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Síntese biográfica
Padre Zeno Saltini: Fossoli de Carpi (Modena) 30.8.1900,
Grosseto 15.1.1981. “Cresço numa família patriarcal da Emília
Romagna, um barril social em ebulição. Aos 14 anos de idade
rejeito a escola: “É aí que a sociedade nos divide”.
Em 1920 o contraditório: um colega anárquico me leva
para mudar de civilização: “Não mais patrão, não mais servo”.
Dos vinte aos trinta anos de idade me preparo para a minha
missão: “Não pondo esparadrapos com a assistência, mas
dedicando-me à reconstrução da vida social segundo a fé”.
Amigo de todos, também dos pequenos delinquentes, quanto
mais estudo advocacia, para defendê-los no tribunal, mais
percebo que precisam reencontrar uma família nova.
Aos 31 anos, sacerdote, assumo como filho Barile, recém-
saído do cárcere: o primeiro de quatro mil. A casa paroquial é
invadida pelos abandonados, que agrupo em pequenas famílias.
Em 1941 uma menina foge de casa para se tornar a mãe
deles. Prego, com a sanfona nas costas, nas praças e nas
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1 - A família patriarcal
3 – Fossoli
5 – Padre Sixto
7 – Retomo os estudos
10 - Padre Calábria
1 – A primeira missa
2 - Padre do povo
6 – Fazem de tudo...
7 – Padres preocupados
8 – As irmãs
9 – Os cinemas
mãe deles. Para ti, tão forte, seis, oito filhos; para ti cinco; para ti
dez”. No fim distribui 300. O povo se comove, as mulheres vem
vê-los, dão uma mão, choram: “Pobrezinhos, como fazem sem a
mãe?”. Alguém tenta, mas “eu procuro uma substituição
incondicionada das mães mortas” (25.2.’47). “Quem não
experimentou nunca poderá saber qual mortificação seja não ter o
pai e a mãe. Quantas vezes disse na praça: “Você não têm a
coragem de pegar um abandonado e jogá-lo desta sacada. Mas
tem a coragem de matá-lo com a omissão”. Os meninos se
convencem que “as mulheres não têm coração”. Morando na casa
paroquial, veem passar as senhoras com os filhos bem vestidos,
perfumados. E ficam mais tristes. Não é possível educá-los sem
as famílias. Brigas, pancadas, grandes problemas. Uma vez chego
a tempo enquanto um está enfiando a faca na barriga de outro.
Não aguento mais. Chamo uns táxi, mando embora todos. De
noite fecho a porta e vejo uns vinte supérstites, que dormem ao
redor da igreja. “Nós não sabemos aonde ir”. “Então fiquem
comigo”. Outra vez me enlouquecem. Eu os reúno: “Tu vás aqui,
tu acolá, todos à sua casa”. Um grita: “Eu já cheguei, esta é a
minha casa”. Todos juntos: “Eu também, eu também…”.
Quando nos sequestram tudo vou pedir conselho a padre
Calábria: “Você tem a providência, eu não”. “Sim, certamente,
tem razão”. Em fim puxa uma moeda de vinte liras: “Dizem que
tenho o monopólio da providência. No cofre só tenho isso. Toma
e vai para casa e continua, porque a pobreza é o sinal que é uma
obra de Deus, não sua”. Faço como diz, mas a fome não nos
deixa. Vamos em frente comendo polenta. Barile brinca: “De
manhã quente, a meio-dia frita, de noite torrada”. “Muitas vezes
volto para casa de noite, cansado de procurar o pão, com o
coração quebrado. Os filhos dormem. Os observo entre as
lágrimas. O mundo passa na minha frente como em um filme.
Inevitável a comparação com os filhos dos ricos. Improvisamente
parece que as camas se transformam em covas e eles dormem
abraçados à suas mães mortas”.
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3 - “Venderia o Vaticano…”
4 – Ventos de guerra
5 – Servos do sistema
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mão, onde tanto nas boas ações que nas más sabe que é amado.
Os acolhi em minha casa. Muitos deles estariam na prisão, mas
agora estão no meu coração” (’41). Em vão peço um colóquio.
No outono de ’43 irei pedir 500 cobertores. Me responderá no
maio sucessivo com 2.000 liras suficientes para comprar alguns
lenços!
Dedico-me à formação dos filhos. Até agora propôs a
perfeição individual. Por que não podem realizá-la também as
famílias, dando um cunho cristão ao trabalho, à economia, à vida
pública? Precisa uma sanidade social para transformar relações e
estruturas. Ando com um caminhãozinho catando comida, falo
nas igrejas, nos teatros. Fecho com uma frase: “Não se paga no
ingresso, mas na saída”. Me coloco à porta e estico o chapéu. No
Natal de ’40 vem na nossa casa um russo, Sementovski Kurilo.
Adorna a árvore com doces e presentes. Uma maravilha! Uma
condição só: os rapazes podem comer o que querem por meia
hora, mas não podem por nada no bolso.
No decênio da Obra tiro as conclusões: “A poesia do
sacerdócio é uma só: cruz e Calvário. Nestes anos de martírio
provei quanto seja árduo amar o povo. Se morre de desgosto”
(11.1.’41).
1 – O ultimato
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3 - A ruína se aproxima
2 – Em Nápoles
4 - Megalomania?
2 - Efervescência política
confio sem temor, para eles irei fazer ainda mais do que fiz até
agora. Queres? Pensa bem, mas verás que aquele é o único
caminho da retomada. Neles não há nada de negativo que deve
ser tirado, são praticamente meninos” (19.10).
Recuso ser reduzido a funcionário do culto. A minha piedade
não tem nada a ver com o carolice. “Nas igrejas se reza: “Nunca
se ouviu no mundo que alguém que te pediu algo não seja
concedido”. Desde menino dizia: “Como dizem estas coisas?”.
“Tudo que pedires em meu nome vos será concedido”. Pedi
muito e nunca me foram concedidas. E eu devo concluir: A minha
graça te baste” (20.10).
Vivo o desafio da fé “reconhecendo os pecados dos meus
irmãos como meus, compartilho as consequências sociais, como
as conquistas no bem” (22.10). É a fé que me leva além da minha
fraqueza e sacode os alicerces de São Pedro. Durante as noites
sem sono, escrevo muitas cartas ao papa, porque Cristo entregou
ao alto a missão de guiar o seu barco. Se a mudança não vem daí,
não muda nada. Exorto o Cristo: “Fala ao teu vigário, porque esse
assalto é de natureza universal, portanto somente ele tem a
palavra certa. Antes que nos mexer sem consentimento, também
no segredo, esperaremos”. A minha fé, parecerá paradoxal, me
leva a dizer: “Senhor, tu colocaste o papa para guiar a Igreja. Se
tu viesses pessoalmente falar comigo não obedeceria, irei te dizer:
estou pronto, mas seja o teu vigário a falar comigo” (17.11).
A minha obediência está de pé, nem submissa nem escrava.
“Beatíssimo Padre, caminhamos entre as ruínas de uma forma de
civilização cristã. O que faz o clero? Agita-se nas areias
movediças do nepotismo e da burguesia, desiludido da
onipotência de Deus. Um exército do Céu que não obedece mais
ao Céu para acreditar nas armas da terra, ostentando longas
orações, desiludido de estar de acordo com o Céu. Tudo diria que
hoje teria acabado sua missão, porque da revolução francesa à
russa è sempre a praça que jorra sangue contra o próprio clero
para mais justiça social. Mas a praça erra, porque sem nós não
podem fazer nada. Quero entregar os livros escritos além do
fronte e pedir audiência. Somos decididos a entrar na luta, falta
somente um sinal: a benção do doce Cristo na terra” (10.12).
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desânimo: “Não acredito que o povo possa ser tão simples para
unir-se em tão clara fraternidade, embora veja toda vantagem e
bem que derivam. É fraco demais e insidiado. Acredito na sua
ressurreição somente se tu, Senhor, ajudar” (4.6). “As massas não
conseguem ir ao poder conforme a sugestão que ofereço e elas
aceitam com entusiasmo. Todavia somente aquela, parece a
solução; todas as outras levam fracassos que poderiam ser
evitados” (6.7). “Depois dos discursos dos du mucc sou
convidado na sede dos comunistas de Concordia, toda enfeitada
com bandeiras vermelhas. “Nós estamos dispostos a nos unir se
os DC quiserem. Daqui a 5 minutos não haverá nenhuma
bandeira vermelha”. Os DC saíram e deixaram morrer a
iniciativa”.
4 – Superar o comunismo
6 - Recorro a Roma
Cenário internacional
Depois de ’45 chegam anos de inquisição política, terror,
morte, barreiras entre Leste e Oeste. Churchill fala pela primeira
vez de cortina de ferro (5.3). O expansionismo soviético estimula
o clima de guerra fria. Em todo lugar o comunismo toma o
poder, a Igreja é perseguida: suprimidas escolas e imprensa, clero
vigiado ou confinado, pressões de Roma para um cisma. São
presos os bispos: Slipyi (Rutenia, ‘45), Stepinac (Zagabria, ‘46),
Mindszenty (Ungria, ‘48), Beran (Praga, ‘49), Wyszynski
(Polônia, ‘53).
Cenário italiano
Ventos de cruzadas: a DC defende a civilização da
barbaridade comunista. Pio XII sacode os universitários: É a a
hora da Igreja (7.1); na véspera das eleições, lança um apelo: A
escolha fica entre o materialismo ateu e cristianismo (1.6); no
final do ano o desafio aberto: Ou com Cristo ou contra Cristo
(22.12). O referendum institucional é a favor da república [54%]
(2.6). Togliatti assina a amnistia pelos crimes políticos (22.6). O
card. Ruffini pede medidas de polícia contra os comunistas. O
Osservatore Romano denuncia o assassinato dos padres (30.8).
Na Emília o clima de intolerância e ódio mata sete sacerdotes;
uma minoria de ex-partigiani acredita acelerar a tomada de poder,
eliminando os inimigos de classe: 893 burgueses, 103
proprietários de terras, muitos da DC. De Gasperi envia no
modenese 300 agentes para substituir a polícia partigiana (22.7).
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com os meus filhos aquele sonho que vocês têm no coração”. Não
foram capazes de comunicar o amor entre família e família. Não
se consegue, porque não se veem as vantagens de ser irmãos. O
outro mete medo, não se confia nele. Para mim ceder seria
renunciar ao sonho, admitir que é impossível. Um suicídio moral.
Dizem que há crise de cristianismo. Não é verdade, é crise de
humanidade, o cristianismo ainda não chegou.
4 – O sonho
3 – A audiência
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4 – A invasão da prefeitura
5 – No epicentro do comunismo
1 - O Cefarello
2- Jornalistas e visitadores
4 – Excomungar os pobres
5 – A relação do prefeito
com questões materiais: Tinha fome, sede... Para ele a justiça vem
antes de tudo. Também o homem, com suas necessidades, vem
antes do cristão”. A semana se conclui na majestosa cenografia
da catedral na presença de 30 mil fieis: o cardeal, com manto
grande, roquete, cruz de ouro; um monte de coroinhas vestidos de
branco; o órgão poderoso, o incenso penetrante. Nessa moldura a
vozinha de vidro do prelado faz ressoar palavras que se tornaram
famosas: “O que é o fenômeno de Nomadélfia? A volta dos
cristãos ao espírito do evangelho. Olhem estas catedrais, as
roupas canonicais, todas coisas externas. A parte material é útil,
mas não é ainda cristianismo, é moldura. Nomadélfia representa
uma página do evangelho. E a cerimônia que agora celebramos,
faz parte de seus ritos”. Segue a leitura de um texto da
constituição, o apelo das mães e de 36 crianças. Entrega dizendo:
Mulher, eis teu filho, filho, eis tua mãe. O povo, em respeitoso
silêncio, parece estar junto debaixo da cruz onde pela primeira
vez aconteceu esta entrega. A comoção invade corações e as
naves da igreja, Nomadélfia conquistou Milão. A Cederna
comenta: “Uma mãe loira para cada menino. Padre Zeno fez uma
revolução na caridade”. “36 crianças tiveram de presente uma
mãe. A padre Zeno a cidade custa meio milhão ao dia e está cheio
de dívidas. Se entendermos que as dívidas são nossas, aquele
povo viverá, senão morrerá, mas morrer de fome está em seus
programas. E se Nomadélfia morre, os fracassados seremos nós.
O que acontece no ex-campo de concentração não é algo de
interessante como uma novela. Pode ser algo que nos condenará
ou salvará para sempre. Ou se acredita nesta cidade, ou se nega e
se julga uma encantadora utopia. Mas para padre Zeno e seus
filhos é a única interpretação da vida; para eles a grande e
obscura utopia somos nós. Nomadélfia pode ser entendida
somente se vista do céu: daqui pode ser vista como uma bandeira
ou uma ameaça” (D. Porzio, Oggi, 24.11). O Dr. D. Medugno,
diretor do presidio Beccaria, me escreve: “Estou saindo agora da
catedral de Milão. A atração que vem da sua missão é grande. É
mesmo Novus oritur ordo e, talvez, os homens estejam no
caminho certo para se reencontrar como homens, filhos de um só
pai, para por fim a nefandas experimentações e talvez por isso
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3 – Os sinais de Deus
fazem o que querem e vocês aceitam. Para eles vocês são massa
informe, incapazes de se governar. É hora de mudar. Eu tenho nas
mãos o secreto para correr com vocês para parar o temporal”.
Meu amigo Raselli dizia: “A sua é uma oratória que tem muito do
profeta, mas também algo do tribuno. Este e aquele dão um
fascínio irresistível à sua palavra”. Ajudo-me com episódios, o
dialeto, exemplos práticos. Uma estratégia não ditada pela astúcia
ou cálculo, mas pelo coração.
amor. Com estas duas forças vem a paz” (Vignola, 6.9; DZR,
233ss).
Quando me referem que está presente o mais rico da cidade,
pego as palavras da Escritura: “Ai de vocês ricos, que
acumulem!”. “Raça de víboras…”. Conto, numa versão moderna,
a parábola do rico epulão, do tolo que enche os celeiros, a história
de Zaqueu. Ironizo, brinco. O povinho gosta e consente. Outras
vezes o amedronto: “Precisa apontar no coração dos ricos… atirar
aqui, no peito, onde eles têm a carteira! Caída aquela, somos
todos irmãos! Por que manter os piolhos que nos sugam o
sangue? Se faz assim e se esmagam…”.
Quem não me conhece me julga por um charlatão, mas não
percebe o meu tom de voz, do gesto, daquele fluído que emana da
minha pessoa incapaz de matar uma mosca! Eu comunico mais
com a presença que com a palavra. E quando se desabafaram
contra o rico, lanço o desafio ao pobre: “Se por um golpe de sorte
trocássemos as partes, nós, sem um tostão, o que faríamos dos
bilhões? Pode ter sentimentos humanos quem dispõe de meios,
que dariam de viver a muitas pessoas! Quantas mansões com os
guardas armados, os cães raivosos, as grades! Quando você fecha
a porta com duas voltas não se torna prisioneiro de si mesmo?
Que vida é viver com o terror dos ladrões, dos sequestros, da
falência? E nós quereríamos ser no lugar deles! Mas o rico é um
afortunado ou um degenerado?”. Depois do discurso o povo vai
embora pensativo. Aperta minha mão, me toca para se dar conta
que estou vivo, em carne e osso. Ou, talvez, tocando-me entenda
tocar o sonho de todos? No meio do povo me sinto bem e passo o
tempo nas conversações noturnas com os inevitáveis lanches,
vinho, sanfona. Navegar no povo é tonificante. Sinto-me bem
como uma criança no útero materno.
11 – Julgam-me utópico
12 - Scelba em Carpi
3 - De direita e de esquerda
anulando o voto com três traços, para que saibam que fomos
nós”. Em Carpi todo cala, mas o Governo começa bater
seriamente” (DZR, 246). Para o jornal Avanti! não parece
verdade: “Os Nomadelfos disseram não à DC. Estamos
esperando os raios da cúria. Desobedeceram e implicitamente
condenaram a menina dos olhos da Igreja” (15.6).
A Santa Sê está preocupada por uma eventual vitória
comunista, que se imagina em Roma: um representante de
satanás governará a cidade santa? O pontífice aperta para uma
aliança da DC com os partidos de direita, M.S.I. incluído. Scelba
não pode suportar uma contestação aberta como a nossa. A minha
pregação é indigesta e se começa uma campanha difamatória
contra nós, que dá logo seus frutos. Durante as palestras no Norte,
pe. Vannucci me comunica: “O cardeal não quer que tu fales,
porque Turim deve manter muitas obras locais” (9.6). O frade
corre na Secretaria de Estado, eu pergunto a Montini: “Se fosse a
autoridade política a nos esfaquear saberíamos nos defender. Mas
com nossa Mãe Igreja, como fazer? Acredite, há algo de muito
grave na Santa Sê que não presta” (20.6, enviada?). Naquele
muito grave há: “a incompreensibilidade de muito clero”; o apoio
a “um partido católico burguês até o escândalo”; a ilusão de
dispersar a barbaridade vermelha com as condenações e de curar
as chagas sociais com esparadrapos das cruzadas da bondade,
Nossa Senhora peregrina, as palestras de pe. Lombardi, que “se
reduzem a pouco menos de uma jaculatória”.
7 - Nos auto-laicizaremos
9 – O memorial de Nomadélfia
10 – Cheque mate
11 – Confidências de um heresiarca
12 - O congresso da Porcilga
6 – Denúncias e delações
9 – A pancada de Schuster
Abro a alma a meu irmão: por que a Santa Sê não aceita que
o sacerdote se torne irmão dos leigos? Eu poderia aceitá-lo como
medida disciplinar, não como doutrina. E depois que eu tenha
filhos e irmãos, é um dado de fato, não uma idéia sobre a qual
discutir. Que o papa queira ou não queira, sempre filhos e irmãos
são eles, sempre pai e irmão sou eu... “Se reconhecer aos
sacerdotes a paternidade e a fraternidade pode ser uma mudança
de rota no costume clerical, está na faculdade do papa decidir. Se
não faz isso não há motivo para se rebelar, mas a Igreja se torna
opressora. Como poderá recomendar a prática da fraternidade aos
fieis e proibí-la aos padres, que devem pregá-la? Ou comer esta
sopa ou pular desta janela: esse o teor do decreto do meu
afastamento. Eu obedeci, porque não podia pular da janela. Uma
espécie de extorsão: ou a bolsa ou a vida. Meu ato de
obediência, tão exaltado por quem não entende nada, é uma
necessidade perante uma violência! Os santos de amanhã
procurarão a humildade de pegar os lugares de comando na
Igreja. Muito melhor que se tornar vítimas. A Santa Sê é
mundana e avulsa dos sofrimentos dos oprimidos e portanto não
entende estas coisas somente na teoria, enquanto na prática, por
oportunidade, reprime, matando sem piedade. Poucos apontaram
para Roma, mas aquela e somente aquela deve ser a fortaleza a
ser derrubada. Sai da igreja? Sai da vida. Vives na Igreja? Deves
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mãos nos cabelos brancos e chora. “Os meninos não são como
nós. São como certos pássaros que na gaiola morrem. Para eles
estar num orfanato é como estar na gaiola, entendem? Tivemos
que aceitar de novo quatro meninos, pois na gaiola morriam. Um
dia as mães foram visitá-los e eles se jogaram de joelhos,
entendem?, suplicando que os recebessem de novo. Até as freiras
choraram” (Epoca, 6.12). “A experiência de Nomadélfia
terminou. Enquanto nos tempos bons era objeto quase de
peregrinações, hoje ficou fiel a ela somente o agente sequestrário.
As mães fazem comida e choram. Prometem: “Tenho que dar
todos os meus meninos. Mas aquele pobre Carlos sem pai e mãe,
tão delicado, que para que como precisa que brinque, aquele
como poderia dar a eles? Morre logo! E Luisa, que não dorme se
não me vê perto dela, tem medo que tirem a mãe dela outra vez…
E depois, como faço dá-la, sozinha, o pai dela preso, me sentiria
morrer”. Uma mãe de 14 anos, não tinha coragem de dar nem um
só. Todos dizem: “Eu estou só. Ajudarei os outros irem embora e,
quando forem, irei eu também” (Pampaloni, Il Mondo, 26.7).
“Quando se chega a estes extremos tudo é explicado. Os
homens se apresentaram na forma de cordeiros, mas são lobos
rapazes. Um crime. Disse ao Santo Ofício: “Nós eclesiásticos
estamos em constante pecado de injustiça, por isso não
conseguimos entender estas coisas e toda vez que aparece Cristo
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12 – Em plena tragédia
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nos braços de Cristo. Sou amargo! Bebi fel demais ofertado com
inesperada severidade” (4.8).
Quando afirmo isso nos pulam por cima todos os chapeleiros que
querem nos impor seus chapéus, insígnias e coisas afins. E os
outros querem que nós fôssemos comunistas, assistenciais, cidade
do menino, heróis sem glória. Nomadélfia está dilacerada porque
a Santa Sê não a entendeu, portanto não protegeu. Telefonou-me
Dario: “Hoje houve um outro funeral”. “Um funeral?”. “Sim, 12
meninas foram deportadas nos colégios”. Também o cirurgião
para quando percebe ter provocado graves hemorragias. Até Jesus
trocou de idéia perante a cananeia! Vocês são seus ministros,
vejam se é o caso de imitá-lo. Acredite, a humanidade e a Igreja
precisam de Nomadélfia como Jesus tem sede do nosso amor”
(7.8).
A minha não é uma mania de meninos que querem construir
uma cidade sobre a areia. A história não viu ainda que a força do
bem é mais sedutora que aquela do mal. Os cristãos devem
acreditar que não há nada de mais forte do poder de ser filhos, o
qual implica o poder de ser irmãos. Precisa conseguir apresentá-
lo aplicado em larga escala. Quantas cidades se podem construir
em nome do amor que tudo pode! Mas se não acreditam nisso os
funcionários de Deus, quem poderá crer? “Veio à tona também
do Santo Ofício que Nomadélfia parece um protesto para mudar o
mundo, uma megalomania utópica. Não sou tão ingênuo em
acreditar que Roma esteja sempre pronta para percorrer os
250
17 – É a hora de Barrabás
vocação. Escrevi por dois anos à Santa Sê. Quem sabe quantas
inexatidões! Mas acreditava estar entre pais e filhos, pelo
contrário … um encontro se transformou em choque. Reprimiu
uma vocação, portanto não nos entendemos” (a Ottaviani, 1.10).
As mães são reduzidas a piedades (de Michelangelo) sem
mais lágrimas. “Somente pensam nos filhos perdidos e em como
recuperá-los. Com elas se raciocina somente nesta dor.
Advogados, magistrados tentam abrandar as injúrias. Deus sabe
tudo e acredito que não deixará impunes os responsáveis de tanta
injustiça” (a Ottaviani, 2.10). “Nós somos enfermeiros dos
feridos, coveiros dos mortos? Tentei uma contra revolução e
fracassei. Fiz isso em nome da Igreja, que é o meu único amor.
Fracassei eu e os meus coirmãos? Somente Deus sabe. Eu digo
que fracassaram eles por me fracassar” (a Ottaviani, 2.10).
20 – No tribunal
21 - Autocrítica
Cenário internacional.
Morre Stalin (5.3). A URSS reconhece a independência da
Alemanha (28.5) e faz o primeiro teste termonuclear (12.8). Na
Polônia o card. Wyszinsky é acusado de anticomunismo e preso.
Nos EUA são mortos como espiões soviéticos os cônjuges
Rosenberg (19.5) e despedidos 531 funcionários suspeitos de
comunismo (2.7). Fim da guerra na Coreia (27.7).
Cenário italiano.
Nenni propõe a alternativa socialista, saindo da oposição
(8.1). A aprovação da lei eleitoral majoritária (21.1) provoca
greves. A Fiat recorre a sanções contra os grevistas (22.1).
Expulsão do pastor evangélico Calandro. Nenni e Togliatti no
enterro de Stalin; os trabalhadores da CGIL cruzam os braços por
vinte minutos (9.3). A campanha eleitoral das esquerdas chama
os DC forchettoni (grandes garfos). A coalição DC, PSDI, PLI,
PRI obtêm 49,85 % dos votos e não pode usar a lei fraude (7.6).
Em Siracusa Nossa Senhora chora (29.8). EUA e Grâ Bretanha
retiram as tropas da zona A de Trieste (8.10). A polícia britânica
atira: 6 mortos, 60 feridos (4.11). Os exércitos italiano e
iugoslavo se retiram do confim (dic.). Pio XII abre o ano santo
mariano (8.12). Greves pelos salários (dez.).
2 – O que é a caridade?
fazer?”. Peça ao on. Scelba como faz quando nós dissemos que é
injusto. Aponta o revólver e nos manda para exílio. Não tenho
caridade? Mas então somos melindrosos… E que poderíamos
dizer para não dizer o falso? O núncio mantem as relações entre
Igreja e Estado. Não sabe que o Governo nos afama? Eu não
tenho nada nem contra você nem contra o Governo. Esclarecendo
estas realidades provoco a desordem? É loucura, para não dizer
delinquência social. A contabilidade não é uma opinião política.
Eu desorno a Igreja? Eles a aviltam e perseguem. Resta somente
mandar ao Santo Ofício contadores com ótimas calculadoras e
fazer as contas do alto para baixo. Vão vocês pedir esmolas, nós
não queremos mais ir, queremos voltar a sermos homens. Os
políticos conjugam os verbos no futuro, coisa que agrada aos que
comem no presente: “Socializaremos, reformaremos”. Falsos e
descarados! Para nós deveria ser presente com efeito retroativo.
“Padre Zeno é um utopista, um violento, um herege”. E os DC
são puros espíritos? Por que cometem estas opressões contra nós?
Dizem certas almas piedosas, que se viram: “De Gasperi é um
santo homem; não pode fazer certas coisas!”. E então por que está
no poder? Pode ser católico quem manda num sistema social
infanticida e faz matar 109 manifestantes? Diga ao Santo Padre
que mande ao Santo Ofício aqueles contadores com as
calculadoras. Seriam, mais úteis do que os teólogos. Enquanto se
preparam as bombas de hidrogênio é coisa santa fazer as contas.
Se as fizéssemos teríamos um milagre. Da nossa justiça Deus
doará ao mundo a paz. O povo agradeceria Deus, porque
finalmente a Santa Sê se converteu e será de exemplo. Em cada
confessionário, uma calculadora. Não seria mal escrever em todos
os manuais de piedade, registros de caixa: Barriga cheia não
cheira vazia. O Santo Padre não tem outro caminho. Além do
mais os inimigos da justiça nos enforcarão. Somos milhões que
pedem à Santa Sê mudar de rota. Não fazer isso é uma ofensa tal
que provocaria o abandono do mundo para a ruina. O Céu faça o
que quiser, nós já somos arruinados” (11.2). “Andei 52 anos e,
com esta carta, lancei a pedra no pombal. Consegui o que queria,
posso morrer. Não me atirei contra o papa, defendi a fé” (DZR,
276).
272
6 – Peço a laicização
7 – Nos auto-destruimos?
padres e não sei por que não percebem e não procuram remediar”
(25.9).
Nota conclusiva
297
Como um testamento
não sei nada. Estou bem no sofrimento. Nunca desde menino pensei
que gostasse do sofrimento, todavia estou gostando… Se for para lá,
volto passear por aqui. Conheci sobre a terra um mundo novo, os
filhos de Deus, os verdadeiros filhos de Deus; os encontrei sobre a
terra e os encontro no Céu. Farão coisas em que ninguém nunca
pensou e já fizeram grandes coisas. O mundo terá necessidade e a
tem… Nomadélfia. E o Senhor precisa de Nomadélfia, o Senhor
precisa de nós. Sempre, aqui e acolá. E lhe fizemos um prazer em
serví-lo, em amá-lo. Teremos pecado, mas a realidade é que nós somos
grandes amigos de Deus e o amamos. Eu não conheço as medidas de
Deus, porque é infinito, porém humanamente falando o medimos e o
temos abraçado: o abraçamos.
Isso parece um testamento; se for, agradeço ao Senhor e se não
vamos continuar.
O mundo é de vocês, queridos filhos, o amor é de vocês. E sejam
dignos! Se retomo a vida continuo. E se for para lá… Mah! Parece-me
já estar metade por lá. Tenho a sensação de estar metade por lá …
Uma coisa é certa, que agarramos o mundo, o temos nas mãos.
Que eu possa sempre dizer: “Cupio dissolvi et esse cum Cristo”.
Fui com Ele, estou com vocês; com Ele e com vocês é a mesma coisa!
Sou atingido por tremendas dores e pela alegria de ter amado tantos
belos filhos. Mah!
Esse será um testamento, será um encontro, será… Vai Senhor
entre os meus filhos, vai, e leva a Tua vida. Eu sempre vi vocês e senti
no meu coração e isso sempre terão. Abençoo todos vocês, durmo, não
durmo”.
[Pe. Zeno Saltini (1900-1981), fundador de
Nomadelfia (Nomos=lei, adelphia= fraternidade) quer demonstrar que
as famílias, não só padres e freiras, podem aplicar o
evangelho, transformando todas as realidades da vida humana:
casamento, educação, trabalho, sociedade, etc. Porque: 1° “Nao é pela
carne, o sangue, a vontade do homem, mas de Deus nascemos; 2°
“Tudo aquilo que é meu é teu, aquilo que é teu é meu. Assim sejam
eles”. Seus seguidores, adultos, voluntários, aceitam o desafio de viver
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