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Apresentação
Você sabe o que são as dificuldades de aprendizagem? Quais são os fatores que as desencadeiam?
Você já passou por dificuldades para aprender algum conteúdo na época da escola?
Nesta Unidade de Aprendizagem você aprenderá como identificar um aluno com dificuldade de
aprendizagem e de que maneira a escola pode participar da inclusão desse aluno, colaborando na
superação da dificuldade.
Bons estudos.
A psicopedagoga conversa com Fernanda e, após a entrevista, agenda uma conversa com seus pais.
De acordo com as informações apresentadas e com os conhecimentos que você detém acerca das
dificuldades de aprendizagem, elabore uma hipótese sobre o que pode estar acontecendo com
Fernanda.
Infográfico
O infográfico apresenta os principais fatores causadores de dificuldades de aprendizagem. Confira!
Conteúdo do livro
As dificuldades de aprendizagem são causadas, sobretudo, por fatores biológicos e psicoemocionais
e também por influências ambientais. Fatores escolares podem influenciar no agravamento dessas
dificuldades, uma vez que a escola é o ambiente onde elas se evidenciam.
Para aprofundar os seus conhecimentos sobre o assunto, faça a leitura da obra Dificuldades de
aprendizagem de A-Z. Inicie seus estudos no tópico O que são dificuldades de aprendizagem e vá
até o final da página 24.
DIFICULDADES
DE APRENDIZAGEM DE
GUIA COMPLETO PAR A EDUCADORES E PAIS
EDIÇÃO RE VISTA E A MPLIADA
CORINNE SMITH
LISA STRICK
Autoras
Corinne Smith, Ph.D., Professora na Syracuse University. Especialista em dificuldades de
aprendizagem.
Lisa Strick, Especialista em dificuldades de aprendizagem.
CDU 37.013.77:159.953.5
A professora da 1a série de Brian descre maior parte de seu tempo livre sozinha,
ve‑o como “um fliperama humano”. Ele assistindo à televisão.
jamais caminha; parte feito um raio. Ele Frank foi avisado de que repetirá o ano
sai de sua cadeira a cada instante para caso não comece a entregar suas tarefas
apontar o lápis, pegar mais papel, olhar e pare de faltar às aulas. Neste ano letivo,
os porquinhos‑da‑índia da classe. Tem ele enfrentou também outros problemas,
‑se a impressão de que ele não resiste à como brigas e vandalismo, além de ter
tentação de comentar sobre tudo o que comparecido ao baile da escola em es-
vê. Seus colegas sentem‑se perturbados tado de embriaguez. Frank diz que não
por sua inquietação e interrupções, mas se importa se for reprovado – ele pla-
nem punições nem recompensas produ- neja abandonar os estudos aos 16 anos,
ziram qualquer mudança duradoura em de modo que está apenas “matando o
seu comportamento. Em sua avaliação tempo” até lá. Todos, exceto um de seus
semestral, a professora de Brian escre- professores, o consideram hostil e não
ve: “Brian é inteligente e entusiástico, cooperativo. O professor encarregado do
mas precisa se acalmar. Suas notas estão laboratório de informática diz que Frank
caindo porque ele não presta atenção”. é atento e capaz; ele chega até mesmo a
Aisha, de 11 anos, é quieta e tímida. Ela ajudar outros colegas que não sabem o
se esforça muito, mas seu progresso na que fazer.
escola sempre foi lento. Agora, na 6a sé- Joel é um aluno popular que gosta de es-
rie, está mais de um ano atrás de seus portes desde os primeiros anos de escola.
colegas, tanto em matemática quanto Ele conquistou medalhas no ensino mé-
em leitura. Os professores não acredi- dio em luta livre, corridas de pista e bei-
tam que Aisha seja suficientemente inte- sebol. Também é ativo no diretório estu-
ligente para acompanhar a turma, e suas dantil e vende anúncios para o livro anual
expectativas em relação à menina foram da escola. Suas notas, contudo, são muito
reduzidas. Os pais de Aisha dizem que baixas. Os professores de Joel queixam‑se
em casa ela apreende as ideias rapida- de que suas lições de casa são descuida-
mente e estão intrigados com a lentidão das, incompletas e sujas; sua caligrafia é
do seu progresso na escola. Eles também ilegível. “Se ele não estivesse tão envolvi-
se mostram preocupados com o fato de do nas atividades extracurriculares talvez
Aisha estar se tornando mais tímida a conseguisse manter a atenção no traba-
cada dia: ela não tem amigos e passa a lho”, comenta sua professora de história.
14 Smith & Strick
“Ele jamais chegará à universidade se não que lê. Com uma inteligência acima da
começar a se esforçar!” média, ele tem sucesso em situações de
aprendizagem que não exigem o amplo
Pode ser fácil fazer suposições sobre uso da linguagem. O ingresso no ensino
estudantes como esses. Brian é imaturo e médio, entretanto, não lhe dá muitas
não possui autocontrole. Aisha é uma crian- oportunidades desse tipo. Frank sente
ça intelectualmente lenta. Frank apresenta que “não se encaixa” e anseia por esca-
uma “má atitude” e problemas emocionais. par do interminável fracasso e das críti-
Joel precisa superar sua falta de motivação cas que enfrenta na escola.
acadêmica. Entretanto, se você observar O sucesso de Joel no atletismo disfarça
mais de perto, poderá perceber um quadro sua fraca coordenação motora fina. A
bastante diferente: dificuldade para controlar as mãos faz
com que lhe seja extremamente difícil
A mente dispersiva de Brian e seu impul- manipular uma caneta ou um lápis (ele
so para permanecer em movimento frus- também é “mão frouxa” em atividades
tram mais a ele e à sua família do que como lavar pratos ou pôr a mesa). Joel
ao seu professor, mas tal comportamen- é um estudante aplicado e compreende
to está além do controle do menino. Ele o conteúdo das aulas, mas considera
não possui a capacidade de planejar suas praticamente impossível expressar o
atividades com antecedência e deixar de que sabe quando precisa fazer isso por
lado as distrações, de modo a conseguir escrito.
se concentrar, não importando o quan-
to tente. Brian também não consegue Todos esses alunos possuem dificul‑
regular seus impulsos para investigar e dades de aprendizagem, problemas neuroló-
comentar sobre qualquer coisa nova que gicos que afetam a capacidade do cérebro
perceba. Ao final de cada dia, ele está para entender, recordar ou comunicar infor-
exausto por responder a todos os sinais mações. Consideradas raras no passado, as
e sons que o cercam, mas ainda assim dificuldades de aprendizagem supostamen-
não consegue “desligar” até adormecer te afetam, hoje, pelo menos 5% da popu
(o que para ele é muito difícil). lação americana (ou mais de 15 milhões
Uma psicóloga descobriu que Aisha pos- de pessoas). Muitas autoridades pensam
sui uma inteligência privilegiada. Ela que o número de indivíduos afetados é, na
precisa se esforçar para acompanhar o verdade, muito maior, e os especialistas
ritmo de seus colegas porque tem dificul- concordam que muitas crianças não estão
dade para entender os símbolos escritos. indo tão bem quanto poderiam na escola
Ela não consegue lembrar‑se de como as em virtude de dificuldades que não foram
palavras são e precisa penosamente “son- identificadas. Ano após ano, muitos desses
dar” cada palavra que lê. (Aisha também jovens são erroneamente qualificados como
não consegue lembrar‑se de mapas, grá- pouco inteligentes, insolentes ou preguiço-
ficos ou outros materiais visuais, e co- sos. Eles são constantemente instados, por
piar do quadro é um pesadelo para ela.) adultos ansiosos e preocupados com seu de-
A psicóloga disse aos pais de Aisha que sempenho acadêmico, a se corrigir ou a se
a menina tornou‑se deprimida por causa esforçar.
de seus problemas na escola. “Ela vê a si Quando as táticas comuns de recom-
mesma como um fracasso total”, disse a pensa e punição fracassam, os pais e os
psicóloga. professores ficam frustrados, mas ninguém
Frank começou a evitar as aulas e as li- sente maior frustração que os próprios es-
ções de casa para esconder o problema tudantes. “As palavras mais deprimentes da
que tem para entender quaisquer instru- língua são ‘Esforce‑se mais’”, diz um aluno
ções verbais ou grande parte do material cujas dificuldades foram finalmente identi-
Dificuldades de aprendizagem de A – Z 15
UMA
AVE NA
NA ÁRVORE
Assim como você pode não ter percebido um na a mais na sentença acima, as crianças com
dificuldade de aprendizagem frequentemente não processam de maneira correta o que está
diante de seus olhos ou a informação que ouvem.
16 Smith & Strick
que os estudantes sejam acusados com tanta que se faz isto?”). Os enganos são cometidos
frequência de serem desatentos, não coope- porque as instruções não são completamen-
rativos ou desmotivados! te entendidas.
Tal discrepância entre o que parece
Imaturidade social: A criança age como se
que a criança deveria ser capaz de fazer e
fosse mais jovem que sua idade cronológica
o que ela realmente faz, contudo, é a mar-
e pode preferir brincar com crianças meno-
ca desse tipo de déficit. O que as crianças
res.
com dificuldades de aprendizagem têm em
comum é o baixo desempenho inesperado. Dificuldade com a conversação: A criança tem
Na maior parte do tempo, elas funcionam dificuldade em encontrar as palavras certas
de um modo consistente com o que seria es- ou fala sem parar.
perado de sua capacidade intelectual e de
Inflexibilidade: A criança teima em conti
sua bagagem familiar e educacional, mas
nuar fazendo as coisas à sua própria manei-
dê‑lhes certos tipos de tarefas e seus cére-
ra, mesmo quando suas tentativas não fun-
bros parecem “congelar”. Como resultado,
cionam; ela resiste a sugestões e a ofertas
seu desempenho na escola é inconsistente:
de ajuda.
acompanham ou mesmo estão à frente de
seus colegas de classes em algumas áreas, Planejamento e habilidades organizacionais
mas atrás em outras. Embora os prejuízos deficientes: A criança não parece ter qual-
neurológicos possam afetar qualquer área quer noção de tempo e, com frequência,
do funcionamento cerebral, as dificuldades chega atrasada ou despreparada. Se várias
que mais tendem a causar problemas aca- tarefas são dadas (ou uma tarefa complexa
dêmicos são aquelas que afetam a percepção com várias partes), ela não tem a mínima
visual, o processamento da linguagem, as ha‑ ideia de por onde começar ou como dividir
bilidades motoras finas e a capacidade para o trabalho em segmentos manejáveis.
focalizar a atenção. Até mesmo déficits me-
Distração: A criança frequentemente per-
nores nessas áreas (que podem passar com-
de a lição, as roupas e outros objetos seus;
pletamente despercebidos em casa) podem
esquece‑se de fazer as tarefas e trabalhos e/
ter um impacto devastador tão logo a crian-
ou tem dificuldade em lembrar de compro-
ça entre na escola.
missos ou ocasiões sociais.
Muitas crianças com dificuldades de
aprendizagem também lutam com compor- Falta de destreza: A criança parece desajeita-
tamentos que complicam suas dificuldades da e sem coordenação; em geral, deixa cair
na escola. O mais conhecido deles é a hi- as coisas, as derrama, ou pega os objetos e
peratividade, uma inquietação extrema que depois deixa cair; pode ter uma caligrafia
afeta cerca de 25% das crianças com dificul- péssima; é vista como completamente inap-
dades de aprendizagem. Alguns outros com- ta para esportes e jogos.
portamentos problemáticos em geral obser-
Falta de controle dos impulsos: A criança toca
vados em pessoas jovens com dificuldades
tudo (ou todos) que chama seu interesse,
de aprendizagem são os seguintes:
verbaliza suas observações sem pensar, in-
Fraco alcance da atenção: A criança se distrai terrompe ou muda abruptamente de assun-
com facilidade, perde rapidamente o inte- to em conversas e/ou tem dificuldade para
resse por novas atividades, pode saltar de esperar sua vez de falar.
uma atividade para outra e, frequentemen-
Esses comportamentos surgem a par-
te, deixa projetos ou trabalhos inacabados.
tir das mesmas condições neurológicas que
Dificuldade para seguir instruções: A crian- causam problemas de aprendizagem. Infe-
ça pode pedir ajuda repetidamente, mesmo lizmente, quando eles não são compreen-
durante tarefas simples (“Onde é mesmo didos como tais, só ajudam a convencer os
que eu devia colocar isto?” “Como é mesmo pais e os professores de que a criança não
Dificuldades de aprendizagem de A – Z 17
está fazendo um esforço para cooperar ou intenções, no que se refere às lições e tarefas
não está prestando a devida atenção. Até de casa, mas no meio do trabalho esquecem
mesmo os estudantes veem comportamentos as instruções – ou o objetivo. Muitas têm pro-
como esses como defeitos de personalidade. blemas para fazer amizades. Seus altos e bai-
“Eu fiquei muito contente quando descobri xos emocionais podem levar toda a família a
que tinha uma dificuldade de aprendiza- um tumulto. Pior ainda, essas crianças geral-
gem”, lembra uma adolescente. “Até então mente se sentem infelizes por causa da sua
eu achava que era apenas uma cabeça de incapacidade de corresponder às expectati-
vento imbecil”. vas dos pais e conquistar seus próprios obje-
Embora muitas crianças com dificul- tivos pessoais. Frequentemente, culpam a si
dade de aprendizagem sintam‑se felizes e mesmas por todas essas dificuldades: “Sou
bem‑ajustadas, algumas (até metade delas, burro”, “Sou um caso sem cura” ou “As pes-
de acordo com estudos atuais) desenvolvem soas não gostam de mim”, e podem tornar
problemas emocionais relacionados. Esses ‑se reprimidas e autoderrotistas. Como disse
estudantes ficam tão frustrados tentando uma mãe: “O que realmente arrasa a gente é
fazer coisas que não conseguem que desis- a perda da autoconfiança. Pouca coisa pode
tem de aprender e começam a desenvolver ser pior do que observar seu filho desistir de
estratégias para evitar isso. Eles questionam si mesmo e de seus sonhos”.
sua própria inteligência e começam a achar Este livro é para ajudar os jovens com
que não podem ser ajudados. Muitos se sen- dificuldades de aprendizagem a se agarra-
tem furiosos e põem para fora, fisicamente, rem aos seus sonhos. É também para ajudar
tal sensação; outros se tornam ansiosos e as mães e os pais a enfrentarem o labirinto
deprimidos. De qualquer modo, essas crian- de desafios que tão frequentemente deixam
ças tendem a se isolar socialmente e, com os pais e os estudantes sentindo‑se perplexos
frequência, sofrem de solidão, bem como de e impotentes. O primeiro ponto importante
baixa autoestima. Por fim, os problemas se- é que os pais não são impotentes – muito
cundários associados a uma dificuldade de pelo contrário. Está comprovado que os es-
aprendizagem podem tornar‑se bem mais tudantes mais propensos a ter sucesso são
óbvios – e mais sérios – que a própria di- aqueles que têm pais informados e incenti-
ficuldade. Estudos mostram que adolescen- vadores ao seu lado. Esse fator supera a qua-
tes com dificuldades de aprendizagem não lidade do programa escolar ou a gravidade
apenas estão mais propensos a abandonar do próprio déficit em importância. Muitos
os estudos, mas também apresentam maior estudos têm demonstrado que “cuidados pa-
risco para abuso de substâncias, atividade rentais de qualidade” permitem às crianças
criminosa e até mesmo suicídio. Embora a crescerem e se tornarem cidadãos felizes e
maior parte dos estudantes com dificuldade independentes, mesmo quando a saúde ao
de aprendizagem não tenha um futuro tão nascer e as oportunidades educacionais são
trágico, a história de Cassandra descreve notavelmente fracas.
de um modo emocionante a frustração e a Os pais não precisam de um título de
insegurança que podem acompanhar esses Ph.D. em psicologia ou em educação para
alunos até a idade adulta. orientar corretamente seus filhos. Entre os
Os pais de alunos com dificuldades de aspectos dos cuidados parentais citados pe-
aprendizagem, em geral, tentam lidar com los psicólogos como mais preciosos estão os
uma gama imensa de problemas. Seus filhos de ensinar as crianças a fazer o máximo com
parecem suficientemente inteligentes, mas as capacidades que têm, encorajando‑as a
enfrentam todo o tipo de obstáculos na es- acreditar que podem superar os obstáculos
cola. Eles podem ser curiosos e ansiar por e ajudando‑as a estabelecer objetivos realis-
aprender, mas sua inquietação e incapacida- tas, além de estimular nelas o amor‑próprio
de de prestar atenção tornam difícil explicar envolvendo‑as em responsabilidades em casa
‑lhes qualquer coisa. Essas crianças têm boas e na comunidade.
18 Smith & Strick
Cassandra
Lembro que minha mãe me fazia usar uma Quando cheguei ao final do ensino mé‑
letra do alfabeto em volta do pescoço quan‑ dio, percebi o dano que havia ocorrido. Ir
do eu ia à escola. Acho que era a letra J. Eu para a faculdade jamais me passara pela
sabia que letra era ao sair de casa e tentava cabeça, ou o que eu queria da vida, ou que
com todas as forças não esquecê‑la duran‑ tipo de emprego poderia obter... Então me
te o dia inteiro. Imagine uma criança, com senti desapontada, não porque as pessoas
5 anos, saindo de casa e sabendo que é das quais eu gostava ou os professores que
melhor lembrar a letra quando cruzar aque‑ supostamente deveriam me ensinar haviam
la mesma porta ao voltar. me abandonado, mas porque eu própria
Eu caminhava para a escola repetindo desistira de lutar. Finalmente, percebi que
o tempo todo o nome da letra. Mas sabe sempre encontraria pessoas que me consi‑
de uma coisa? Ao longo do dia eu esquecia derariam burra, mas eu sabia, e realmente
que letra era aquela. Depois da escola, eu acreditava, que não era burra. Iria concluir
tentava desesperadamente – quer dizer, eu o ensino médio sem a ajuda de ninguém,
olhava para a letra, rezando para que uma porque eu sabia que não era burra.
voz ou algo assim me desse a resposta an‑ Assim, por que é que hoje, com 28
tes de eu chegar em casa. Eu amo minha anos, ainda tenho medo de ler e falar com
mãe e sei que ela me ama, e tudo que ela as pessoas que conheço? Acabo conver‑
queria era que eu conhecesse o alfabeto. sando apenas com as pessoas que não
Ainda assim, eu tinha medo e odiava o fato vão me provocar. Vou lhe dizer por que – é
de não poder lembrar o que ela se esfor‑ porque minha família e meus professores
çava tanto para me ensinar. Lembro que me fizeram pensar que todos com quem
eu chorava e ficava furiosa comigo mes‑ eu falasse iriam sempre implicar comigo.
ma, porque simplesmente não conseguia Em outras palavras, cada ser humano na
aprender. Minha vontade era gritar para face da Terra era mais esperto que eu. E
ela: “Estou tentando, droga, estou tentan‑ isso está errado.
do! Será que você não vê que estou ten‑ Nenhuma criança deveria jamais se
tando? Me ajude, por favor!”. sentir assim. Como é que alguém faz isso
Enquanto eu crescia, ler e soletrar com uma criança que está dando tudo de
tornaram‑se ainda mais difíceis para mim. Os si? Cada criança merece o direito de apren‑
professores, minha família e meus amigos der e de falar com sinceridade sem que
me provocavam o tempo todo. Os profes‑ alguém a interrompa, fazendo‑a se sentir
sores me culpavam por atrapalhar a turma. incapaz.
Assim, já que todos queriam rir de mim ou
me culpar pelas coisas, parei de tentar ler até Adaptado de Smith, C. R. (1994). Learning disa‑
mesmo sozinha ou em voz alta, e me tornei a bilities: The interaction of learner, task and set‑
palhaça da escola; em casa, ficava isolada. ting (3. ed.). Boston: Allyn & Bacon.
Dificuldades de aprendizagem de A – Z 19
Embora nos últimos anos a pesquisa tenha 4. Mito: As alergias podem causar dificul‑
lançado muita luz sobre as dificuldades de dades de aprendizagem.
aprendizagem, elas ainda são amplamente Fato: A crianças com DA não têm mais
mal‑entendidas. Muitos dos mitos a seguir alergias do que as crianças que não têm
têm defensores até mesmo na comunidade DA, e as dificuldades não vão embora
profissional. quando as alergias são tratadas. Embora
tossir, coçar e espirrar possam impedir
1. Mito: A maioria dos meninos tem difi‑
que qualquer criança dê o máximo de
culdades de aprendizagem.
si, não há evidências de que as alergias
Fato: O risco é o mesmo para meninos
interferem na capacidade de aprender
e meninas. Os meninos, no entanto, têm
as habilidades básicas.
uma maior probabilidade de demonstrar
quando estão entediados ou frustrados, 5. Mito: O açúcar torna as crianças hipe‑
e por isso são encaminhados para ava‑ rativas.
liação e serviços mais frequentemente Fato: A pesquisa não corrobora essa
do que as meninas. Os pais de meninas ideia. Experiências bem controladas des
(e de meninos quietos) com problemas cobriram que as crianças cujos pais de‑
de aprendizagem podem precisar ser claram que elas se tornam “hiper” depois
assertivos para conseguir a ajuda apro‑ de comer açúcar não mostram diferenças
priada para seus filhos na escola. na aprendizagem ou no comportamento
quando elas não consomem açúcar. Os
2. Mito: As crianças podem superar as
ambientes estimulantes em que são ofe‑
dificuldades de aprendizagem. Se uma
recidas guloseimas açucaradas – festas
criança estiver tendo problemas na es‑
de aniversário, por exemplo – provavel‑
cola, é melhor observar e esperar.
mente contribuem mais para o compor‑
Fato: As dificuldades de aprendizagem
tamento superexuberante.
são condições permanentes, de origem
biológica. Embora as habilidades dos 6. Mito: Usar lentes coloridas ou colocar
alunos com dificuldade de aprendiza‑ uma cobertura de plástico especial so‑
gem melhorem no decorrer do tempo bre a página pode melhorar a capaci‑
com a instrução apropriada, alguns dé‑ dade e a compreensão da leitura.
ficits persistem até a idade adulta. Essas Fato: Não há evidências científicas que
crianças se beneficiam muito da inter‑ corroborem a afirmação de que tais dis‑
venção precoce. positivos produzam melhora substancial
ou instantânea nos resultados de leitura.
3. Mito: Crianças com dislexia (o termo
Antes de pagar por qualquer tipo de tra‑
médico para “dificuldades de leitura”)
tamento de DA, os pais devem pergun‑
literalmente veem de trás para frente.
tar que pesquisa confiável o recomen‑
Fato: A visão desses estudantes não
da. Evidências anedóticas (tais como
causa seus atrasos de leitura. Proble‑
histórias e comentários de pessoas que
mas como inversão de letras (dizer ou
juram ter sido ajudadas por um produto
escrever p em vez de b) ou ler pro em
ou processo) não correspondem a uma
vez de por surgem do processamento
prova científica.
de informações ineficientes em diferen‑
tes partes do cérebro. Como não são 7. Mito: Corantes, sabores artificiais e
problemas de visão, as dificuldades de conservantes nos alimentos, como
aprendizagem não podem ser curadas também aspirina e os salicilatos (com‑
por exercícios dos olhos ou por óculos. postos naturais presentes em frutas e
(continua)
22 Smith & Strick
contrados na história de alunos típicos e na- podem resultar em dano cerebral irreversí-
queles com notas mais altas. Um estudo com vel em um período de tempo relativamen-
jovens de 7 a 15 anos, por exemplo, desco- te curto; incidentes envolvendo sufocação,
briu que 23% dos estudantes que apresen- afogamento, inalação de fumaça, envenena-
tavam um nível de leitura um ou dois anos mento por monóxido de carbono e algumas
inferior ao de sua série tinham uma histó- complicações do parto também se enqua-
ria de dificuldades no parto. Uma história dram nessa categoria.
similar, contudo, foi descoberta para 19% Também podem ocorrer lesões cere-
dos alunos que apresentavam um nível de brais antes do parto. Sabemos que quando
leitura um ou mais anos superior à sua série certas doenças ocorrem durante a gravi-
– uma correlação dificilmente convincente! dez – diabete, doença renal, sarampo, en-
Não existem dúvidas, entretanto, de tre outras –, o dano cerebral ao feto é, às
que as dificuldades de aprendizagem de al- vezes, o infeliz resultado. A exposição pré
gumas crianças realmente surgem a partir ‑natal a drogas (álcool, nicotina e alguns
de lesões ao cérebro. Entre os tipos de le- medicamentos prescritos, bem como drogas
sões associados a dificuldades de aprendiza- de “rua”) está claramente associada a uma
gem estão traumas cranianos, hemorragias variedade de dificuldades de aprendiza-
cerebrais e tumores, febres altas e doenças gem, incluindo atrasos cognitivos, déficits
como encefalite e meningite. A desnutrição da atenção, hiperatividade e problemas de
e a exposição a substâncias químicas tóxicas memória. O sistema nervoso de um feto em
(como chumbo e pesticidas) também cau- desenvolvimento é tão frágil que até mes-
sam danos cerebrais, levando a problemas mo danos relativamente menores podem ter
de aprendizagem. As crianças que recebem efeitos duradouros significativos. O sistema
tratamentos com radiação e quimioterapia nervoso de bebês prematuros também é
para o câncer ocasionalmente desenvolvem vulnerável a lesões, e uma incidência signi-
dificuldades de aprendizagem, em especial ficativamente maior de prematuridade é en-
se a radiação foi aplicada ao crânio. Eventos contrada entre crianças que têm problemas
que causam privação de oxigênio no cérebro escolares e comportamentais.
Teddy
Teddy era adorado por seus pais e suas corregador e no trepa‑trepa que seu pai se
quatro irmãs mais velhas, e não era difícil vangloriava de que Teddy estava destinado
perceber por quê. Aos 2 anos, ele era uma a ser um astro do esporte.
criança bonita e afetiva que respondia a Entretanto, a vida de Teddy mudou
toda a atenção que lhe davam com abraços como resultado de uma grave doença vi‑
e sorrisos. Ele era alto para a sua idade e ob‑ ral. Ele teve febres muito altas, convulsões
viamente brilhante: aprendeu a falar cedo, e foi levado às pressas ao pronto‑socorro
falava sentenças claras de três e quatro pa‑ local. Foi hospitalizado, mas só depois de
lavras, e já reconhecia algumas letras do al‑ vários dias a febre e as convulsões cede‑
fabeto. Teddy adorava assistir Vila Sésamo ram. No fim da semana estava claro que
e olhar livros de gravuras, e também adora‑ a doença de Teddy havia lhe causado da‑
va o playground. Era tão desenvolto no es‑ nos cerebrais: o menininho só conseguia
(continua)
24 Smith & Strick
andar com ajuda e não conseguia de modo final do ensino fundamental, a contínua difi‑
algum falar. culdade para aprender e o isolamento social
Nos seis meses seguintes, a sua capa‑ corroeram o senso de autovalor de Teddy.
cidade para caminhar e falar retornou, mas Ele se tornou tão zangado e deprimido que
ele não era mais a mesma criança. Em vez seus pais ficaram realmente alarmados.
de se sentar tranquilamente, absorto com Após extensas discussões, eles decidiram
crayons ou com um livro de figuras, ele se tentar colocar o garoto em um internato
tornou um furacão humano. Sua coorde‑ particular para alunos com dificuldades de
nação era fraca e ele pisava sobre as coi‑ aprendizagem. Teddy saiu de casa no início
sas, em vez de contorná‑las ao andar. Era do ensino médio
impulsivo e se frustrava facilmente. Não Os pais de Teddy dizem que em sua
podia ser levado ao supermercado porque primeira visita ao filho no dia dos pais já
escalava as prateleiras e tirava os produ‑ puderam perceber uma mudança. Ele pa‑
tos do lugar. Quando seus pais tentavam recia aliviado pela descoberta de que não
contê‑lo, ele reagia com chutes, mordidas era o único estudante com o seu tipo de
e se atirava ao chão, esperneando. Para problema. Fizera alguns amigos e entrara
agravar as coisas, Teddy continuava tendo no time de futebol americano da escola.
convulsões, que exigiam frequentes ten Os professores o ajudavam com suas li‑
tativas com diferentes doses de medica‑ ções, permitindo‑lhe trabalhar em curtas
mentos. sessões espalhadas ao longo do dia. A es‑
O comportamento “descontrolado” cola salientava a importância de, sempre
de Teddy fez com que ele fosse expulso que possível, aprender fazendo, e Teddy
de várias escolas maternais. As professo‑ achou interessantes e divertidos muitos
ras queixavam‑se de que ele derrubava as dos projetos sob sua responsabilidade. Ele
torres de blocos de outras crianças, falava descobriu que poderia ser um bom aluno
durante a hora de ouvir histórias e jogava se pudesse fazer as coisas à sua própria
tinta pela sala toda. Agarrava os brinquedos maneira. Pela primeira vez, desde os 2
de outras crianças e se servia à vontade do anos, Teddy pensava em si mesmo como
lanche dos colegas, sem permissão. As pro‑ alguém bem‑sucedido.
fessoras concordavam que Teddy era sufi‑ Ao final do ensino médio, Teddy foi
cientemente inteligente, mas alertavam de aprovado em todos os testes e declarou
que ele teria problemas na educação infantil que desejava cursar uma universidade. Ini‑
se não pudesse se controlar e não apren‑ cialmente, seus pais entraram em pânico,
desse a terminar suas tarefas. Infelizmente, temendo que as demandas do nível univer‑
as previsões estavam certas. Os primeiros sitário ressuscitassem antigos padrões de
anos de Teddy na escola foram um desas‑ frustração e fracasso. Entretanto, diversas
tre; ele não conseguia prestar atenção às sessões com o orientador pedagógico da
lições por muito tempo e era o último da escola produziram uma solução ideal: após
classe a dominar as habilidades básicas. Ao terminar seus estudos, Teddy matriculou‑se
final da 2a série, era óbvio que a leitura e em um curso de dois anos em um instituto
a escrita seriam muito difíceis para ele. As de arte culinária. Demonstrou excelência
habilidades de Teddy continuavam se de‑ em seu treinamento, conquistou um grau
senvolvendo, mas o seu progresso era tão de assistente e rapidamente encontrou um
lento que a diferença entre ele e os estudan‑ emprego como chef de massas em um
tes típicos em sua classe tornava‑se maior a resort. Recentemente, ficou noivo de uma
cada ano. Ao terminar a 6a série, Teddy lia jovem muito vivaz que trabalha na adminis‑
e escrevia como um aluno da 4a. Suas con‑ tração do resort. Sua noiva é quem sempre
vulsões estavam amplamente sob controle dirige, em razão do transtorno convulsivo
e ele deixara de ter ataques de raiva, mas de Teddy; ele é quem cozinha, e a noiva diz
continuava sendo um menino excessiva‑ que este é um arranjo mais que aceitável.
mente ativo e irritado, impopular tanto com Teddy também está criando o bolo para seu
os colegas quanto com os professores. No casamento, planejado para junho.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Dica do professor
Você sabe como identificar quando um aluno está apresentando dificuldades de aprendizagem?
Quais são as práticas que a escola pode adotar para ajudar a diminuir as dificuldades da criança?
Assista ao vídeo para saber mais!
Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.
Exercícios
1) Considerando o contexto escolar, qual ator realiza o diagnóstico inicial de uma possível
dificuldade de aprendizagem na criança?
A) O diretor.
B) O professor.
C) A família.
D) Os colegas da criança.
E) A equipe administrativa.
A) Discalculia e dislexia.
C) Discalculia e astigmatismo.
B) Discalculia.
C) Disgrafia.
D) Deficiência intelectual.
E) Paralisia cerebral.
No intuito de descobrir as causas desse comportamento e das dificuldades dos alunos, Cláudio
preparou uma reunião com cada uma das turmas, da qual participaram a diretora, a psicopedagoga
da escola, os professores, ele mesmo e os alunos. Após a reunião, tendo sido levantadas e
discutidas as possíveis causas das dificuldades, Cláudio convidou os professores e a psicopedagoga
para um momento de reflexão sobre as práticas que estavam sendo utilizadas em sala de aula.
Saiba +
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:
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Dificuldades de aprendizagem
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