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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
DISCIPLINA: História do Tempo Presente – Historiografia e Metodologia
Professora: Dra. Márcia Ramos de Oliveira
Discente: Patrícia Carla Mucelin
PAPER: BAUER, Babbet. A caminho da “história das vivências”? A história oral na
Alemanha. In: GERTZ, René; CORREA, Silvio (Orgs.). Historiografia alemã pós-
muro: experiências e perspectivas. Passo Fundo: Santa Cruz do Sul: Edit. Universidade
de Santa Cruz do Sul, 2007. p. 142-172.

A história oral é sinônimo de uma disciplina histórica dentro da ciência histórica


e dá valor e importância ao sujeito e à subjetividade na história. Há uma grande
importância em relação às fontes orais, além de diários e cartas pessoais que dizem
respeito às vivências históricas subjetivas e como as pessoas lidam com elas. Desta
maneira, Alexander von Plato prefere o conceito de “história das vivências” em prol de
não amarrar os historiadores a um único tipo de fonte, o que permite uma multiplicidade
metodológica na utilização de fontes subjetivas e não reduz a disciplina a mera
metodologia. Ao se afastar da história do cotidiano, a história oral alemã amplia a
perspectiva das vivências humanas, porém, implica a exigência de uma definição do
tema vivência nesta delimitação. O conceito de vivência contém uma pré-estruturação
da prática social futura na interpretação de percepções passadas e não de ações
realizadas no passado.
A história das vivências teve de lutar muito para conseguir sua legitimação
dentro da ciência histórica alemã. A tentativa de definir a história oral na Alemanha foi
bastante difícil, enquanto nas demais ciências humanas, as fontes orais já vem sido
utilizadas há muito tempo em suas pesquisas, a história alemã continua a se cercar de
ceticismo em relação às fontes orais, pois o historiador é obrigado a incluir sempre o
fenômeno daquilo que já passou em suas apreciações. Então a autora levanta a dúvida:
qual é a relação da memória, que é relatada no presente, com o passado, com o processo
histórico e com o acontecimento individual? Ela descreve a história oral na Alemanha
como atrasada, por ter iniciado na década de 1970, tardiamente em relação ao seu
desenvolvimento em outros países. Seu desenvolvimento complicado ocorreu por duas
razões, primeiro porque a história social em ascensão se dividiu em disciplinas parciais
e gerou muitas controvérsias em relação à teoria e metodologia; e em segundo lugar o
período do nazismo colocava em questionamento a integridade dos testemunhos do
período. Entretanto, foi justamente aí que a história oral na Alemanha encontrou um de
seus maiores campos de pesquisa, pois as fontes orais permitiam evidenciar não só as
ações das elites políticas, mas também a ação da população.
Bauer vai tecendo no texto os modelos metodológicos alemães para a pesquisa
com as fontes orais, bem como delimita seus problemas e questionamentos. Assim uma
metodologia subjetivista é necessária: devem ser analisadas a personalidade, a qualidade
e o conteúdo do que foi dito. Bauer nos diz que a “memória coletiva” se encontra no
centro da pesquisa, pois a memória de uma comunidade informa acerca da sua
autocompreensão política, seus valores, normas e suas expectativas em relação ao
futuro. É necessária uma intermediação da micro com a macro história para se obter na
pesquisa histórica uma análise de acontecimentos e processos individuais
conjuntamente com uma concepção de relações e estruturas gerais, para um
ordenamento do contexto geral da história.
Através de uma comparação contrastiva com testemunhos adicionais e a
comparação das afirmações da entrevista com outros tipos de fonte, como os arquivos
ou ego-documentos, pode-se obter uma análise mais adequada partindo da história oral,
do entrelaçamento entre o Estado totalitário, a sociedade e os mundos individuais da
população. A história oral se insere na tradição do paradigma qualitativo ao partir de um
relato de história de vida para colocá-lo como equivalente a qualquer outra narrativa de
história de vida no mesmo contexto. O processo de pesquisa deve então ser guiado por
um jogo de reciprocidade entre teoria e empiria e as hipóteses e teorias devem ser
orientadas pelo objeto de pesquisa, e a partir dele. A escolha dos entrevistados deve, por
sua vez, ocorrer pelo principio de contraste máximo ou mínimo, isto é, o pesquisador
deve procurar por casos altamente contrastantes em relação a determinada combinação
de características.
Os pesquisadores de história oral devem se aproximar de suas fontes com a
consciência de que participaram do seu processo de criação, assim as peculiaridades da
interação no momento da entrevista devem ser levadas em conta na análise, como
conjeturações mais amplas, pois iluminam os subtextos com desejos sociais, simpatias e
antipatias entre os que dialogam. Outro ponto importante que Bauer destaca é atentar
para as circunstancias da vida individual do entrevistado, os contextos atuais, os
acontecimentos políticos e sociais. Assim temos uma crítica da fonte voltada para o
presente que atenta para a realidade do passado que é lembrada no momento da
entrevista. Assim, o historiador deve levantar alguns questionamentos pertinentes, como
qual é a relação dos testemunhos contemporâneos com o objeto relatado? Trata-se de
vivência própria, ou parte de algo observado, ou ainda baseia-se em relatos acontecidos
com terceiros?
A história oral conseguiu, de acordo com a autora, compreender e analisar
problemáticas sociais nas transformações históricas de uma forma totalmente diferente,
através de procedimentos qualitativos. A orientação especificamente alemã de história
oral se caracteriza por uma estreita colaboração com outras ciências, através de uma
ação interdisciplinar. Assim, na Alemanha, fala-se cada vez menos em história oral e
cada vez mais em “história das vivências”, pois trabalha com temas históricos buscados
em vivências das quais seus depoentes participaram. Ao tratar da história em torno de
temas que tratam sobre as minorias, mulheres e trabalhadores, as fontes orais se
mostraram esclarecedoras, isto porque as inúmeras fontes escritas, que partem de
instituições e elites políticas, se mostraram ideologicamente “contaminadas” e
“montadas” e assim não permitiam, por si só, uma análise diferenciada dos problemas
sociais. Por conseguinte a autora mostra a importância do confronto destas fontes
escritas com as entrevistas de histórias de vida para a realização de uma comparação
sincrônica. O desenvolvimento mostrado por Bauer da história oral na Alemanha, mais
especificamente da história das vivências, é representativo da importância das fontes
orais para a pesquisa na história do tempo presente, e de uma metodologia qualitativa.
Os conceitos de memória e lembrança em alemão refletem fases diferentes de
um mesmo processo complexo. A memória permite apreender e armazenar de forma
inconsciente as percepções dos sentidos e dos processos psíquicos. São dois os sistemas
de memória determinados para uma entrevista de testemunhos: a memória episódica e a
semântica. Já os fenômenos de consciência são chamados de lembranças, ou seja, partes
daquilo que foi armazenado, são levadas por meio de acontecimentos externos, de volta
ao âmbito da consciência, e reelaboradas dentro de modelos fixos. São os estímulos
sensoriais que tornam conscientes os episódios e vivencias que ocorreram fora de
contextos de ação atuais. A qualidade e confiabilidade daquilo que é dito por meio de
lembranças dependem muito mais da capacidade de percepção no momento do
acontecimento e da relevância emocional para o sujeito, do que da proximidade
temporal com o acontecimento passado. Será que essa questão da confiabilidade da
lembrança também não está relacionada com o contexto do presente em que o
entrevistado está lembrando, ou seja, depende de fatores como a aproximação do
pesquisador e a relação de confiabilidade que desenvolve com o entrevistado, bem
como as condições em que a entrevista tem lugar? Levando em consideração as
explicações da autora em relação à lembrança e à memória, não estaríamos lidando
muito mais com lembranças em história oral, do que com a memória em si?
Metodologicamente qual o peso destes dois conceitos?
Será que na utilização de fontes orais como as principais fontes de pesquisa o
historiador do tempo presente não acaba priorizando as fontes em detrimento de seu
objeto de pesquisa?

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