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Quando uma mercadoria atravessa dois espaços territoriais submetidos a soberanias

aduaneiras diferentes, se produz o acontecimento mais significativo de uma cadeia de elos


cujo denominador comum é o de formar parte de um mundo especial, regido por normas  sui
generis, que abarca desde um momento anterior aquele evento e se prolonga até outro
momento posterior. Este mundo especial é o mundo aduaneiro composto de relações
tributárias e não tributárias cujo objecto é produzir um resultado determinado, para as
partes envolvidas.
Sem a mínima pretensão de esgotar o tema, é imperioso reter-se que a actividade aduaneira
não é restrita apenas a funções de fiscalização e arrecadação de receitas, estende-se as mais
diversas funções de serviço público que vão desde a fiscalização da classificação pautal das
mercadorias até a verificação das condições sanitárias e aptidão para consumo humano,
desde a vigilância do tráfico de mercadorias até ao destino dos produtos nacionais, desde a
arrecadação de receitas até a de julgar e sancionar a violação das normas e procedimentos
aduaneiros vigentes.
É neste complexo cenário que surge a Fraude Fiscal Aduaneira. Sem entrar muito na parte
técnica e acadêmica da questão, fraude aduaneira é um conceito de direito aduaneiro
internacional que está presente em instrumentos elaborados pela Organização Mundial de
Alfândegas (OMA), a qual orienta aos seus membros adotar as mais modernas práticas
aduaneiras, inclusive em matéria de prevenção e combate.
De acordo com a Convenção Internacional para Assistência Administrativa Mútua para
Prevenção, Investigação e Repressão de Infrações Aduaneiras, realizada em Nairobi no dia 9
de junho de 1977, o termo ”fraude aduaneira” significa “uma infração alfandegária pela qual
uma pessoa engana a alfândega e, assim, evita, total ou parcialmente, o pagamento de direitos e
impostos de importação ou exportação ou a aplicação de proibições ou restrições estabelecidas
pela legislação aduaneira ou obtém qualquer vantagem contrária à lei aduaneira” (artigo 1º,
alínea c).
O caminho a percorrer para aferir a conformidade aduaneira, pode ter inicio antes, durante
ou após a submissão da declaração aduaneira e, independentemente do canal de
selectividade inicial, bastando que sobre este recaia a suspeita do cometimento de qualquer
tipo de fraude, tanto no processo de importação/exportação, como em relação aos
intervenientes do comércio exterior (despachantes, transitários e demais operadores), como
ocorria anteriormente, recaindo sobre o despachante o dever de instruir corretamente o
cliente, sob pena de responsabilização solidária, sendo certo que, nem as empresas com
certificação OEA estão imunes a instauração de um procedimento de combate à fraudes
fiscais aduaneiras.
Entre nós, a matéria está regulada na parte especial do Código Geral Tributário (CGT), no
seu capítulo IV, Secção I - Crimes Tributários, artigo 177.º com a epígrafe Fraude Fiscal
Aduaneira.
Dispõe o artigo em alusão que, comete fraude fiscal aduaneira aquele que:

1. Prestar à autoridade tributária competente, falsa declaração relativa a um facto


importante para a percepção de direitos e demais imposições aduaneiras;
2. Entregar, remeter por via directa ou indirecta, a autoridade tributária competente,
documento falso e relevante para a percepção de direitos e demais imposições
aduaneiras;
3. Falsificar ou promover a falsificação de qualquer documento relevante para a
percepção de direitos e demais imposições aduaneiras;
4. Induzir a autoridade competente em erro para obter isenções ou benefícios fiscais
aduaneiros;
5. Introduzir no território aduaneiro ou tiver em sua posse qualquer factura em branco
ou por preencher ou outro documento similar suspcetível de ser preenchido e
utilizado como factura de mercadorias importadas, com o fim de enganar autoridade
pública ou prejudicar interesses de outra pessoa.

Ab initio, o dever de fundamentação prévia, corolário a todos os atos administrativos


permanece obrigatório, devendo a Administração Geral Tributária justificar as razões de fato
e de direito que levaram a selecção para fiscalização, sendo que além da fundamentação
legal, tipificação legal, indicando à suspeita de infração específica; é necessário descrever
quais os indícios que levaram às suspeitas da suscitada infração, o que deve ocorrer por
meio de um Termo de Início de Fiscalização ou de Inspecção.
O Código Aduaneiro (Titulo III, Capitulo II, artigos 130.º e seguintes) dispõe que durante o
procedimento de controlo ou auditoria pós-desalfandegamento, são possíveis as seguintes
diligências fiscais:

 Visita física ao fiscalizado para verificação da existência de direito e de facto;


 Pôr a disposição todos os documentos, a correspondência, os sistemas
contabilísticos e os registos necessários para verificar o valor aduaneiro;
 Solicitação da comprovação da origem;
 Sempre que necessário, solicitação da colaboração das instituições bancárias

 Vale notar que, nesse tipo de procedimento a Administração Geral Tributaria, notifica o
importador/exportador para entregar documentos de boa-fé, e mesmo sem que ele tenha
essa noção clara, acabam corroborando as suspeitas, quando não fornecendo subsídios
adicionais para eventual autuação, cabendo ainda a revisão aduaneira em até 5 (cinco) anos
da data do registro da Declaração Aduaneira de Importação/Exportação, do que se denota
que mesmo após a minuciosa análise realizada pela AGT, o importador ainda não está
totalmente livre de enfrentar controvérsias decorrentes de determinada operação. Daí ser
exigível por lei a sua conservação por um período de cinco anos após o registo da declaração
aduaneira.
E neste quesito, é alarmante o desconhecimento da legislação aduaneira por parte dos
intervenientes no comércio exterior, especialmente em relação as infrações e penalidades,
tomando muitas vezes contornos extremos em pontos não tão graves e deixando de prestar
atenção em outros que podem acarretar a perda de receita e das mercadorias. Isso sem
mencionar o despreparo técnico de contabilistas, advogados e demais prestadores de
serviços não especializados na área aduaneira, o que muitas vezes pode acabar se revelar
perda para a própria empresa ou interveniente.
Julgamos mister lembrar as consequências que acarretam o cometimento das fraudes fiscais
aduaneiras, que vão desde:

 A aplicação da pena de prisão de seis meses a três anos dos envolvidos;


 A aplicação de multa de duas ou três vezes o valor dos direitos e demais imposições
aduaneiras;
 Possível constituição de créditos relativos a impostos directos tributos e multas.
 A representação fiscal para fins penais;
 A representação à fiscalização de impostos internos;
 A revisão da sua habilitação para operação nos sistemas de comércio exterior (OEA).

Em razão disso, contrariando o que ocorreu durante anos, em que o "crime compensava",
hoje é imprescindível o investimento preventivo, por meio do Compliance Aduaneiro e
Antifraude, que garanta o controlo eficiente e eficaz do fluxo regular das operações, de
importação e exportação.

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