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A caracterização da interposição fraudulenta,

a crescente criminalização do importador


e a boa-fé

São Paulo - 2016


Renata A. Faria Villela de Araujo
Editora do site www.estudosaduaneiros.com.br.
Gestora do grupo Estudos Aduaneiros.
Coordenadora da pós-graduação em Direito Aduaneiro da
AVM/UCAM e Portal F3/UCAM.
Professora em diversas instituições.
Articulista de diversas publicações jurídicas e contábeis e
organizadora da Coletânea de Direito Aduaneiro lançada
pela IOB em 2016.
Exemplo
O caso do dinheiro emprestado de pessoa física sem
interesse na operação.
Alguns pontos sobre o exemplo
 Longe do parâmetro da boa-fé todos os instrumentos
juridicamente válidos (contratos e transações) passam a
ser suspeitos.

 O importador vem sendo tratado como criminoso. Se


trata de uma impressão preconcebida de culpa ou dolo

 Essa presunção distorce o que é preconizado pelo sistema


jurídico que presume a boa fé, para adotar uma
interpretação da Fiscalização que presume o desvalor
(Conf. Ana Clarissa Masuko – Tributação Aduaneira).
Base legal da Interposição Fraudulenta
 Base Art. 59 da Lei 10.637/2002 que
acrescentou o inciso V ao artigo 23 do Decreto
Lei 1455/76.

“O art. 23 do Decreto-Lei no 1.455, de 7 de abril


de 1976, passa a vigorar com as seguintes
alterações:”
 "Art. 23.

 (...)V - estrangeiras ou nacionais, na importação ou na


exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real
vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante
fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de
terceiros.
 § 1º O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput
deste artigo será punido com a pena de perdimento das
mercadorias.
 § 2º Presume-se interposição fraudulenta na operação de
comércio exterior a não-comprovação da origem, disponibilidade
e transferência dos recursos empregados.
 § 3º A pena prevista no § 1o converte-se em multa equivalente ao
valor aduaneiro da mercadoria que não seja localizada ou que
tenha sido consumida.
 § 4º O disposto no § 3o não impede a apreensão da mercadoria
nos casos previstos no inciso I ou quando for proibida sua
importação, consumo ou circulação no território nacional."(NR)
 Art. 33 da Lei Federal 11.488/07:
 “A pessoa jurídica que ceder seu nome, inclusive
mediante a disponibilização de documentos
próprios, para a realização de operações de comércio
exterior de terceiros com vistas no acobertamento de
seus reais intervenientes ou beneficiários fica sujeita
a multa de 10% (dez por cento) do valor da operação
acobertada, não podendo ser inferior a R$ 5.000,00
(cinco mil reais).”
Visa combater

 Evasão de divisas
 Lavagem de dinheiro
 Descaminho
 Contrabando
 Sonegação Fiscal

Tudo mediante interpostas pessoas jurídicas


desprovidas de capacidades próprias (econômica,
operacional, financeira) para consecução de suas
atividades criminosas.
RADAR
 O RADAR (Sistema Ambiente de Registro e
Rastreamento da Atuação dos Intervenientes
Aduaneiros) introduziu uma nova forma de rastreio
dessas atividades irregulares.

 Primeiramente cabe distinguir e esclarecer, qual a


diferença entre uma operação de interposição
fraudulenta e as três maneiras (ou modalidades)
lícitas de importação.
Importação por encomenda ou a encomendante
pré-determinado
 Lei nº 11.281/2006
 Regulada pela IN SRF 634/2006.

 “A importação por encomenda é aquela em que uma


empresa adquire mercadorias no exterior com recursos
próprios e promove o seu despacho aduaneiro de
importação, a fim de revendê-las, posteriormente, a uma
empresa encomendante previamente determinada, em
razão de contrato entre a importadora e a encomendante,
cujo objeto deve compreender, pelo menos, o prazo ou as
operações pactuadas (art. 2º, § 1º, I, da IN SRF nº
634/06).”
Importação por encomenda ou a encomendante
pré-determinado
 Nesta modalidade o adquirente (encomendante) não
participa em praticamente nada na internalização
das mercadorias, sendo inclusive vedado com que o
mesmo participe com recursos junto ao importador,
por expressa vedação regulamentar (art. 1º, PÚ da
IN SRF 634/06).
Importação por conta e ordem
 Na importação por conta e ordem, temos uma
verdadeira prestação de serviços de importação.
Atualmente, tanto o prestador de serviços
(importador contratado) quanto o tomador (real
adquirente) precisam observar as regras dispostas
nas IN´s 225 e 247/02.
Importação por conta e risco
 A primeira e mais conhecida modalidade na qual o
importador adquire a mercadoria do exportador no
exterior, fecha o câmbio em nome próprio, com
recursos próprios, paga os tributos e a utiliza ou a
vende no mercado interno para diversos
compradores. Nesta não há qualquer ingerência de
terceiro estranho à relação comercial (importador x
exportador).
 É o importador que arca com todo ônus da
internalização da mercadoria no país.
 Neste cenário, a Receita Federal do Brasil não têm
medido esforços a fim de combater a interposição
fraudulenta de terceiros no comércio exterior, que
seria nada mais nada menos, que uma infração de
cunho administrativo, com eventuais reflexos na
esfera penal e cível, podendo culminar ou não em
prejuízo ao erário, que consiste na ocultação de
terceiros intervenientes, que por inúmeras questões,
não podem aparecer nessas transações e, portanto,
não possuem habilitação no SISCOMEX.
A criminalização crescente do importador
 O importador vem há muito sendo tratado como
uma espécie de traidor da pátria por decidir
importar. Se usufrui de regimes especiais é tratado
pela fiscalização como sonegador. Esquecem que se
o governo concede benefícios certamente tal fato se
dá para a garantia de projetos de interesse
estratégico nacional, que não seriam alcançados sem
as tais isenções e nem se compare os regimes
especiais do comércio exterior com os
irresponsavelmente concedidos como moeda de
troca política porque o drawback por exemplo está aí
há mais de 80 anos e não se trata desse tipo de
expediente.
A importação e o progresso tecnológico
 Vemos que passado o boom inicial causado pela
descoberta do pré sal hoje o Brasil sequer se encontra
entre os dez primeiros produtores de petróleo e os
incentivos que foram concedidos nos últimos anos o
foram com o objetivo de colocar o Brasil nesse cenário.
 A Sete Brasil teve acesso à tecnologia das sondas por
meio desses regimes, que possibilitaram a passagem do
know-how.
 A industria nacional não possui condições de fazer frente
a essas necessidades (de produção de navios, sondas e
plataformas), principalmente hoje em dia no momento de
crise em que vivemos.
 A tecnologia de exploração do pré-sal iniciou e hoje em
dia é liderada pela Samsung-Corea.
A necessidade de se interpretar economicamente
o Direito
 Como vem sendo dito pelo Professor Laercio Uliana
é necessário que haja uma interpretação econômica
do Direito senão haverá uma alienação da realidade
na aplicação dessa lei (dissociada das intenções do
legislador e dos princípios constitucionais) .

 Os dispositivos da lei 37/66, 34/66 são do período


de intervenção militar no Brasil, sem qualquer
compromisso de observação dos princípios da
Constituição Cidadã.
Fracasso do protecionismo
 GATT

 Brasil

 América Latina
Da necessidade do Código Aduaneiro Brasileiro
 Conforme falado pelo professor Fernando Pieri Leonardo
no congresso aduaneiro da OAB Curitiba esse ano, vindo
de encontro ao que venho sempre falando na pós e onde
tenho a oportunidade de palestrar nós necessitamos de
uma compilação legal que seja (à semelhança do NCPC)
pensado de acordo com os nossos princípios
constitucionais, de uma constituição conhecida como
“Constituição Cidadã” que dita o comportamento dos
advogados, magistrados e juristas.

 Uma legislação que carreie todas as peculiaridades e os


debates inerentes ao processo legislativo, não um
Regulamento baseado em uma legislação de 66 e
Numerosas IN’s (feitas por órgão vinculado ao Poder
Executivo).
Da necessidade do Código Aduaneiro Brasileiro
 Os dispositivos que regulamentam o ComEx brasileiro
favorecem a emissão de mais IN’s por órgão executivo.

 Em 2016 não se pensou nisso? O direito aduaneiro tem


cerca de 20 anos no Brasil. Ainda há muita confusão
sobre a topografia do direito aduaneiro.

 Pois é, muito embora tenha havido a abertura dos portos


às nações amigas em 1808 o Brasil só passou a ter uma
participação (ínfima) no ComEx nos anos 1990 com a
declaração do então Pres. Fernando Collor ao declarar
que os carros brasileiros eram carroças.
Da autonomia do direito aduaneiro
 A resolver essa questão vale fazer a simples
pergunta. O que tem de tributário no Poder de
Polícia da Aduana e da função primordial dessa que
não é a arrecadação, mas a proteção da sociedade
pelo controle fronteiriço.
 Nas origens, a atuação da Aduana era meramente
arrecadatória em prol da metrópole.

 Pela falta de um código aduaneiro e do estudo


sistematizado pelos juristas e advogados, pela nossa
inércia (advogados) em acompanhar as relações de
comércio exterior e entrar nessas relações essa
situação persistiu sem que tenha sido juridicamente
pensada e conformada aos princípios
constitucionais.
Requisitos para a caracterização da I.F.
 Como diz Breda:
 A interposição fraudulenta veio positivada em nosso
ordenamento com a Lei nº 9.613/98 (Lavagem de
Dinheiro), concebida juridicamente pela postura
daquele que se prestasse a intermediar negócio com
recursos ou coisas de produto de crime antecedente.
Ou seja, pela legislação a interposição fraudulenta
exige um delito antecedente.
Cont.
 Pela legislação referida, os crimes antecedentes com
relação de causalidade (conexo), pois praticados na
intenção de ocultar coisa ou dinheiro originário de
produto de crime, seriam os previstos no artigo 1º da
Lei nº 9.613/98: (i) tráfico de drogas; (ii) terrorismo;
(iii) contrabando ou tráfico de armas, munições ou
material destinado à sua produção; (iv) de extorsão
mediante seqüestro; (v) contra a administração
pública (corrupção); (iv) contra o sistema financeiro
nacional; praticado por organização criminosa.
 Nesse sentido, análise dos dispositivos que tratam
da interposição fraudulenta ao direito aduaneiro nos
demonstra que ela seria gênero do qual a ocultação
do sujeito passivo, adquirente e responsável pelas
operações seriam espécies de interposição.(...)
Cont.
 Defendemos a generalidade da infração de interposição de
pessoas, pois ela pode comportar várias figuras infracionais, já
que sua prática dá-se por meio de conduta impregnada com (i)
fraude ou (ii) simulação, visando à ocultação de terceiro, i.e., (i)
do sujeito passivo, (ii) do real vendedor, (iii) do comprador ou
(iv) do responsável pela operação de Comércio Exterior.
 Logo, ainda que se presuma interposição fraudulenta em
Comércio Exterior a operação que não tenha comprovação da (i)
origem, (ii) disponibilidade e (iii) transferência dos recursos
empregados, também teremos a interposição com a
comprovação dos recursos empregados nas operações de
Comércio Exterior, mas em que apenas existiu a ocultação do
terceiro.
Cont.
 Portanto, percebe-se que a ausência ou não, da
comprovação da capacidade econômica, operacional e
financeira, dá-se, por regra, em ocultação de terceiro, seja
o (i) sujeito passivo (ex. são os casos de conta e ordem);
(ii) do real vendedor (ex. são as triangulações que
ocultam o verdadeiro exportador, vendedor no mercado
interno, comprador/adquirente); e (iii) do responsável
pela operação (ex. operações de encomenda).
 A interposição fraudulenta aduaneira, assim, também
exige como pressuposto um ilícito antecedente, a ser
verificado em processo regular (IN/SRF 228/02), que
constatará a fraude ou simulação praticada pela
ocultação dos terceiros citados, seja com "...a não-
comprovação da origem, disponibilidade e transferência
dos recursos empregados", seja com a comprovação dos
recursos.
Cont.
 A ocultação em contraponto à colaboratividade
presente na boa-fé.

 A questão da prisão do inocente, por isso o respeito


aos princípios legais. O prejuízo e encerramento de
atividades de UM empresário de boa-fé avilta o
Estado de Direito.

 É um preço alto demais a pagar, esse nível de


intervenção estatal na vida dos particulares, por isso
o nosso clamor de uma atuação constitucional no
comércio exterior.
Planejamento tributário x I. F.

 Da facilidade em se verificar quando um Planejamento


Tributário é abusivo:

 Propósito Negocial

 Sem amparo da Verdade Material


(Simulado).

 Como fatores econômicos pesam nos processos


legislativos (revelado na lava jato nas recentes delações
da Odebrecht).

 Caso do Triplex no Guarujá.


Princípios
 Normas jurídicas com forte carga axiológica que
interferem na positivação de diversos comando
normativos.

 Proposta de aplicação legal para contrapor a


malsinada responsabilidade objetiva que contraria
inclusive o AFC.

 Constituição Federal
 Lei 9.784/99 (lei geral)
 Decreto 70.235/72 (PAF)
Lei 9.784/99

 Art. 2º - A Administração Pública obedecerá, dentre


outros, aos princípios da legalidade, finalidade,
motivação, razoabilidade, proporcionalidade,
moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança
jurídica, interesse público e eficiência.
A boa fé e a proteção da confiança
 No Acordo de Facilitação do Comércio há previsão
de que a maior multa englobe as menores, propõe-se
a proporcionalidade e a razoabilidade e uma atuação
governamental que não “sufoque” o comércio
exterior.
Proposta
 Princípio da Livre Iniciativa
 Adoção dos Princípios da Convenção de Quioto Revisada
 Decreto 70.235/72.
 Arcabouço principiológico e positivado do Direito
Sancionador por excelência, o Direito Penal.

Atualmente o sancionamento é condensado, onde as medidas


sancionadoras (perdimento, suspensão de ofício do CNPJ,
parametrização automática no canal cinza com caução necessária
para liberação) são aplicadas na seara administrativa e com
efeitos funestos para a empresa garantido por medidas como
suspensão de ofício do CNPJ e caução para liberação de
mercadorias que visam impedir o funcionamento da empresa,
sem o devido processo legal como conhecemos, mas como uma
série de atos de ofício apartados da jurisdição judicial.
Proposta
 Sonho de consumo – despacho do fiscal dizendo que
não verificou in casu o DOLO necessário para
caracterização.

 Deixo de aplicar cumulativamente as penalidades


em face do disposto do artigo 2º da Lei 9784/99.
Obrigada!

 Renata Faria
 Fan Page - Facebook: @estudosaduaneiros
 www.estudosaduaneiros.com.br
Bibliografia
 Tributação aduaneira: à luz da jurisprudência do CARF –
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais / Ana
Clarissa M. dos Santos Araujo; coordenação Marcelo
Magalhães Peixoto / Angela Sartori, Luiz Roberto
Domingo – 1 ed – São Paulo: MP Editora, 2013, p. 53
 Ensaios de Direito Aduaneiro, Coordenadores: Claudio
Augusto Gonçalves Pereira/Raquel Segalla Reis. São
Paulo: Intelecto Soluções, 2015.
 Santos, Leandro Correia. O princípio da confiança
legítima na comprovação da origem, disponibilidade e
efetiva transferência dos recursos utilizados na
integralização do capital social à luz da IN SRF Nº 228 de
2002.
 Felippe Alexandre Ramos Breda. O que é interposição
fraudulenta de terceiros e qual penalidade está valendo?

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