em gestor do seu negócio, da sua formação, da sua
carreira e também da sua segurança (KOVÁCS, 2015).

E ao formular a pergunta central que todos nós fazemos na atualidade, a pesquisadora observa:

Surge a questão: estamos perante um novo tipo de economia com novo


tipo de empresa e de trabalho?

Na realidade estamos perante a continuação e aprofundamento da


racionalização flexível orientada para a redução de custos por via
da exteriorização e subcontratação que presidiu aos processos de
reestruturação das empresas, sobretudo desde a década de 1990.
O princípio de produzir mais, melhor e com menor custo é levado ao
extremo (KOVÁCS, 2015).

130
TRABALHO E SOCIABILIDADE

E argumenta com dados de uma pesquisa realizada com trabalhadores de empresas no modelo
plataforma digital:

Um inquérito realizado junto a cerca 900 trabalhadores autônomos de


empresas baseadas em plataformas digitais, cujos principais resultados
foram divulgados no Washington Post (DePillis, 2015b) 1, contraria a tese
do “trabalho flexível bem pago”: uma parte substancial dos trabalhadores
independentes (43%) abandonou a empresa por causa do rendimento
baixo e insuficiente para viver, uma outra parte substancial por não gostar
do trabalho (37%), e outros ainda por falta de flexibilidade (26%). Estes
trabalhadores desejam as regalias do emprego (seguro de saúde, férias
pagas, reforma, etc.). É de acrescentar ainda que as empresas baseadas
em plataformas digitais têm um elevado controle sobre os trabalhadores
que além de não terem autonomia no seu trabalho, não têm segurança e
benefícios, não têm seguro de doença, de incapacidade ou de desemprego.
Além de uma remuneração irregular e falta de perspectivas a longo prazo,
podem perder o emprego por causa da avaliação desfavorável feita pelos
clientes (por exemplo na Uber quem fica abaixo de 4,6 numa escala de 1-6)
(KOVÁCS, 2015).

O resultado da pesquisa trazida pela professora Ilona Kovács vem ao encontro de dados que já
havíamos analisado aqui, ou seja, de que o trabalho em plataformas digitais ou o trabalho na sociedade
tecnológica contemporânea tiveram mudanças significativas, porém, isso não foi suficiente para aliviar
as tensões, as contradições e os embates que capital e trabalho ainda possuem nesse momento histórico.
Isso sinaliza que os trabalhadores terão que se organizar, reivindicar, construir espaços para debate e,
diante das nossas formas de trabalho, construir novas perspectivas de direitos que lhes deem proteção
e seguridade em especial para acidentes, aposentadoria, acesso à saúde, entre outros.

A atividade humana como conceito fundamental da vida social permanece íntegra, o que significa
que trabalho e sociabilidade caminham juntos em mais essa etapa da história da humanidade.

Ricardo Antunes também contribui com nossas reflexões sobre o futuro do trabalho e da
sociabilidade quando descreve o quadro em que vivemos na atualidade e nos convida a pensar sob
novas perspectivas. Descreve Antunes:

Foi a partir da crise estrutural, que aflorou no início de 1970 (MÉSZÁROS,


2002; CHESNAIS, 1996) – e que se intensificou a partir de 2008 – que os
capitais desencadearam um vasto processo de reestruturação produtiva
que resultou em formas de acumulação flexível, caracterizada pela
deslocalização produtiva, pela expansão das redes de subcontratação,
pelo trabalho em equipe, salários flexíveis, “células de produção”, “times
de trabalho”, “envolvimento participativo”, “trabalho polivalente”,
“multifuncional’, com o objetivo primeiro de reduzir os custos e aumentar
a produtividade (ANTUNES, 2014; 2018).
131
Unidade II

A pragmática das “metas” e das “competências”, diuturnamente efetivada


pelo admirável mundo dos “colaboradores”, tudo isso se converteu no novo
ideário do mundo produtivo, no que já apresentei como sendo o novo elixir
da vida empresarial. Ao expandir-se para os mais diversos ramos industriais,
agrícolas e de serviços, a terceirização, que no passado recente era a exceção,
vem se convertendo em regra.

O resultado está em toda parte: precarização ampliada e multiforme, onde


os trabalhadores e trabalhadoras são as vítimas principais. Em épocas de
expansão, ampliam-se os empregos, como no setor de serviços, dotados de alta
rotatividade, pouca qualificação e baixa remuneração, de que são exemplos
os trabalhos nas plataformas digitais e nos aplicativos, no telemarketing e
call center, hipermercados, hotéis e restaurantes, comércio etc.

[...]

Novas palavras aparecem no dicionário do flagelo laborativo: voluntariado,


empreendedorismo, pejotização, Uberização, tudo isso em meio ao
avanço real da devastação social. E, quando se consegue garantir algum
emprego, a resultante é imediata: redução salarial, burla maior dos direitos
sociais que aviltam o que resta da dignidade do trabalho, sem falar do
enfraquecimento dos sindicatos e da redução das ações coletivas, que
nos aproxima do que denominei como sociedade da terceirização total
(ANTUNES, 2020, p. 12).

E após minuciosa caracterização do trabalho no mundo digital, Ricardo Antunes conclui:

A busca de um novo modo de vida tornou-se, portanto, um imperativo


societal de nosso tempo. E a atividade vital, como Marx caracterizou o
trabalho, está, uma vez mais, no centro deste empreendimento humano
que se torna cada vez mais inevitável (ANTUNES, 2020, p. 12).

E propõe para nossa reflexão que sejam construídas novas formas de trabalho, em especial para
que o trabalho tenha um tempo determinado diferente do tempo livre e, principalmente, que seja
dotado de verdadeiro sentido para os trabalhadores. Assim, propõe Ricardo Antunes:

Uma vida cheia de sentido em todas as esferas do ser social, dada


pela omnilateralidade humana, somente poderá se efetivar através da
demolição das barreiras existentes entre tempo de trabalho e tempo
de não trabalho, de modo que, a partir de uma atividade vital cheia de
sentido, autodeterminada, para além da divisão hierárquica que subordina
o trabalho ao capital hoje vigente e, portanto, sob bases inteiramente
novas, possa se desenvolver uma nova sociabilidade. E se o trabalho
tornar-se novamente dotado de sentido, será também (e decisivamente)
132
TRABALHO E SOCIABILIDADE

através do verdadeiro tempo livre, do ócio, em sua forma mais autêntica e


livre, que o ser social poderá humanizar-se e emancipar-se em seu sentido
mais profundo (ANTUNES, 2020, p. 13).

Épocas de mudanças sociais, econômicas, políticas como essa que estamos vivendo nesse
momento histórico, são sempre espaço fértil para que novas ideias sejam debatidas, de forma plural
e sistematizada, com aportes teóricos, estudos e pesquisas que permitam construir reflexões para
contribuir para o aprimoramento das relações sociais. O que por vezes parece em um primeiro
momento uma ideia utópica, se concretiza mais tarde como solução ou possibilidade viável com o
passar do tempo, mas isso não se dá de forma natural, e sim como fruto do trabalho de pesquisadores,
professores, trabalhadores e tantos outros que sem empenham decisivamente na transformação social.

8.1 O papel do serviço social na sociedade 4.0

A Constituição Federal brasileira em compasso com a Declaração Universal de Direitos do Homem


(1948), da ONU, e outros documentos legais nacionais e internacionais, garantem a todos o direito
ao trabalho e não apenas isso, que seja um trabalho em condições dignas e justas, o que inclui a
remuneração, o número de horas trabalhadas e a situação concreta em que esse trabalho é exercido.

Não faltam leis no Brasil e no mundo para a proteção das condições adequadas para o exercício
do trabalho em qualquer setor e em qualquer modalidade, o que inclui o trabalho desenvolvido na
sociedade da informação, ou do conhecimento, ou ainda, sociedade digital ou 4.0. Não importa a
denominação e nem o acordo semântico a que se chegue, o certo é que onde houver um trabalhador
exercendo atividade, existirá um direito a ser protegido e concretizado.

Mudanças profundas como aquelas que estamos vivendo na sociedade contemporânea, decorrentes
do uso intensivo de tecnologias, certamente, exigirão o debate em torno da necessidade de novos
direitos e, para isso, a sociedade precisará utilizar todo o repertório de instrumentos de pressão para
que esses direitos possam ser concretizados. A referência a instrumentos de pressão não tem qualquer
conotação de violência, ao contrário, o que se propõe é a utilização de instrumentos democráticos
compatíveis com a estrutura republicana que o país possui, existência de poderes, direito a voto e
a participação política em várias instâncias, organização de movimentos para inclusão de novos
direitos na agenda parlamentar, organização de grupos de defesa de direitos específicos como já
acontece com o meio ambiente, movimento LGBT+, proteção à criança e ao idoso, portadores de
doenças raras, entre outros.

A concretização de direitos sociais em uma democracia se constrói por meio de políticas públicas
ou políticas sociais. E o que são essas políticas?

Maria Paula Dallari Bucci:

Políticas públicas são programas de ação governamental visando a


coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas,
para realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente
133
Unidade II

determinados. Políticas públicas são “metas coletivas e conscientes”


e, como tais, um problema de direito público, em sentido lato
(BUCCI, 2006, p. 241).

E acrescenta a mesma autora:

A função de governar – o uso do poder coativo do Estado a serviço da


coesão social – é o núcleo da ideia de política pública, redirecionando o eixo
de organização do governo da lei para as políticas (BUCCI, 2006, p. 241).

Um dos papéis importantes dos profissionais de serviço social na sociedade contemporânea é


atuar em equipes de planejamento, implementação, gerenciamento e monitoramento de resultados de
políticas públicas, para que elas sejam garantia da concretização dos direitos sociais, da proteção
do interesse público e utilizem corretamente os recursos públicos captados por meio do pagamento de
tributos que são obrigatórios para todos os cidadãos.

Nessa perspectiva, ressaltam Carvalho e Marcelino:

[...] deve-se assumir que um dos maiores desafios que o Assistente Social
vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e
construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar
direitos, a partir das demandas emergentes no cotidiano (CARVALHO;
MARCELINO, 2019, p. 131).

Na atual realidade da sociedade brasileira e mundial em que convivem contradições na produção e


repartição de riquezas, em que o uso intensivo de novas tecnologias não repercute de forma positiva para
todos, em que o trabalho se modifica de forma profunda e não necessariamente para se converter em
melhores condições e em que a educação precisa cada vez mais ser acessível para todos os trabalhadores
e construída de forma plural e dialógica, há muito espaço para a atuação dos profissionais de serviço
social, focados na garantia da concretização de direitos sociais e na melhoria das condições de vida
da sociedade.

Resumo

Iniciamos esta seção com estudos e reflexões sobre a definição


de trabalho e sobre formas de organização empresarial do trabalho.
Utilizamos aportes teóricos da sociologia, da economia e do direito para
que a compreensão da definição pudesse ser mais abrangente.

No aspecto jurídico, estudamos os principais direitos que os


trabalhadores brasileiros possuem e seus fundamentos, em especial
sobre a caracterização da relação de emprego, definição de empregado e
empregador e os direitos do trabalho individuais e coletivos.
134
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Analisamos também as mudanças introduzidas pela Reforma


Trabalhista de 2017, que criou novas categorias de trabalho como, por
exemplo, o trabalho intermitente. Tratamos também das formas judiciais
de concretização dos direitos dos trabalhadores que, no Brasil, ocorrem por
meio de justiça especializada que é a Justiça do Trabalho, que atua
por decisão singular – um único juiz –, e coletiva nos tribunais superiores
como Tribunal Regional do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho.

Em seguida tratamos das diferentes etapas da Revolução Industrial


com especial detalhamento da chamada Revolução 4.0, que marca o
período histórico em que estamos vivendo, com a utilização intensiva de
novas tecnologias e inovações.

Analisamos em seguida as diferentes formas de organização


empresarial na indústria, tais como o taylorismo, fordismo e toyotismo.

Nossos estudos abordaram com especial detalhamento a sociedade que


se constitui a partir da indústria 4.0, ou seja, do uso intensivo de tecnologias
e inovações, para compreendermos o uso dos algoritmos, da inteligência
artificial e também das possibilidades de utilização na produção econômica
de máquinas que aprendem sozinhas, ou seja, com uso de gigantescas
quantidades de dados que elas próprias organizam para utilização.

Estudamos o trabalho no mundo contemporâneo e a utilização das


plataformas digitais como mediação entre trabalhadores e consumidores,
o papel que elas desempenham e o fenômeno que provocam e que tem
sido tratado como Uberização do trabalho, ou mais tecnicamente como
precarização do trabalho. Trata-se de trabalho realizado de forma
autônoma pelo trabalhador, a partir de seus próprios instrumentos
(carro, combustível, telefone celular) e de seu conhecimento intelectual,
gerenciado e monitorado pela plataforma que, no entanto, não assume
vínculo empregatício e nem concretiza direitos historicamente construídos
pelos trabalhadores.

Refletimos sobre o futuro do trabalho, sobre a necessidade de garantia


de direitos aos trabalhadores nessa nova sociedade tecnológica, virtual,
e na qual a produção os utiliza de forma muito diferente daquelas até
então praticadas.

Analisamos, por fim, o papel essencial dos profissionais de serviço social


na implementação e monitoramento de políticas públicas ou sociais, a
partir da detecção que eles têm condições de realizar sobre as necessidades
dos trabalhadores e a concretização de seus direitos.

135
Unidade II

Exercícios

Questão 1. Os estudos sobre sociedade de informação permitem caracterizá-la como


aquela em que:

A) Há predomínio da atividade produtiva industrial, agora com uso mais intensivo de tecnologia.

B) Aquela que se caracteriza pelo uso intensivo das tecnologias de comunicação e armazenamento
de dados.

C) Há crescimento do setor econômico de serviços, crescimento rápido do uso de novas tecnologias


e importância do conhecimento e das práticas criativas.

D) Os empregos serão mais numerosos e focados no aumento da produção de bens.

E) A precarização do trabalho ocorrerá para as atividades de serviços e não para a produção econômica.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: a principal característica da sociedade de informação não é a produção industrial,


mas a variedade de serviços que estão sendo colocados à disposição dos consumidores e os formatos
disruptivos que esses serviços possuem.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: as tecnologias da informação são uma característica da sociedade contemporânea,


mas o armazenamento de dados não, porque o verdadeiro objetivo é a coleta e tratamento de dados
para oferecer serviços aos consumidores, e não apenas para armazenamento.

C) Alternativa correta.

Justificativa: a sociedade de informação se caracteriza pelo crescimento do setor de serviços,


pelo uso intensivo de tecnologias e pela relevância que o conhecimento e a criatividade adquirem no
processo de produção econômica.

136
TRABALHO E SOCIABILIDADE

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: a sociedade de informação não se caracteriza pela perspectiva de aumento de


empregos e nem pela produção de bens, mas sim de serviços e impulso ao empreendedorismo.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: bens e serviços são parte da produção econômica e na sociedade de informação, a


prioridade tem sido para o desenvolvimento do setor de serviço que ganhou forte impulso com o uso
de tecnologia e criatividade, em especial em aplicativos para telefones celulares.

Questão 2. O fenômeno de precarização do trabalho também conhecido por Uberização das


relações de trabalho é internacional, modifica profundamente as relações na esfera do trabalho e,
consequentemente, na sociedade. A suposição de que todos os trabalhadores poderão se tornar
empreendedores é criticada por conter certo “fetiche”, no sentido de que o trabalhador é levado a
crer que trabalhar por sua conta e risco seja preferível à relação de emprego quando, na vida prática,
já está demonstrado que as consequências poderão ser negativas.

Analise as afirmativas e assinale a alternativa correta.

I – Os trabalhadores serão mais livres para utilizarem seu tempo como desejarem, mesmo que com
isso tenham que perder em seguridade e assistência social o que, no entanto, pode ser preferível.

II – O empreendedorismo não é apenas uma forma de substituição da produção econômica, mas


precisa ser uma opção livre do indivíduo, que para isso deverá estar capacitado para empreender e
administrar seus esforços produtivos para obter bons resultados e proteção.

III – O trabalho no âmbito das atividades empreendedoras e sem vínculo empregatício se torna
mais relevante para a sociedade porque será mais livre, criativo e, consequentemente, com melhores
resultados econômicos.

Está(ão) correta(s):

A) I, somente.

B) II, somente.

C) III, somente.

D) I e III, somente.

E) I e II, somente.

Resposta correta: alternativa B.


137
Unidade II

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: as relações de trabalho sem vínculo empregatício representam perda de seguridade


social e assistência social e isso poderá não ser benéfico para muitos trabalhadores. É preciso que o
empreendedorismo seja sempre uma opção, e não uma falta de opção.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: o empreendedorismo não é substituição do trabalho assalariado, antes disso deve


ser uma opção livre e consciente de um sujeito capacitado tecnicamente para produzir em condições
diferentes, em especial porque se tornará responsável por todos os encargos, inclusive aqueles que
advierem de riscos como doenças e acidentes pessoais. Empreender deve ser opção para a qual o
trabalhador tenha condições de se capacitar, seja por políticas públicas ou por outros programas
sociais com esse objetivo.

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: o trabalho no âmbito das atividades empreendedoras e sem vínculo empregatício


pode não se tornar mais relevante para a sociedade em razão da precariedade de proteção da
seguridade e da assistência social, porque um empreendedor que sofra um acidente ou fique doente,
poderá não ter acesso a programas sociais se eles não tiverem sido organizados para essa finalidade.

138
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Figura 1

PREHISTORIC-5708608_960_720.JPG. Disponível em: https://bit.ly/32f6LV2. Acesso em: 13 abr. 2021.

Figura 2

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Figura 3

PORTUGUESE_FIGURESATAGLANCE_INFOGRAPHIC19JUN2020_FINAL2.PNG. Disponível em:


https://bit.ly/3sePZA4. Acesso em: 13 abr. 2021.

Figura 4

AGUIAR, V. Número de refugiados e migrantes da Venezuela chega a 4 milhões. Agência Brasil, [s.d.].
Disponível em: https://bit.ly/3a8wlzB. Acesso em: 13 abr. 2021.

Figura 5

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Figura 6

PORT-4291769_960_720.JPG. Disponível em: https://bit.ly/3wQ1tgV. Acesso em: 13 abr. 2021.

Figura 7

MOUNT-RUSHMORE-1985028_960_720.JPG. Disponível em: https://bit.ly/3mHPIol. Acesso


em: 13 abr. 2021.

Figura 8

HORSES-82801_960_720.JPG. Disponível em: https://bit.ly/2Rwn91A. Acesso em: 13 abr. 2021.

Figura 14

MACRO-1452987_960_720.JPG. Disponível em: https://bit.ly/32bKGXE. Acesso em: 13 abr. 2021.

Figura 15

INDUSTRIA-822620_960_720.JPG. Disponível em: https://bit.ly/2QpMNnV. Acesso em: 13 abr. 2021.


139
Figura 16

SOCIALIST-3604420_960_720.JPG. Disponível em: https://bit.ly/3dfdi8C. Acesso em: 14 abr. 2021.

Figura 17

KREMLIN-3393439_960_720.JPG. Disponível em: https://bit.ly/32fCJRa. Acesso em: 14 abr. 2021.

Figura 18

BERNAUER-STRAE-113173_960_720.JPG. Disponível em: https://bit.ly/2Qn7T6H. Acesso


em: 14 abr. 2021.

Figura 19

TECHNOLOGY-4256272_960_720.JPG. Disponível em: https://bit.ly/2Q4jszB. Acesso em: 14 abr. 2021

Figura 20

A) ROBOT-2791670_960_720.JPG. Disponível em: https://bit.ly/3wT7hpX. Acesso em: 14 abr. 2021.

B) ROBOT-3009602_960_720.JPG. Disponível em: https://bit.ly/3gbeWu4. Acesso em: 14 abr. 2021.

Figura 21

BUSINESSMAN-2682712_960_720.JPG. Disponível em: https://bit.ly/3di6k2C. Acesso em: 14 abr. 2021.

Figura 22

WEB-3706561_960_720.JPG. Disponível em: https://bit.ly/3tk43d2. Acesso em: 14 abr. 2021.

Figura 23

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em: 14 abr. 2021.

Figura 24

FOODORA-3402507_960_720.JPG, Disponível em: https://url.gratis/a4e27. Acesso em: 29 abr. 2021.

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