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Uma breve discussão em torno do golpe civil-militar em Pelotas e a

solidariedade vigente.
Lucas C. Bittencourt

Introdução
Esse artigo, tem como finalidade, trazer a tona, uma discussão ao que se diz
respeito a alguns acontecimentos que circundam a cidade de Pelotas no período de
ditadura civil-militar.
Fundamental citar, que, não me faz jus tentar descrever todas problemáticas
acerca do assunto nesse artigo, da mesma forma que, não é possível, traçar uma
linha do início ao fim do período do golpe na cidade (desta forma, narrando uma
história pelotense no período do golpe). Isso se dá, não só pelo restrito “tempo” que
é disposto, como a falta de estudos sobre o golpe no RS apontados por Rodeghero
(2008), ainda, ”os estudos sobre as manifestações de apoio ou repúdio no interior do
Estado praticamente inexistem, salvo poucos trabalhos acadêmicos” (DELLA,
Renato. BRANDÃO, Marília.2010).
Ademais, parte do que será apresentado, ​pode ser, considerado “história
oral”, uma vez que é retratado por figuras que foram viventes do período, sendo
assim, também notável a escassez de documentos ditos “oficiais” para um estudo
mais aprofundado, em contraste, isso também significa que há uma “janela” para
mais pesquisas dessa problemática, e sua importância, pode ser entendida como
fundamental para o maior desenvolvimento da historiografia Pelotense.
Uma outra importante ressalva, é o uso do termo “civil-militar”, uma vez que,
se compreende a participação de civis na articulação do golpe, e posteriormente
efetivação da ditadura (DELLA, Renato. BRANDÃO, Marília.2015), e portanto, da
importância do cuidado ao citar os nomes daqueles que de alguma forma,
participaram da manutenção do golpe, e o máximo respeito a aqueles que foram
resistência contra o mesmo.
Organização Inicial nos primeiros dias pós-golpe
Mesmo já tendo sido citado a impossibilidade de narrar de forma precisa a
cronologia de todo o período, a ordem dos acontecimentos a serem discutidos
tenderá a ser a sequência dos fatos.
Nos primeiros dias pós-golpe, é importante salientar que Pelotas (assim como
na capital e outras cidades em todo Brasil), houve um movimento em prol de apoio a
Jango, ainda, de acordo com Vera Lopes (em entrevista cedida a Marília Brandão), a
mesma fala sobre a descrença em acreditar na viabilidade do golpe, e que a
resistência seria forte, entretanto, o pedido de autoridades e da própria ida de Jango
ao exílio, foram marcantes para a desmobilização desse movimento.
Ainda, é interessante citar a resistência variada que a cidade mostrou,
partindo de organizações de trabalhadores, estudantes, na igreja, na câmera dos
vereadores e partidos políticos(PCB,PCdoB) e inclusive alguns clandestinos.
Sobre a igreja, a sra.Circe Cunha (em entrevista a Brandão), cita como o
trabalho com os mais pobres foi desarticulado já nos primeiros momentos do golpe,
com seus membros militantes sendo perseguidos e ameaçados.
Em relação à câmara dos vereadores, é célebre o fato que a mesma votou
por unanimidade uma nota de repúdio ao golpe, obviamente, tal ação levou a
mesma a sofrer perseguições e represálias, tendo vereadores mais extremistas
presos, e mandados cassados.
Ainda sobre ela se faz interessante a mostra, da citação presente no artigo de
Marília Brandão:
(...) com a instauração do Regime Militar, o comportamento dessa instituição
[a Câmara de Vereadores de Pelotas] sofrerá profundas alterações. Os
comentários sobre greves ou mobilizações dos trabalhadores cessam, os
comícios no largo da prefeitura por reivindicações salariais deixam de
existir. As atas tornam-se mais breves e sem nenhuma espécie de
comentários sobre quaisquer mobilizações populares (...) as atas
tornaram-se breves e sucissintas, restringindo-se a pequenos problemas

locais. (RAMIRES, 2000, p. 22).


A Perseguição no ambiente universitário
Não sendo exceção, o ambiente universitário também foi alvo de
perseguições, inquéritos, intimidações, prisões e expurgos.
Um dos primeiros atos de repressão que merece destaque, é a invasão ao
campus Capão do Leão, perfeitamente explicado por Marília Brandão:
“[...],ficou mais de uma semana cercado e controlado pelo exército,
enquanto moradores do bairro, funcionários, alunos e professores eram
levados presos para prestar depoimento. Eram, ainda, feitas revistas nas
casas e locais de trabalho, tudo a fim de apurar possíveis "subversores". O
principal alvo foram integrantes do Instituto de Pesquisas e Experimentação
Agropecuária do Sul, o IPEAS. Nada consta no jornal da cidade sobre a
ação, mas há vários relatos de militantes e, mesmo quem não sofreu com a
repressão lembra a sua repercussão: a desmobilização de Grupos de 11, a
perseguição aos "brizolistas", tendo como alvo principal o PTB, e, mesmo, a
perseguição ao próprio Brizola, que, em sua ida ao exílio para o Uruguai,
teria passado por Pelotas e ficado no bairro”(p.5, 2010).

Em relação a essa citação, é importante chamar a atenção para o fato que


nada foi constatado no jornal da cidade, sendo assim, os relatos de militantes a fonte
para o conhecimento desse fato.
Outro fato a ser destacado é a palavra “subversores”, usada como uma das
razões para a perseguição que ocorria com alunos, professores e funcionários nas
faculdades.
Ainda, importante dizer, que como já anteriormente citado, o golpe teve
participação cívica, e infelizmente, tendo três professores da faculdade corroborando
com a repressão a faculdade, sendo estes srª. Rosah Russomano de Mendonça
Lima e os srs. Gastão Coelho Pureza Duarte e Delfim Mendes da Silveira,
participando do julgamento e expurgo de estudantes e professores; Sendo evidente
suas ligações com a “Operação Limpeza” de 1964 e 1968.

Sociedade Pelotense dividida: entre apoio ao golpe e solidariedade.


Pode-se citar, casos onde partes da sociedade pelotense foram a favor do
golpe, como o Presidente da Associação Comercial de Pelotas ao homenagear os
golpistas, ou até mesmo com o Prefeito da cidade Edmar Fetter, ao ser conivente
com o golpe, uma vez que em seu pronunciamento pós-golpe, deixa entrelinhas um
aviso a população (Silveira, 2017), sendo explicita sua relação com a ditadura, ao
ser escolhido indiretamente vice-governador do Rio Grande do Sul de 1971 a 1975.
O parlamentar teve ainda papel importante quando na extinção do bipartidarismo,
em 1979, foi quadro de destaque durante a construção do PDS, o qual abrigou todos
os vereadores de Pelotas pertencentes à extinta ARENA (ALTMANN, 2007).
Ainda, havia apoio de particulares, sendo estes estudantes, professores,
membros da igreja etc…, mesmo que, nunca tenha se tido uma visão organizada de
apoio ao golpe, a mesmo existiu.
Desta forma, é solene o fato que parte da sociedade além de ter se voltado
contra o golpe, praticou a solidariedade a aqueles, que foram mais vulneráveis aos
efeitos do mesmo, com a narração dos diversos entrevistados, que dizem como
contaram com apoio de amigos, vizinhos, familiares e até mesmo pessoas sem
ligação aparente, mostrando a solidariedade vigente na resistência.
É interessante citar o fato de que Pelotas, por ser uma cidade com região de
fronteira, foi importante na organização de rotas de exílio, embora não estando na
borda do país. a cidade ainda compartilha de uma dinâmica própria dessas cidades,
e deve ser considerada como zona de fronteira, assim sendo, importante parte da
resistência à ditadura no país (DELLA, Renato. BRANDÃO, Marília. 2015).
Considerações Finais
Como dito no início, a discussão em relação a todo contexto de Pelotas
durante o golpe é complexa, além disso, como citado anteriormente, ainda faltam
estudos mais a fundo tanto da história da cidade no período, como da sociedade
pelotense, dessa forma, o objetivo aqui foi, de alguma maneira, trazer alguns pontos
que julguei importante para tentar fazer uma contextualização acerca do período,
mesmo que, de forma não necessariamente cronológica. Ademais, é inegável que a
cidade ofereceu resistência até um ponto, mesmo que não necessariamente
organizada.
Sobre isto, é triste pensar em como a sociedade pelotense foi conivente com
o golpe, mesmo que não em sua totalidade, corroborando com violência, injustiça e
perseguições, que prejudicaram a vida de muitos inocentes, cujo único anseio, era a
liberdade democrática de seu país, e também, de sua liberdade individual.
Em relação a possíveis pesquisas futuras sobre o tema, o direcionamento é
um pouco complexo, a “falta” de documentos oficiais, ou a disponibilidade dos
mesmos é um dificuldade a ser considerada. Ainda, mesmo a via de história oral
sendo um outro caminho de fonte para a pesquisa, encontrar as pessoas certas e ter
sua colaboração é outra problemática.
Uma possibilidade também é usar as mídias da época como fonte, ou
procurar os processos crimes e ver que existem indícios do abuso de poder no
período. No fim, os trabalhos aqui citados foram esforços árduos para dar uma base
sólida ao assunto, mas isso não significa que não há mais para ser questionado e
descoberto, afinal, não existe uma história absoluta, ou completa, e sim uma
contínua construção historiográfica, em busca de pequenas verdades, mesmo que
uma verdade absoluta não seja possível.

Referências Bibliográficas
​BRANDÃO,Marília. ​A Resistência Ao Golpe e Ditadura Militar em Pelotas:
reflexões sobre uma cidade do interior e próxima à fronteira​.
eeh2010.anpuh-rs,2019. Disponível em:
(​http://www.eeh2010.anpuh-rs.org.br/resources/anais/9/1279499337_ARQUIVO_arti
gomarilia.pdf​).Acesso em: (23/11/2019).

ALMANAQUE do Bicentenário de Pelotas Vol.3 ​O GOLPE CIVIL-MILITAR EM


PELOTAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS A PARTIR DE 1964​(DELLA, RENATO.
BRANDÃO, Marília. 2010) Pelotas, 2015.

SILVEIRA, Luisiane.​ A ATUAÇÃO FEMININA NO MOVIMENTO ESTUDANTIL


UNIVERSITÁRIO DURANTE O PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO DO
BRASIL( PELOTAS/RS: 1977-1986). ​Repositório.jesuíta,2019. Disponível em:
(​http://www.repositorio.jesuita.org.br/bitstream/handle/UNISINOS/7156/Luisiane%20
da%20Silveira%20Gomes_.pdf?sequence=1&isAllowed=y​). Acesso em:
(23/11/2019).

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