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Belo Horizonte
2012
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Belo Horizonte
2012
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Sumário
Introdução..........................................................................................................................4
Capítulo 1: A concepção de trabalho entre os gregos antigos...........................................5
1.1 Trabalho na Grécia Antiga: aspectos gerais e a questão da valorização.................6
1.2 A delimitação das tarefas consideradas trabalho....................................................9
1.3 A concepção de Divisão do Trabalho na Grécia Antiga.......................................15
1.4 A inexistência do trabalho enquanto categoria genérica.......................................17
Capítulo 2: O conceito de trabalho em Marx..................................................................19
2.1 O trabalho alienado e suas determinações............................................................20
2.2 O Processo de trabalho..........................................................................................25
Conclusão........................................................................................................................33
Referências Bibliográficas...............................................................................................34
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Introdução
O trabalho é tema recorrente em discussões, discursos políticos, teorias.
Categoria que ocupa papel de destaque na vida do homem, o trabalho atualmente é
apreendido enquanto forma de conduta unificada, enquanto expressão de uma
multiplicidade de profissões e atividades e distintas. O trabalho individual é apreendido
como trabalho em geral – cada indivíduo reconhece o trabalho que desempenha como
manifestação individual de uma categoria genérica que expressa inúmeras ocupações.
(VERNANT, 1973; AUSTIN & VIDAL-NAQUET, 1986).
Em português “trabalho”, em italiano lavoro, em inglês labour. As palavras
lavoro e labour, usadas hoje enquanto expressão do trabalho em geral, derivam do latim
labor e correspondem a atividade penosa, dor, sofrimento, esforço, fadiga, remetendo ao
significado da palavra grega ponos (GODELIER, 1986, p. 11).
Entretanto, dentre os vocábulos gregos antigos não há algum que expresse
exatamente “trabalho” no sentido moderno ao qual nos referimos. Existe um termo que
abrange aquilo que comanda esforço penoso – ponos, expressões que indicam ação,
outras que remetem à fabricação, existem ainda palavras que designam o lavrar da terra;
não há, contudo, um vocábulo ao mesmo tempo específico e geral que agrupe todas
essas funções (VERNANT, 1973, P. 219). A questão lexical é um bom indicativo de
que a concepção de trabalho na Grécia Antiga se distancia da perspectiva moderna.
Diante das questões apresentadas acima, o presente estudo procura delinear a
concepção dos gregos antigos acerca do trabalho. Não obstante, pretende apresentar a
concepção de Marx do trabalho, buscando elementos e aspectos que evidenciam em que
medida a apreensão do trabalho e do processo de trabalho (fabricação) mudou entre os
períodos. Estudar Marx é fundamental para apresentar um conceito de trabalho
moderno, que permite entender em que medida o trabalho passa a ser percebido
enquanto trabalho em geral.
Com o intuito de abranger os pontos considerados acima, esta monografia está
dividida em dois capítulos, a parte esta introdução e a conclusão.
O primeiro capítulo busca apresentar os aspectos gerais do trabalho na Grécia
Antiga, questionando a forma como o homem apreende o trabalho e, consequentemente,
o papel ocupado por esta categoria dentro da sociedade. Para tanto, é feita uma breve
discussão da valorização do trabalho entre os gregos. Contudo, estudar o desprezo ou
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1 Entender em que medida existe, entre os gregos antigos, a apreensão do trabalho enquanto atividade em
geral, que agrupa múltiplos ofícios.
2 Austin & Vidal-Naquet (1986) ressaltam que as atividades econômicas na Grécia Antiga não possuem a
mesma conotação moderna, estando influenciadas consideravelmente por fatores não econômicos.
3 A atividade de comercializar em si não pressupõe algo positivo ou negativo a priori. O comércio
constitui um atentado à moral apenas na medida em que se torna um fim em si. (AUSTIN & VIDAL-
NAQUET, 1985, pp. 26-27)
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Na Grécia Antiga o trabalho não possui um caráter positivo intrínseco, são raros
depoimentos que consistam em uma autêntica valorização do trabalho e vestígios de
uma verdadeira ideologia do trabalho não são observados na literatura grega. O trabalho
não carrega em si um estigma de bom ou ruim, sendo a valorização desta atividade
relacionada às condições nas quais se trabalha. Na concepção grega, trabalhar para outra
pessoa implica na subordinação ao empregador. Na medida em que a condição para um
homem ser livre é que não viva na sujeição a outrem, o trabalho que implica submissão
assume um caráter negativo (AUSTIN & VIDAL-NAQUET, 1985, pp. 28-29).
A definição de riqueza e pobreza no mundo grego, segundo Austin & Vidal-
Naquet (1985), corrobora para o argumento da inexistência de uma ideologia do
trabalho. O critério para diferenciar as duas categorias não é o acumulo de certa fortuna,
mas a necessidade do trabalho – as pessoas são ricas na medida em que tem posses
suficientes para viver sem trabalhar. Ademais, a riqueza é comumente considerada
requisito para o desenvolvimento das virtudes no homem. A partir dessas considerações,
os autores inferem que o ideal difundido entre os gregos é o da ociosidade.
Entretanto, Austin & Vidal-Naquet (1985), atentam que o ideal da ociosidade
não deve ser empregado sem considerar diferenças entre as épocas dentro do período
correspondente à Grécia Antiga. Tão menos deve ser negligenciada a distinção da
valorização do trabalho entre diferentes localidades no correspondente território.
O preconceito com o trabalho manual, fortemente notado na época clássica, não
constitui uma regra na literatura de períodos precedentes. Faz sentido pensar em uma
aparente evolução da valorização do trabalho ao longo da história grega quando são
consideradas as condições nas quais o trabalho se realiza, atentando para o critério de
autarcia e liberdade pessoal.
O trabalho possui conotação díspar também entre Atenas e Esparta, estados de
estrutura e mentalidade bastante distintos. Em Esparta existe uma recusa total da
atividade econômica sob qualquer forma, incluindo o trabalho. Atenas, em
contrapartida, constitui um estado de espírito diverso, no qual existe certa aceitação do
técnico (AUSTIN & VIDAL-NAQUET, 1986, p. 30).
O cuidado de não aplicar ideias genéricas a todas as épocas e localidades no
amplo período histórico correspondente à Grécia Antiga, contudo, não pode ser
transformado no extremo oposto de negar a influência real dessas concepções para a
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hierarquizante das diferentes ocupações. Em outras palavras, alguns ofícios são dignos
de um “homem honrado” e superiores a um segundo bloco de ocupações – que convém
às classes mais baixas, aos estrangeiros ou aos escravos (Austin & Vidal-Naquet, 1986,
p. 24).
A agricultura está no ápice do que Austin & Vidal-Naquet (1986) chamam de
“hierarquia das ocupações”. A atividade agrícola é considerada entre os gregos, de
acordo com os autores, como um dos alicerces da “vida civilizada”, onde o sacrifício
gera o sustento e promove a “vida da família”. Ainda segundo Austin e Vidal-Naquet
(1986), o comércio e as atividades que envolvem o trabalho manual ocupam, em
contrapartida a agricultura, o lugar mais baixo na hierarquia das ocupações e são
consideradas hostis.
A alusão às considerações de Austin & Vidal-Naquet é fundamental para
introduzir uma oposição existente entre as atividades agrícola e artesanal e justifica uma
análise mais aprofundada acerca das duas ocupações. Para tanto, será utilizada a
descrição de Vernant (1973) da agricultura e do artesanato, respectivamente.
Vernant (1973), ao analisar a concepção de Hesíodo acerca das atividades
agrícolas, mostra que esta atividade possui um cunho religioso intrínseco. Para Hesíodo
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(1996) o trabalho é uma forma de buscar a justiça divina; através do esforço e da
fadiga despendidos no cultivo da terra o homem entra em contato com os deuses.
Vernant (1973) salienta que o agricultor de Hesíodo segue rituais definidos de acordo
com uma “lei divina” com o intuito de garantir a recompensa dos deuses – uma boa
safra ao final do período de cultivo. Dessa forma, o lavrador em Hesíodo não se vê
desempenhando um ofício que exige técnicas específicas, de forma contrária, encara a
agricultura como uma experiência religiosa na qual o suor e a fadiga são despendidos
para garantir a contrapartida divina.
Em Hesíodo a lida com a terra não é sentida como uma conduta que visa
produzir valores úteis ao grupo, segundo Vernant (1973). A atividade agrícola está mais
próxima, em contrapartida, de um comportamento religioso que permite aos homens
desenvolver uma relação com a divindade:
“(...) But where there is employment enough for one man to boil meat, for
another to roast it, for one other to boil fish, for another to broil it, and for
another to make bread, (and that not of every sort either, but is enough for him
to furnish one sort good,) each man, in my opinion, must of necessity bring the
things that are thus made to very great perfection.” (Sun, 2005, p. 38)
desponte como “função social de base” é imprescindível que seja considerado enquanto
categoria abstrata e geral.
Segundo Vernant (1973), o pensamento comum moderno considera o trabalho
como uma categoria que agrupa diferentes tarefas profissionais em uma espécie de
conduta única. Nesta forma de conduta o indivíduo apreende seu próprio ofício como
trabalho em geral com uma finalidade intrínseca de produzir valores úteis ao grupo, de
criar um valor socialmente necessário. Vernant (1973) coloca que a emergência da
concepção de trabalho em geral se dá na medida em que todas as formas de trabalho
produzem visando o mercado, quando o produto do trabalho passa a ser designado a
operações de venda e compra e não mais a um indivíduo específico.
Vernant (1973) coloca ainda que os trabalhos realizados no seio da sociedade
são confrontados através destas operações de venda e compra. Ao serem confrontados
em um mercado, os produtos do trabalho adquirem uma grande capacidade de
circulação dentro da totalidade do corpo social: o trabalho passa a constituir o laço entre
os agentes sociais ao permitir a troca generalizada. Ademais, quando os produtos
fabricados são destinados a uma troca generalizada no mercado, o trabalho deixa de ser
determinado em função do produto final que se deseja obter e passa a constituir uma
atividade genérica.
Entretanto, como exemplifica Vernant (1973), o sapateiro na Grécia Antiga
define sua tarefa em relação ao sapato, não apreendendo seu trabalho enquanto trabalho
geral e não tendo consciência do trabalho enquanto categoria que agrupa toda sorte de
ofícios. O artesão não percebe no produto de seu trabalho a manifestação de um esforço
humano comum que cria valor social, mas o percebe enquanto forma de satisfazer a
necessidade do usuário, de acordo com o serviço que presta ao consumidor. A discussão
acerca da concepção do trabalho na Grécia Antiga passa, então, pelos seguintes
aspectos:
produção em geral. O trabalho não visa a coletividade, não busca produzir valores úteis
ao grupo. O produto, por sua vez, não é concebido enquanto trabalho cristalizado – é
fabricado visando exclusivamente atender tão bem quanto possível as carências de um
usuário específico, extingue-se na esfera do consumo individual. As considerações
tecidas até aqui evidenciam diferenças consideráveis na concepção de trabalho da
Grécia Antiga em relação a concepções modernas. Cabe, dessa forma, estudar o
trabalho sob uma perspectiva mais moderna, inserida na lógica capitalista. O próximo
capítulo tratará do conceito de trabalho em Marx, buscando elementos que permitam
explicar as diferenças dos conceitos de trabalho e seus reflexos na produção (fabricação)
entre duas épocas.
10 Trabalho vivo é uma expressão usada por Giannotti (1985) para designar o trabalho que ainda não está
estranhado.
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12 Giannotti (1985) esclarece que a alienação (estranhamento) no ato da produção, durante o desempenho
do trabalho, se dá enquanto auto-alienação do sujeito – estranhamento de si mesmo.
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13 Vernant (1973).
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Giannotti (1983) reitera que a anteposição ideal do objeto não é apenas uma
construção psicológica. Antes de iniciar o processo de trabalho o homem constrói no
plano das ideias o objeto a ser produzido, durante a produção age de maneira orientada
no intuito de “adequar o resultado ao início pressuposto”, obtendo, ao final do processo,
um produto que permaneceu em sua imaginação desde o princípio (GIANNOTTI, 1983,
p. 86). O trabalhador tanto transforma a natureza quanto subordina sua vontade a um
fim conhecido pelo trabalhador e determinante do modo de seu fazer. (MARX, 1988, p.
143). O trabalho constitui, então, uma ação teleológica.
Giannotti (1983) coloca a necessidade de compreender a natureza ontológica de
um processo cujo resultado emerge da subordinação de um sistema mecânico a um fim.
Para tanto é indispensável a definição dos elementos simples do processo de trabalho: a
atividade orientada ou o próprio trabalho, seu objeto e seus meios (MARX, 1988, p.
143).
Para Marx (1988, p. 143) a terra constitui o “objeto geral do trabalho humano”
ao ser “fonte original de víveres e meios já prontos de subsistência”. Para uma parte dos
objetos o papel do trabalho consiste apenas desprendê-los da paisagem natural – a pesca
do peixe, a extração da madeira virgem, entre outros exemplos. Entretanto, quando o
objeto foi transformado por um trabalho anterior consiste em matéria-prima para o atual
processo de trabalho.
O início do processo de trabalho consiste, então, na “extração da coisa de seu
contexto mecânico, na sua colocação como ponto de partida de um novo ciclo”
(GIANNOTTI, 1983, p. 86). Giannotti (1983) salienta que, para constituir o ponto de
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Para Marx (1988), quando o produto passa a figurar como meio de produção em
outro processo de trabalho perde sua qualidade de produto. O produto, ao se tornar meio
de produção, importa ao novo processo de trabalho apenas enquanto valor de uso. No
âmbito deste novo processo de trabalho não interessa se o meio de produção é resultado
de trabalho passado – desde que os defeitos decorrentes do trabalho anterior não se
mostrem visíveis, permitindo a perfeita manifestação do valor de uso. “No produto bem
elaborado, extinguiu-se a aquisição de suas propriedades úteis” (MARX, 1988, p. 146).
Em contrapartida, Marx (1988) reitera que a inserção do produto em um novo
processo de trabalho possibilita o contato com o trabalho vivo e apenas assim as
propriedades úteis do produto de trabalho passado podem ser conservadas. Um grão é
cultivado e depois moído; na passagem para o segundo ato um novo trabalho (a
moedura) é desempenhado sobre a matéria-prima (grão de trigo), conservando o
trabalho preexistente nela (o cultivo) e impedindo que este seja perdido ou destruído
pelas forças naturais. A conservação como citada acima depende de condições
determinadas, o que não altera o caráter do trabalho de conservar e cristalizar trabalho
prévio e de estabelecer “entre o homem e a natureza brutos o intermediário constituído
por sistemas de forças domadas, abrindo dessa maneira o intervalo em que se localizam
as forças produtivas” (GIANNOTTI, 1983, p. 92).
A conservação do trabalho no processo de trabalho se torna mais clara na
medida em que o consumo produtivo é analisado. O trabalho gasta os meios de
produção (objeto e instrumento) na geração do produto e, dessa forma, o processo de
trabalho é processo de consumo. Quando, no processo de trabalho, os produtos são
consumidos “como meios de subsistência do indivíduo vivo” e os meios de produção
são consumidos “como meio de subsistência do trabalho, da força ativa do indivíduo”,
observa-se um consumo produtivo. Na medida em que os meios de produção são frutos
de trabalho anterior, estes se apresentam sob a forma de produto e o trabalho passa a
consumir produtos para criar produtos (MARX, 1988, p. 146).
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trabalho, sob esse prisma, tem o papel de extrair das propriedades físicas do objeto,
mediante a existência de uma potência desejada, a possibilidade de vir a constituir o
valor de uso esperado. Ao ser inserido no processo de trabalho o objeto adquire uma
nova forma, forma esta que viabiliza a transformação da potência em uma potência de
novo tipo. “A forma do fio dá ao algodão a possibilidade de vir a ser tecido”
(GIANNOTTI, 1983, p. 98).
Giannotti (1983) reitera que a condição prévia para a realização do processo de
trabalho constitui o resultado deste processo, ou seja, a antepresença do uso enquanto
carecimento fica evidente no valor de uso. Entretanto, a antepresença do uso apenas
fundamenta a aparição do objeto, do instrumento ou do produto (valores de uso), na
medida em que esses estão relacionados dentro de um processo, enquanto são postos em
movimento. A partir dessas considerações, Giannotti (1983) coloca que é possível
assinalar o terreno que delimita o trabalho: “Deslocando o trabalho para o universo do
processo, retirando-o da esfera da emersão e do surgimento da coisa para situá-lo na
circularidade da interiorização e da exteriorização, Marx faz dele práxis ao invés de
poíesis”.
Neste ponto cabe mencionar a discussão feita por Giannotti (1983) do esquema
técnico entre os antigos, para entender em que medida um trabalho é poíesis.
Giannotti (1983) apresenta a concepção aristotélica do esquema técnico.
Aristóteles trata do artesão esculpindo a estátua para entender a relação entre matéria e
forma enquanto paradigma que permite o entendimento até mesmo das produções
naturais. Ainda nesse exemplo as quatro causas aristotélicas são elucidadas. Entender o
lugar central da causa no pensamento aristotélico é imprescindível para delimitar uma
noção de esquema técnico na Grécia Antiga.
Para Aristóteles, a causa não constitui uma variável independente. Em outras
palavras, as diferentes causas formam uma unidade que se efetiva em torno da poiésis
(produção, ostentação de uma coisa exterior). Definir produção (poiésis) para
Aristóteles é um passo essencial. A produção artificial se dá em duas etapas – a etapa
mental e a etapa da realização exterior. A etapa mental comanda a produção na medida
em que, para que determinado resultado seja alcançado, a pessoa que executa a tarefa
tem em mente o resultado final que deseja alcançar. O médico, para curar um doente,
deve ter antes no espírito a ideia de saúde e só depois passar a realizar aquilo que
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Conclusão
Foram apresentados neste estudo os aspectos gerais do trabalho na Grécia Antiga
e a concepção de Marx acerca do trabalho. Atentamos, no primeiro capítulo, para a
definição do que o homem apreende por trabalho, para o papel das atividades
consideradas trabalho na sociedade e para o processo de fabricação artesanal. Após
delinear alguns aspectos gerais do trabalho e apresentar as controvérsias acerca da sua
valorização, atentamos para o fato de que uma análise do papel do trabalho na sociedade
requer um estudo mais aprofundado das atividades que realmente são consideradas
trabalho.
Em um contexto de análise do relacionamento do trabalho com a natureza,
algumas diferenças essenciais entre as atividades manuais agrícolas e artesanais são
delimitadas. Partindo desta análise, conclui-se que o lavrar a terra não é considerado
trabalho entre os gregos, estando bastante próximo de uma conduta religiosa que
permite o contato com os deuses. Da discussão dos ofícios no interior da cidade, em
contrapartida, apreendemos que os exercícios relacionados com a política não
constituem atividades profissionais, uma vez que compõem uma esfera superior às
atividades puramente econômicas. O comércio e a guerra consistem em meios de
aquisição, não constituindo ocupações profissionais. O primeiro meio de aquisição é
considerado indigno e um escândalo do ponto de vista moral, enquanto o segundo é
considerado um meio de aquisição justo e que pressupõe uma conduta também
religiosa.
O trabalho fica, portanto, restrito às profissões artesanais, definidas por sua
especialização e por um caráter de serviço. Este caráter de serviço fica evidente quando
consideramos o processo de fabricação e a divisão das tarefas, que tem por finalidade
satisfazer as necessidades do usuário, suprir suas carências. O artesão não apreende seu
trabalho enquanto trabalho geral, não entende o trabalho enquanto categoria que agrupa
toda sorte de ofícios, uma vez que define sua tarefa em relação ao objeto demandado
pelo consumidor. Não percebe no produto de seu trabalho a manifestação de um esforço
humano comum que cria valor social; o percebe, pelo contrário, enquanto forma de
satisfazer a necessidade do usuário. Socialmente o artesão não desempenha papel de
produtor, uma vez que se encontra em uma relação de dependência na qual todas suas
forças físicas, instrumentos materiais e técnica estão submetidos ao usuário.
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Referências Bibliográficas
AUSTIN, Michel; VIDAL-NAQUET, Pierre. Economia e sociedade na Grécia Antiga.
Lisboa: Edições 70, 1986. p.15-43/155-186.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 3. ed. (Os Economistas). São
Paulo: Nova Cultural, 1988. Volume 1.
SUN, Guang-Zhen Sun. Readings in the economics of the division of labor: the classical
tradition. Hackensack/ London: World Scientific, 2005. p. 3-51