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O Sis^nificado do Trabalho Humano


Ma-na Elizabeth Ârdunes Lima''-

Introdução

Historicamente é possível verificar uma evolução na concepção


a respeito do trabaJho humano de acordo com o modo de produção
predominante e as relações de trabalho geradas a partir dele.
Obsen,-ando todas as etapas da evolução dos sistemas produtivos,
podemos concluir com certa facilidade que até o início da chamada
Era Moderna, o homem trabalhava essencialmente pela sua sobre-
vivência material. Em outras palavras, tudo indica que, apesar de
ter sido mais ou menos valorizado em determinados períodos da histó-
ria o tra.balho significou, até o início do capitalismo, mna fonte de
sobre^^vência para o individuo. Com a evolução da sociedade indus-
trial moderna, o processo de trabalho-sofreu radicai; transformações,
tanto uas seus aspectos estrutiirais quanto ideolój-icos,,-' o que tem
possibilitado a emergência dei interrogações sobrí os seus novos
significados.
Alguns autores têm estudado essa problemát ca na tentativa
de obter uma resposta realmeâtfi satisfatória. Um primeiro grupo
concluiu que trabalhar para o homem moderno transformou-se niima
mera venda do seu tempo, não importando a quem ou para o que
seja. O que importa é o resultado económico, j á que o tipo de tarefa
que executa não tem o menor sentido. Neste caso, o que parece
importar realmente é a sobrerivência material, o que implicaria
a permanência do significado de trabalho anterior ao capitalismo.

Professora A s s i s i e n i e da Faculdade de C i ê n c i a s E c o n ó m i c a s da L T J I G . I.Ic3tre


em A d i n i c i s t r a ç á o peli L T F M G .
;
B C T . G E R (19S3), cita duas dessas t r a a s f o r m a ç f t e s que considera determinantes
no problema da busca dos novos significados do trabalho: i extrema intensi-
f i c a ç ã o da divisão do trabalho, a t r a v é s de qual o trabalhador fica ú n p e d i d o de
se relacionar com o processo total de trabalho; e a s e c u l a r i z a ç â o do conceito de
v-ocaçâo, que passa a exigir total comprometimento do indiriduo, canalizando
todos os seus e s f o r ç o s no sentido de a l c a n ç a r a r e a í i z a ç à o rnixiraa de s u a v i d a
a t r a v é s do trabalho. A l é m dessas duas t r a n s f o r m a ç õ e s , acrescento a p e r d a
do produto pelo trabalhí-dor.

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No entanto, um segundo grupo de autores admite uma mudança iiim outras palavras, aquele que se dedicar de forma intensa e
radical "na relação do homem moderno com o trabalho. Vv^EBER disciplinada à sua atividade profissional, será mais valorizado social-
(1967), um dos precursores deste grupo, constata uma reavaliação _ mente. Além da sobrevivência material o trabalho passa a implicar
do_trabalho dentro. dQXXÍstianjsmp_,..a4iandr.ca„Rè^rmã yroiastai.te, uma sobrevivência moral. Independentemente do ssu cout^rjdo, dos
guando""passa' a represe_ntar,p:.cuniprjmejjto d e ^ ^ 'dever £_a busca óbjetivos que visa atingir, do prazer que proporciona a quem o
dêTe"áIl2á"çãã.~Tudb indica oue, 2. parti£ deste mpniento executa, o trabalho representa um valor. £ um valor em si mesmo.^]
profissiòh.áillpiisõu^á^^t^^^ signíBcado' intrínseco 'e" o trabalho Observando a evolução do capitalismo, percebe-se que esse senso
deixou de ser um meio, lornando-se umTim''em slmesm^^ de dever e todo valor atribuído ao trabalho desenvolveram £.0 mesmo
No prêienl¥~ãítígõ7~preTin^ di'scutír"ãrgumas das conclusões tempo em que este mesmo trabalho foi-se empobrecendo, perdendo
o seu conteúdo, e tomando-se, para a maioria das pessoas, mecânico e
a que cheguei após um estudo sobre as concepções que prevalecem rotineiro. Parece ter sido necessário encontrar uma outra Justifi-
na sociedade capitalista moderna a respeito do trabalho humano. cativa p&ra''Xlledicação ao trabalho, já que a execução das tarefas
Ao iniciar este estudo, acreditava como os autores do segundo grupo liêrdêu seu sentido em quase tooas as atlvrdã3?s'"p"ro'fÍ5SÍonaIs'r É õ
que o significado do trabalho para o homem moderno não se res- cumprimento' de um dever para consigo""inésmó' e com "a' sociedade
tringe à sobre\'ivência material, tendo sofrido modificações junta- mostrou-se uma excelente justificativa, pois até mesmo o trabalhador
mente com as radicais transformações ocorridas até 'chegar ao mais insatisfeito com as suas tarefas admite, por outro lado, estar
atual modo de produção. Decidi abordar esta problemática espe- feliz porque sua consciência está tranqiiila e sente-se útil à socie-
cialmente complexa porque estava ciente de sua importância e da dade. Ele está plenamente convencido de que o trabalho, repre-
carência de estudos voltados para a sua compreensão.^ sentando um valor tão superior na nossa cultura, por mais simples
Analisando os dados fornecidos pelas diversas categorias pesqui- que sejam suas tarefas, um pouco deste valor é repassado a quem
sadas percebi alguns aspectos comuns a todas elas, os quais considerei as executa.
como o sentido geral atribuido ao trabalho na nossa sociedade.
Mas, afinal, o trabalho representa realmente um valor em
Tal generalização foi possível graças à escolha de uma população si mesmo?
abrangente, pois estudei várias categorias profissionais, além de
grupos que estão fora do sistema produtivo, como as crianças e Acredito que esta seja uma questão que mereça uma reflexão
os aposentados. Além disso, estudei uma comunidade indígena< maior. 2 interessante observar como evoluiu este significado e a
que estabelece luna relação com o trabalho nitidamente diferente que tipo de interesse ele veio atender. O trabalho transformou-se
da nossa, o que acrescentou muito à minha compreensão de como nima dever, num valor moral somente com a evolução do modo
percebemos e vivemos o trabalho. capitalista de produção. WEBER (1967) afirma que a tradição
predominante na era medieval percebia o trabalho como ilgo eti-
Inicialmente, abordarei a visão do trabalho em nossa cultura, camente neutro, mas que à medida em que evoluía o cap.talismo,
logo após a visão dos Maxakalis e, finalmente, falarei das conclusões através dos diversos desdobramentos, a ' v i s ã o do trabalho foi-se
a que cheguei ao confrontar as duas realidades. modificando e este passou a ser qualificado moralmente.^

O significado do trabalho human) na nossa sociedade


' F R . O M (1974:224) diz que o h o a e m moderno n â o poderia t r a b a l h a r somente
movido por necessidades extemaa, j i que o moderno s i s t e m a Industrial i m p õ e
Um aspecto comum a todos os grupos pesquisados e que que a maior parte d é s u a energia seja orientada p a r a o t r a b a l h o . E l e deve
reflete um dos principais significados do trabalho na nossa sociedade ser impelido p a r a o tmbaJho « t r a v é s de outros mecanismos: <em vez de
ia_relaião_entrêJ-tividade^ e cumprimento.de um dever. obedecer a autoridades externa» ostensivas ele construiu u m a autoridade
Interior — c o n s c i ê n c i a ou dever que a ç e mais eficazmente p a r a c o n t r o l á - l o
O trabalho deve ser bem execúfãad;"dé forma disciplinada e eficiente, do que qualquer autoridade exteina poderia fazer.>
para que o indi\'iduo sinta-se em paz consigo mesmo. Neste sentido,
percebe-se que o trabalho, em nossa cultura_rLeEre_seiLta-Jim_xalqr'^ \N (1981) c i t a S C H E L E R como um autor que neg^ este valor do
trabalho em sl mesmo, colocaado-o como cneutro a toda Idéla de dever,
mórã^aiiS^_de ce.rtaj.ojina.-±jepassadãaa.ín^i'duo que o exeputã, de p r i n c í p i o s e fins fundamentais que possam estar n a base d a v i d a s o c i a l »
(p. 47) . O p r ó p r i o B a g o l i n i diz que a palavra a l e m l A R B E T T E N ( T r a b a -
lhador) n&o implica e m s l mesiaa a realizaç&o de u m a meta, n e m um Ideal,
'o estudo abordou uma p o p u l a ç ã o c o n s t i t u í d a de diversas categroiias: C r i a n ç a s *mas simplesmente u m a atividade arracional. Idealmente n e u t r a e, podemos
rde classe operária burguesa), o p e r á r i o s , trabalhadores de escritório, exe- dizer, emplrica> (p. 4 4 ) . Resume, enfim, que para S C H E L E R c a qualidade
cutivos, profissionais e aposentados. F o r a m e n t r e v i s U d a s 222 pessoas. m o r a l do trabalho n&o e s t á no próprio trabalho, m a s depende dos sistemas
de fins e da o r g a n l z a ç & o moral e jurídica noa quais o trabalho estA inserido.
^Estudei o snipo indigena Hajcakali, localizado no nordeste de JDnas Gerais.

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Nos depoimentos apresentados pelos diversos grupos por mim
Obseixálido a evolução do ;^rop.esso_àe_JrabaIho_capitalista, estudados praticamente não se constata qualper crítica ao tra--
p°rffbr>-!:e também que^a_jneQida em que o homem é desvaJõnzacíi) balho e.-Ti si. Muitos trabalhadores manifestaram insatisfações rela-
neste.-PXOcesso,_xnaior-valQr_£5tHBu'íaF'^^^ ji_mesmo. tivas às suas tarefas ou condições sob as quais as executam, mas
Em outras palaNT^s, enquanto o trabaíhad'or foi-se tornando mais tal constatação não afeta o valor atribuido ao trabalho em geral,
desvalorizado o trabalho foi assumindo um valor cada vez maior, nem a satisfação pelo'dever cumprido. Isto foi percebido, a t é mesmo
. independentemente de quaisquer fatores presentes no seu modo de entre as pessoas que trabalham sob condições muito criticas, como
organização. E ainda mais: verifica-se uma tendência de se valorizar , os operários e alguns trabalhadores de escritório.
qualquer tipo de trabalho pelo simples fato de ser trabalho, ou seja, A grande maioria das pessoas percebe a ati\'idade profissional
todas as ati^^dades profissionais passam a ser consideradas essen- também como fonte de realização, caracterizando um outro signi-
cialmente iguais em importância. ficado do trabalho em nossa cultura. É interessante observar que
à medida em que avançava a divisão do trabalio nas organizações,
Desta forma, se as pessoas acreditarem nessas ideias e se não atingindo até mesmo os postos mais elevados, evoluía também a
necessitarem de muita vigilância, porque elas mesmas se encarregam ideia de que o trabalho deve possibilitar aos indivíduos a sua
disso, alguns dos principais óbjetivos do modo de produção capi- • realização profissional ou, até mesmo, pessoal. Em outras palavras,
talista estarão plenamente atendidos: todos dedicando-se exces- desde que estejam satisfeitos profissionalmente as outras áreas de
sivamente ao trabalho, preocupados com a eficiência e sentido-se suas \ndas passam a ter uma importância secunòária. É o trabalho
bem por estar cumprindo seu dever e sendo valorizados sociahnente___^ sendo traduzijio como a principal dimensãqda existência humana,
por isto. exigindo uiriá dedicação absoluta por paTte~ToTTndivi"duos! 'Grã, é
evidente que tais aspectos são inteiramente contraditórios, pois
Outra mudança de fundamental importância ocorrida com o
o avanço da divisão do trabalho reduz enormemente as chances
capitalismo, foi a transformação do trabalho em mercadoria, ou do trabalhador encontrar na sua ati-vidade profL<sional uma fonte de
seja, é somente neste momento da história que surge uma grande realização.
massa de pessoas "li^Tes" para se oferecer no mercado em troca
de um salário. Pela primeira vez na história o homem está li\Te Um autor que demonstra como esta ideia foi-se processando
para vender sua força de trabalho a quem desejar. Mas o capitalista desde o início da história ocidental moderna é 'R^BEE. (1967),
ao comprar esta força de trabalho não possui controle sobre a sua quando aborda a mudança do conceito medieval de vocação religiosa
qualidade e quantidade. para o conceito moderno de trabalho secular como vocação. Elie
observou que esta última concepção a respeito do irabalho, f irmou-se
v:;;* "O que ele compra é infimto em poteiicial, mas limitado im apenas após a tradução da Bíblia feita por Lutero, pois, a partir
SIM concretização pelo estado subjeiivo dos trabalhadorrs, daí, vocação passou a ser uma ordem divina sendo "escolhidos"
por sita história passada, por suas coiidiçôes sociais gereis aqueles que se dedicassem a ela de modo sistemático, exclusivo e
eficiente."'
sob as quais trabalham, assim como pelas próprias corn\i-
çôes da empresa e condições técnicas do seu trabalho." Portanto, verifica-se oue _ paralelamente ao avanço da divisão
(BRAV'ER.\L\N, 19S1:5S) do trabalho e a pefcla_da"noção do produto, desenTOiyeu^se a ideologia
da secularização'âo conceito de yocaçãoT^
Portanto, ao alugar seu tempo ao capitalista para que este possa
utilizar sua força de trabalho, o trabalhador irá dedicar-se às S e g w d o B E R G E R (1983:16), a partir dessa t r a d u ç i » , t r a b a l h a r toraou-se
tarefas de acordo com a sua disposição pessoal, ou seja, vai depender t n à o somente um dever religioso a ser fielmente cumprido, m a s t a m b é m u m
do quanto ele estará convencido de que tal dedicação será válida chamado no sentido de exigir do i n d i v í d u o um comprometimento total e a p a i -
xonado, canalizando a s u a vida inteira para a realizaçàt de altos ó b j e t i v o s e,
para si mesmo. Quanto mais convencido estiver o trabalhador a portanto, dando um alto significado à sua vida>.
. este respeito, mais empenhado ficará na execução de suas tarefas
B E R G E R (19S3:36) comenta que se ctentarmos v e r o s dfsenvolvLmentos e s t r u -
e menores os problemas para o capital gerenciar sua força de turais e ideológ-icos juntos, seremos confrontados por u n a s!tuaçâ.o p a r a d o x a l
trabalho. Ao perceberem_o_tra_balho_como um valor independente e a t é m e s m o i r ó n i c a . O s desenvolvimentos estruturais, t o m a m c a d a v e z
^das,tarefas 5ue_o_£ÇÍmj)õem,, daquilo que visa produzir e dos seus menos p.-ovável que u m individuo consiga reaUzar-se eia seu trabalho ( . . . ) .
A o mesmo tempo, persiste imia ideologia de trabalho çue continua a a p r e -
efeitos sobre si próprios e_ sobre a sociedade em geral, os individues sentar ao individuo a expectativa de que ele deve achai seu trabalho signifi-
estarão contribuindo para a solução de um problema básico do cativo e que ele deve ter satisíaçS.0 n e l e . . . >
capitalismo: o de obter a plena utilidade da força de trabalho.
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"por David Mc CTelland (líERSEY, 1977), por exemplo, onde o
nó' trabalho e a ideologia oue incentiva a busca dc auto-realização perfil psicológico do hoinem auto-realizado é descrito como o daquele
aTi^ívis_dcLinÊSjmo,Jicoir^ no presente estudo. altamente voltado para a eficiente execução de suas tarefas, para a
S n t r é os operários e trabalhadores de escrirório tal paradoxo obtenção de altos salários ou luvros, estabelecendo metas cujos riscos
mostrou-se mais nítido por que estes dois grupos expressaram clara- de fracasso sejam mínimos, não se importando muito com as pessoas
mente a insatisfação cDm a extrema simplicidade de suas tarefas, e, sim, com a melhor maneira de executar suas tarefas. Tudo isso
mas acreditando, ao mesmo tempo, que o trabalho deve prover aos leva este autor à conclusão de que as pessoas que possuem tais
indi-vnduos a sua realização pessoal. O aposentado também apre- qualidades e que, portanto, são altamente motivadas para a real-
sentou um forte conflito em face desta questão. Isto se deve a dois ização, estão muitas vezes ocupando cargos de gerência já que
gTandfiâ.iIlQÍÍYOS_L!!P P.™?^'^^'^ 'i^gar, a constatação que algiins fazem tendem "a obter mais aumentos de salários e são promovidas mais
de que após tantos~anbs"'de busca não conseguiram alcançar aquela depressa porque pensam maneiras melhores de fazer as coisas"
realizacãp quêacfêditaVam. ser possível obter através do trabalho; ( H E P L S E Y , 1977:47). Desta forma, fica explicado porque os exe-
um segundo grupo bem mais reduzido, acredita ter-se realizado cutivos não se sentem em conflito com a questão da realização.
profissionaMèhte.más com á aposentadoria perdeu a única fonte Eles se encaixam perfeitamente no perfil das pessoas realizadoras.
que julga digna para este fim. Alguns tentam transferir seu desejo ' E como o alcance ou não dessa realização fica limitado a preencher
de realização para outras áreas como família ou lazer, mas não ou não um perfil psicológico, está também explicado porque os
consideram esta busca tão satisfatória quanto a que empreenderam conflitos presentes nesta área são canalizados contra o próprio
no trabalho, pois não é tão valorizada socialmente. O resultado de; .individuo.
tudo isso é um enorme sentimento de inutilidade e vazio, algumas Outro aspecto comum a todos os gnrpos estudados e que evi-^
vezes acompanhado,da tentativa de retornar à situação anterior,; dencia mais" tim significadcLJJo 'gã'SãÍhoDa nossa sociedade é" ó
conseguindo um novo emprego. uso dá" atividade profissional como xap. ^eip„de_fug&_ à solidão,
- O grupo de executivos não demonstrou qualquer conflito nessa ao tédio, à angústia, enfim. ""ãõs~mais Síversos sentimentos consi-
área, pois a grande maioria já se considera plenamente realizada ou derados típicos do homem moderno. ~ -
bastante próxima disto. O executivo encontra-se perfeitamente encai- Enquanto está-se dedicando aoTrabalho, o individuo encontra-se
xado na concepção vigente de realização como alcance de uma posição protegido de entrar em contato com tais sentimentos. Além disso,
de síaítts, de sucesso financeiro e de prestígio. muitos usam o trabalho excessivo como uma compensação para os
Os profissionais liberais também não demonstraram grande problemas familiares e, até mesmo, para aqueles relativos ao próprio
dificuldade em face da questão da realização, mas os motivos são trabalho e, finalmente, existem outros que usam a sua atividade
outros. Muitos se consideram realizados profissionalmente porque profissional como uma proteção contra "erros", ou seja, contra atos
possuem mais autonomia, maior controle sobre o processo de tra- condenáveis pela sociedade.»
balho, sentem maior prazer no exercício de suas tarefas e consideram Não concordo com a opinião de mratoe entrevistados a respeito
estar usando com mais plenitude o seu potencial. Apesair das grandes do trabalho excessivo atuando como uma psicoterapia, ou seja
dificuldades que também enfrenta, o autónomo em geral mantém ajudando-os, realmente, na resolução de suas dificuldades. Na ver-
uma relação mais positiva com o seu trabalho, dedicando-se inte- dade, os sentimentos incómodos não são eliminados nem tampouco
gralmente a ele muitas vezes em detrimento de outras áreas de sua resolvidos e, sim, mantidos num estado latente, podendo eridenciar-se
\'ida, inclusive o lazer. a qualquer momento em que a pessoa interromper suas ati\'idades.
Portanto, os dados fornecidos pelos diversos grupos indicam É por este motivo que tantos indivíduos revelaram evitar férias ou
que ainda está _ bastante presente na nossa cultura a busca da quaisquer situações pouco estruturadas, usando muitas vezes seus
realização através do trabalho como finahdade última da existência. momentos de folga para tentar resolver problemas de trabalho
Até mesmo aqueles que tentaram alcançá-la durante toda a \nda ou permanecendo em constante atividade.
sem obterem sucesso, como é o caso de muitos aposentados, pre- Até mesmo aqueles que não concordarem zom a minha anáhse,
ferem acreditar que a dificuldade foi pessoal, ou seja, não realizaram serão obrigados a admitir que é no mínimo estranho .p_ia,to_de que
porque não aproveitaram as oportunidades, por incompetência ou •à medida em que o trabalho se empobrece, amamenta o Impulso das
por não se terem esforçado o suficiente. Assim como ocorre entre
os operários, todo o conflito é canalizado para o p.róprio indivíduo
e realizar-se ou não passa a ser o produto de qualidades estri- Segundo T ^ I ^ E R (1957:113), o trabalho « i p a r t l c u l a n n e n U o preventivo
e s p e c í f i c o contr^ todas as U n t a ç C e s que o p u A a n i s m o agrupa sob a denoml-
tamente pessoais. É o triunfo de ideologias como aquela elaborada n a ç ã o de vida desonesta e cujo papel nunca l a i modesto.>

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nessoas: para se dedicarem, N.-io me pareceu plausível atribuir atividade que caracteriza o seu cotidiano. Outros porque não possuem
ào_sense~de-Xumprimengjdõ""3ever e__à_bu_sca_ de realização toda a meios para viver seus momentos de lazer da forma que desejam,
rssiiQiiáaljiUiacle pjra"for^<leõie npulso. E5:e¥"'flitõrêgrãpesãr~de permanecendC' em casa durante a maior parte do E:U tempo li-^Te,
bastante pWsêiitésYmlòdõ os gru{.as nãõ'me pareceram suficientes e sentindc-se por ir.ío mai.s cansados. A maioria dedica horas
para transformar o trabalho em algo tão central na vida das pessoas. excessivas ac trabalho, numa flagrante desproporçf.o em relação
Além disto, constatei entre os aposentados que, mesmo não pesando aos momento; de folga. Q_fato é oue a r^l^ção suor-esforco-trabalha
mais sobre eles qualquer exigência quanto ao cumprimento do dever ainda está miito presente na nossa rnlt-nra, senáo_que vários indi-
e busca de realizagãc através do trabalho formal, dedicam-se muitas vfduos èslab€rê'cem tanibem a associacãa_£níre-A_fadiga decorrente
vezes, compulsivamente, a outras atividades. Tudo isso me levou a do trabalho., e..o_amnento diã dignidade do_ homem^ E5.te_e_u.1n
buscar um outro ff.tor também relevante e que impulsiona o homem ponto de vista estreitamfínt£_.reIacionado coca à"'concepção_da^gTeja
moderno a trabalhar excessivamente. E o que encontrei foi até certo Católica^.a,r.espeito do trabalho HúnTiano. FõTmiirto'ffeqúente~êsíá
ponto surpreendente: ao dedicar-se de foi-ma,: compulsiva ao trabalho, concepção nos' depoimentos dos mais diversos grupos estudados,
o indivíduo evita entrar em contato com; alguns sentimentos consi- indicando que ela não atinge uma determinada classe em especial,
derados incómodos e dolorosos. Ele encontra no trabalho um exce- mas à nossa sociedade como um todo. Segundo esta visão, o trabalho
lente meio de fuga. E é inegável que o modo pelo qual organizamos é realmente exaustivo e por isto mesmo deve ser valorizado.
o nosso sistema produtivo é bastante propício a esta fuga. Alguns Inicialmente, podemos ver na Bíblia o trabalho sendo colocado
pontos comuns a todos os grupos pesquisados ilustram bem este como algo bem instituído pelo Criador cora, a finalidade de que o
aspecto: a fadiga excessiva, associada ao esforço físico ou mental homem continuasse a obra iniciada com sua criação e dominasse
para realizar as tarefas, a pressa constante para cumprir os horários, a terra. Esta concepção é modificada com o pecado original quando,
ã rotina, as normas a ãerem obedecidas etc. . . Somando tudo isso então, o trabalho adquire um caráter penoso como castigo: "Alaldita
ao fato de que na nossa sociedtide praticamente não existe outra seja a terra por tua causa: Com trabalho penoso tirareis dela o
alternativa de sobrevivência que- não seja através da dedicação a alimento todos os dias de tua vida" (Génesis, 3,17).
algum tipo de trabalho, teremos o quadro completo. Ao se adaptar Apesar desta mudança, atualmente a Igreja CJatólica considera
a este sistema, toma-se extremamente fácil fugir de si mesmo. que a fadiga não muda o fato de que o trabalho seja um bem
Aiém disto, não nos podemos esquecer que é no espaço das organi- do homem:
zações ' aê~'tl^bjihõ'"qu'ÇTS:is" asn^
diversas formas dê'organização dÒ3"prócessos de trabalho','das poli-" "E ?i-o entanto, com toda essa fadiga e, talvez num certo
ticas de pessoal e dos meios .de controle cada vez mais sofisticados. sentido por causa dela — o trabalho é um bem do homem.
E nco é só um bem útiJ ou de que se ;ode usufruir,
Foi surpj:£ende.nte-d£acQbrÍ3i..c.u.t..as dificuldades geradas pel_as mas '•• um bem digno, ou seja, corresponde à dignidade do
transform^ações _de.,uma .sociedade, sãamantidas por ela e, até mesmo, hovie n, um, bem aue exprime esta digniàzãe e oue a
canalizadas no sentido de proporcionar o alcance dos seus óbjetivos au77ie;iía." (PAULO n, 1982:24)
e, cón5eque"nt'imente, a sua perpetuação. Foi assustador constatar
que não são pessoas saudáveis e satisfeitas aquelas mais úteis e
produtivas para o nosso sistema, como alguns cientistas sociais A Igreja Católica está convencida de que o trabs-lho constitui
uma dimensão fundametal da existência humana e que mesmo numa
argumentam, e, sim, aquelas mais neuróticas e infelizes. Quanto
época em que se tomou altamente desumanizado "o sujeito próprio
mais alienado for o indinduo,. mais interessante ele se toma para do trabalho continua a ser o homem" (PAULO 11, 1982:13) . Aiém
o nosso sistema produtivo. ,E_Q que.é -plpr:;; tal__^stema^tjkmbém disso, na concepção católica, todo trabalho é valorizado porque, seja
íomou-se útil a este individuo porque possibilita. a.''sua'fuga.;. O cír.- ele qual for, fundanenta-se no homem:
culo \-icioso fica, então, caracterizado: cada um se alimentando
do outro. "A finalidade do trabalho de todo e qualquer trabalho
A percepção do trabalho como uma ati\ndade muito cansativa, realizado pelo homem — ainda qw seja o trabalho maÍ3
que sempre leva ao desgaste físico ou m.ental, foi bastante comum humilde de um serviço e o Tnais monóto^w na escala de
a todos os grupos pesquisados. Muitos entrevistados revelaram um apreciação e até o mais marginalizado —perviarccc sempre
estado de extrema fadiga, a necessidade de recuperação e, ao mesmo o mesmo homem." {PAULO U, 1982:17)
tempo, a dificuldade de se proporcionar xim descanso adequado.
Alguns porque já não conseguem parar mais, como é o caso dos Este é um ponto de vista bastante comiun nos depoimentos dos
ervecutivos que tran.sferem para cs seus momentos ds folga a intensa • diversos grupos por mim estudados: todo tipo de trabalho é impor-

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tante e deve ser "valorizado. Desla fonr.a, ficam encobertas as
diferenças fundamentais nas ;ondiçães vividas pelas diversas cate- analisado neste texto, é aquela que decorre da ansiedade e da fuga
g-orias profissionais. ao tédio e à solidão." ,
O que fica evidente na ^isão da Igreja Católica a respeito do Portanto, a atividade produtiva só é possivtl num contexto em
trabalho humano, é uma ambigiiidade também detectada em muitos _qu£ haj¥ liberdade, segurança económica e ur.ia at:vidade sòclgl
depoimentos: ao mesmo temj.o que possui um caráter punitivo que "em.!quelõ.Jrah^^ possa ser a manifestação_sjgnificativa. das h l ^ -'
se "reflete na fadiga sentida jjelo trabalhador, o trabalho é também li'ddes_do homem. 'E considerando que estamos amáz bem distantes
apresentado como algo bom, que aumenta a dignidade do homem.' de úmã sociedade deste tipo, posso concluir que há realmente um
£ colocado como lun meio de se chegar à espiritualidade através do grande equivoco na concepção de produtividade que prevalece
sofrimento, da perseverança, da obediência, da su^omissão e do res- entre nós.
peito à autoridade. Após tudo que foi discutido poderíamos questionar-nos sobre o
A presença desta mesma ambiguidade-nos-depo.imentos dos mais significado do trabalho predominante em nossa cultura. A resposta
que encontrei ao analisar todos os dados obtidos, é que o trabalho
divefslis grupos"iitudados réfúrça a importância"da Igrêjã"Câí5irca
transformou-se no centro da vida das pessoas.^ Tudo parece girar
na elaboração do'significado.qiie_dainqs ao trabalho. Além disso, em torno dele: a maior parte do seu dia, a pessoa está trabalhando
como nesta visão lodo trabalho é valorizado, não~existindo um mais e quando pára, ela descansa a fim de recuperar suas energias e
que o outro, ou talvez, quanto mais fatigante melhor, os indivíduos retomar suas atividades. Seus momsntos de folga só se justificam
encontram uma forma de suportar as contradições que \nvem no como um descanso, um prémio pela áedicação ao trabalho, para que
seu cotidiano. possa retomar e produzir mais ainda. O valor supremo na nossa
Um aspecto final a ser considerado, refere-se à constante exi- cultura é o trabalho; todas as outras dimensões da existência estão
gência que muitos Lndividuos em nossa cultura se fazem quanto a a ele submetidas, ou simplesmente psrderam a importância. O indi-
ser produtivos durante a maior parte do seu tempo. Eles têm que víduo espera que sua atividade pronssional venha suprir todas as
estar sempre fazendo algo "útil", produzindo alguma coisa para suas necessidades e possibilitar a sua total realização. Tudo con-
evitar o sentimento de culpa. No entanto, cabe discutir o que a yerge para o trabalho, este poderoso mito da sociedade industrial
maioria dos entrevistados entende por produtividade. Tudo indica moderna. • ~
que para eles significa estar a maior parte do tempo ocupados com
alguma tarefa relacionada com o trabalho. O gmpo de aposentados O si^ificado do trabalho para o índio Maxakali
nos oferece tuna excelente comprovação deste fato: a maioria não
valoriza as ati\'idades que realiza depois da aposentadoria, sentindo-se
inútil e improdutiva. Independentemente do que faz no seu trabalho, O principal objetivo deste contato foi conhe.-.er o -jignificado do
o indiriduo considera-se proc.utivo ao se dedicar inteiramente a ele. trabalho numa cultura bastante diferente da nossa, l e i i t e i compre-
Tal ideia poderia ser traduzida da seguir.te forma: "produzir é ter ender como o povo Maxakali rive o trabalho, como reproduz sua
a maior parte do tempo ocuptda com alguma atividade remunerada". existência e o que significam para ele as formar, de ])rodução ado-
Sim, pois como os aposentados revelam, as atividades não remu- tadas. Não era minha intenção fazer um estudo comparativo entre
neradas não possuem o mesmo sentido de produtividade.^*' as duas culturas e, sim, buscar maiores subsídios para facilitar e
enriquecer a compreensão da nossa sociedade, que permaneceu como
Se concordarmos com a definição de produtividade como ação o meu objeto de estudo. Acredita\'a que o contraste entre as
autónoma do individuo, a fim de fazer pleno uso de suas forças e duas sociedades radicalmente opostas só poderia enriquecer minha
concretizar suas potencialidades, seremos obrigados a admitir que análise."
a maioria das pessoas é na realidade improdutiva, embora esteja
em constante atiridade. O individuo pode ser ativo anesar de não
ser o verdadeiro aior, já que não exerce controle sobre os deter- ' F R O M M (1974:79) cita outro exemplo: â atividade baseada n a s u b m i s s ã o k
autoridade que determina seu modo de r e a l i z a ç ã o e c o n t e ú d o , assim, como
seus resultados. A atiridade que se baseia em algo mais elevado como D e u s
ou dever.
F R O M M (1S"1:79) constata confusões, atual.mente. em tomo do terano produ-
ti^ndãde que, segando ele, muitas vezes é c o r J u n d í d o com atividade e produtivo N a s palavras de Vl^EBER (1967:113), «o mais Importante é que o trabalho
consUtul, anies de mais nada, a própria finalidade da vida>.
com ativo. A c h a que embora os dois lermos possam ser usados como
sinónl.mos «na a c e p ç i o moderna aUvidade indica a m i ú d e exatamente o oposio Foi um contato multo rico, apesar de reduzido, pois pude c o n v e r s a r com os
de produUvidade. > próprios Índios sobre o seu trabalho e t a m b é m o b s e n - á - l o s alg-unnas vezes

78 79
preferência pela caça e pelo artesanato, pois a agricultura é uma
o índio Maxakaii \nve o trabalho de uma forma bsstante irre- atividade imposta ao grupo após a destruição de sua reserva natural
gular, não se prendendo a uma a';JvJdade apenas, '.-len tampouco de ':aça Como não se prendem por muito tempo a qualquer atividade -
repetindo as m*esmas tarefas em dias ccnijcj^.ivos, Todos sabem produtiva, dedicando-se a cada uma delas apenas durante o período
fazer um pouco de tudo: plantam, fazem artesanato e, às vezes em que ainda não se cansaram, não verifiquei qualquer fadiga
caçam e pescam. A terra é propriedade comum, senco jtilizada por excessiva, apesar do esforço estar sempre presente em seu trabalho.
grupos familiares que a cukivam e mudam freqiJenl.emente o local Na verdade, os Maxakalis trabalham sem nenhuma pressa ou preo-
de plantio, depender.do de onde estão habitando no momento. cupação. Como são donos do seu próprio ritmo na execução das
Plantam, em geral, feijão, batata, milho, etc... O aiTOz é muito tarefas, nunca se impõem quaisquer atividades de modo intensivo
pouco cultivado; apesar de possuírem um bom tipo de terra para e desgastante.
o seu plantio, os índios acham muito trabalhoso lidar com este tipo
de cultura. Eles rejeitam qualquer plantio que dê muito trabalho, O índio Maxakali recusa-se a viver de forma regular, disci-
preferindo cultivar o feijão que não apreciam muito, vendê-lo e plinada, obedecendo a esquemas pré-estabelecidos, inclusive de horá-
comprar o arroz. .Além disso, não trabalham nas roças durante rio. Uma situação que retratou fielmente esta característica do
o período do dia em que o sol está muito quente. Eles vão às roças grupo foi a experiência das roças coletivas proposta pela F U N A I .
somente no começo da manhã e à tardinha. Segundo uma funcio- Obtive poucos dados a este respeito, porque parece ter sido uma
nária do Posto Indígena, eles se "dedicam ao trabalho mais de experiência bastante criticada na época, o que gerou o receio de se
manhã quando o sol tá menos quente. O restante do tempo dedicam fazer comentários. O que ficou claro é que a roça coletiva funcio-
ao artesanto. Gostam muito de ficar sem fazer nada, olhando um nava dentro de um horário estabelecido pelo agrónomo e cada índio
prá cara do outro e coiiversando." teria que dedicar a ela algumas horas do seu dia. Eles recebiam
Este foi um íspacio que ficou bastante eridente durante o meu como forma de pagamento uma moeda instituída pela TUTsAI a
contato com esse grupo, além de ter sido bem enfatizado nas entre- que chamavam de"'T)inheiro Azul". Com esta moeda poderiam
vistas dos funcionários e nos trabalhos realizados por outros pesqui- comprar mantimentos numa cantina especialmente criada para isto.
Ei.dores: o povo Maxakali passa a maior parte do seu dia conversando, Picou evidente também que os Maxakalis não se adaptar?.m a esta
rindo, passeando, nadando, ou simplesmente dormindo.^-» experiência e a FUT\AI resolveu interrompê-la após algum tempo.^
Não percebi em momento algum o Maxakali atribuindo qualquer O grupo voltou a ser dono do seu próprio trabalho, do ritmo que
valor ao trabalho em si mesmo. Tudo indica que ele percebe o impõe a ele, decidindo sozinho o que irá fazer a cada dia.
trabalho apenas como fonte de sobrerivência: alimenta-se com Não percebi, como é frequente entre nós, qualquer sinal de
o resuludo do plantio ou da caça e adquire o quí necessita com o culpa por não trabalhar e passar a maior parte do tempo em outras
dinheiro arrecadado com a venda dos seus produtos. Portanto, atividades não diretamente ligadas à sobrevivência ou, simplesmente,
••o tabalho representa para ele um meio para atingir os fins dese- sem fazer nada. Isto demonstra que para os Maxakalis, o trabalho
jados: obtenção de alimento e de outros bens necessários à sua não está associado a uma questão de consciência ou cumprimento
sobrerivência. Isto, no entanto, não implica a ausência de satisfação de um dever, como ocorre entre nós, mas Simplesmente a obtenção de
enquanto trabalham. Ficou bastante claro que al.-7u..nas ati\ddades meios para sua sobrevivência, Úm outro aspecto bem evidente em
são muito prazerosas para o Maxakali. Ele' manifesta uma nítida nossa sociedade e não detectado neste grupo é a exigência da
constante produtiridade e dedicação ao trabalho. Ê evidente que
trabalhajido. Aiém disso, Uve a oportunidade de e n t r e \ ' i s í a r alguns funcio- existem normas adotadas peio grupo no sentido de facilitar o seu
nários do Posto Indirena e conversar com outros pesqmsadores que j á funcionamento e melhor aproveitamento dos seus esforços, mas sem
estudaram csLe mes.-no grupo. Conheci t a m b é m o t r a b i l h o de Neil F e r r e i r a qualquer imposição externa.
do Nascimento, onde 8 autora aborda, entre outras coisas, o modo peio qual o
povo Maxakali vive o seu trabalho ( N A S C I M E N T O , 19S4).

' u m a c o l o c a ç ã o feita por N A S C B L E N T O (19S4:61), ilustra bem os aspectos
A p e s a r de n â o t e r sido possível obsen-ar diretamente a r e a ç â o do M a x a k a l i
abordados a t é a j o r a : <0 seu esquema de trabalho é irregular. . . O M a x a k a U ao trabalho nas r o ç a s coletivas, encontrei um pequeno c o m e n t á r i o de Neil
pode caçar pequenos animais selvagens, fazer arco e flecha, plantar u m a F e r r e i r a a respeito. E l a diz que na roça coletiva os Índios t r a b a l h a v a m
rocinha 10 X ^ participar do ritual, mas sem pressa, sem h o r á r i o pré- 20 min. e descansavam outros 20, sentando-se no cabo da e.i.-cada. Quando
fbcado, sem p r e o c u p a ç ã o . O trabalho nestas circunslAncias, toma-se descon- o sol estava muito quente, eles abandonavam a enxada e m e r g u l h a v a m no
tinuo, irregular, ir.stável. diversificado, quase n ã o se diferenciando do c ó r r e g o . Quanto ao h o r á r i o de entrada para o trabalho, nunca era obedecido,
divertimento. Pode-se afirmar que o Max2J-:alí trabalha brincando e brinca pois esperavam a t é o ú l t i m o companheiro chegar para c o m e ç a r e m . No entanto,
trabalhando. O Ma.\akall. . . p i s s a a rr.iiior p a n e do tempo conversando, e r a m bastante pontuais na salda. (KASCriMENTO, 1984).
comendo ou dormindo».
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Ao contrário do que ocorre entre nós, o tempo livre parece ser
o aspecto que possibilita a este povo river o seu trabalho dessa prioritário para o Maxakali, apesar de ser difícil estabelecer uma
rr-;an';íra è, fundamentalmente, o fato de se contentar cori uma vida .separ;.'ção nítida entre estas duas dimensões. Eles intercalam sempre
simples, sem muitas posses, nem grandes exigências materiais, aigama folga na sua atividade produtiva e, às vezes, é quase impos-
trabalhando apenas para obter aquilo de que necessita nd momento. sível distinguir se estão trabalhando ou brincando. Um bom exemplo
Segundo tuna funcionária do Posto Indígena, "eles nãc trabalham disso é quando estão fazendo o seu artesanato.
muito porque não pensam no que vão comer amanhã",
O que se pode concluir, ao observar z relação do Maxakali
Por tudo isso, a produção agrícola do Maxakali não apresenta com a sua atividade produtiva, é que, ao coctrário de nós, não é o
nenhum excedente. Trata-se de uma agricultura de subsistência, trabalho que representa tun valor. O que ele procura preser\'ar
sendo em algun.? momentos insuficiente até mesmo para isso. a todo custo é uma jornada curta de trabalho.
Na verdade, o povo Maxakali rejeita a agricultura por implicar uma Essa total ausência de valor e de exaltação ao trabalho neste
vida sedentária, além de exigir maior disciplina do trabalhador grupo merece uma reflexão maior. Será por mero acaso que numa
através de atividades mais constantes e regulares. É nítida a sua sociedade onde o trabalho não é uma mercadoria e que, portanto,
preferência pela caça, pois roesmo admitindo algumas vezes gostar não é utilizado como meio de obtenção de bcro, não existe a sua
da agricultura, quando se perguntava sobre a caça, a resposta era valorização e centralização na vida das pessoas? É evidente que não
claramente positiva e entusiástica.^6 é casual esta diferença encontrada entre as duas culturas. Como
A dirisão do trabalho não existe, ocorrendo apenas uma leve também não é casual o fato de ter deparado em culturas avançadas
diferença entre o trabalho do homem e da mulher. Anteriormente, tanta ansiedade, tédio e solidão, que as psssoas tentam evitar
através da atividade excessiva, enquanto na sociedade Maxakali os
os homens caçavam e as mulheres coletavam, sendo preservada esta
indivíduos permanecerem por tanto tempo sem trabalhar, sem que
tradição quando vão caçar e_ coietar dentro ou fora da reserva. se rislumbre qualquer um destes sentimentos. Conforme abordei no
Em relação à agricultura, há pouca dirisão, sendo que tanto os inicio deste trabalho, as mudanças radicais safridas por nosso sis-
homens quanto as mulheres plantam e colhem. Ambos se dedicam tema produtivo, acompanhadas de grande evolução tecnológica e de
ao artesanato e as crianças, a partir de 12 anos, ajudam nas roças, revoluções no nosso sistema politico-econômico, afetaram o homem
principalmente na colheita. moderno e a sua relação com o trabalho. Acredito que tais mudanças
Outra característica dessa sociedade, que também demonstra a atuaram também no sentido de tomar os indivíduos solitários,
sua grande autonomia, é o fato de não possuir chefes. Não e:dste ansiosos e angustiados. Numa sociedade primitiva, como a dos
sequer a pala\Ta chefe ou qualquer termo equivalente no seu vocabu- i'laxakalis, onde nenhuma dessas mudanças ainda ocorreu, conheci
pessoas bem mais saudáveis, cujo equihbrio emocional está baseado
lário.^" Através do contato com o grupo fica evidente que ninguém
num alto grau de liberdade, acompanhado de pouca preocupação
possui o direito de ditar ordens para os outros. Apeiar das cons- com o futuro, ausência de ansiedade e culpa. Outras evidências deste
tantes tentativas dos funcionários da FUNAI em nomear alguns equilíbrio são a inexistência de doenças psicossomáticas tão comims
índios (especialmente os mais velhos) como chefes dos grupos em nosso meio e, até dentro do que me foi possível verificar, a
familiares, todos negam a existência de qualquer pessoa exercendo ausência total de suicídios.^
este papel entre eles.

S A K L I N S tairibém co.istatou essa r e j e i ç ã o da maioria das tribos de c a ç a d o r e s Conclusão ^,


em relaçâ.0 á agricuJlura, segundo ele. como forma de p r o t e ç ã o do seu tempo
li\-re. E l e constata que multas dessas tribos, embora rodeadas de agricul- Uma questão que permanece, após conhecer a sociedade Maxa-
tores se recusavam a intervir na agricultura cpnncipalmente em solos que
kali, é se a perda quase total da liberdade e do prazer é o preço
dessem mais t r a b i i h o » . Idem. p. 32, E . de faio, muitos estudiosos do assunto,
consideram que os caçadores gastam menos tempo para conseguir alimento
que teremos de pagar por todo o avanço alcançado pela nossa
do que os agricultores. O próprio S A K U N S acha que, com o advento da civilização, ou se nã"õ~êsTãiTi6's Sabendo usufnilr geie senTnos prn;;ar
agricultura, as pessoas passaram a trabalhar mais: t A quantidade de tra- destas dimensões tão fundamentais. Acredito na segiIifaáThipótese.
balho aumenta com a e v o l u ç ã o da cultura e decresce a quantidade de
d e s c a n s o . » A Primeira Sociedade de A l u è n c l a , S . ^ H I J X S apud'CAP.V.-\1.H0, 15
1978, p. 40. Apesar dessas c o n s t a t a ç õ e s , percebi que o grupo já apresenta a l g u m a s
17 . N ' . \ S C I M E X T O (1P?4) t a m b é m abordou este aspecto no seu trabalho citando desordens emocionais, facilraenie a t r i b u í v e i s ao c o n l í t o com os c;brancos:' e
um estudo da língua >!a.\aJ%aU que apesar de ter recolhido 7 mil v o c á b u l o s aos e s f o r ç o s que estes t é m feito para integrá-los à l o s s a c u l t u r a .
n à o conseguiu detectar a palavra referenie a chefe.
S3
S2
sup_e£Sflns.umo- Criamos uma sociedade._g.uje_áepende cada vez mais •
pDis observo que ape'sar de já possuirmos todos os meios necessários da^ constante procução e do consumo do supérfluo, mas que apa-""
j u r a criar uma existência confortável, segura e livre, vivemos tensos, rent.3 rranie eficiênciTi
inseguros e preocupados com a nossa sobrevivência. "Contudo, o próprio vigor e eficiência dessa ordem podem
Talvez um dos pontos centrais para explicar este fenómeno, se tornar fatores de desintegração. A perpetuação da
esteja no modo como tratamos a questão da necessidade em con- cada vez mais obsoleta necessidade de trabalho em tempo
fronto com as sociedades ditas primitivas. O que percebi no contato ijitegral (...) exigirá o crescente desperdício de recursos,
com os Maxakalis é que as pessoas contentam-se com muito menos a criação de empregos e serviços cada vez mais desneces-
bens materiais do que nós e, por isto, não necessitam dedicar-se sários e o crescimento do setor militar e destrutivo."
excessivamente ao trabalho. Trata-se de uma comunidade que nâo (^LAJRCUSE, 1981:21)
se baseia na premissa de trabalhar mais, para ter cada vez mais e
garantir o dia de amanhã. Ao contrário, a premissa básica de sua Marcuse aponta nesta observação um aspecto de fimdamental
existência é trabalhar pouco para poder viver mais experiências, importância na questão que estou tratando: a necessidade de tra-
diversificar suas atiridades e conriver mais intensamente com os balho em tempo integral. Concordo com ele, quando qualifica esta
companheiros. Tudo isso, sem qualquer preocupação com o futuro, necessidade como obsoleta, pois acredito que ela se baseia na propo-
pois o Maxakali centraliza sua vida no presente.^ sição da escassez imposta aos indivíduos, levando-se a se dedicar
intensamente ao trabalho e abrindo mão do prazer e da liberdade.
A nossasoçiedade,. assim como todas.as.5Qciedades.capitalistas- Acredito, também como Marcuse, que este argumento de escassez
mpdernãs, apesar de possuir grande de recursos, _organiza a sua já não tem o menor respaldo diante de todo o conhecimento e
economia numa premissa de escassez: controle da natureza alcançados pelo homem. Ajnbrp^a g^^e consta-
tamos JiDs..dias atuais, não se deve à escassez de recursos materiais,
"O sistema ã-c mercado industrial instituiu escassez de modo mas decorre, sobretudo, _da_..maneira conio_s.aft_distrJb-Uí3crs e uti-
jamais visto em qualquer outra parte. Onde a produção e lizados. Creio, portanto, que as necessidades que o homem moderno
distribuição são organizadas através do comportamento de j busca satisfazer através da dedicação excessiva ao trabalho, podem
preços, e todos os meios de vida dependem de ganhar Iser artificialmente criadas, porque servem aos interesses e às insti-
• e gastar, a xnsujieiéncia dos meios materiais toma-se o •tuições vigentes.
ponto de partida explicito e calculável de toda atividctde Toma-se necessário criticar a lógica de uma economia baseada
económica." ^ na constante ameaça de escassez, impelindo os indíriduos a uma
produtividade intensa, cujos resultados não são medidos de acordo
Ora, parece-me que aí está a questão fundamental: a nossa com o grau de satisfação que proporciona aos seres humanos e, sim,
economia é, em grande parte, baseada na criação de necessidades, o em termos dos lucros que gera.=i
que exige constante esforço e o uso do trabalho e dos recurõos
disponíveis até o seu limite máximo para obter a sua satisfação. O que se considera entre nós um bom resultado do ponto de
Passamos praticamente toda a nossa existência tentando satisfazer vista económico pode ser algo essencialmente contrário ao bem-estar
n e c e s s i d ã d ê r ^ g l t a . r vezes.anifídalm_ente""j^riãdas a fim de nianter do homem. E o que é pior: todo o impulso para produzir crescen-
o equilíbrio de um sistema que se baseia ná'supeirpròdução" e no temente não pode ser evitado por nenhimia empresa capitalista,
porque existe a necessidade de expandir seu capital e os retarda-
tários acabarão sendo punidos devido à concorrência. Isto leva à
S A H L I N S diz que h á d u a í formai de a f l u ê n c i a : A s necessidades podem ser necessidade de manter e alimentar altos niveis de produção, apenas
facilmente satisfeitas se.]a produzindo multo, seja desejando pouco. Sobre porque os lucros devem aumentar e novos produtos serem lançados
esta ú l t i m a possibilidade ele se refere à c o n c e p ç ã o 2 E X de riqueza, dizendo
no mercado, a despeito de sua real utilidade para o homem.
que nela « a s necessidades humanas materiais s â o finitas e poucas, e os
meios t é c n i c o s i n v a r i á v e i s , mas no conjunto adequados>. Portanto, sob este
ponto de \^sta, podemos usufruir de a b u n d â n c i a material sem paralelo, com
baL\ p a d r á o de %-ida. E o que, segundo S.AJÍLIXS. se apUca à sociedade Segundo BPwA.\"ERMAN (1981:178), c a produtividade crescente do trabalho
n i o é buscada nem utilizada pelo capitalismo do ponto de v i s t a da satis-
de c a ç a d o r e s analisada no seu artigo: tli\-rcs da o b s e s s ã o de escassez do
f a ç ã o das necessidades humanas. Peio c o n t r á r i o , aclonada pelas necessidades
.mercado, as p r o p e n s õ e s da economia dos c a ç a d o r e s talvez se fundem mais do processo de a c u m u l a ç ã o do capital, toma-se um impulso f r e n é t i c o que se
consistentemente na abundância do que as de nossa e c o n o m i a » . S A H L I N S assemelha a uma insanidade mental g e n e r a l i z a d a » .
apud C A P . V A L H O , 297S. ?• 6.
^ " s . U Í U N S apud C A P . V A L H O , 197S. p. 10.


•nnura com a cc-!uniãade_ MaMakali i\'aturaimenl°. tudo isso im.pii£2^u_ma mudança toial na jógica -
Ao confror.iar a r.ossa cjllura com a !^I,Í:Í:A.Í,^„^^^ q-e_ tírri. prevaiecidcwia organização do nosso sia'i.e.T.a económico.
uma quesião E'jrge insvitaveiraente: iodo o avanço tccncic.viro .-tue Além disto, as propostas que apresento neste texto não :;io acabadas
conquisLamos, representa realmente uin beneíicio para a humanidade •' e gostaria que fossem percebidas como sugestões para serem refle-
ou deixamos para irás áirrí-ir.sõss tão rundameniais que nos levariam ' tidas, podendo orientar-nos no encontro de soluções mais duradouras
a desejar ura reconi-',.;o? No entanto, uma discussão que se baseia no futuro. Gompartilho da opinião de Gorz quando diz que "na
r.um pòssívc! retrocesso poderá ser inútil, já que se trata a meu ver, fase atual é preciso ousar, colocar questões para as quais não se
de uma posição iniénua, ou até mesmo, indesejável. Acredito que tem respostas e levantar problemas cuja solução ainda está para
imoorta realmente neste morrrenío, discutir as possíveis formas de ser encontrada" (GOP^, 19S2:22).
reorganização do nosso sistema produtivo, de rcodo a resgatar as Devemos pensar as possíveis formas de ^i^biIizar a sociedade
dinner.sões de nossa existência que tanto temos negligenciado. de tempo liberado, sem esquecer que já existe um avanço nesta
Cí Maxakalis nos sostram um possível caminho, quando se apre- direção, pois uma das reirindicações centrais áos trabalhadores do
senta como um grupo que nâo fragmenta seu cotidiano, vivendo suas mundo inteiro tem sido a diminuição da jomadi de trabalho. Como
atividades dentro de uir.a totalidade, onde nenhuma se apresenta disse logo acima, em alguns países industrialmente avançados, já é
no superior às outras. A primeira lição que nos oferecera é de possível verificar uma jornada bem inferior à sossa, sem prejuízo
' ' *' r,r,cs:a nuaiidade de vida
para a produção. Além disso, se a preocupação for produzir para
satisfazer as necessidades reais do homem, qualquer sociedade,
se nos u-i^,,.. m.esmo aquela em estágio inferior de Qeseni'QMmento industrial,
poderemos redescobrir e valonzar outiaa ^ poderá organizar seu sistema produtivo de fcrma a permitir ao
essenciais, Aléno disio, este povo nos ensina que nsnhuma de Lais trabalhador maior equilíbrio entre o tempo livre e aquele dedicado
dimensões deve ter ur:a posição de destaque, subcrdinanco as outras ao trabalho.
e, sim, que é precise buscar um eçuilibrio entre todas elas. Não é meu objetivo discutir aqui todos os aspectos que envolvem
Acredito que somente nestas circunstâncias será possível des- a questão da automação, j á que se t r a t a de uma problemática
cobrir no trabalho o prazer e a realização que ele pode verdadei- especialmente complexa e que exigiria um aprofundamento maior.
ramente proporcionar. Para que isto ocorra, toma-se fundamenta.) No entanto, é impossível deixar de abordar este problema, p e l o
repensar toda a estrutura na qual se baseia nosso sistema produtivo. menos num aspecto que afeta mais diretamente ã questi.o que estou
Co*.'no disse anteriormente, no .niodo de prpQjjçio_çaD^ tudo tratando. Tudo indica que a automação levará a humanidade à
é organi.~ado de forma a cciocar d trabalho no ce.-.tro._ao'sisflfrnã" necessidade de tomar uma decisão inevitável, j á que o desemprego
scTcláT.'Portanto, muitas mudanças d;ve.T. ocorrer para aue ele rezorne tende a aumentar e será praticamente impossível restabelecer o
a sua real posição na nossa exisiéncia. Xeste caso" .passaremos pleno emprego através das medidas tradicionais..— Port£jto, a libe-
novamente^a perceber,o_trabalho socialmente necessário como urríã íâM.0^0 "temno do trabalhador-não é apenas uma altèrBativa xalida.
fonte de sobrevivência, eF/DÓrár^istOi-nio irripeça qiie'"ele' possa" l e r mas também uma imposição do avanço tecnológico, pois, diminuindo
vivido de iirrraTnianéira "nfáis livre e prazerosa dentro dos limites b" tempo de digicacão individuai a atividade proáutTva, SivêrzJXJS.-
imcostoE por uma sociedade industriai avanç2da."'Alêm'disto, teremos bâiho pãrra—tgdQs.. Desta fõfma, o trabalho sodãlminte necessário
oportunidade, jde_buíçar_nas_.p_^ reali:acão sêHã~c[Tstnbuido entre todos aqueles que desejassem trabalhar,
pessoal. "
eiuniaando a sua centralização na rida dos indíviduos e perm.itindo
a escolha de outras atividades de acordo com interesses pessoais.
Um segundo aspecto que deve ser modificado, para c.^-iar condi- Acredito que somente desta fo—na, o homem poderá desenvolver
ções de concretizar o primeiro, é a duração da jornada de trabalho, melhor suas potencialidades e restabelecer o comato consigo mesmo
pois iicredito que so.meníe CO.TÍ a sua acentuada dim.inuição é que e com D outro.
o homem poderá res-^abelecer o contato com a.s outras áreas de sua
vida que tem ignorado. Este é um procss-o já iniciado na Eurona,
onde vários proionH:av.^-
•das férias países já adctaram a jornada semanal de 35 horas, aiém substituivel. possibililaTido um rodízio através do çua! caòa um p o d e r á
dedicar-se aper,as uma média de 2 horas por dia i s tarefas m d u s t r í a i s ,
podendo fazer do resto do seu dia o que bem desejar. (GORZ, 3PS").
. — . ^ H.iihsr.ie dentre e'5E. P^^'
Segundo (GORZ, 39S2:lJ-2!, <a a í t e m a t i v a está entre ELE duas formas de
gerir a abolição do trabalho; a que leva a uma s o c e d a õ e de cesempreg"0,
. possibilidade ^ j e ^ ^ ^ ^ r ^ , . - U b i n n ç ã o == t JK^te e £ que leva a uma sociedade de tempo liberadoj.

87

S6
Não cos podemos esquecer também que o momento atua! é
iica! para viab:'Í7,ar a libcr.-ção do tempo do trabalhador, pois Referências bibliográficas
a civilização encontra-se numa fai;e em que o pleno uso cios seus
recursos poderá ser ccncretizado cem o mininao esforço.^ 3.^C0Ll^vI,
Ed. da ULii.f,. o Trabalho
N E , 1981. KI àcr.iocrucia: filosofia do trabaLho. Bra^íilla.
No entanto, é necessário pensar em a"gumas possíveis difi-
culdades na implementação destas propostr.s, que não têm sido E S R G E ? . . Peter. A!,?umas obser.-açôes gerais sobre o problema do trab;.'ho.
consideradas pelos diversos autores que as defendem. Considero a P.rctslc de Admir.istração ce Empresas. RJo de Janeiro, 23{2): 13-22,
jan/mar, 19 53.
principal delas, a dependência que muitas pessoas já estabeleceram
em relar.^.o ao trabalho, pois canalizam, para ele suas frustrações e ER.i,VEPJil.A.K. H a r r j - . Trabalho e Capital monopolista. Rio de Jaiieiro. Z a h a r
Editores, 1931.
GÍficu!ãÀ_ies emocionais. Quero Sizer que o trabalho conforme se
tnconí^-a estruturado também é útil ao trabalhador, pois facilita
C A R V A L H O , E c j a r A s s i s . Antropologia económica. S â o Paulo, Li^-raria E d i t o r a
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ao invés de se cor.st;t-uir em um prémio, passou a representar uma FR.OMM, E r i c h . Medo à Uberdade. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1S77.
punição. Portanto, a minha sugestão é de que tal "mudança seja
entendida como um processo, pois sendo o trabalho um valor supremo GORZ, André. Adeus ao proletaricão: para além do socialismo. Rio de Janeiro,
Forense Universitário, 1982.
na nossa cultura a aceitação de uma menor dedicação a ele implicará
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1977. Piicolopia para administradores de cmm-esas. Sâo Paulo,
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acarreta uma outra dificuldade para a concretização da sociedade
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Ora.^jo_estam^es^^ pela,
N.ASCEiIENTO, Neli F e r r e i r a do. A luía peJo sobreutuéncia de uma sociedade
base__económjca, i£toé^slo_modo_d£_organiz3^ tribal do nordeste mineiro. São Pauio. Universidade de S ã o Paulo, 196-1.
prO'áutivo. ~Em outras palav-ras, o modo de produção capitãhsta (Dissertação, Mestrado).
sustenta-se.em grande parte, através da dc-terminaçio de uma ins-
P A U L O n, João, P a p a . Sobre o trabalho humano: Carta Encíclica Laborem
tância ideológica, mantenedora de valores ccmo aoueles que atuam na Exercens. Dccumentos Pontifícios. Petrópolis, Vozes, 1982.
.reprodução do significado do trabalho e, portanto, na perpetuação
de uma sociedade de trabalhadores.^ Finalmente, checamos' à W E B E P ^ Max. Ã ética protestante e o espirito do capitalismo. S ã o Psuio,
Ljvraria Pion.-ira Editora, 1967.
maior de todas as lições "oferecidas pelo povo Maxakali: uma socie-
dade que se baseia numa ordem económica justa e igualitária, onde
não existe uma classe explorando e subordinando a ou'tra. não precisa
cultivar falsos mitos para garantir sua continuidade e eGuíIibrio.

M A R C X ' S E (19S11 diz que s6 a ordem da abundÊ.ncÍE é compatível com a


liberdade e que .^o grau de maturidade aicançado pela civIliEãç&o atual. jé
é possível saUsfaiier as necessidades básicas do homem, com um dispêndio
minimc de energia física e mental, ocupando um espaço m í n i m o de tempo.
E s í o u - m e referindo à concepção mands-.^, segundo a qual toda sociedade é
constituída por instancias ar:icu:ad£= de acordo com determinações espe-
cificas: a Lníraestrutura ou base económica (unidade de forças produtivas e
relações de produçãoi e E superestrutura que compreende doL' niveis ou
ListÍLncias: a jurídico-poiiUca (o direito c o Estado;Í e a ideológica (ideologias
rsligiosa, morai, poíiUc..'! etc) Através dss"^ representação, é possive- IrJerír
que a superestrutura é determinada peio çuè ocorre na base económica,.

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