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Analise – A cartomante

Um traço comum na literatura machadiana é a forte presença da


cartografia da cidade no texto literário. Em A cartomante não é
diferente, vemos ao longo das páginas uma série de referências às
ruas da cidade e aos caminhos que os personagens percorriam
habitualmente:

A casa do encontro era na antiga Rua dos Barbonos, onde morava uma
comprovinciana de Rita. Esta desceu pela Rua das Mangueiras, na direção de
Botafogo, onde residia; Camilo desceu pela da Guarda Velha, olhando de
passagem para a casa da cartomante.

São menções pontuais que ajudam a situar o leitor no tempo e no


espaço e, ainda que uma enorme parcela do público não conheça
detalhadamente a zona sul do Rio de Janeiro, a narrativa desenha um
mapa da cidade a partir dos caminhos feitos pelos personagens. Essa
é uma maneira generosa e criativa do escritor dar a conhecer a cidade
aos leitores que desconheciam até então o Rio de Janeiro.

A história se encerra em aberto

Outra característica da prosa de Machado de Assis é o fato do escritor


brasileiro deixar muitos mistérios suspensos no ar. Em A cartomante,
por exemplo, chegamos ao final do conto sem entender como Vilela
efetivamente descobriu a traição.

Teria sido a cartomante a contar o caso extraconjugal? O marido teria


interceptado uma das cartas trocadas entre os amantes? Como
leitores seguimos com as dúvidas em aberto.

Outra pergunta que paira no ar quando escolhemos acreditar que o


caso foi descoberto através da leitura de uma das cartas é: se, de fato,
a cartomante tinha o dom da vidência, porque ela fez Camilo crer que
a história terminaria com um final feliz? Não caberia a ela - que
detinha a função de oráculo na narrativa - alertá-lo para o perigo
iminente?

A denúncia da hipocrisia

No conto tragicômico de Machado lemos uma série de críticas sociais


e uma denúncia da hipocrisia que reinava na sociedade burguesa
daquela época. Paira em torno de A cartomante o tema do assassinato,
do adultério e da sustentação de um casamento vazio em prol da
manutenção da ordem social.

O leitor percebe, por exemplo, como o casamento é baseado na


conveniência e não no amor que, de fato, deveria unir um casal. A
sociedade burguesa e o matrimônio são, na prosa de Machado,
movidos exclusivamente por interesses financeiros.

Mas não é só a personagem Rita que se demonstra hipócrita na


história, Camilo mantém igualmente o véu das aparências ao
alimentar uma amizade supostamente verdadeira com Vilela quando,
na verdade, traía o melhor amigo com a sua respectiva esposa.

A inspiração para a criação de Machado de Assis teria surgido de uma


série de casos que vinham sendo denunciados nos jornais daquela
época. Vale lembrar que o adultério era um tema recorrente na
sociedade burguesa do século XIX.

A complexidade dos personagens

Os personagens machadianos são ricos justamente por se


apresentarem como seres complexos, dotados de contradições, com
atitudes ao mesmo tempo boas e más, generosas e sórdidas. Não
podemos dizer, por exemplo, que no conto há um herói ou um vilão,
todos os protagonistas carregam aspectos positivos e negativos.

Todos interpretam um papel social e são, ao mesmo tempo, vítimas e


algozes dos personagens com quem se relacionam. Se Rita, por
exemplo, traía o marido, por outro lado cabia a ela carregar o fardo de
interpretar o papel de mulher socialmente adequada mantendo um
casamento de fachada.

É importante também frisar como, ao longo do texto, não encontramos


praticamente nenhum juízo de valor sobre as atitudes apresentadas. O
narrador transfere para o leitor, portanto, a responsabilidade de julgar
o comportamento dos personagens em questão.

Personagens principais
Rita

Aos trinta anos, é descrita como uma dama formosa, tonta, graciosa,
viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Rita é casada
com Vilela e amante de Camilo, amigo de infância do marido. Trata-se
de uma típica mulher da sociedade burguesa, que mantém um
casamento de aparências e cumpre o seu papel social de esposa
apesar de estar em um casamento que não a faz feliz.

Vilela

Magistrado, abre um escritório de advocacia no Rio de Janeiro. Tem


vinte e nove anos e vive em uma casa em Botafogo. É casado com
Rita e cumpre aquilo que é esperado de um homem burguês:
provedor, Vilela tem um bom emprego e ostenta uma bela mulher.

Camilo

Funcionário público de vinte e seis anos, Camilo não seguiu o desejo


do pai, que queria vê-lo médico. Tem como amigo de infância o
advogado Vilela e acaba se apaixonando por Rita, a mulher do melhor
amigo, com quem desenvolve um amor clandestino.

A cartomante

Uma mulher com cerca de quarenta anos, italiana, morena e magra,


com grandes olhos, descritos como sonsos e agudos. A cartomante
era tida por Rita - e depois por Camilo - como uma espécie de oráculo
capaz de adivinhar o futuro, mas na prática não conseguiu prever os
acontecimentos trágicos que resultariam do caso extraconjugal.

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