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Cunha
Dada a força de fenômenos contra a formação dos Estados nacionais, Reforma Protestante e Contrarreforma
católica, perdemos a capacidade de ver a família fora da ótica do Estado e da Religião, que determinavam um
perfil, regras e impondo-lhe interesses que transcendiam os seus próprios. No entanto, a família é dinâmica e
dispensa ambos para se constituir e para sobreviver.
A visão de família atual está permeada não pelo que ela é, mas pelo que o sagrado e o político tentaram dela
fazer – o fato da família se diverge da versão de família.
Com o desenvolvimento do capitalismo moderno e a depuração da fé moderna, a família começou a se libertar
das forças externas de domínio e opressão. A família inicia o processo de recuperação da identidade perdida.
Acaba a finalidade procriativa do matrimônio, os teóricos viram as costas para a ideia demonizada do sexo.
Há a passagem de um núcleo institucional para um núcleo de companheirismo.
A família se desvencilhou da imensa carga de atribuições que tinha, e com isso acabou por encontrar sua
própria atribuição, que é ser locus de amor, afeto e companheirismo.
Entretanto, houve um custo: o equilíbrio da família passou a depender da capacidade de auto-composição dos
seus membros. Os laços ganharam em expressão afetiva, mas perderam em capacidade de sustentação.
A família é anterior ao Estado e à Igreja, não cabendo a ambos desenhar o perfil de família, mas apenas
reconhece-la, assegurando sua autonomia.
O amor está para o Direito de Família assim como a vontade está para os contratos, mas é subestimado.
O Direito de Família também deve atender ao aconselhamento preventivo e reparatório, por meio da mediação
extrajudicial.
O direito de família brasileiro é procriacionista, autoritário, determinista, substitutivista, invasivo e
extremamente guloso.
Procriacionista: obstáculos à adoção;
Autoritário: retiram das pessoas a sua capacidade negocial. Ex. STF veda a renúncia a alimentos por
cônjuge (embargo de sua aparente neutralidade, ao pretender, de fato, amparar a mulher, suposta vítima de
acordos lesivos, restaura, sob maldisfarçada roupagem, a velha incapacidade por enfermidade do sexo),
poder do MP investigar a paternidade independente de autorização da mãe e furor regulamentatório da
união estável (a CF quis estender a tais construções informais o manto protetor da lei, especialmente os
benefícios da seguridade social, mas trata-se de submeter compulsoriamente ao regime legal do casamento,
tanto quanto possível, aqueles que deliberadamente fizeram a opção pelo não casamento). O casamento ou
qualquer outra forma de associação íntima entre pessoas só interessa ao Estado sob dois aspectos: a
proteção dos filhos menores e a adequada liquidação do patrimônio que se tenha formado. . Quem,
podendo casar, prefere a união livre, deveria ter o direito de viver segundo suas próprias regras e não
segundo aquelas que deliberadamente rejeitou – sua união antes não era amorfa, só era regida por regras
que eram fruto do consentimento mútuo.
Questão da paternidade: elogio ao CC, que não adotou a paternidade apenas ligada à consanguinidade-
é o triunfo da vontade sobre a causalidade física. O marido que exercita a ação negatória de paternidade
não está demonstrando a impossibilidade de ter gerado o filho. Esta impossibilidade é apenas o
pressuposto para que se possa ajuizar a ação.
Guloso: recondução às varas de família de questões que não lhe são afetas. Ex. liquidação de patrimônio de
casal sem filhos menores. Se atendesse apenas às questões de seu específico interesse institucional poderia
conferir tratamento mais adequado aos problemas submetidos à sua jurisdição. A crise do processo penal e
a crise do processo de família são, sobretudo, uma crise de escuta. O acusado quer ser ouvido.
É necessário diminuir o coeficiente de direito - leia-se: de autoridade, invasão e arbítrio - e elevar o de família
- leia-se: de liberdade e de criação.