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Princípios fundamentais norteadores do Direito de Família – Rodrigo da

Cunha

Introdução – As mudanças na estrutura jurídica de organização da família


O Direito de Família é o ramo que mais vem sofrendo alterações no decorrer dos séculos. Essas mudanças
estão relacionadas ao declínio da sociedade patriarcalista e ascensão do movimento feminista (que no Brasil
data da década de 60). Os papéis masculino e feminino se misturaram, e tudo está sendo repensado na
estrutura jurídica da família.
Não há mais uma única forma de família, mas várias. A família deixou de ser singular para ser plural. Há
famílias monoparentais, recompostas, binucleares, casais com filhos anteriores e filhos novos, mais criando
filhos sem os pais e vice-versa, casais sem filhos, filhos sem pais, casais homoafetivos, parentalidade
socioafetiva...
O princípio da indissolubilidade do casamento ruiu, pois era sustentado pela resignação histórica das
mulheres. A nova realidade social trazia a necessidade de o laço conjugal estar sustentado pelo amor, afeto e
companheirismo. Com isso, a família deixa de ser um núcleo econômico e de reprodução.
A lei do divórcio de 1977 representou um marco no Direito de Família brasileiro, consagrando a liberdade.
A CF/88 consolidou a evolução do Direito de Família, pois trouxe cidadania e dignidade como fundamentos
da República. O Direito de Família teve que romper com velhas concepções como ilegitimidade de filhos,
superioridade do homem sobre a mulher e casamento como única forma de constituir família. Trouxe
concepções de inclusão.
Após 1988 também surgiram importantes leis, como o ECA, investigação de paternidade e união estável. Em
2002 veio o novo CC, que não conseguiu traduzir todas as concepções de família, trazendo apenas tímidas
inovações.
Entretanto, as leis jamais serão uma fonte satisfatória do direito de família, por isso é necessário que estejam
em consonância com seus princípios basilares. Faz-se necessário buscar nos princípios gerais do Direito as
bases de compreensão e aplicação de um direito mais justo.
Um dos marcos para essa revolução é a introdução da psicanálise no discurso jurídico. Com a descoberta do
inconsciente por Freud descobriu-se um novo sujeito: o sujeito de desejos. Com isso, percebeu-se que atos e
fatos jurídicos não se realizam apenas por influências objetivas – há uma subjetividade, um sujeito
inconsciente que também tem ação decisiva.
Por influência da psicanálise e do sujeito de desejos, veio uma nova noção da relação conjugal e sexualidade,
traduzida pela não obrigatoriedade dos vínculos sexuais. Passou-se a valorizar os vínculos baseados no afeto,
que passou a ter valor jurídico – ética do afeto como um dos pilares do Direito de Família.

1. Princípios gerais do Direito


1.1. O positivismo e a compreensão do direito através de princípios
A aplicação de uma principiologia pressupõe a quebra da noção positivista do Direito, pela qual tudo o que
não está nas normas não existe para o Direito. O positivismo não considera outros tipos de normas além das
regras como componentes do Direito. Uma decisão requer uma norma preexistente.
Entretanto, a realidade sempre antecede ao Direito – este gira em torno da pessoa humana. Com isso, o
positivismo torna-se insuficiente, sendo necessária a aplicação de princípios jurídicos.
O papel dos princípios é informar todo o ordenamento jurídico, de modo a viabilizar o alcance da dignidade
da pessoa humana em todas as relações jurídicas, ultrapassando a concepção positivista.
Só é possível um Direito vivo e em consonância com a realidade se for um Direito principiológico.
1.2. As fontes do Direito
Diante da nova realidade jurídica globalizada, common law e civil law já não são famílias tão separadas. A
tendência desses sistemas é se remodelarem e sofrerem adaptações, buscando elementos um do outro.
O texto constitucional passou a exercer cada vez mais um papel unificador dos sistemas jurídicos e os
ordenamentos tem buscado cada vez mais seu ideal de justiça em uma base principiológica.
As fontes nos dois sistemas estão hoje muito semelhantes, apesar das diferenças estruturais de cada um. Uma
das razões dessa aproximação é a influência da base principiológica, predominante na common law.
Há hoje uma forte tendência em se falar de uma única família de direito ocidental – quando se fala em fontes,
refere-se às fontes do direito ocidental.
As fontes são atos ou fatos dos quais o ordenamento jurídico faz depender a produção de normas. São elas a
lei, costume, jurisprudência, doutrina, equidade, direito comparado, analogia e princípios gerais.
1.3. Princípios gerais para além da supletividade da lei
Os princípios se revestem de força normativa imprescindível para a aproximação do ideal de justiça.
Com a tendência de constitucionalização do direito civil, consequência dos movimentos sociais e políticos de
inclusão e cidadania, os princípios gerais tem se mostrado para muito além da supletividade.
É equivocada a ideia de que eles vêm por último no ato interpretativo integrativo. Como norma que são, os
princípios vem primeiro no processo interpretativo.
Os princípios gerais significam o alicerce, o os pontos básicos e vitais para a sustentação do Direito e tem um
sentido mais relevante que a própria regra.
1.4. Princípios gerais expressos e não expressos
Alguns princípios gerais não estão escritos em um texto legal – sua inscrição advém da fundamentação ética.
Eles estão subentendidos no texto legal, podem ser retirados da abstração de normas específicas.
O princípio não expresso não necessita estar escrito, pois já está inscrito todos os membros da organização
social e jurídica. Ex. proibição do incesto.
1.5. Normas e princípios gerais
Os princípios gerais são normas. Razões de Bobbio: são extraídos de outras normas, e tem função de regular
um caso, assim como as regras.
São mais normas do que as regras, pois traduzem não somente o sentido de um ato de vontade, mas o
conteúdo, o sentido da norma.
1.6. O princípio dos princípios: a norma fundamental – Kelsen e Freud
A norma fundamental, segundo Kelsen, é o fundamento de validade de todas as normas de uma estrutura
normativa, a unidade de uma pluralidade de normas.
É a norma fundamental, que é um interdito proibitório, que possibilitou a passagem do estado de natureza para
a cultura.
A norma fundamental, norma primeira que dá validade a todas as outras é a lei-do-pai (o filho deve obedecer
ao pai), que é uma norma de direito de família.
1.7. Princípios, regras, colisão e a contribuição de Robert Alexy
O critério mais utilizado para distinguir princípios e regras é o da generalidade: princípios são normas com
grau de generalidade relativamente alto e as regras são normas com grau de generalidade relativamente baixo.
Entretanto, Alexy afirma que esse critério não o mais adequado, devendo ser adotado um critério mais
qualitativo. A diferença é que os princípios ordenam algo que deve ser realizado na maior medida possível,
são mandados de otimização, enquanto as regras são aplicadas no modo tudo ou nada – ou são cumprias ou
não.
1.8. Colisão de princípios
O choque de princípios ocorre apenas no caso concreto, pois no plano abstrato, todos os princípios são
harmônicos.
Para Alexy, havendo conflito entre os princípios deve ser realizada a ponderação – tentar encontrar uma forma
de aplica-los e impor-lhes o menor grau de sacrifício possível. Para aqueles que discordam, o que deve ser
feito é a adequação dos princípios e não a ponderação, de modo que o intérprete deve optar pelo princípio
mais adequado ao caso concreto.
Para Rodrigo da Cunha, deve haver a ponderação dos princípios jurídicos em jogo, pois não há hierarquia
entre os princípios, mas não se pode deixar de observar a ascensão da dignidade da pessoa humana no
ordenamento jurídico. Havendo colisão, um princípio deve ceder a outro, de modo que se garanta a dignidade
da pessoa humana.
1.9. Princípios fundamentais e norteadores para o direito de família
As regras não conseguem alcançar a evolução social da família. Com isso, os costumes vão impulsionando os
operadores do direito para uma constante reorganização do direito de família.
Princípios: dignidade humana; monogamia; melhor interesse da criança/adolescente; igualdade e respeito às
diferenças; autonomia e da menor intervenção estatal; pluralidade de formas de família; afetividade.
2. A subjetividade na objetividade dos atos e fatos jurídicos
2.1. A outra dimensão da lei
A primeira lei organizadora dos comportamentos sociais é uma lei de Direito de Família: a Lei do Pai.
O Direito surge como uma exigência da civilização para a contenção do gozo, supressão dos instintos, pois o
homem, na busca de saciar seu gozo faz do outro um objeto.
Se o Direito tem uma relação direta com o gozo, significa que suas ações e o desenvolvimento dos atos e fatos
jurídicos não estão apenas na ordem da objetividade. Há outras razões na vida e aplicabilidade do Direito que
não estão apenas na realidade visível e aparente.
A Psicanálise, ao anunciar outro sujeito, o sujeito inconsciente, provoca uma perturbação na tradição jurídica.
Não é novidade falar dos elementos ficcionais tradicionais do Direito – ex. citação por edital e determinação
de que todos devem conhecer as leis – que são premissas sem as quais não seria possível operacionalizar o
Direito. A novidade é o que Direito não apenas necessita dos elementos ficcionais, mas nasce de uma ficção.
A Lei do Pai é uma lei simbólica. É por uma origem ficcional que se instaura a lei, a autoridade. Por ser assim,
é possível que o Direito de Família contemporâneo considere a paternidade uma função, e não apenas um
conceito biológico, dando origem à paternidade socioafetiva. O pai é uma figura simbólica, pois o que
interessa para o sujeito é um pai, e não o pai.
O Direito fica abalado quando se desvenda que a verdade normativa é apenas uma das verdades existentes- há
ainda a subjetividade e o inconsciente.
2.2. A introdução da Psicanálise no discurso jurídico
É no Direito de Família que a subjetividade se apresenta mais fortemente e é mais perigosa.
A compreensão de que a psique é composta pelo consciente e pelo inconsciente mudou as formas de ver o
mundo.
A subjetividade integra e perpassa os atos jurídicos e jurisdicionais. A Psicanálise vem trazer de volta a
valorização do indivíduo, do sujeito – subjetivo é o sujeito com suas particularidades e singularidades.
A subjetividade está associada ao inconsciente, que se liga ao desejo.
O inconsciente se releva através dos sonhos, atos falhos, esquecimentos, lapsos... Estes revelam a verdade do
desejo, que interfere na ciência jurídica à medida que revelam o não dito, aquilo que está por detrás da lei,
dogmas jurídicos e instituições. O inconsciente desconhece relações lógicas de causa e efeito.
No Direito de Família a Psicanálise tem especial importância por trazer à consciência a verdadeira razão de
um litígio ao revelar o inconsciente. Além disso, na singularidade dos julgadores estão suas inscrições
inconscientes adquiridas ao longo da vida. A Psicanálise permite compreender alguns processos patológicos
irracionais muito comuns na prática jurídica.
2.3. Subjetividade e inconsciente
2.4. Sujeito de direito, sujeito de desejo e o seu objeto: desejo, logo existo e tenho direitos
Para ser sujeito de direitos não basta que se tenha capacidade jurídica no sentido clássico. É necessário se estar
reconhecido como sujeito de acordo com a moralidade pública reconhecida pelo Estado. A noção de sujeito de
direitos está relacionada a questões de inclusão e exclusão do laço social. Trata-se da moral sexual
civilizatória, provocadora de grandes injustiças. Foi com base nessa moral que o Direito de Família esteve
assentado no tripé sexo-casamento-reprodução.
Desejo é inconsciente e o sujeito também é desejo. O sujeito de direitos é o mesmo sujeito de desejos. Todos
os atos e fatos jurídicos são determinados, predeterminados e permeados pelo desejo. Em todas as relações
jurídicas, o sujeito de direitos e o objeto são determinados pelo desejo, muitas vezes inconscientemente.
2.5. Vontade, necessidade, desejo e gozo com o sofrimento
Nas relações de Direito de Família, o elo determinante é o amor, o afeto, que está vinculado ao desejo, ao
inconsciente.
Necessidade é consciente, e é um estado de que não se pode fugir ou dispensar. É o substrato do desejo.
A necessidade pode e deve ser satisfeita. A vontade, as vezes, e o desejo nunca. É impossível satisfazer o
desejo, pois ele sempre demandará outra satisfação, inventará uma nova demanda. Não ter tudo o que
desejamos é o que nos faz viver, é nossa força motriz.
A Psicanálise permite uma ampliação da compreensão da estrutura do litígio e do funcionamento dos atores e
personagens da cena jurídica e judicial. Consequentemente, possibilita uma práxis mais ética dos operadores
do Direito.
Nas relações jurídicas, vontade, necessidade e desejo se entrelaçam, podendo provocar injustiças. O desejo
interfere no Direito, relativizando a necessidade. O Judiciário torna-se meio de realização de um desejo
inconsciente. Compreender essa cena é não se permitir ser instrumento de satisfação de desejos ocultos.
A eternização do litígio também significa gozo, pois o litígio é uma forma de não separar as partes, que ficam
unidas pelo gozo do sofrimento. O gozo tem apetite de morte: goza-se com o prazer e também com o
sofrimento. O litígio judicial é uma história de degradação do outro.
A Psicanálise faz quebrar o brocardo de que o que não está nos autos não está no processo. As razões
inconscientes e o gozo, embora não estejam no mundo objetivo dos autos, perpassam o processo.
Possibilidade de uma conduta mais ética dos operadores do Direito por não se permitirem ser instrumentos do
litígio, do assujeitamento das partes àquele gozo.
2.6. A clínica do Direito
A Psicanálise traz outra ética para a advocacia de família. A nova ética está em mostrar ao cliente que seu
verdadeiro interesse não é aquele que aparenta ser. A função do advogado é separar a objetividade da
confusão dos elementos subjetivos. Esta é a clínica do Direito.
2.7. Neutralidade, imparcialidade e subjetividade dos juízes
As noções de subjetividade e inconsciente permitiram fazer uma distinção entre imparcialidade e neutralidade
dos juízes. É possível ser imparcial, mas a neutralidade absoluta dos juízes é impossível.
Imparcial é não se deixar contaminar pelas paixões, não beneficiar ou prejudicar a qualquer das partes. Já a
neutralidade é impossível porque o inconsciente de uma pessoa produz efeitos contaminando o dever-ser e o
ato de julgar. Exigir a neutralidade é coisificar uma pessoa, fazendo-a abrir mão de sua singularidade, sua
história. A pessoalidade e singularidade está vinculada à história de cada um, à construção de seus valores
morais e éticos, sua concepção política e ideológica, a maneira como vê a vida.
2.8. A subjetividade nos princípios jurídicos
A colisão de princípios existe em razão de seu conteúdo de subjetividade.
Um princípio é constituído por valores, e por isso é relativo e relativizável, podendo ser usado até mesmo para
sustentar situações antagônicas.
A relatividade dos valores é o que provoca a colisão dos princípios. Essa relatividade vem das concepções
ideológicas, morais, políticas ou econômicas – da posição do sujeito na vida, que tem raízes na sua estrutura
familiar.
Na objetividade da argumentação está presente uma motivação inconsciente para justificar este ou aquele
princípio.
● Nacif: o id é o carnaval, é o comportamento apenas pautado nos prazeres, o “eu quero é ser feliz”. O
id é limitado pelo superego, que policia a pessoa. Todo esse sistema é a racionalidade do direito
levada às suas últimas consequências. Nós reproduzimos na ciência jurídica o que nós somos como
seres humanos, como pessoa. O Direito distribui o que nós temos em nossa sociedade. O Direito é o
superego da sociedade.

3. Moral e ética – Uma distinção necessária para a aplicação dos princípios


Os valores éticos devem preponderar sobre os valores morais, muitas vezes estigmatizantes.
A desconstrução de conceitos e valores, até então inabaláveis para o Direito de Família, como
indissolubilidade do casamento, família patrimonializada e hierarquizada, imutabilidade do regime de bens,
ilegitimidade de filhos, etc., deve-se à construção de novos valores, em que a família é concebida como
espaço de realização da dignidade humana.
As vezes, aquilo é ético não está de acordo com os valores morais vigentes em determinado ordenamento
jurídico, e o que é moral pode não ser ético.
Os princípios gerais do direito são normas, e como tal, contêm regras e valores de caráter universal. Essa
afirmação possui dois corolários: os princípios são fundantes, anteriores a outras normas e o reconhecimento
da racionalidade na universalidade de princípios (ausência de contradições internas). O que faz a validade de
um princípio é sua universalidade (não se dirige a apenas um grupo) e racionalidade (qualquer ser humano é
dotado de razão). Há ainda a não-subordinação, que é a inexistência de regras anteriores ou superiores.
Ex. dignidade da pessoa humana. Concepção kantiana: toda pessoa é digna porque é racional. Concepção
teológica: dignidade baseada no comportamento cristão do amor ao próximo. Para determinar a essência
humana é necessário um critério inclusivo, independente de mudanças externas. Este critério é a razão
humana. A concepção teológica não consegue apontar um critério de validade universal para a dignidade
humana.
O valor do princípio é dependente de sua condição ética, mas deve-se tomar cuidado para não substituir a ética
pela moral.
Para Miguel Reale a ética é uma teoria da conduta: há condutas que não visam outras condutas (estéticas ou
teoréticas) e condutas que visam outras condutas (econômicas ou éticas). É uma concepção aristotélica, que vê
na conduta uma espécie de conhecimento da ação. É tarefa da ética a avaliação de ações, pois seu norte
fundamental é a finalidade da ação. É o ponto de partida para novas ações – não é um fim em si mesmo, mas
um meio para se chegar a algo, que é um bem, um valor. O que qualifica uma ação como jurídica, moral ou
ética é a ordem valorativa: a ação jurídica é aquela de acordo com o direito, a ação moral é a de acordo com a
moral e a ação ética é a que realiza valores admitidos interiormente. Assim, para que haja ação ética é
necessário um valor moralmente admitido pelo agente.
Na concepção aristotélica, a ética se assemelha muito com a moral, sendo uma forma específica de
funcionamento da moral: é o dever moral reconhecido como racional pelo agente. Tanto a moral quanto a
ética são guiadas por valores individuais e subjetivos, mas a ética é a avaliação racional das questões morais.
Por se tratar de uma avaliação subjetiva da ação e dos fins, a moral está no plano do relativismo, o que a
diferencia do direito. Moral e ética são campos de regulação interior da conduta, e o Direito é o campo de
regulação exterior.
Na doutrina jurídica, há uma tendência de se considerar a moral um conjunto de valores universal em razão de
sua origem na espontaneidade. Raramente os juristas desconfiam da moral. A própria justiça é tratada como
um conceito moral.
Moral vs. Direito: foro íntimo (reprovação apenas na consciência) – foro exterior (mobilização do aparelho
estatal para a punição); falta de coercibilidade – coercibilidade; alcance unilateral (não atribui poder ou
faculdade ao outro) – alcance bilateral (há exigibilidade).
No sentido original, a ética é o conhecimento mais complexo da natureza de uma coisa, das atribuições que
não podem ser negadas sem que a coisa deixe de ser o que é. Por ser da natureza humana agir e julgar o que
lhe cabe fazer, a ética é, na prática, um estudo da necessidade de ação. Assim, o conceito ético de justiça é a
prática de autopreservação diante de causas externas que perturbem sua natureza. Para saber o que é justo ou
injusto, deve-se analisar o que preserva ou deteriora a natureza. Já os conceitos morais de justiça e injustiça
são muito relativos.
É necessário tratar a justiça sem uma abordagem moralista, sem confundir moral e ética. A ética tem na moral
um de seus objetos, mas não o único, como pretendem Aristóteles e Reale. A ética, ao tratar o homem, estuda
suas ações e sua liberdade.
A solução mais justa para os conflitos que se apresentam para a justiça da família é aquela que busca o
verdadeiro respeito aos elementos fundamentais das relações de família. Optar pela ética em detrimento da
moral significa trazer para o Direito a família como um agrupamento cultural, e não natural.
Afeto, igualdade alteridade, melhor interesse da criança/adolescente, pluralidade de famílias, autonomia da
vontade e mínima intervenção estatal são princípios fundamentais e norteadores do Direito de Família, e sob
os quais está o macro princípio da dignidade da pessoa humana.
Nacif: tanto ética quanto moral são normas de conduta – como se deve comportar, qual é a ação mais
correta. Entretanto, sempre tivemos a moral fundamentada em um preceito religioso que vem da livre
arbitriu – eu só existo em Deus se eu faço as coisas corretas. A moral é fazer a coisa correta dirigida à
finalidade do ato. A moral é uma norma de conduta criada de acordo com o padrão teológico, ditada
pela concepção cristã. Quem ensina essas regras é a própria família, de forma instintiva (quando a mãe
diz não à criança) – sistema 1 (resposta rápida, imediata). Há apenas uma reação. Kant rearruma essa
questão e diz que a regra de conduta não pode ser certa e não certa para outro grupo. A regra de conduta
deve ser um imperativo categórico, deve ser universalizada. A regra fazer a coisa certa deve servir da
mesma forma para um cristão, um budista e um ateu. Não é possível haver uma regra para cada grupo
social. Por isso, a regra de conduta deve ser pautada pela racionalidade, pois é só por meio dela que
tem-se a universalidade (sistema 2 – parar, refletir sobre o ato e dar a melhor resposta, que deve ser
igual independente da “mãe” que se teve). Dentro do grupo moral teológico, algumas pessoas são
exclusivas. No Brasil, o problema não é tão grande porque a imensa maioria da população é cristã. A
moral alimenta o Direito, o Direito vai à moral para buscar regra de contidas. A moral é um superego –
restinge-se o ego, o que eu quero fazer. No entanto, isso é errado, pois o Direito deveria se voltar à
ética, na qual há reflexão sobre o ato. Com isso, a ética torna-se uma ciência do comportamento – parte
da filosofia. O maior problema é refletir sobre as posições que temos e separá-las. O princípio da ética é
que todos os homens são iguais. Todos os homens devem ter sua completude o necessário (o que não
existiríamos se faltasse). Dentro das condições necessárias é ser feliz do jeito que se acha que deve ser.
Ex. testemunhas de Jeová – autonomia de levar a vida como escolheram. A moral é algo que foi
ensinado, e apenas se repete. Já a ética é pensada, refletida. A moral é excludente, pois é uma regra de
conduta de um grupo e quem quer que não a obedeça é excluído. Já se as regras de conduta são éticas,
há universalidade. todos os homens são iguais.

4. Os princípios fundamentais para o Direito de Família


4.1. O princípio da dignidade humana
A dignidade é um princípio ético, que norteia diversos outros princípios. É um macroprincípio, do qual
irradiam e estão contidos diversos outros princípios.
Não é possível pensar em direitos desatrlados da ideia de dignidade.
A dignidade é condição superior do homem, independente de merecimento pessoal ou social. É inerente ao ser
humano.
4.1.2. A dignidade de Kant
A origem da expressão está em Kant.
Há em cada homem um mesmo valor por causa de sua razão. O homem jamais deve ser transformado em
instrumento para que sejam atingidos determinados fins. O homem, dotado de consciência, possui um valor
que o coloca acima da condição de coisa. Esse valor é a dignidade. As coisas têm preço, e as pessoas
dignidade. Quando uma coisa tem um preço, podemos substituí-la por qualquer outra como equivalente; mas o
homem, superior à coisa, está acima de todo preço, portanto não permite equivalente, pois ele tem dignidade.
A dignidade decorre da própria natureza humana, e não de variáveis externas.
Não há relatividade – a dignidade é um valor de todo ser humano porque é racional.
Os Direitos Humanos são baseados na dignidade - neles está a certeza de que determinados direitos devem ser
atribuídos às pessoas por uma mesma causa universal e acima de qualquer arbítrio humano.
4.1.3. Dignidade, direitos humanos e inclusão social
Uma sociedade justa e democrática começa e termina com a consideração da liberdade e da autonomia
privada. Isto significa que a exclusão de determinadas relações de família do laço social é uma afronta à
dignidade da pessoa humana.
Os exemplos históricos de indignidade no Direito de Família são muitos: a exclusão da mulher do princípio da
igualdade, colocando-a em posição inferior ao homem; a proibição de registrar o nome do pai nos filhos
havidos fora do casamento se o pai fosse casado; e o não-reconhecimento de outras formas de família que não
fosse o casamento.
4.1.4. Dignidade e subjetividade
O princípio da dignidade, como todos os princípios, contém valores e, portanto, traz consigo, além de seu
conteúdo normativo, um conteúdo axiológico e é por conter valor que a dignidade está também no perigoso
terreno da relatividade e subjetividade.
O ângulo pelo qual se vê e se atribui o valor à dignidade é um ângulo do sujeito singular com toda a sua carga
de subjetividade.
É necessário conjugar relatividade e subjetividade à objetividade do conceito de dignidade.
O macroprincípio da dignidade da pessoa humana nunca poderá sofrer qualquer tipo de relativização, mas
apenas os subprincípios que compõem seu conteúdo. No caso concreto, o que deve haver, portanto, é uma
ponderação de princípios, de modo a se precisar a forma em que será alcançada a dignidade.
● Nacif: nós somos detentores do valor ontológico a partir do ponto em que somos racionais. Essa é
uma concepção kantiana e esse presunção da racionalidade na verdade nos afasta como espécie. Isso
vem do direito natural – somos portadores de dignidade pelo simples fato de existirmos e sermos
diferentes das outras espécies. Somos mais valorados que as outras espécies. Afirma dignidade é um
direito pré-Estatal, mas não há direito sem Estado, pois o fato de merecer proteção não significa
direito. Assim, essa ontologia está sendo superada, pois a dignidade se baseia no fato que existe em
nós um investimento da natureza. Não é possível fundamentar apenas na racionalidade, pois isso lega
a alguns distúrbios, como há no CC espanhol, pelo qual só é pessoa digna de proteção aqueles que
tenham nascidos com forma humana e viáveis.
4.2. Princípio da monogamia
4.2.1. A essência da monogamia
Função de um princípio jurídico ordenador. É um modo de organização da família conjugal.
4.2.2. Monogamia e poligamia
O rompimento do princípio da monogamia não está nas relações extraconjugais, mas na relação extraconjugal,
em que se estabelece uma família simultânea àquela já existente.
A proibição de relações extraconjugais é uma das formas e instrumentos de garantia do sistema monogâmico,
e também do poligâmico. A premissa da fidelidade está sempre presente.
4.2.3 Interditos ao desejo, fidelidade e promiscuidade
O Direito funciona como uma sofisticada técnica de controle das pulsões e podemos dizer, então, que a
primeira lei de qualquer agrupamento é uma lei de Direito de Família: a Lei-do-pai, ou seja, o interdito
proibitório do incesto. Sem esse interdito primeiro estaria instalada a promiscuidade, que geraria o caos e
inviabilizaria qualquer organização social e jurídica.
A monogamia ou mesmo a poligamia constituem-se também como um interdito viabilizador da organização
da família. Necessidade de se barrar um excesso, fazer uma renúncia pulsional para que possa haver
civilização.
4.2.4. O avesso do direito
Não há necessidade de se proibir algo que ninguém deseja fazer e uma coisa que é proibida com a maior
ênfase deve ser algo que é desejado. A fidelidade só tornou-se lei jurídica, isto é, um dos deveres do
casamento, porque o “impulso” da infidelidade existe.
4.2.5 O justo e o legal na monogamia
A infidelidade torna-se interesse do Estado na medida em que ele pretende dar proteção às famílias. Por outro
lado, é o pacto particular do casal que deveria determinar essas regras.
Com a abolição de culpa pelo fim da conjugalidade, o dever de fidelidade perde sua força como regra jurídica.
4.2.6 A natureza monogâmica
Com a igualdade de direitos entre homens e mulheres, a obrigação de fidelidade é recíproca.
A monogamia surgiu na História surge sob a forma de escravização de um sexo pelo outro, principalmente
para garantir que a paternidade seja indiscutível e que os filhos na qualidade de herdeiros terão assegurada a
transmissão da herança – motivos econômicos.
A partir do momento em que não houver mais diferenças econômicas entre os gêneros e na medida em que as
leis vão proclamando a igualdade, as regras da fidelidade também sofrerão modificações. A infidelidade
masculina provavelmente terá o mesmo peso e valor que a feminina.
4.2.7 O amor on line, off line e a ciberinfidelidade
A realidade cibernética terá como consequência uma modificação inevitável das formas sociais atuais, como
casamento, sexo casual, namoro e infidelidade.
A prevalência dos affairs virtuais tornará as relações extraconjugais mais comuns e por causa disso, mais
aceitáveis. Será difícil evitar inteiramente a vasta quantidade de alternativas atraentes disponíveis.
A infidelidade é um complemento indispensável da monogamia - ajudam a “suportar” a relação oficial, e com
isto a relação que interessa ao sistema monogâmico e aos valores morais vigentes permanecerá. Neste sentido,
ele cumpre até mesmo uma função social de manutenção da família conjugal monogâmica.
4.2.8 O concubinato adulterino
Relação paralela ao casamento.
Na década de 60 o Supremo Tribunal Federal publicou a Súmula 380, dizendo que os bens adquiridos pelo
esforço comum, decorrentes de uma sociedade de fato em um concubinato, são partilháveis. Importante para
ajudar a desatrelar os aspectos morais do concubinato, possibilitando uma visão mais jurídica.
Esforço comum, palavra-chave para o entendimento do concubinato, poderia ser direto ou indireto (atribuição
de um conteúdo econômico ao trabalho doméstico)
Inicialmente, não se fazia distinção entre concubinato como uma relação paralela ao casamento e concubinato
não-adulterino como mais uma forma de constituir família, sem o selo da oficialidade do casamento. Essa
diferenciação foi viabilizada com a Constituição de 1988, que substituiu a expressão concubinato por união
estável.
Não conceder direitos aos concubinos estar-se-ia fazendo injustiça e inclusive beneficiando os sujeitos da
relação protegida oficialmente.
4.2.9 Multiculturalismo e direito internacional privado
A legislação que regulamenta a matéria, ou seja, a Lei de Introdução ao Código Civil, é de 1942, de uma
época em que o multiculturalismo não tinha, nem de longe, a tônica que tem hoje com a economia
globalizada.
A aplicação aqui deverá ser a do princípio da menor intervenção estatal em consonância com a hermenêutica
constitucional que dá ao brasileiro e estrangeiro residente no Brasil os mesmos direitos (art. 5º). Entre esses
direitos garantidos está o da cidadania e liberdade, pressupondo aí o respeito à identidade cultural diferente.
Sendo assim, entendemos possível o registro de casamento poligâmico estrangeiro em cartório brasileiro.
4.3. Princípio do melhor interesse da criança/adolescente
4.3.1. Contornos atuais da família e o papel da criança e do adolescente
Esse princípio tem suas raízes na mudança da estrutura da família, que passa a ser núcleo de afetividade e
companheirismo.
Com a valorização do sujeito e da dignidade dos membros, o menor ganha destaque em razão de ainda não ter
alcançado maturidade suficiente para conduzir a própria vida sozinho. Deve-se preservar ao máximo aquele
que se encontra em situação de fragilidade, e a criança e o adolescente se encontram em processo de
amadurecimento e formação da personalidade.
4.3.2. O teor do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
O conceito de melhor interesse é bastante relativo, podendo sofrer variações culturais e axiológicas. Por isso, a
definição do mérito deve ser feita no caso concreto.
Os princípios, diferente das regras, não trazem conceitos predeterminados, e sua aplicação deve ser prima
facie, e não no sistema tudo ou nada.
Amplia-se a possibilidade de o menor chegar à idade adulta com as maiores garantias materiais e morais.
Além dos direitos fundamentais gerais, crianças e adolescentes possuem alguns específicos, elencados pela
CF/88 e pelo ECA, como direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, proclama a prioridade absoluta da
infância e juventude.
Esse princípio deve orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico pátrio e as decisões judiciais a
serem tomadas, e impõe não apenas uma conduta omissa (de respeitar, não obstaculizar), mas uma conduta
comissiva (de promover).
É a vulnerabilidade que autoriza a aparente quebra da igualdade.
Em diversas situações, como definição de guarda e fixação de horários de visita, os filhos são tratados como
moeda de troca.
Por muito tempo, em razão da divisão sexual do trabalho, o bem estar dos filhos correspondia à guarda
materna. Entretanto, com a subversão desses papéis em face do feminismo e inserção da mulher no mercado
de trabalho, o pai foi chamado a compartilhar as atividades domésticas, incluindo a criação dos filhos. Com
isso, a guarda deve ser concedida àquele que apresentar melhores condições de criar o filho (que inclui maior
abertura para que o filho conviva com o pai não guardião), sem qualquer preferência.
A ordem jurídica começou a perceber a necessidade de dissociar a família conjugal da família parental, e
separou a culpa da guarda dos filhos.
Guarda compartilhada: tomada conjunta de decisões importantes em relação à vida dos filhos, mesmo após o
fim da sociedade conjugal. Garante a continuidade da convivência familiar.
Para a real aplicação desse princípio deve ser feita a dissociação entre moral e ética. Garantir o melhor
interesse do menor é romper todas as barreiras de preconceitos que possam existir, evitando o julgamento
moral pejorativo. Ex. adoção por homossexuais: a adoção deve ser deferida quando resultar em reais
vantagens para o adotado e fundar-se em motivos legítimos.
Zelar pelo interesse do menor é cuidar de sua boa formação moral, psíquica e social, o que se liga a três
referenciais de continuidade: da afetividade, social (preservação do ambiente de convício social da criança) e
espacial.
4.4. O princípio da igualdade e o respeito às diferenças
4.4.1. Igualdade, alteridade e o direito a ser humano
Paradoxo: quando mais se declara a igualdade de direitos, mais abstrata se torna a categoria desses direitos e,
com isso, mais se ocultam as diferenças geradas pela ordem social.
É preciso ir além da igualdade genérica e, para isso, desfazer o equívoco que diferença significa
necessariamente superioridade de um sobre o outro.
É a partir da diferença, da alteridade que é possível existir um sujeito.
4.4.2. Igualdade de gêneros e o aforismo lacaniano: a mulher não existe
A igualdade de gêneros é um princípio constitucional trazido pela CF/88, mas ainda não se efetivou.
A ideologia autorizadora da desigualdade é a superioridade masculina.
A história da mulher no Direito é um não-lugar, uma história de ausência, já que ela sempre esteve
subordinada ao pai ou ao marido, sem autonomia, incapaz.
Freud constrói sua teoria da sexualidade dizendo que o feminino é simbolizado como aquele que não tem e
isso faz com que a mulher busque se identificar com aquele que ela pensa que tem (o homem).
A nova divisão sexual do trabalho tem dado à mulher, aos poucos, um lugar de cidadã. A desconstrução da
superioridade masculina foi desencadeada principalmente pelo movimento feminista, que está atrelado a
elementos políticos, econômicos, religiosos, éticos e estéticos da sociedade.
No entanto, a mulher continua sendo objeto da igualdade enquanto o homem é o paradigma.
4.4.3. Igualdade formal e diferenças psíquicas
Teoricamente, a desigualdade de gêneros está superada pelo Direito Brasileiro. O CC/02 implantou de vez as
normas de igualdade. Ex. igual idade mínima para casamento e máxima para escolha do regime de bens.
Entretanto, a igualdade que está resolvida é a igualdade formal.
A igualdade, historicamente, passa por dois momentos: igualdade perante a lei (são iguais o que a lei
considera tais) e igualdade na lei (vedação de qualquer discriminação na própria lei).
O desafio passa a ser então, como considerar saudáveis as diferenças de gêneros. Sem essas considerações,
não estaremos aplicando corretamente esse princípio, mas violando o da dignidade da pessoa humana, ao
retirar da cena jurídica as peculiaridades e singularidades de cada gênero.
4.4.4. As ações inclusivas
A igualdade material é o direito à equiparação mediante a redução das desigualdades. Implica em tratamento
diferenciado em determinadas situações. Ex. tempo menor de trabalho para aposentadoria, licença-
maternidade maior que licença-paternidade...
No entanto, os mecanismos de promoção da igualdade de gêneros ainda não são suficientes.
Uma ideia que tem tomado corpo no Brasil é a inclusão de benefícios legislativos. São as ações afirmativas,
que nada mais significam que a afirmação, por meio de quotas, incentivos fiscais e medidas legais visando a
aproximação da igualdade. Ex. quota para mulheres para cargos eletivos.
4.4.5. De dona de casa a dona da casa
A submissão e resignação das mulheres mantinham os casamentos a qualquer custo. Era a negação de sua
possibilidade desejante. Perdiam até mesmo a identidade, ao ter que adotar o nome do marido.
A partir do momento em que a mulher se coloca na relação amorosa como sujeito, e não mais assujeitada, isso
repercute no ordenamento jurídico com a quebra do princípio da indissolubilidade do casamento. As relações
conjugais só se manterão com a contínua renovação da parceria.
Ambos os parceiros, além de iguais em direitos, são sujeitos desejantes. Isso possibilitou à mulher sair da cena
exclusivamente doméstica para participar também da cena pública e do mercado de trabalho.
Diante disso, o homem se viu obrigado a fazer alterações não apenas nas relações amorosas, mas também na
paternidade.
4.4.6. Guarda conjunta ou o fim do instituto da guarda com consequência do princípio da
igualdade
A guarda compartilhada surge como consequência do feminismo e redivisão do trabalho doméstico. Separação
da família conjugal e parental.
Interessa à mãe por retirar de si a sobrecarga de trabalho e ao pai por permitir o exercício verdadeiro da função
paterna.
Com a guarda compartilhada, pai e mãe continuam participando igualitariamente do cotidiano dos filhos. Não
há mais necessidade de se falar em pai guardião e pai visitante.
A verdadeira igualdade e isonomia dos gêneros significa que o poder familiar deve ser exercido em igualdade
de condições pelo pai e pela mãe. Limitar, restringir visitas/convivência familiar sem um motivo desabonador
e que desautorize tal convivência, além de ser uma afronta ao princípio do melhor interesse da criança,
desrespeita também o princípio da igualdade.
4.5. Princípio da autonomia e da menor intervenção estatal
4.5.1. Direito de família – direito público ou direito privado
É no seio da família que o indivíduo nasce e se desenvolve, moldando sua personalidade ao mesmo tempo em
que se integra no seio social.
Como há interesses do Estado e da sociedade na proteção da família, discute-se o limite entre o público e o
privado, isto é, sobre a inserção ou não de regras que disciplinam e regem a família no Direito Civil.
As normas de Direito de Família são normas de direito privado, na medida em que os interesses protegidos
são predominantemente individuais, tratando-se de uma relação entre particulares, embora haja interesse
coletivo. Não devem sobre a intervenção direta e ostensiva do Estado, que deve apenas tutelar a família.
Não se deve confundir tutela com poder de controle, restrição da autonomia privada.
4.5.2. Família, dignidade humana e aplicação do princípio da menor intervenção estatal
A CF/88 trouxe a preocupação com a dignidade da pessoa humana e despatrimonialização. Ampliou o campo
de aplicação da autonomia privada, que também se curva às relações familiares.
No seio da família, são os seus integrantes que devem ditar as normas.
A família antiga era numerosa, edificada no casamento, tendo o pai poder de vida e morte sobre a mulher e os
filhos. O CC/16 regulava essa família patriarcal, sustentada pela hegemonia do poder do pai, na
hierarquização de funções, na desigualdade de direito, na discriminação dos filhos, na desconsideração de
entidades familiares e no predomínio dos interesses patrimoniais sobre o aspecto afetivo. Era interesse do
Estado que essa família monolítica, unidade produtiva e esteio econômico da nação, fosse regulada
ostensivamente.
Com o declínio dessa família, surgiu uma nova, que valoriza o afeto, a solidariedade e a cooperação dso
membros. Houve a personalização e despatrimonialização da família, impondo limites à atuação do Estado.
Obs. não significa a não consideração das relações patrimoniais, mas uma retificação no sentido da dignidade
humana.
A família contemporânea não admite a ingerência do Estado, sobretudo em face da intimidade dos membros.
Processo de privatização das relações e desinstitucionalização da família.
O Estado abandonou sua figura de protetor-opressor para assumir a postura de protetor-provedor-
assistencialista. Visa a tutelar a família e dar-lhe garantias, inclusive de ampla manifestação de vontade. Ex.
liberdade do casal no planejamento familiar.
4.5.3. “Senso e contra-senso” da intervenção mínima do Estado
A intervenção estatal é mero instrumento para garantir a realização pessoal dos membros da família.
Entretanto, é possível encontrar na legislação manifestações em sentido contrário. Ex. normatizar as uniões
estáveis – adentrar a autonomia privada do individuo que optou unir-se sem a interferência do Estado
(paradoxo criado para proteger a parte economicamente mais frágil); regime obrigatório de separação de bens
para maiores de 70 anos; irrenunciabilidade do direito a alimentos do cônjuge.
Essas situações infantilizam os cônjuges, retirando seu poder de autodeterminação.
O CC/02 proíbe a intervenção do Estado da comunhão de vida do casal, mas estabelece a obrigação de
coabitação, que é interpretada como débito conjugal. O débito conjugal é contrário ao princípio da dignidade
humana e à livre disposição do próprio corpo e da privacidade. Segundo Maria Berenice Dias, na expressão
vida em comum não se pode ver a imposição do débito conjugal.
4.6. Princípio da pluralidade das formas de família
4.6.1. A tutela histórico-constitucional da família matrimonializada
A CF/88 rompeu com a premissa de que o casamento era o único instituto formador e legitimador da família, e
do modelo de família patriarcalizada, hierarquizada, impessoalizada e, necessariamente, heterossexual.
4.6.2. Aplicabilidade do princípio da pluralidade das formas de família
Seu marco histórico é a CF/88, que estendeu a proteção do Estado à união estável e família monoparental.
Entretanto, há várias outras formas de família além das elencadas.
A família não se constitui apenas de pai, mãe e filhos, mas é uma estruturação psíquica na qual cada um dos
membros ocupa um lugar, uma função, sem que estejam, necessariamente, ligados biologicamente.
A enumeração da CF/88 é meramente exemplificativa. Merece a tutela jurídica qualquer entidade familiar que
efetivamente promova a dignidade e realização pessoal de seus membros.
A família é locus de amor, afetividade, e qualquer discriminação afronta esse princípio. A família não é fato
da natureza, mas da cultura.
4.6.3. Famílias plurais e reinvenção do vínculo amoroso
Uma das dificuldades para a aplicação desse princípio é o apego ao tradicionalismo, o medo de que essas
novas formas de família signifiquem a destruição da família tradicional.
Mesmo quando a legislação brasileira só disciplinava a família fundada no casamento, as outras formas de
família já existiam, e continuarão existindo independente de seu reconhecimento pelo Estado. A legitimidade
essas famílias é um imperativo da noção de cidadania.
As normas que tem sua ratio nas relações familiares devem ser estendidas a toda e qualquer entidade familiar.
Não há razão para que os conflitos de outras formas de família sejam submetidos a varas cíveis onde há vara
de família.
A família como instituição perdeu sua força em razão de cinco fatores: - transformações no sistema capitalista
que levaram à inserção da mulher no mercado de trabalho; - luta pelos direitos civis das minorias; -
movimento de individualização das mulheres; - feminismo e controle tecnológico da reprodução humana; -
maior visibilidade das alternativas identitárias de gênero.
4.6.4. Famílias conjugais e ressignificação da sexualidade humana
Família conjugal é aquela que se estabelece a partir de uma relação amorosa. Baseia-se no afeto e amor
sexual.
Podem ser recompostas, reconstituídas, binucleares, casais com filhos de casamentos anteriores e filhos novos,
casais sem filhos, casais homossexuais... Não é relevante qualquer padronização, pois quando se fala em afeto,
isso é impossível.
União de pessoas do mesmo sexo: são famílias, em face do princípio da dignidade da pessoa humana e da
intervenção mínima. Se a união afetiva contém respeito, consideração mútua, assistência moral e material
recíprocas, não há porque não ser considerada família.
A importância desse princípio vai muito além de questões patrimoniais, previdenciárias e pessoais. Sua
importância está na desmarginalização de relações familiares.
4.6.5. Famílias parentais e o fim do contrato de reprodução humana
Pode conter ou estar contida na família conjugal. É a entidade familiar que se forma pelo agrupamento de
pessoas unidas por laços de parentesco biológico ou socioafetivo.
A família monoparental é formada por um dos pais e seus descendentes.
Também são famílias parentais a comunidade composta por irmãos que não convivem com os pais, ou por
avós e seus netos. O STJ já entendeu nesse sentido, ao autorizar a impenhorabilidade da residência por
considera-la bem de família.
A família socioafetiva inclui a família substituta, cuja gênese é a adoção, tutela ou guarda.
Também inclui as famílias reconstituídas, reconstruídas, binuclares ou mosaicos, formado pelo par e os filhos
advindos de relações anteriores, surgindo a figura do padrasto ou madrasta.
Os laços de parentesco têm se modificado com as inovações tecnológicas, como inseminações artificiais,
úteros de substituição, clonagem, etc.
Com as clonagens, é possível haver filhos de uma só pessoa, pois mesmo que o clone, geneticamente, seja
uma cópia, socialmente será outra pessoa. Analisando apenas o aspecto ético em detrimento da moral, o
incômodo gerado pela clonagem é decorrente da eliminação da necessidade do outro para que haja
reprodução.
4.6.6. Família unipessoal ou single
São os indivíduos que optam ou são levados a viverem sozinhos, deslocados fisicamente dos entes a eles
ligados por consanguinidade ou afetividade. Ex. solteiros por convicção, viúvos ou divorciados sem filhos ou
com filhos que já constituíram outra família, celibatários...
Sua principal característica não é morar sozinho, mas não estarem vinculados maritalmente.
Argumento contrário a ser família: unitarismo. O elo de afeto pressupõe pelo menos outra pessoa. A favor:
dignidade da pessoa humana.
Importância: reconhecimento e proteção de determinados direitos. Ex. impenhorabilidade do bem de família.
4.7. Princípio da afetividade
4.7.1. O afeto como elemento formador da família
A família no século XIX era patriarcal e estruturava-se me torno do patrimônio familiar. O vínculo familiar
tinha fundamentos formais e grande representatividade religiosa e política. À mulher cabia execução das
tarefas domésticas e criação dos filhos.
Com a inserção da mulher no mercado de trabalho e o feminismo, essa situação sofreu paulatinas
modificações. A família passou a se vincular e se manter pelos elos afetivos, em detrimento de motivações
econômicas. A mulher deixou de ficar presa ao marido, pois adquiriu possibilidade de se manter pelo seu
próprio trabalho.
Para que haja entidade familiar é necessário que haja um afeto especial, um afeto familiar, que pode ser
conjugal ou parental. É uma solidariedade íntima e fundamental de suas vidas – de convivência, vivência e
sobrevivência.
No entanto, não é sempre que houver afeto que haverá entidade familiar. Além deste, é necessário que haja
estabilidade (comunhão da vida, excluindo relacionamentos causais) e ostensividade (reconhecimento pela
sociedade, apresentação pública).
Assim o afeto é relevante, pois é o fundamento e a finalidade da família, mas não é o único elemento para sua
configuração.
4.7.2. Afetividade como valor e princípio jurídico
A partir do momento em que a família se desinstituticionaliza, a dignidade humana passa a ser o foco da
ordem jurídica. Passa-se a se valorizar da membro da família, e não a entidade familiar.
A família só faz sentido a partir do momento em que é instrumento para a promoção da dignidade dos seus
membros. A ordem jurídica assimilou tal transformação, passando a considerar o afeto como valor jurídico de
suma relevância para o Direito de Família.
Este valor permeou diversos dispositivos constitucionais e codificados. Ex. abolição da culpa no fim do
casamento, igualdade dos filhos.
4.7.3. Parentalidade afetiva e efetiva
Houve a jurisdicização da paternidade socioafetiva, que abrange os filhos de criação.
O que garante o cumprimento das funções parentais não é a similitude genética ou a derivação sanguínea, mas
o cuidado e desvelo dedicado aos filhos.
A filiação biológica não é garantia da verdadeira filiação. O cumprimento das funções paternas e maternas é
que pode garantir uma estruturação biopsíquica saudável para os filhos. A família não é um dado natural, mas
cultural.
A paternidade tem a liberdade como um de seus elementos intrínsecos.
A paternidade socioafetiva está alicerçada na posse do estado de filho, que remete à tríade nomen (menor
carregue o nome da família), tractus (seja tratado como filho) e fama (que a condição de filiação seja
reconhecida socialmente).
A paternidade socioafetiva ainda não conta um regramento legislativo, por isso sendo tão importante a
aplicação dos princípios.
Não significa a exclusão dos laços biológicos.
Ex. de afeto como valor jurídico: presunção de paternidade de filho advindo de reprodução artificial
heteróloga. Essa presunção em favor daquele que deu o consentimento para a realização do procedimento é
absoluta.
O TAMG promoveu a responsabilização civil de um pai que abandonou o filho. Essa responsabilidade não se
trata da imposição do dever de amar, mas de um imperativo judicial de criação da possibilidade da contrução
do afeto, que se dá com a convivência, com o ato de educar.

REPENSANDO O DIREITO DE FAMÍLIA – JOÃO BAPTISTA VILLELA

Dada a força de fenômenos contra a formação dos Estados nacionais, Reforma Protestante e Contrarreforma
católica, perdemos a capacidade de ver a família fora da ótica do Estado e da Religião, que determinavam um
perfil, regras e impondo-lhe interesses que transcendiam os seus próprios. No entanto, a família é dinâmica e
dispensa ambos para se constituir e para sobreviver.
A visão de família atual está permeada não pelo que ela é, mas pelo que o sagrado e o político tentaram dela
fazer – o fato da família se diverge da versão de família.
Com o desenvolvimento do capitalismo moderno e a depuração da fé moderna, a família começou a se libertar
das forças externas de domínio e opressão. A família inicia o processo de recuperação da identidade perdida.
Acaba a finalidade procriativa do matrimônio, os teóricos viram as costas para a ideia demonizada do sexo.
Há a passagem de um núcleo institucional para um núcleo de companheirismo.
A família se desvencilhou da imensa carga de atribuições que tinha, e com isso acabou por encontrar sua
própria atribuição, que é ser locus de amor, afeto e companheirismo.
Entretanto, houve um custo: o equilíbrio da família passou a depender da capacidade de auto-composição dos
seus membros. Os laços ganharam em expressão afetiva, mas perderam em capacidade de sustentação.
A família é anterior ao Estado e à Igreja, não cabendo a ambos desenhar o perfil de família, mas apenas
reconhece-la, assegurando sua autonomia.
O amor está para o Direito de Família assim como a vontade está para os contratos, mas é subestimado.
O Direito de Família também deve atender ao aconselhamento preventivo e reparatório, por meio da mediação
extrajudicial.
O direito de família brasileiro é procriacionista, autoritário, determinista, substitutivista, invasivo e
extremamente guloso.
Procriacionista: obstáculos à adoção;
Autoritário: retiram das pessoas a sua capacidade negocial. Ex. STF veda a renúncia a alimentos por
cônjuge (embargo de sua aparente neutralidade, ao pretender, de fato, amparar a mulher, suposta vítima de
acordos lesivos, restaura, sob maldisfarçada roupagem, a velha incapacidade por enfermidade do sexo),
poder do MP investigar a paternidade independente de autorização da mãe e furor regulamentatório da
união estável (a CF quis estender a tais construções informais o manto protetor da lei, especialmente os
benefícios da seguridade social, mas trata-se de submeter compulsoriamente ao regime legal do casamento,
tanto quanto possível, aqueles que deliberadamente fizeram a opção pelo não casamento). O casamento ou
qualquer outra forma de associação íntima entre pessoas só interessa ao Estado sob dois aspectos: a
proteção dos filhos menores e a adequada liquidação do patrimônio que se tenha formado. . Quem,
podendo casar, prefere a união livre, deveria ter o direito de viver segundo suas próprias regras e não
segundo aquelas que deliberadamente rejeitou – sua união antes não era amorfa, só era regida por regras
que eram fruto do consentimento mútuo.
Questão da paternidade: elogio ao CC, que não adotou a paternidade apenas ligada à consanguinidade-
é o triunfo da vontade sobre a causalidade física. O marido que exercita a ação negatória de paternidade
não está demonstrando a impossibilidade de ter gerado o filho. Esta impossibilidade é apenas o
pressuposto para que se possa ajuizar a ação.
Guloso: recondução às varas de família de questões que não lhe são afetas. Ex. liquidação de patrimônio de
casal sem filhos menores. Se atendesse apenas às questões de seu específico interesse institucional poderia
conferir tratamento mais adequado aos problemas submetidos à sua jurisdição. A crise do processo penal e
a crise do processo de família são, sobretudo, uma crise de escuta. O acusado quer ser ouvido.
É necessário diminuir o coeficiente de direito - leia-se: de autoridade, invasão e arbítrio - e elevar o de família
- leia-se: de liberdade e de criação.

Desbiologização da paternidade – João Baptista Villela

1. A paternidade entre a natureza a cultura


A paternidade, desde os tempos mais remotos, era um determinismo decorrente do mistério da geração.
A paternidade não é um fato da natureza, mas um fato cultural. Não está subtraído à vontade humana.
2. Procriação e paternidade, categorias distintas
Como a gravidez é um fenômeno feminino e ostensivo. a responsabilidade social da mulher pela procriação
sempre esteve razoavelmente acautelada. A do homem, cuja participação não deixava vestígios seguros,
apenas estaria, caso o associasse à mulher o vínculo de justas núpcias.
Exceptio plurium concumbentium: exclusão da responsabilidade ao fundamento de ter a mãe coabitado com
outros homens no tempo presumível da concepção.
O Direito francês estabeleceu a dissociação entre a responsabilidade decorrente da coabitação sexual, que
pode resultar gravidez e a decorrente do estatuto da paternidade. Determinava que era possível reclamar
subsídios de quem manteve relações sexuais com a mãe no período da concepção, mesmo que mais de uma
pessoa. Essa situação é inadmissível quando se tem em vista a paternidade exclusivamente biológica. Visa a
impedir que o menor fique ao desamparo. Não se confunde com a investigação de paternidade, pois não se
pretende provar que é pai, mas exercitar a responsabilidade daquele que assumiu o risco de o ser.
O direito alemão admitia a responsabilidade exclusivamente patrimonial – paternidade só para alguns fins,
sem o ser efetivamente.
A independência entre paternidade jurídica e biológica também faz o caminho diverso, pois há diversas
situações na lei em que a paternidade é atribuída a quem não é o pai biológico. Ex. presunção de legitimidade
da prole da mulher casada; extinção do parentesco anterior do adotado e sua atribuição à nova família.
3. O quid da paternidade
Ser pai ou mãe não está tanto no fato de gerar quanto na circunstância de amar e servir.
História de Salomão: se o seu propósito fosse a atribuição da guarda à mãe carnal, o critério utilizado foi
inadequado, pois nem sempre aquela que gera é a que mais ama. Se o critério foi que deveria ter a guarda
aquela que excedesse em amor, tivesse ou não gerado, o critério foi perfeito.
Primado da criança sobre os direitos de sangue.
4. Visão biológica da paternidade e apelo à sua transcendência
Os liames do sangue são insuficientes para gerar um relacionamento mais profundo entre pais e filhos. É mero
determinismo biológico, que não contém nem pode conter qualquer potencialidade compreensiva de um
natural sentimento de admiração.
5. A paternidade e a nova família
As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico,
social e religioso para si afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo,
imprimiram considerável reforço ao esvaziamento biológico da paternidade.
O controle de natalidade permitiu separar procriação e atividade sexual.
A possibilidade de obter gratificação sexual sem os riscos da gravidez e, já agora, a possibilidade inversa, de
promover a reprodução sem atividade sexual, com a fecundação in vitro, tenderão a fazer da paternidade
rigorosamente um ato de opção. Os filhos, mais do que nunca, serão experimentados não como o salário do
sexo, mas como o complemento livremente buscado e assumido de um empenho de personalização.
Distinção: é possível fazer com que o pai biológico responda patrimonialmente por sua conduta, mas não
obriga-lo a assumir uma paternidade que não deseja. É impossível fazê-lo sem violentar as próprias pessoas e
também a ideia de paternidade, que pressupõe opção.
As prestações familiais, seja entre cônjuges, seja entre pais e filhos, só proporcionam plena satisfação quando
gratuitamente assumidas e realizadas.
Para a criança mesma os fatos físicos da geração e parto não conduzem diretamente a um vínculo com os pais.
Suas relações de sentimento surgem com base na satisfação de suas necessidades.
6. Desbiologização da paternidade: fato e vocação
A noção de que a paternidade é opção e exercício, e não mercê ou fatalidade, pode levar a uma feliz
aproximação entre os que têm e precisam dar e os que não têm e carecem receber.
A paternidade adotiva não é uma paternidade de segunda classe. Ao contrário: suplanta, em origem, a de
procedência biológica, pelo seu maior teor de autodeterminação.

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