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UD 2

EDIÇÃO 2011 - 2012

PROGRAMA DELNET
DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO LOCAL
UNIDADES
DIDÁTICAS

O risco de desastres: origem,


avaliação, redução e
prevenção no quadro do
desenvolvimento local
sustentável

Curso de Redução do Risco de Desastres e


Desenvolvimento Local Sustentável

© Centro Internacional de Formação da OIT

www.itcilo.org/delnet Cooperação Humanitária do Governo


delnetportugues@itcilo.org e do Povo do Brasil
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ADVERTÊNCIA
A utilização de uma linguagem que não discrimine nem marque diferenças entre homens e mulheres
é uma das preocupações da nossa Organização. Porém, tal uso do nosso idioma apresenta soluções
muito variadas sobre as quais os linguistas ainda não chegaram a um acordo. Neste sentido, e com o
intuito de evitar a sobrecarga gráfica que implicaria utilizar "o/a" para marcar a presença de ambos os
sexos, optamos por utilizar o clássico masculino genérico, considerando que todas as menções nesse
género representam sempre todos, homens e mulheres, abrangendo claramente ambos os sexos.

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ÍNDICE

Introdução

1. Compreender o risco de desastres


1.1. Generalidades
1.2. A relação entre ameaça e vulnerabilidade: risco de desastre
1.3. As ameaças e os tipos de ameaças
1.4. A vulnerabilidade e os fatores de vulnerabilidade

2. Recapitulação das tendências atuais


2.1. Os desastres: cada vez mais frequentes e com maior impacto
2.2. Tendências e previsões das ameaças
2.3. O aumento da vulnerabilidade: fatores determinantes
2.4. Tendências da redução do risco de desastres
2.5. O risco no território e a sua relação com o desenvolvimento

3. A avaliação do risco de desastres


3.1. A avaliação do risco no quadro do desenvolvimento e numa abordagem de
sustentabilidade
3.2. Introdução à avaliação do risco de desastres
3.3. Técnicas, ferramentas e fundamentos num processo de análise do risco
3.4. Análise e conhecimento do território
3.5. Análise das ameaças
3.6. Análise das vulnerabilidades
3.7. Avaliação do risco

4. Casos práticos
Caso 1: Gerir riscos e desastres: alguns elementos práticos e concretos para um
desenvolvimento sustentável. Experiência no Leste da Guatemala

Caso 2: Formulação e execução de um quadro estratégico para a redução de


vulnerabilidades e medidas de preparação para desastres 2004 - 2008 na República
Dominicana

5. Bibliografia geral

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INTRODUÇÃO
A segunda Unidade Didática introduz de forma mais direta o tema do risco de desastres, as suas
causas, efeitos e relação com o desenvolvimento, o seu conhecimento e prevenção. Devemos estar
cientes, porém, de que as capacidades pessoais e institucionais em matéria de desenvolvimento local
e redução do risco de desastres no território não se adquirem exclusivamente através de um curso
de formação. Trata-se de um processo permanente de aprendizagem, baseado nas experiências, nas
tarefas quotidianas e na conceção e desenvolvimento de novos conhecimentos que importa
implementar, avaliar e aperfeiçoar, para informar processos futuros no sentido de melhorar a
qualidade de vida nos nossos territórios.

À luz destas reflexões, a presente Unidade Didática pretende fornecer aos utilizadores uma
ferramenta de trabalho, que sirva de ponto de partida para prosseguir o aprofundamento de
conhecimentos sobre os temas abordados ao longo dos capítulos e exemplos, numa perspetiva
global de redução do risco de desastres no território adotada no quadro do desenvolvimento local.

No primeiro capítulo, abordaremos os conceitos básicos relativos ao risco de desastres, a sua


origem e natureza, e as relações entre os fatores que os produzem ou reduzem, para compreender
que os desastres são consequências de riscos não geridos e de lacunas resultantes das nossas
práticas de desenvolvimento. Analisaremos a relação existente entre ameaças, vulnerabilidades e
risco de desastres, entendendo-se este último como um processo contínuo, dinâmico, participativo
e integrador que deve incorporar os processos de desenvolvimento local, justamente o âmbito de
ação onde se reconhecem, de forma mais concreta, as necessidades e as possibilidades de garantir
territórios mais seguros e sustentáveis.

No segundo capítulo, refletiremos sobre as tendências atuais a nível do impacto económico,


social, político e ambiental dos desastres, tendo em atenção a frequência com que ocorrem e as suas
consequências nos países em desenvolvimento. Analisaremos ainda tendências e variações na
dimensão das ameaças e nos níveis de vulnerabilidade, bem como na abordagem adotada para
realizar as ações que visam enfrentar os desastres. Por fim, reexaminaremos brevemente o tema do
risco no território, a sua redução e a sua relação com o desenvolvimento sustentável.

No terceiro capítulo, estudaremos os principais componentes da avaliação e análise do risco de


desastres (análise do território, das ameaças e das vulnerabilidades, assim como a avaliação do risco)
como ferramenta territorial e como base de qualquer estratégia de planeamento que pretenda
definir ações e desenvolver processos destinados à redução e prevenção de danos provocados por
fenómenos físicos extremos.

Por último, como em todas as Unidades Didáticas, apresentaremos casos práticos relacionados com
os temas e conceitos desenvolvidos. Uma vez concluída a leitura e consultada a literatura
recomendada, sugerimos a realização do exercício de avaliação que lhe permitirá aplicar a teoria e a
aprendizagem adquiridas ao longo do estudo e da interação com os tutores.

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Nesta primeira Unidade Didática estabelece-se como objetivos que será


capaz de:

► Conhecer e compreender a razão por que se produzem os desastres, o que significa risco de
desastres e quais são os fatores que o geram.
► Gerir e compreender as implicações e interações existentes entre as ameaças e as
vulnerabilidades, bem como os fatores humanos que provocam o aumento ou a redução do
risco de desastres.
► Conhecer as tendências atuais sobre a evolução dos desastres, as ameaças, as vulnerabilidades e
a atitude das instituições em termos organizacionais, para poder analisar e planear com maior
rigor as formas de os enfrentar.
► Adquirir os conhecimentos básicos necessários à promoção do processo de análise e avaliação
do risco como fator fundamental para tomar decisões, elaborar o planeamento, conceber
estratégias e implementar ações no território.

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1 COMPREENDER O RISCO DE DESASTRES

1.1 Generalidades

O grau de conhecimento do risco de desastre depende em grande medida da quantidade e qualidade


das informações disponíveis e das várias perceções do risco. As pessoas estão mais vulneráveis
quando não têm consciência nem conhecimento das ameaças e vulnerabilidades que colocam em
risco a sua vida e os seus bens. A perceção do risco varia segundo a sensibilidade de cada um e da
realidade social, cultural, política, ambiental e económica na qual se desenvolve. Ter conhecimento
das ameaças e da vulnerabilidade, bem como dispor de informações precisas e oportunas sobre elas,
pode influenciar esta perceção 1.

A análise específica da perceção do risco de desastres está diretamente relacionada com o


conhecimento, as experiências, as reações e os comportamentos humanos, guiados por
interpretações subjetivas da realidade. Os riscos de desastres são construções ou cálculos teóricos
que podem ser antecipados e quantificados.

A conceptualização, frequentemente utilizada, de riscos objetivos versus riscos subjetivos refere-se


a diferentes métodos de avaliação dos riscos, baseando-se a avaliação objetiva em dados estatísticos
disponíveis e em cálculos matemáticos, ao passo que o risco subjetivo está relacionado com juízos
intuitivos 2.

A utilização da informação é fundamental para o conhecimento do risco. Não se trata de um mero


sistema de estímulo/resposta, mas de um sistema que toma em consideração o modo como as
pessoas percecionam e compreendem o mundo em que vivem, assimilam a informação e a
incorporam na vida quotidiana e na construção da sua identidade com base no critério da utilidade.

Se passarmos revista aos acontecimentos dos últimos anos, verificaremos com surpresa quantos
desastres poderiam ter sido evitados se dezenas de milhares de pessoas possuíssem ou tivessem
recebido mais e melhores informações. O desastre provocado pelo tsunami no Oceano Índico, em
dezembro de 2004, que afetou vidas humanas, habitações, ecossistemas e meios de subsistência, é
um exemplo. Os cientistas da região dispunham de tecnologia para registar o violento maremoto
que assolou as costas de Sumatra, mas careciam dos meios necessários para dar informações sobre
as possíveis consequências e as medidas que deviam ser adotadas. Onde os alertas oficiais falharam,
iniciativas particulares deram resultado: em 26 de dezembro, de manhã cedo, Vijayakumar
Gunasekaran, residente em Singapura, ouviu na rádio a notícia do impacto devastador do tsunami.
Avisou por telefone os seus familiares de Nallavadu, na costa oriental da Índia, o que permitiu
evacuar essa localidade e colocar em segurança os seus 3630 habitantes 3.

1 Adaptado de EIRD, Vivir con el Riesgo: Informe mundial sobre iniciativas para la reducción de desastres, Genebra, Suíça,
2004.
2 Center for Risk Research, The Perception of Risk, Estocolmo, Suécia, 1994.
3 Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, Relatório Mundial sobre Desastres,

2005.

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EXEMPLOS
Caso: A radiação em consequência de um acidente nuclear
Um exemplo de perceção de risco entre peritos e pessoas leigas 4

O acidente nuclear mais importante até à presente data ocorreu na central de Chernobil em 1986 e
teve um amplo impacto na perceção pública do risco. O acontecimento teve um potencial
catastrófico para as populações em risco, traduzido no número de vítimas mortais imediatas e nas
suas consequências a nível internacional. A população foi involuntariamente exposta a radiação e a
precipitação radioativa. As pessoas sentiram que tinham muito pouco controlo sobre o evento e as
suas consequências. A energia nuclear também é uma tecnologia bastante recente e quem não é
perito sabe seguramente pouco sobre o seu funcionamento. Os pormenores dos efeitos causados
pela radiação na saúde são desconhecidos do público e, até certo ponto, incertos para a ciência.
Antes do evento, as possibilidades e consequências de acidentes nucleares suscitavam muita
controvérsia. Existe uma crença firme na associação entre radiação ionizante e cancro, e o medo
de doenças cancerígenas está generalizado.

Tudo ocorreu sem advertência prévia e o impacto internacional foi inesperado. Os prejuízos
imediatos e a ameaça potencial a longo prazo tiveram um caráter de irreversibilidade mais
acentuado que os efeitos de curto prazo. Oito anos depois, o evento ainda não tinha alcançado o
seu ponto de inflexão, o momento em que a vida retoma a normalidade, ou seja, as condições
existentes antes do acidente nas áreas afetadas da Confederação de Estados Independentes.

Não houve benefícios, só enormes prejuízos. A confiança foi minada, em geral, pela morosidade
da informação sobre a ocorrência e o desenvolvimento do acidente. A comunicação social cobriu
extensamente o evento e, devido ao atraso na chegada de informações genuínas e fiáveis,
espalharam-se rumores prejudiciais que foram transmitidos ao público. Discutiram-se
excessivamente os efeitos sobre a saúde e as consequências para as crianças e foram difundidas
pungentes cenas emotivas de alegadas vítimas.

Relatório Mundial de Desastres 2010

A Cruz Vermelha alerta para o facto de 2.54 mil milhões de habitantes urbanos a viver em países
de baixo e médio rendimento estão expostos a níveis de risco inaceitáveis. Pela primeira vez na
história da humanidade, mais pessoas vivem em ambientes urbanos do que em rurais e em apenas
20 anos, mais de 60% da população mundial irá viver em cidades e vilas. Uma minoria mais
afortunada irá viver em locais como Turim, Tóquio ou Toronto, onde se uma casa se incendiar ou
for inundada, pode-se chamar ajuda de emergência e esperar ser-se ressarcido pelo seguro. Todas
as pessoas da casa ou do apartamento têm provavelmente o seu próprio espaço e água potável na
torneira. Está-se ligado a um sistema de esgotos e o lixo é recolhido. Uma casa num bairro de lata
é uma onde todas estas coisas estão ausentes. Não há água nem saneamento. O espaço habitável
está lotado e os materiais de construção são de fraca qualidade. E os habitantes não têm segurança
de arrendamento.

4 Center for Risk Research, The Perception of Risk, Estocolmo, Suécia, 1994.

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1.2 A relação entre ameaça e vulnerabilidade: risco de desastre

Como indicamos na UD1, Capítulo 3, o risco de desastre é a dimensão provável do dano para
as pessoas e para os seus bens num território ou ecossistema específico (ou em alguns dos
seus componentes) num determinado período ou momento, que está relacionado com a
presença de uma ou várias ameaças potenciais e com as condições de vulnerabilidade ou
com fragilidades que existem nesse meio envolvente. A força ou energia suscetível de ser
desencadeada é denominada "ameaça ou perigo" e a predisposição para sofrer o dano,
"vulnerabilidade".
► Uma ameaça diz respeito à possibilidade de a ocorrência ou concretização de um evento físico
(de origem natural ou humana), potencialmente destrutivo, causar algum tipo de dano em
pessoas, bens e ecossistemas de um território (furacão, sismo, incêndio, explosão, deslizamento,
poluição, etc.).
► A vulnerabilidade diz respeito a um conjunto de características da sociedade, das
infraestruturas, dos meios de subsistência e ecossistemas, que os predispõe para sofrer danos
resultantes do impacto de um evento físico e que dificultam a sua recuperação posterior
(localização inadequada dos aglomerados populacionais, pobreza e falta de emprego digno,
insegurança estrutural dos edifícios, fragilidades organizacionais e participativas, carência de
políticas e mecanismos de prevenção adequados, conhecimentos e recursos limitados, ambiente
e ecossistemas deteriorados ou frágeis, etc.).

Como se afirmou anteriormente, o risco de desastres decorre da função que relaciona diretamente
as ameaças e as vulnerabilidades de um lugar específico ou de um determinado grupo social.
Considera-se que está intimamente relacionado com a realidade de cada sociedade, porque o nível
de risco e os meios para o enfrentar dependem das suas condições, capacidades e recursos.
Diferentes grupos sociais, pessoas, instituições, autoridades e outras entidades podem percecionar
de forma muito diversa o risco de desastres e, por conseguinte, o modo como preparam as suas
capacidades, conhecimentos e competências para os enfrentar. A consciência da perceção do risco
de desastres por parte das comunidades é determinante para desencadear políticas e ações tendentes
à sua redução.

RISCO DE
Ameaça DESASTRES Vulnerabilidade

Fig. I, Cap. 1 – A relação entre ameaça, vulnerabilidade e risco

O impacto do desastre dependerá de fatores determinados pelas características dos fenómenos


(probabilidade e intensidade) e pela suscetibilidade dos elementos expostos ao desastre em função
das condições naturais, físicas, sociais, económicas, políticas e organizacionais que prevalecem na
zona de impacto.

Um olhar mais demorado sobre a natureza das ameaças e os conceitos de vulnerabilidade e


capacidade permite compreender melhor os desafios envolvidos na redução do risco de desastres.

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O reconhecimento da vulnerabilidade como elemento fundamental da produção do risco foi
acompanhado por um interesse crescente na captação das capacidades e conhecimentos das pessoas
para enfrentar os efeitos de eventos físicos destrutivos Isto permite concluir que as capacidades
podem reduzir o alcance das ameaças e o grau de vulnerabilidade 5.

EXEMPLO
O risco de desastre por deslizamento
num território depende de dois fatores:
► A massa de terra suscetível de se
desprender (ameaça) em
consequência de chuvas torrenciais
que produzem saturação excessiva de
água no solo, em áreas com declive
acentuado e atividade sísmica, que
propiciam a deslocação da massa.
Deslizamento em Nova Friburgo, Brasil
► As características e suscetibilidades
do aglomerado populacional (vulnerabilidade) que pode ser afetado pelo fenómeno: população
concentrada e localizada em áreas inseguras por condições socioeconómicas criticas, ausência
de medidas de proteção, informação inadequada sobre as ameaças, inexistência de ações
preventivas como as que devem ser adotadas em caso de um evento desta natureza e as
possibilidades de recuperação posterior, entre outras.

A criação do risco

As condições de vulnerabilidade de um grupo humano podem originar novos riscos que, por sua
vez, geram novas vulnerabilidades e, consequentemente, novas possibilidades de desastre. Esta
relação de criação do risco de desastres manifesta-se claramente nas cidades africanas. Um
exemplo são as cidades capitais, onde as administrações centrais e municipais investiram na
redução do risco existente em aglomerados humanos situados em locais de multiameaças. O
problema radica precisamente na decisão de orientar as ações de redução sem as articular com as
condições de organização social, pobreza, saúde, serviços urbanos, poluição ambiental, legislação
municipal, relocalização e reordenamento do território afetado.
Um exemplo concreto é a relocalização dos aglomerados humanos situados em zonas de risco ou
após terem sido atingidos por um evento destrutivo. Em muitas ocasiões, a relocalização responde
a necessidades conjunturais originadas por pressões políticas e prima pela ausência de um
verdadeiro plano de ordenamento e planeamento urbano, com uma visão de sustentabilidade, que
estabeleça e respeite a reinserção da população numa nova envolvente em função das suas
atividades económicas, organização social e práticas culturais. Por outro lado, em regra os espaços
desocupados não são concebidos para utilização como áreas de proteção ou conservação,
predominando mecanismos de coordenação interinstitucional, controlos municipais e mecanismos
de prevenção ineficientes. Esta situação traduz-se na invasão ou ocupação desses espaços por
novos setores desfavorecidos, o que gera um novo ciclo de insustentabilidade e de criação
permanente do risco.

Em resumo, os fatores de vulnerabilidade das comunidades, atividades humanas ou ecossistemas


existentes são determinantes para que um ou vários eventos ou fenómenos físicos sejam

5Muitos autores consideram as capacidades dos territórios um elemento fundamental do risco, que influencia a forma e o
grau de resiliência de uma comunidade perante o mesmo. A Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e
do Crescente Vermelho (FICV) desenvolveu amplamente este conceito. Embora também entendamos neste contexto que a
capacidade faz parte da vulnerabilidade (ou resistência), importa insistir em que os recursos naturais são a base que
permitem a um determinado território enfrentar situações adversas. Referir-nos-emos de forma mais específica às
capacidades e aos recursos no Capítulo 3, Avaliação do Risco, desta UD.

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considerados perigosos para a sociedade. Um fenómeno físico será ou não considerado uma
ameaça consoante a probabilidade da sua ocorrência em contextos não só de exposição mas de
fragilidade dos elementos humanos e sociais. A constituição de um desastre dependerá
fundamentalmente do nível de vulnerabilidade económica, social e ambiental, assim como da
dimensão concreta do fenómeno produzido.

O risco de desastres constrói-se socialmente através das atividades que os seres humanos realizam
para desenvolver e habitar o seu planeta em determinadas regiões ou territórios. A forma como
convivemos com o nosso ambiente natural e físico pode ter consequências negativas e gerar
desequilíbrios entre as relações humanas e os ecossistemas que suportam a nossa sobrevivência. Do
mesmo modo que são as nossas ações quem desencadeia situações que podem colocar em perigo a
nossa própria existência, também as nossas atividades podem reduzir, controlar e transformar os
riscos que criamos ou podemos criar.

O desastre é, então, a concretização do risco e o efeito final de um processo de criação de


vulnerabilidades, que provoca danos e perturbações graves num determinado território, o qual
poderá ter dificuldades em recuperar condições de vida favoráveis e reconstituir as atividades de
desenvolvimento que foram afetadas.

Está em causa evitar que as atividades sociais se transformem em ameaças para a natureza
e que estas, através dos fenómenos naturais, se transformem em ameaças para as
comunidades.

1.3 As ameaças e os tipos de ameaças

1.3.1 O que são as ameaças?

As ameaças são um fator de risco que vários autores dividem em "riscos naturais" e "ameaças
tecnológicas". Uma classificação mais desagregada proposta por “la Red” 6 inclui uma tipologia que
considera três categorias básicas de ameaça:
• Ameaças naturais: são aquelas cuja fonte de perigo encontra-se na natureza. Principalmente
falamos da dinâmica geológica (sismos e vulcões); chuvas intensas, transbordamentos,
deslizamentos de terra e outros.
• Ameaças socionaturais: onde as ações humanas acrescentam o potencial perigo dos
fenómenos naturais e são mais determinantes na magnitude dos impactos. Fala-se então das
secas, a maioria dos deslizamentos de terra, os incêndios florestais e outros.
• Ameaças antropogénicas: podem ser sub-classificadas em antropogénicas-poluentes: Estas
ameaças estão relacionadas principalmente com processos de contaminação por derrames,
dispersão o emissão de substâncias químicas tóxicas no ar, terra e água, como o petróleo,
pesticidas, gases tóxicos do produto de combustão, os clorofluorcarbonos e poluição nuclear,
assim como processos de eliminação ou armazenagem de resíduos líquidos e sólidos, e em
antropogénicas tecnológicas: são produtos diretos das atividades humanas que incluem
elementos industriais (derrames, explosões), contaminantes e tecnológicas.

A maioria das ameaças naturais não se pode evitar. É possível, no entanto, conhecer e estudar o seu
comportamento histórico e territorial. A ciência, numa abordagem interdisciplinar, continua a
registar progressos e a contribuir com conhecimentos sobre a sua natureza e condições,
principalmente as de origem físico-natural. Os estudos têm procurado encontrar métodos e
ferramentas de análise quantitativa e qualitativa que permitam compreender e realizar projeções,
modelos e cenários sobre a sua incidência. Neste contexto, é importante salientar que, tal como a

6 Lavell (2006) modificada por Durán em 2008.

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pesquisa científica permitiu verificar, nos últimos tempos muitos fenómenos naturais se
intensificaram em consequência das atividades humanas. Os efeitos das mudanças climáticas sobre
a recorrência e a intensidade dos furacões na Bacia das Caraíbas, o aumento na intensidade das
chuvas em países da África Ocidental e Oriental e a intensificação das secas na África Austral são
exemplos deste fenómeno.

EXEMPLO
Os custos humanitários das mudanças climáticas (disponível em inglês)

Este documento, publicado pelo Feinstein International Center, apresenta uma evolução das
ameaças e as suas consequências para as populações em resultado das mudanças climáticas.

A informação técnica e científica constitui, precisamente, o principal fator dinamizador para que os
atores envolvidos na problemática do risco e as autoridades competentes disponham de
conhecimentos válidos e atualizados.

Relacionar os contributos da ciência com o conhecimento e a experiência empírica popular, que se


encontram inscritos nos valores, perceções socioculturais e vivências que os diferentes grupos
populacionais e povos nativos vão acumulando de geração em geração, é um requisito necessário de
qualquer sociedade. Esta relação de conhecimentos constitui uma riqueza de informação e um
ponto de partida baseado em experiências geralmente bem-sucedidas e validadas.

1.3.2 Tipologia das ameaças 7

► Ameaças de origem natural


As ameaças de origem natural integram processos da dinâmica terrestre, que ocorrem na
biosfera do nosso planeta e que, a concretizar-se, podem transformar-se num evento
prejudicial e destrutivo. São fenómenos naturais ameaçadores que podem variar de dimensão ou
intensidade, frequência, duração, extensão, velocidade de impacto e dispersão espacial e temporal.
Podem classificar-se segundo a sua origem em: hidrometeorológicas, geológicas ou biológicas.
• Hidrometeorológicas, são as ameaças de origem atmosférica, hidrológica ou oceanográfica,
que dependem de fatores como a temperatura, a precipitação, o comportamento hidráulico dos
corpos de água e da evapotranspiração, entre outros. Incluem ciclones tropicais, tempestades de
granizo, geadas, secas, inundações, ondas de calor ou de frio, trombas de água, avalanchas de
neve e de gelo, tempestades de areia ou poeira, desertificação, etc.
• Geológicas, são as ameaças que se referem a processos terrestres internos (endógenos) ou de
origem tectónica, como sismos, tsunamis, atividade de falhas geológicas, atividade e emissões
vulcânicas, bem como processos externos (exógenos), como movimentos de massas:
deslizamentos, quedas de pedras, avalanchas, colapsos superficiais, liquefação, solos expansivos,
deslizamentos marinhos e abatimentos sísmicos, erupções vulcânicas, erosão e comportamento
de massas de terra.
• Biológicas, são as ameaças de origem orgânica ou provocadas por vetores biológicos,
incluindo a exposição a microrganismos patogénicos, toxinas ou substâncias bioativas, que
podem causar a morte ou lesões, danos materiais, disfunções sociais e económicas ou
degradação ambiental. Podem citar-se, a título de exemplo, surtos de doenças epidémicas,
zoonoses e fitonoses contagiosas, pragas de insetos e infestações em massa.

7 Para definições mais completas, ver o glossário apresentado no Guia Quadro Teórico do Curso.

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EXEMPLO
Núcleo de Vigilância dos Eventos Ambientais Adversos à Saúde – Estado do Rio Grande
do Sul - Brasil

O setor de vigilância ambiental nos eventos ambientais adversos à saúde tem por competência a
realização das ações de proteção da saúde humana quanto aos efeitos adversos decorrentes de
desastres naturais e acidentes com produtos perigosos. As ações são desenvolvidas nas fases de
prevenção, de preparação e de resposta aos eventos adversos, bem como de monitoramento de
efeitos residuais para a reabilitação da saúde pública.

► Ameaças de origem socionatural


Trata-se de ameaças que podem representar um perigo latente associado à ocorrência
provável de fenómenos físico-naturais cuja existência, intensidade e recorrência é agravada
por processos de degradação ambiental e pela intervenção humana direta.

Exemplos:
• Inundações e deslizamentos resultantes de fenómenos naturais, agravados ou influenciados na
sua intensidade por processos de desflorestação e degradação ou deterioração de bacias
hidrográficas;
• Erosão costeira, agravada pela ação humana, que se traduz na deterioração ou destruição de
zonas húmidas, mangais, dunas e florestas;
• Inundações urbanas provocadas pela localização dos aglomerados humanos, falta de sistemas
adequados de drenagem de águas pluviais ou pela impermeabilização do solo em resultado do
uso de asfalto e da concentração da construção, conduzindo ao aumento do escoamento
superficial para corpos de água (regatos, riachos e rios), o que, por sua vez, reduz e satura a
capacidade de escoamento natural e, por conseguinte, faz transbordar as águas.

Exemplos de algumas das ameaças socionaturais de grande impacto:


• As mudanças climáticas produzidas pelo aquecimento global em resultado do aumento das
concentrações de gases com efeito de estufa, como dióxido de carbono, metano, óxidos
nitrosos e clorofluorcarbonetos, que provocam o aumento da temperatura do planeta.
• A inadequada gestão das bacias hidrográficas, que resulta no aumento das inundações e dos
deslizamentos, bem como numa deterioração acrescida do ambiente e dos recursos naturais. As
bacias hidrográficas não são encaradas, em regra, como unidades de planeamento do território e são submetidas a
diversas intervenções que promovem objetivos individuais, quer do Estado, quer de empresas privadas e da
própria comunidade. Trata-se de intervenções realizadas no contexto de quadros normativos obsoletos, de âmbito
institucional ou setorial, e não numa ótica de gestão integrada das bacias.
• A desertificação e a perda do solo por erosão. O Programa das Nações Unidas para o Ambiente
estima que 30% da superfície cultivável do planeta são afetados por uma desertificação entre ligeira e grave, e 6%
por uma "desertificação extremamente grave" que torna as terras irrecuperáveis. (PNUA, Nairobi 1984).
Ainda segundo as Nações Unidas, 900 milhões de pessoas estão em perigo por causa deste problema.

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EXEMPLO
A importância da hidrologia na prevenção e mitigação de desastres naturais

O presente artigo tem por objetivo apresentar os principais conceitos associados aos desastres
naturais e destacar a importância da ciência hidrológica na prevenção e mitigação dos desastres
naturais ocasionados pela dinâmica do movimento da água sobre, na e sob a superfície da Terra.
A partir de uma breve revisão bibliográfica os fundamentos conceituais sobre desastres naturais
são definidos e o número de ocorrências oficiais evidenciados quantitativamente por tipo, gênese e
distribuição. Os desastres naturais ocorridos no Brasil são essencialmente de origem
hidrometeorológica, sendo assim analisa-se o papel da ciência hidrológica na prevenção e
mitigação dos mesmos.

► Ameaças de origem antropogénica


São as ameaças relacionadas com o perigo latente produzido pela atividade humana na
deterioração dos ecossistemas, pela produção, distribuição, transporte e consumo de bens,
serviços e substâncias perigosas, bem como pela construção e utilização dos edifícios.

São produzidas tanto pelas atividades coletivas como pelas atividades individuais, públicas ou
privadas, devido entre outros fatores à utilização ou falta de recursos e mecanismos apropriados
que garantam a elaboração e/ou aplicação de leis, regulamentações, normas, sistemas de controlo e
acompanhamento, bem como por interesses particulares (geralmente económicos), falta de
sensibilização do público e de conhecimento sobre os riscos eventualmente suscitados por
determinada ação e que podem colocar em perigo a sociedade, os seus bens e os ecossistemas.

As ameaças antropogénicas abrangem as várias formas de poluição dos recursos hídricos, da


atmosfera e dos solos; as explosões, os incêndios de florestas e estruturas; a utilização de materiais
perigosos de origem química, radioativa e biológica; bem como as guerras, as ruturas de barragens
hidroelétricas ou de captação de água destinada ao consumo humano e a destruição dos
ecossistemas. Por exemplo, as atividades humanas que utilizam materiais e substâncias perigosas
sem as devidas medidas de prevenção e preparação para enfrentar acidentes ou contingências, como
no caso de zonas industriais, transporte de materiais, depósitos de substâncias inflamáveis, estações
de serviço, laboratórios (que utilizem materiais radioativos e/ou corrosivos), paióis militares, etc.,
próximo de centros populacionais, estratégicos ou vulneráveis.

EXEMPLOS
Proposta metodológica para caracterizar as áreas expostas a riscos tecnológicos mediante
um sistema de informação geográfico (SIG). Aplicação na comunidade de Madrid1
(disponível em espanhol)

O artigo analisa a definição e caracterização das áreas expostas e aplica um procedimento simples
para definir as zonas potencialmente vulneráveis a riscos tecnológicos no território. Utiliza para o
efeito as funções de cálculo de distâncias de um SIG, o que permite determinar três variáveis:
zonas expostas a algum risco, a intensidade da exposição a riscos em cada ponto e a "probabilidade
espacial" de ser afetado por algum perigo de tipo tecnológico na Comunidade de Madrid
(Espanha).

Pilhas e baterias - Programa de Gestão Ambiental - Ministério Publico Federal - Brasil

A Resolução nº 257/99 do CONAMA, disciplina o descarte e o gerenciamento ambientalmente


adequado de pilhas e baterias usadas. De modo geral, afirma que as pilhas devem ser colocadas em
lixo comum, para serem coletadas pelo serviço de coleta pública (art. 13). Já as baterias devem ser
entregues aos estabelecimentos que as comercializam ou à rede de Assistência Técnica autorizada.

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Atualmente o CONAMA está revisando a resolução, com o objetivo de aperfeiçoar o sistema de
descarte das pilhas e baterias. Um dos problemas do descarte de pilhas no lixo comum está ligado
à aquisição de pilhas falsificadas ou importadas ilegalmente, que geralmente têm concentrações de
metais pesados em sua composição, acima dos limites estabelecidos pela Resolução 257/99.
Segundo o site do Instituto Akatu,“do 1,2 bilhão de pilhas de uso doméstico em circulação no
país, 400 milhões são piratas, ou seja, praticamente um terço deste mercado”.

Classificação das Ameaças segundo a EIRD 8


AMEAÇA AMEAÇAS NATURAIS
Evento físico, potencialmente prejudicial, Processos ou fenómenos naturais que ocorrem na
fenómeno e/ou atividade humana que pode biosfera e podem produzir um evento prejudicial
causar a morte ou lesões, danos materiais, e causar morte ou lesões, danos materiais,
interrupção da atividade social e económica ou interrupção da atividade social e económica ou
degradação ambiental. degradação ambiental.

Ameaças hidrometeorológicas Exemplos


► Inundações, fluxos de lama e detritos
Processos ou fenómenos naturais de origem ► Ciclones tropicais, ondulações de temporal,
atmosférica, hidrológica ou oceanográfica que ventos, chuvas e outras tempestades graves,
tempestades de vento e neve, relâmpagos
podem causar a morte ou lesões, danos
materiais, interrupção da atividade social e ► Secas, desertificação, incêndios florestais,
temperaturas extremas, tempestades de areia ou
económica ou degradação ambiental.
de poeira
► Geadas, avalanchas de neve

Ameaças geológicas Exemplos


► Sismos, tsunamis, atividade e erupções
Processos ou fenómenos naturais terrestres que vulcânicas
podem causar a morte ou danos materiais, ► Movimentos de massas, deslizamentos,
interrupção da atividade social e económica ou desprendimento de pedras, liquefação,
degradação ambiental. deslizamento dos fundos marinhos
► Colapso de superfícies, atividade de falhas
geológicas

Ameaças biológicas Exemplos


Processos de origem orgânica ou provocados
pelo transporte de vetores biológicos, incluindo a
exposição a microrganismos patogénicos, toxinas ► Surtos de doenças epidémicas
e substâncias bioativas, que podem causar a ► Contágio de plantas e animais e pandemias.
morte ou lesões, danos materiais, disfunções
sociais e económicas ou degradação ambiental.

8 Retirado de Vivir con el Riesgo, EIRD, 2004.

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AMEAÇAS TECNOLÓGICAS DEGRADAÇÃO AMBIENTAL
Ameaça originada por acidentes tecnológicos ou Diminuição da capacidade do ambiente para
industriais, procedimentos perigosos, falhas de responder às necessidades e objetivos sociais e
infraestruturas ou de certas atividades humanas ecológicos. Os efeitos potenciais são variados e
que podem causar morte ou lesões, danos podem contribuir para o aumento da
materiais, interrupção da atividade social e vulnerabilidade, frequência e intensidade das
económica ou degradação ambiental. ameaças naturais.
Exemplos: poluição industrial, atividades Alguns exemplos: degradação do solo,
nucleares e radioatividade, resíduos tóxicos, desflorestação, desertificação, incêndios
rutura de barragens; acidentes de transporte, florestais, perda de biodiversidade, poluição
industriais ou tecnológicos (explosões, fogos, atmosférica, terrestre e aquática, mudanças
derrames). climáticas, subida do nível do mar,
empobrecimento da camada de ozono.

1.4 A vulnerabilidade e os fatores de vulnerabilidade

1.4.1 O que é a vulnerabilidade

A vulnerabilidade é o grau de exposição ou suscetibilidade das pessoas e da sociedade a


danos provocados pela manifestação de um evento físico potencialmente destrutivo, que
podem dificultar, em maior ou menor grau, a sua recuperação posteriormente à ocorrência
de um determinado fenómeno.

São condições determinadas por processos ambientais, sociais, culturais, económicos, produtivos,
políticos e institucionais, tanto individuais como coletivos, continuamente produzidos e alterados
pelos comportamentos, atitudes, capacidades, conhecimentos e ações das pessoas e comunidades
que gerem o desenvolvimento e prejudicam os ecossistemas.

Sabemos que a Terra é um planeta vivo, dinâmico e em mutação, sujeito a todo o tipo de
transformações, algumas com expressão repentina e violenta (sismos, maremotos, erupções
vulcânicas, etc.), outras graduais e por vezes impercetíveis na vida quotidiana (mudanças climáticas,
aumento ou diminuição da precipitação, degelo dos glaciares, etc.). Também sabemos que os seres
humanos são criaturas igualmente dinâmicas e em mutação e, por conseguinte, as relações de
interação entre a Terra e os seres humanos podem ser harmónicas e construtivas ou conflituosas e
destrutivas 9.

Quando as interações das práticas políticas, económicas, sociais ou ambientais dos seres humanos
com o nosso ambiente físico e natural apresentam desequilíbrios ou iniquidades, criam-se condições
que nos tornam suscetíveis e vulneráveis perante fenómenos da natureza que podem representar
um perigo para as sociedades. O risco de desastres radica nestes desequilíbrios que é necessário
prevenir, avaliar, gerir e minimizar de forma contínua, para poder construir sociedades mais seguras.

Nos últimos 30 anos, a humanidade evoluiu muito na compreensão de que os desastres não são
consequência exclusiva da ocorrência de um evento físico destrutivo e tomou consciência de que
fundamentalmente são o produto de um conjunto de aspetos relacionados com a falta de adequadas
políticas públicas, das condições socioeconómicas das populações, da precariedade, da construção
deficiente ou sem controlo das infraestruturas e, em geral, das fragilidades da gestão do
desenvolvimento.

Os primeiros a utilizar o conceito de vulnerabilidade foram os engenheiros, ao propor projetos de


construção que salvaguardavam a relação entre o grau de resistência dos edifícios e as forças físicas

9 Adaptado da Organização Pan-Americana da Saúde, 2005.

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exercidas pelos movimentos do solo, dos ventos e da água. Surgiu assim, paulatinamente, uma nova
área de preocupações na luta contra os desastres, quando se percebeu que das medidas
físico-estruturais que se podem adotar para minimizar ou mitigar o efeito dos fenómenos naturais e
reduzir o risco radicam, fundamentalmente, no conhecimento da vulnerabilidade.

Pouco a pouco, o reconhecimento de outros aspetos tão ou mais importantes da vulnerabilidade foi
evoluindo, tomando-se consciência de que existem outros fatores, para além dos físico-estruturais,
que dizem respeito a todas as dimensões do desenvolvimento. Podemos assim falar dos fatores
socioculturais, económico-produtivos, político-institucionais e ambientais da vulnerabilidade, temas
estes a que dedicaremos as páginas seguintes desta Unidade Didática.

SOCIAL

Condições de
vulnerabilidade
POLÍTICO ECONÓMICO

AMBIENTAL

Fig. II, Cap. 1 – A relação entre a vulnerabilidade e os setores económico, social, político e ambiental

1.4.2 Os fatores da vulnerabilidade

Para fins didáticos, vamos analisar a vulnerabilidade nas várias áreas do desenvolvimento local,
advertindo que cada um destes fatores constitui um ângulo particular do seu espetro total, que esses
fatores estão intimamente inter-relacionados e que, no seu conjunto, refletem o panorama geral da
dimensão global da vulnerabilidade. Dificilmente poderíamos entender, por exemplo, os fatores
sociais, sem considerar a sua relação com os fatores económicos e políticos; ou estes últimos sem
tomar em consideração aspetos ambientais, sociais e, novamente, económicos. Nos estudos da
vulnerabilidade e, por conseguinte, da redução do risco de desastres, deve prevalecer uma
abordagem de conjunto, de compreensão integrada da realidade e das lacunas existentes nas
diferentes áreas de desenvolvimento.

► Fatores socioculturais da vulnerabilidade


Os fatores socioculturais expressam-se através dos níveis e formas de organização e
participação; da identidade da comunidade com o território e das relações que
desenvolvemos com o ambiente que nos rodeia e com os restantes membros da sociedade;
dos conhecimentos técnicos e das capacidades que possuímos; das formas de atuar, das
perceções, dos valores, das crenças e das interpretações que nos permitem desenvolver o
nosso habitat e construir as nossas sociedades.

Os fatores socioculturais estão relacionados com o grau de bem-estar e qualidade de vida das
pessoas e das comunidades num determinado meio. Incluem aspetos associados ao nível de literacia
e educação; às condições de paz e segurança; ao acesso aos direitos humanos e fundamentais, à
cultura e ao entretenimento; aos sistemas de boa governação, equidade e integração social; aos
valores tradicionais, costumes e convicções ideológicas e aos sistemas de organização coletiva em
geral.
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Uma comunidade é socialmente vulnerável, se as relações que vinculam os seus membros entre si e
ao conjunto social não passarem de meras relações de vizinhança física e se não existirem
sentimentos partilhados de pertença e propósito, nem formas de organização da comunidade que
encarnem esses sentimentos e os traduzam em ações concretas.

A diversificação e o fortalecimento de organizações sociais, quantitativa e qualitativamente


representativas dos interesses da comunidade, constituem uma medida de mitigação
importante. A coesão social aumenta a capacidade de superação, enquanto a insegurança
social agrava a vulnerabilidade.

Fatores socioculturais da vulnerabilidade

► Fragilidades da organização comunitária e de base nos territórios.


► Carência ou deficiências no acesso à informação e ao conhecimento técnico e científico sobre
os desastres.
► Crenças, costumes, comportamentos, valores e mitos que predispõem setores da população
para ameaças e desastres.
► Lacunas em propostas, planos, capacidades, ferramentas e na preparação territorial para
reduzir os riscos e enfrentar os desastres.
► Desencontros entre o saber local e popular e os conhecimentos científicos e técnicos.
► Desencontros entre o nível central e o nível local sobre as formas e a organização adequadas
para enfrentar o risco.
► Fragilidades na composição e estrutura familiar em termos de educação, saúde, mortalidade,
migração, sobrepopulação, etc.
► Diferenças entre as perceções do risco de desastres nos diferentes grupos de interesses e na
comunidade.
► Lacunas e desvalorização da memória coletiva e individual sobre experiências de desastres nos
territórios.
► Substituição de práticas culturais tradicionais endógenas comprovadas e efetivas no território
por modelos exógenos pouco conhecidos ou pouco eficazes.
► Marginalização e exclusão de setores sociais por razão do seu sexo, idade, raça, cultura ou
origem.
► Insegurança urbana, violência social e intrafamiliar.
► Carência de espaços de desenvolvimento da cultura e entretenimento da população.

► Fatores económicos da vulnerabilidade


São os fatores relacionados com a criação, acumulação e distribuição da riqueza e com os
processos de produção, aquisição e troca de bens que caracterizam os diferentes territórios.
Incluem as reservas económicas individuais, comunitárias e nacionais, os meios de subsistência e de
produção territoriais, as oportunidades de emprego, o grau de solvência económica e o acesso a
créditos, empréstimos e seguros.

A vulnerabilidade económica manifesta-se na insuficiência ou inexistência de recursos


económico-produtivos ou na utilização inadequada dos existentes, na especialização produtiva e em
práticas económicas dependentes e predadoras, na concentração e distribuição desigual da riqueza,
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na carência de emprego digno e de mercados justos, na falta de competitividade e oportunidades
que permitam a um território participar nas economias regionais, nacionais e, inclusivamente,
supranacionais, etc.

As economias menos diversificadas e dependentes geralmente são mais vulneráveis, porque não
dispõem de mecanismos, reservas ou capacidades para resolver uma situação de crise. Esta situação
é o espelho do que sucede nos países monoprodutores ou nos Estados-ilhas que dependem, por
exemplo, do turismo, da produção de café, banana ou cana-de-açúcar. As pessoas também estão
expostas a um risco acrescido quando é inadequado o seu acesso às infraestruturas
socioeconómicas básicas, que incluem as redes de comunicação, serviços de utilidade pública e
abastecimentos, transporte, água destinada ao consumo humano, saneamento básico e serviços de
saúde.

A população pobre, um grupo demográfico constituído na maioria das regiões por uma proporção
excessiva de mulheres e idosos, geralmente é muito mais vulnerável que os segmentos mais
abastados da sociedade. O mesmo ocorre com a população indígena ou com os povos nativos que,
geralmente, foram desapossados dos seus territórios, recursos naturais e meios de subsistência e
forçados a enfrentar condições de forte vulnerabilidade. Analogamente, quando se produz um
desastre, o mais provável é que as suas perdas sejam proporcionalmente superiores às do resto da
população e que, ao mesmo tempo, a sua capacidade de recuperação seja mais limitada.

A vulnerabilidade económica está representada não só pela carência de recursos ou meios de


satisfação das necessidades básicas das pessoas, mas também pela ausência de outros direitos
fundamentais, como o acesso ao trabalho e a rendimentos dignos, a participação nos benefícios do
desenvolvimento, as oportunidades de lazer e tempo livre, etc.

Fatores económicos da vulnerabilidade

► A pobreza endémica.
► A especialização produtiva, a monoprodução e a falta de diversificação produtiva.
► Fragilidades ou carência de recursos e meios de subsistência dignos (produtivos, económicos,
técnicos, oportunidades de emprego, etc.).
► Distribuição e concentração inadequada da riqueza em pequenos segmentos da população ou
em agentes alheios ao território.
► Carência de mercados e de competitividade de produtos dos territórios em áreas geográficas
externas.
► Concentração da posse da propriedade e dos meios de produção em poucas mãos.
► Sistemas económico-produtivos baseados no lucro, que não preveem os seus efeitos futuros
nos danos sociais, económicos e ambientais das pessoas, das sociedades e dos ecossistemas e
no risco de desastres.
► Desenvolvimento de programas e projetos estratégicos nacionais e programas de ajustamento
ou impacto económico que não contemplam os fatores endógenos dos territórios, o seu
impacto negativo em setores específicos e a sua relação com a produção do risco.
► Sistemas de desenvolvimento que geram dependência económica e dívida externa.
► Divisão e localização da população por estratos socioeconómicos ou por profissões e emprego
(formal e informal).

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► Fatores político-institucionais da vulnerabilidade
São os fatores associados à governabilidade do território relacionados com um projeto
coletivo específico e com os níveis de autonomia/dependência; e com as
capacidades/fragilidades, possibilidades e quadros institucionais e normativos das
autoridades e dos atores fundamentais do desenvolvimento local para assumir, influenciar
e promover as decisões e os mecanismos de gestão necessários para a sua implementação.
É o quadro que permite (ou não) aos poderes locais enfrentar e resolver os bloqueios
administrativos, económicos, organizacionais, participativos e políticos de modo a fortalecer e
impulsionar o desenvolvimento e o potencial socioeconómico e ambiental.

A vulnerabilidade política está relacionada com fragilidades das estruturas democráticas e espaços
de participação e incidência social, por carência de normas, diretrizes ou das correspondentes
estruturas institucionais adequadas para a sua implementação e por ausência de políticas, projetos
ou planos estratégicos coletivos que permitam governar, administrar e regulamentar adequadamente
o território. Está ainda relacionada com deficiências de liderança das autoridades locais, com a falta
de acesso a recursos legais e administrativos, a concentração do poder e a falta de descentralização.

Estruturas institucionais pós-coloniais que ainda evidenciam debilidades técnicas sensíveis, políticas
públicas que não se adaptaram às circunstâncias da realidade atual, aliadas a sérios problemas de
governabilidade, à ausência de formação adequada dos quadros técnicos nas instituições, e a
carência de instituições ágeis, descentralizadas e democráticas, perpetuam os fatores de
vulnerabilidade que, para além de agravarem o risco de desastres, também prejudicam o
desenvolvimento integrado e sustentável dos territórios.

A vulnerabilidade político-institucional reflete-se, por sua vez, na vulnerabilidade social, económica


e ambiental e conduz, no mínimo, a um processo de estagnação geral ou parcial no território,
quando não a retrocessos no desenvolvimento.

Fatores político-institucionais da vulnerabilidade

► Ausência de políticas públicas, diretrizes e planos relacionados com a redução do risco de


desastres e o desenvolvimento local aplicáveis ao âmbito territorial.
► Falta de instrumentos ou ferramentas para o planeamento do território que guiem os
investimentos de âmbito local (planos estratégicos territoriais, desenvolvimento urbano,
ordenamento do território, emparcelamento e utilização dos solos, etc.).
► Carência de Sistemas de Informação Geográfica ou Territorial democráticos e acessíveis aos
utilizadores.
► Concentração da tomada de decisões em instâncias da administração nacional e falta de
mecanismos de descentralização, autonomia e gestão de âmbito territorial.
► Decisões externas e de níveis hierárquicos geograficamente superiores sem participação dos
níveis locais.
► Má governação e concentração do poder num pequeno grupo de pessoas (a nível local ou
nacional).
► Carência de poderes/capacidades e/ou liderança das autoridades e dos atores locais a nível de
distribuição de recursos, planeamento, participação e tomada de decisões nos territórios.
► Instituições públicas locais frágeis e com baixos níveis de eficiência.
► Carência de políticas, normas e diretrizes de controlo que regulamentem a utilização dos
recursos naturais e do solo.
► Fragilidades ou carência de instituições ou instrumentos adequados a nível local que deem
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seguimento às normas, políticas e diretrizes existentes.
► Carência de normas de ética e moral e de sanções para quem produzir o risco.
► Politização, burocratização, corrupção, inflexibilidade e outros obstáculos à promoção de
processos de desenvolvimento local.

► Fatores ambientais (ambiente natural e físico-ambiental) da vulnerabilidade


Os fatores ambientais são os fatores relacionados com a utilização dos recursos naturais e com a
nossa convivência com os ecossistemas territoriais e globais que são o suporte das ações que
realizamos a curto, médio e longo prazo. O "ambiente" é o sistema global constituído por
elementos naturais e artificiais que podem ser de natureza física, química ou biológica, por
elementos socioculturais e pelas suas inter-relações, as quais estão em permanente transformação
por ação dos seres humanos ou de processos naturais que regem ou condicionam a existência ou o
desenvolvimento da vida.

Os seres vivos, os ecossistemas, o conjunto da biosfera, a Terra, o Universo, são sistemas


complexos, no seio dos quais se estabelecem inúmeras relações entre os seus componentes. Cada
modificação reflete-se nos seres vivos e nem sempre é fácil prever as consequências, como é o caso,
por exemplo, a nível macro, das incertezas que reinam quanto aos efeitos das mudanças climáticas,
da desertificação, do aumento do nível do mar, dos buracos na camada do ozono, entre outros.

Uma sociedade é vulnerável em termos ambientais, quando a nossa relação com os ecossistemas
põe em perigo a nossa vida e os nossos bens, assim como as capacidades de resiliência desses
ecossistemas para subsistir em condições que possam manter um equilíbrio entre os diferentes
componentes que os constituem, e quando se provocam perturbações graves no seu ciclo normal
de funcionamento. Alguns destes aspetos podem ser a exploração inadequada dos recursos
renováveis e não renováveis; a perda da biodiversidade, a poluição da atmosfera, da água e da terra;
a desflorestação, a gestão incorreta das bacias hidrográficas, a gestão irresponsável dos resíduos,
entre outros.

Uma sociedade também é vulnerável em termos ambientais quando o ambiente físico construído se
transforma num perigo para as comunidades, como acontece, por exemplo, com a densidade
demográfica e a sobrepopulação urbana; o transporte e armazenamento de substâncias perigosas
em centros povoados; a localização dos aglomerados populacionais em lugares propensos a
ameaças, a má qualidade e resistência dos edifícios e deficiências nas linhas de funcionamento vitais
e nas infraestruturas básicas, etc.

► Fatores de origem ambiental-natural


O ambiente natural diz respeito aos fatores ou dimensões inerentes à vida, como a água, a terra, o
ar, as florestas, a fauna e os ecossistemas.

Em resultado dos sistemas de desenvolvimento implementados, registou-se um elevado grau de


esgotamento dos recursos naturais e de degradação ambiental que produziu, por um lado,
ecossistemas altamente vulneráveis sem possibilidades de se autoajustarem internamente para
compensar os efeitos diretos ou indiretos da ação humana e, por outro lado, com grande risco para
as comunidades que os exploram e habitam.

A atenção insuficiente concedida à preservação e proteção dos recursos naturais que suportam a
vida e os impactos neles gerados põe em perigo a vida presente e futura, facto que afeta de forma
mais grave e imediata quem depende diretamente do meio envolvente para a sua sobrevivência

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diária e as populações expostas a condições adversas sem preparação, recursos e capacidades para
as enfrentar 10.

Quando diminui o acesso a ar puro, água destinada ao consumo humano e saneamento, quando as
formas de gestão dos resíduos são inadequadas, particularmente em meios densamente povoados e
urbanos, a vulnerabilidade tende a aumentar. O aumento sustentado da vulnerabilidade ambiental,
por exemplo, em condições de perda da biodiversidade, degradação do solo ou de crescente
escassez de água, pode facilmente pôr em perigo a segurança alimentar de pessoas cuja subsistência
depende dos produtos agrícolas, das florestas e pastagens e do meio marinho.

Viver num ambiente poluído implica expor a saúde a maiores riscos. À medida que aumenta a
escassez de recursos naturais, as alternativas à disposição das comunidades vão ficando limitadas, as
suas aptidões para desenvolver soluções que lhes permitam enfrentar situações de risco são
reduzidas, a resiliência local a ameaças ou a sua capacidade de recuperação de um desastre ficam
igualmente diminuídas. Com o tempo, os fatores ambientais podem agravar ainda mais a
vulnerabilidade, porque criam novos padrões de discórdia social indesejáveis e privações
económicas que, eventualmente, forçarão comunidades completas a migrar.

A humanidade terá de enfrentar ainda muitos riscos (convertíveis em desastres) de origem


supostamente ecológica nos anos que se avizinham:
• O aumento das radiações solares nocivas que alcançam a superfície da Terra em consequência
da destruição da camada do ozono (a regressão de uma das principais conquistas da vida no
planeta).
• A alteração global do comportamento da biosfera, devida à crescente destruição das florestas
tropicais.
• A alteração dos ecossistemas devido à perda de diversidade genética.
• A alteração da temperatura (aquecimento global) da superfície terrestre devido ao "efeito de
estufa".
• As consequências das mudanças climáticas e os seus reflexos no aumento da periodicidade e
intensidade de fenómenos naturais como os furacões, chuvas, ondas de calor, o fenómeno El
Niño, etc.
• O aumento de doenças degenerativas desencadeadas por "agentes ambientais".
• O resultado real da desnaturalização dos processos que suportam a vida.

É necessário tomar consciência de que a vulnerabilidade ambiental não pode ser exclusivamente
responsabilidade de um governo ou sequer do Estado no seu conjunto. O problema da nossa
fragilidade perante a evolução da natureza e da história tem as suas raízes nas nossas estruturas
materiais e mentais e é, simultaneamente, uma vulnerabilidade económica, política e social.

Fatores naturais-ambientais da vulnerabilidade

► Desflorestação resultante de novos aglomerados populacionais, da exploração madeireira,


agrícola e pecuária, e das fontes de energia doméstica, etc.
► Degradação ambiental devido à utilização de tecnologia e produtos poluentes (utilização e
manuseamento de produtos químicos e agroquímicos e de substâncias perigosas, etc.).

10 Organização Pan-Americana da Saúde, ¿Fue el 2005, el año de los desastres naturales?, 2006.

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► Esgotamento dos recursos não renováveis devido a práticas de extração predadoras.
► Perda da biodiversidade e empobrecimento da camada de ozono devido a transformações nos
ecossistemas e à produção de gases perigosos.
► Alterações nos ciclos e processos naturais da Terra como a subida do nível do mar, o aumento
dos furacões, das chuvas e da desertificação em resultado do aquecimento global e das
mudanças produzidas no e pelo clima.
► Destruição e fragilização de ecossistemas como praias, recifes, bacias hidrográficas e linhas
costeiras devido a práticas nocivas.
► Poluição das águas, da atmosfera e da terra como, por exemplo, através da remoção e
eliminação inadequada dos resíduos, uso de pesticidas, praguicidas e outros produtos
químicos.
► Degradação e sobre-exploração do uso dos solos (aglomerados humanos, práticas
agropecuárias e produtivas, projetos turísticos, áreas industriais perigosas, etc.).
► Alterações geomorfológicas do curso das nascentes de água dos rios, riachos e esteiros devido
à construção de megaprojetos como barragens, estradas, aeroportos, etc.
► Sedimentação de canais, rios, esteiros devido à deposição de escombros e resíduos.
► Instabilidade das encostas, destruição das margens dos rios e esteiros devido à desflorestação e
introdução de espécies exógenas.
► Migração e extinção de espécies devido às transformações e alterações nos ecossistemas.

► Fatores de origem físico-ambiental


A vulnerabilidade física refere-se à forma e à qualidade segundo as quais o meio construído pelos
seres humanos e as suas atividades de apoio se relacionam com o ambiente natural e com os
ecossistemas, como, por exemplo, os centros urbanos, as cidades, os aglomerados humanos, as
infraestruturas, as linhas de funcionamento vitais, os serviços públicos e as condições estruturais
das construções.

Tradicionalmente, este conceito tem uma conotação material que provém das correntes de
pensamento da engenharia, da arquitetura e do urbanismo. Os aspetos físicos da vulnerabilidade,
embora o seu alcance aumente constantemente, estão principalmente relacionados com
considerações e suscetibilidades que se prendem com as fragilidades do ambiente construído
perante determinadas ameaças. Nesta perspetiva, a vulnerabilidade física pode ser descrita como
"exposição e fragilidade" ou "estar no lugar errado à hora errada". Pode ser determinada por
aspetos como a densidade populacional, a distância, a acessibilidade e a localização de um povoado,
centro urbano ou edifício; bem como por aspetos relativos à conceção, à tecnologia e aos materiais
utilizados para construir as infraestruturas vitais, as habitações, os edifícios e as cidades, bem como
a manutenção e cuidados que se lhes prestam.

Por exemplo, o projeto de gestão do risco na bacia do Rio Buzi em Moçambique, procurou a integração de diferentes
fatores de redução da vulnerabilidade. Uma medida de prevenção, com impacto sustentável foi a implementação de
regulamentos de construção à prova de ciclones durante a reconstrução da infraestrutura pública em vários distritos
moçambicanos. Escolas e edifícios administrativos que tinham sido construídos de acordo com estas instruções,
utilizando simples materiais locais como corda ou arame para proteger os telhados, provaram a sua eficiência.
Durante um ciclone em 2002, apenas os edifícios que haviam sido reconstruídas sem a utilização de técnicas à prova
de ciclone foram danificadas ou destruídas mais uma vez. As regulações de construção foram adotadas pela
administração provincial de Sofala como medida obrigatória para todos os projetos de construção no futuro.

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Das condições e segurança com que criamos o nosso habitat físico depende, em grande parte, a
qualidade de vida e, também, a vulnerabilidade ambiental, posto que, por exemplo, um sismo pode
não se limitar a danificar habitações; o mesmo evento destrutivo pode rebentar barragens que, por
sua vez, causam inundações e a destruição de florestas, da flora, da fauna e dos meios de
subsistência. Também pode danificar ou destruir redes ou linhas de funcionamento vitais, romper
tubagens de gás, que provocam explosões, incêndios ou acidentes nas estradas, etc.

Dependendo da vulnerabilidade do nosso meio envolvente, uma única ameaça ou evento destrutivo
pode converter-se numa série de ameaças ou eventos em cadeia, de menor ou maior dimensão, que
provoquem perdas a nível do setor produtivo, serviços, transportes, habitação, saúde e ambiente,
entre outros.

Fatores físico-ambientais da vulnerabilidade

► Edifícios e habitações mal construídos ou em mau estado.


► Infraestruturas, como pontes, estradas e barragens inadequadas ou mal construídas.
► Ausência ou má contenção, manutenção e reforço incorretos de encostas, muros, habitações,
edifícios ou áreas perigosas.
► Localização de habitações, povoados e centros urbanos em lugares e zonas de perigos ou de
confluência de ameaças.
► Sobrepopulação, carência de habitações e de espaço adequado para o seu desenvolvimento.
► Urbanização sem controlo, regulamentação e oportunidades.
► Uso de técnicas, projetos e materiais de construção pouco adaptados às características e às
necessidades do seu uso.
► Linhas vitais, descargas, drenagens, vias de escoamento em mau estado ou inapropriadas.
► Transporte e armazenamento de substâncias perigosas em condições de insegurança.
► Implantação de edificações e serviços estratégicos como hospitais, escolas, portos e aeroportos
em locais perigosos.
► Implantação de fábricas, indústrias ou atividades perigosas ou poluentes na proximidade de
centros urbanos, escolas, hospitais, nascentes de água, etc.
► Disposição inapropriada dos centros de tratamento de resíduos.

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FENÓMENO OU
EVENTO
DESTRUTIVO

AMEAÇAS

RISCO DE TERRITÓRIO DESASTRE


DESASTRES COMUNIDADE

VULNERABILIDADES

Fig. III, Cap. 1 - A relação entre risco, território e desastres

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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA DO INFODOC


► Tominaga, Lídia Keiko; Santoro, Jair; do Amaral, Rosangela, Desastres Naturais: conhecer para
prevenir. Instituto Geológico - Secretaria do Meio Ambiente, Governo do Estado de São Paulo
2009.

► Diego Gonçalves, Carmen, Desastres naturais, vulnerabilidade, risco e resiliência, Centro de estudos
sociais da Universidade de Coimbra, 2010.

► TWIGG, J., Good Practices Review - Disaster Risk Reduction: Mitigation and Preparedness in Development
and Emergency Programming, Capítulos 1 e 2, HPN, 2004.

► Gómez Prieto, Claudia. Aspectos psicossociais em situações de desastre - 2007.

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RELATIVAMENTE A ESTE CAPÍTULO, TENHA EM


CONTA QUE…

► A gestão do risco de desastres é um processo permanente de análise, planeamento,


tomada de decisões e implementação de ações destinadas a identificar, , prevenir e
reduzir as possibilidades de que um fenómeno potencialmente destrutivo cause
danos ou perturbações graves na vida das pessoas, nos meios de subsistência e nos
ecossistemas dos territórios, assim como responder adequadamente em caso de
impacto e recuperar meios de vida, serviços e sistemas após a ocorrência do
desastre.

► O conhecimento do risco de desastre depende em grande medida da quantidade e


qualidade das informações disponíveis e de como as pessoas percecionam o risco.
O conhecimento das ameaças e vulnerabilidades e a disponibilização oportuna de
informações pode salvar muitas vidas.

► O risco de desastre é o resultado de complexas interações entre ameaças,


vulnerabilidades e capacidades que podem ser agravadas ou criadas por atividades
humanas através de processos, práticas e formas de desenvolvimento que incidem
negativamente na construção das nossas sociedades.

► As ameaças são fenómenos ou eventos físicos potencialmente destrutivos que, a


materializarem-se num território específico, podem prejudicar a vida, os meios de
subsistência e os ecossistemas de que as comunidades dependem para viver.

► A origem das ameaças pode ser natural, socionatural e antropogénica ou uma


combinação destas. Quando um território apresenta vários tipos de ameaças,
costuma utilizar-se o termo "multiameaça".

► Ainda que as denominadas ameaças "naturais" sejam fenómenos da natureza,


podem ser agravadas e, inclusivamente, criadas pela atividade humana, tal como as
vulnerabilidades.

► As vulnerabilidades perante as ameaças são resultantes de ações humanas criadas e


determinadas pela forma como nos relacionamos com o nosso meio envolvente e
com os ecossistemas. Contemplam fatores económicos, sociais, políticos e
ambientais.

► Os desastres são a concretização dos riscos existentes no território em que as


condições de vulnerabilidade e as ameaças se materializam através do impacto de
um fenómeno destrutivo.

► A dimensão do desastre depende não só da força e do impacto do fenómeno


destrutivo, mas também do grau de vulnerabilidade da sociedade face a um
determinado fenómeno. Os desastres são o resultado de riscos não geridos.

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RECAPITULAÇÃO DAS TENDÊNCIAS
2 ATUAIS

2.1 Os desastres: cada vez mais frequentes e com maior


impacto

As sociedades são vítimas de desastres cada vez com maior frequência. Muitas vezes, os esforços de
desenvolvimento de uma comunidade são minados por estes eventos, porque as consequências
económicas, políticas, ambientais e sociais da crise podem prolongar-se por muitos anos.

Ainda que nenhum país do mundo seja totalmente seguro, a falta de capacidade para mitigar os
efeitos dos desastres e prevenir a criação de novos riscos e vulnerabilidades continua a constituir
uma carga bastante onerosa para os países em desenvolvimento, nos quais ocorrem mais de 95%
das mortes e se verifica o maior impacto económico dos desastres por referência ao Produto
Interno Bruto.

Na década de 1990, os desastres afetaram 188 milhões de pessoas em média, ou seja, seis vezes a
média de 31 milhões de pessoas afetadas por conflitos bélicos. Segundo Save The Children, no
relatório ¿Un futuro de catástrofes?: El impacto del cambio climático en la infancia – 2007, estima-se que este
número ascenda na atualidade a 250 milhões anuais e que aumentará para 300 milhões nos
próximos anos, 50% dos quais serão crianças. Só em 2007, o número de vítimas de danos pessoais
ou materiais ascendeu a 200 milhões de habitantes, dos quais 160 milhões devido a inundações.

Importa recordar também que, em regra, não se tomam em consideração os chamados pequenos
desastres, pelo que os seus efeitos não figuram nas estatísticas globais e o mais provável é que, no
cômputo geral, as consequências socioeconómicas, humanas e ambientais sejam muito mais
significativas do que as estatísticas nos dão a conhecer.

O número de desastres e de situações de emergência tem uma distribuição espacial diferenciada,


por exemplo:
► Na década de 1990, 43% dos desastres ocorreram na Ásia, representando quase 70% das
mortes. Nos períodos em que se produziu o fenómeno El Niño, só na China foram afetadas
mais de 200 milhões de pessoas.
► Em termos relativos e considerados per capita, a região de maior impacto é África, sobretudo
quando se têm em conta as epidemias, secas e situações de fome (EIRD, Vivir con el Riesgo,
2004).
► Países como a França e a Alemanha estão a ser afetados por inundações em consequência da
modificação da morfologia fluvial de grandes rios, como o Reno, para facilitar o tráfego
comercial.
► O aquecimento global provoca mudanças climáticas cíclicas que são responsáveis pelo maior
número de furacões intensos na Bacia das Caraíbas. Se a isto se somar a quantidade crescente
de pessoas que vivem nas orlas costeiras em habitações precárias e a contínua destruição das
infraestruturas básicas, o resultado é a existência de um potencial de desastres com efeitos ainda
mais devastadores que os ocorridos nas décadas passadas (OPS, 2006).

Em geral, pode afirmar-se que os desastres têm tido um comportamento com reflexos negativos
cada vez maiores nas economias, nos meios de subsistência e no sofrimento das pessoas. Cresce o
número de comunidades afetadas; o número de mortes também aumentou em 2004 e 2005, em
resultado de catástrofes de grandes dimensões como o tsunami no Oceano Índico, os sismos no
Paquistão, na Índia, na Indonésia, no Peru e na China, e os furacões nas Caraíbas e no Golfo do
México, como já vimos. O caso do terremoto de Haiti, com mas de 300.000 mortos num país de 8

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milhões de habitantes é uma prova, ainda mais recente, de acumulação do risco, com uma ligação
direta ao problema estrutural da pobreza.

EXEMPLOS
Mudança climática e saúde humana – Riscos e Despostas - Sumário revisado 2008
OMS/OPAS OMM-PNUMA

Durante séculos, as sociedades humanas alteraram os ecossistemas locais e modificaram os climas


regionais. Hoje, a influência humana atinge uma escala global, reflexo do rápido e recente aumento
demográfico, do consumo de energia, da intensidade do uso da terra, do comércio e das viagens
internacionais, bem como de outras atividades humanas. Essas mudanças globais têm acentuado a
conscientização de que a boa saúde de longo prazo das populações depende da estabilidade e do
funcionamento contínuos dos sistemas ecológico, físico e socioeconômico da biosfera. O sistema
climático mundial é parte integrante dos complexos processos de sustentação da vida. Clima e
tempo sempre causaram um grande impacto na saúde e no bem-estar da humanidade. Mas como
outros grandes sistemas naturais, o sistema climático mundial está sofrendo a pressão das
atividades humanas. A mudança global do clima é, portanto, um desafio mais novo nos esforços
contínuos para proteger a saúde humana. Esta publicação é um sumário revisto do livro Climate
Change and Human Health – Risks and Responses (Mudança Climática e Saúde Humana, Riscos e Respostas),
publicado pela OMS em colaboração com o PNUMA e a OMM. O volume completo busca
descrever o contexto e o processo das mudanças climáticas, seus impactos reais ou prováveis na
saúde, e a forma como as sociedades humanas e seus governos deveriam responder, com enfoque
particular no setor de saúde.

Togu e as Árvores da Vida – UNEP (disponível em inglês)

Livreto de consciência ambiental para crianças sobre as florestas e a sua fauna e flora. Esta
publicação visa sensibilizar as crianças para a importância das florestas e a necessidade de as
preservar, promovendo ainda o plantio de novas árvores. Togu e as Árvores da Vida faz parte da
série ambiental Tunza para crianças. Tunza significa tratar com afeto e carinho em suaíli.

2.2 Tendências e previsões das ameaças

Até há pouco tempo, os padrões de intensidade e frequência de ameaças naturais seguiam o ritmo
das variações naturais, das estações do ano, da temperatura mundial e da atividade tectónica.
Atualmente, apesar de a atividade sísmica e vulcânica manter este ritmo de variações a longo prazo,
as mudanças climáticas parecem estar a afetar a frequência e intensidade das ameaças
hidrometeorológicas.

Apesar de ser muito difícil provar cientificamente estas mudanças, as projeções para o futuro são
motivo de apreensão, como o demonstram as conclusões do Painel Intergovernamental sobre as
Mudanças Climáticas (sigla IPCC, do inglês). De certo modo, as sociedades são responsáveis não só
pela sua vulnerabilidade socioeconómica, mas também por criar sempre novas tendências em
matéria de ameaças. De acordo com as projeções, as mudanças climáticas nas próximas décadas,
que supostamente acompanharão o aquecimento global, modificarão com certeza a frequência e
intensidade das ameaças climáticas num grau suscetível de afetar adversamente algumas regiões.

Atualmente, a maioria dos cientistas aceita a existência de problemas relacionados com as mudanças
climáticas. As temperaturas estão a subir em todo o mundo, ainda que os aumentos não se
distribuam uniformemente pelo planeta. À medida que a atmosfera aquece, pode absorver mais
vapor de água, o que se traduz num aumento da humidade. A maior circulação de água no ciclo
hidrológico, daí decorrente, aumenta a precipitação por evento e a variabilidade, bem como a
frequência de extremos climáticos face ao clima atual.
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As sociedades são cada vez mais afetadas pelas variações interanuais do clima, como as associadas
ao fenómeno El Niño/La Niña, que se refletem na precipitação e na temperatura em intervalos
plurianuais que só é possível prever até certo ponto. Estas variações climáticas regionais podem
provocar ameaças hidroclimáticas. A prevalência de secas e inundações que desencadeiam desastres
revela que muitos países são vulneráveis às variações naturais ou extremas do clima.

Muitos fenómenos naturais que, até há alguns anos, eram considerados variações normais do clima
e das estações do ano, converteram-se em ameaças devido a intervenções humanas. Estas
aumentaram a suscetibilidade face a determinados fenómenos naturais como, por exemplo, a
vulnerabilidade face às chuvas normais do ano, que provocam agora inundações frequentes em
extensas zonas urbanas do planeta, em resultado da carência de áreas verdes para absorver a água,
da falta de sistemas de drenagem apropriados e da cobertura do solo com asfalto.

O mesmo ocorre perante sismos de menor intensidade, ventos, deslizamentos e outros fenómenos
que, décadas atrás, não eram considerados perigosos para as comunidades humanas, mas que o são
agora devido aos padrões dos aglomerados populacionais, às práticas produtivas e às características
do meio físico construído.

EXEMPLO
População e mudança climática: Dimensões humanas das mudanças ambientais globais

A compreensão mais robusta da mudança climática, a partir de uma perspectiva populacional, demanda
conhecimentos oriundos do diálogo entre as dimensões climáticas, ambientais, sociais, políticas,
econômicas e demográficas que devem ser relacionadas a processos e políticas nos níveis locais,
regionais e internacional. O livro em questão traz uma importante contribuição à comunidade científica
interessada nas dimensões humanas das mudanças climáticas e oferece um cardápio cheio de
abordagens, conceitos e métodos, além de agendas de pesquisa a serem perseguidas pelos estudos em
ambiente e sociedade e população e ambiente.

Entre as principais tendências ou previsões em matéria de ameaças podem destacar-se as


seguintes 11:
• Os fatores voláteis das mudanças climáticas influenciarão a ocorrência e os efeitos de desastres,
visto que afetarão a intensidade e frequência dos eventos hidrometeorológicos extremos com
um efeito negativo nas próximas décadas nas regiões e países mais vulneráveis.
• As mudanças climáticas refletir-se-ão nas temperaturas extremas, nas ondas de frio e calor, em
verões mais secos, na velocidade dos ventos e na intensificação de secas e inundações
relacionadas com o fenómeno El Niño, que se repercutirão negativamente na vida humana, nos
ecossistemas e nos meios produtivos.
• Aumento do número de secas devido ao abuso do consumo de água para irrigação e na
indústria, e às pressões exercidas pela degradação do ambiente e pelo desenvolvimento.
• O aumento do nível do mar converter-se-á a longo prazo numa ameaça para as populações e
para os ecossistemas costeiros.
• As erupções vulcânicas e os sismos poderão afetar um maior número de comunidades, os seus
bens e meios de subsistência, devido a uma elevada concentração de populações e
infraestruturas em zonas expostas a estes fenómenos, mesmo que não sejam de extrema
intensidade.

11 Adaptado de EIRD, Vivir con el Riesgo, 2004.

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• Registar-se-á um aumento da frequência dos movimentos de massas, como deslizamentos e
avalanchas provocados por fenómenos sísmicos e chuvas intensas, e agravados pela
desflorestação, localização dos aglomerados e degradação ambiental.
• Agravamento de um conjunto de ameaças devido à degradação ambiental, que limita a
capacidade e resiliência de um território para absorver e minimizar os efeitos de fenómenos
comuns, como vento, chuva, ondas, ondulações de temporal e clima.

2.3 O aumento da vulnerabilidade: fatores determinantes

Como afirmámos ao longo da primeira Unidade Didática, em muitos países e regiões do mundo, o
aumento da vulnerabilidade está relacionado com:
► A distribuição desigual da riqueza e da produção, que se caracteriza, entre outros aspetos,
pelo aumento da pobreza e da urbanização descontrolada, que leva a que os aglomerados
humanos e a atividade produtiva dos setores menos favorecidos se alargue a locais de risco
(zonas de inundação, encostas instáveis e com grande declive, zonas húmidas, de conservação e
controlo especial e com ecossistemas vulneráveis).
► O impacto negativo do desenvolvimento nos ecossistemas locais e regionais e nas
comunidades rurais e urbanas, através de práticas que minam as suas capacidades de
autoajustamento e sobrevivência para o futuro, como a gestão inadequada das bacias
hidrográficas, costas e margens dos rios, a desflorestação, a poluição, a gestão dos recursos não
renováveis, o aquecimento global, etc.
► Desajustamentos culturais e sociais nos territórios, através de fatores que aumentam as
vulnerabilidades da população e reduzem as suas capacidades para enfrentar o impacto dos
desastres. falta de informações oportunas e verdadeiras; perda da identidade e memória
histórica das comunidades; introdução de práticas culturais exógenas em detrimento das
tradicionais; falta de organização, violência e insegurança urbana; marginalização e exclusão
social, falta de acesso aos serviços básicos e adequados, etc.
► Fragilidades de governação, que se expressam na falta de participação dos cidadãos, na
concentração do poder em estruturas nacionais sem que se promovam processos de
descentralização, no mau funcionamento dos sistemas institucionais de prevenção e vigilância
de desastres, na ausência ou deficiente planeamento preventivo (análise do risco,
prevenção/mitigação de desastres), na inexistência de normas, mecanismos de
acompanhamento, estratégias e ferramentas metodológicas e tecnológicas, etc.
► A crise mundial, originada em países industrializados com repercussões graves nos países em
desenvolvimento, em especial nos setores mais vulneráveis, gerando desemprego, perda de
mercados, restrições económicas, concorrência desleal em resultado de subvenções a grandes
grupos económicos, endividamento, dependência e maior pobreza, que se traduz numa maior
vulnerabilidade das populações para enfrentar situações adversas, crises e a recuperação pós-
desastre.

EXEMPLO
Vulnerabilidades das megacidades brasileiras às mudanças climáticas: Região
Metropolitana de São Paulo

Este documento refere-se a projeções climáticas até 2100 para a região, além de dados e análises
que mostram os impactos e vulnerabilidades atuais e projeções para 2030, através da aplicação de
um modelo de projeção de mancha urbana associado ao modelo “Hand”. Esse estudo de paisagem
permitiu identificar as possíveis áreas que seriam ocupadas no futuro e o risco potencial, caso o
padrão de uso e ocupação do solo atual se perpetue sem nenhuma alteração e controlo.

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O anteriormente exposto está patente concretamente nos seguintes exemplos:

► Ausência de planeamento do desenvolvimento, facto que constitui uma das causas mais
importantes do crescimento rápido e não regulamentado das zonas de aglomeração, que se
caracterizam, precisamente, por uma elevada vulnerabilidade face a fenómenos naturais
extremos. O crescimento urbano descontrolado e sem oportunidades levou a que as 100
cidades mais povoadas do planeta sejam as que estão mais expostas a desastres. Mais de três
quartas partes estão expostas a algum tipo de ameaça natural e em 70 delas há a possibilidade
de ocorrer um sismo de 50 em 50 anos. 12 Muitas cidades situadas em zonas de baixo risco
aumentam a sua vulnerabilidade à medida que os solos urbanos se vão esgotando, a
propriedade se concentra em setores especulativos, as novas urbanizações são implantadas em
locais inseguros, não se aplicam as regulamentações e normas adequadas ao seu
desenvolvimento, etc. É evidente que os desastres contribuem ainda mais para o aumento da
pobreza. De facto, em muitas regiões ameaçadas, os desastres provocaram um aumento
dramático do número de pessoas afetadas pela fome; foi esse o caso nas Honduras e na
Nicarágua, por exemplo, após a passagem do furacão Mitch em 1998, e em El Salvador e na
China, após os sismos de 2001 e 2008, respetivamente.
► Concentração das principais atividades económicas e produtivas nas capitais ou em seu
redor, coincidindo com a localização de grandes aglomerados populacionais. Quase metade da
população do planeta vive em zonas costeiras e treze das maiores cidades do mundo estão
implantadas na costa. A concentração das infraestruturas industriais e outras instalações
importantes contribui para piorar a situação. As redes de comunicação e de transportes e as
infraestruturas educativa e sanitária são cada vez mais vulneráveis aos efeitos das ameaças.
Os corredores comerciais também estão cada vez mais vulneráveis. Por exemplo, o furacão
Mitch, na América Central, interrompeu durante duas semanas o mercado intrarregional devido
aos danos rodoviários que provocou, e o fenómeno El Niño, em 1997-98, cortou centenas de
ramais da estrada que liga o Peru ao Equador. Importantes aspetos do desenvolvimento das
regiões, países ou territórios dependem da sua resiliência aos efeitos dos desastres.
► Os efeitos da globalização sobre os padrões de vulnerabilidade são fundamentais para
estabelecer a presença de novas tendências no risco de desastres. Regra geral, a aplicação de
medidas de ajustamento económico para fomentar o aumento da eficiência e a competitividade
global tem provocado uma contração do mercado laboral. A perda de rendimento pode
aumentar a vulnerabilidade das pessoas ao risco de desastres. Na África do Sul, por exemplo,
entre 1996 e 2000, perderam-se mais de 500 mil postos de trabalho do setor formal. Entre 1997
e 2000, mais de 140 mil pessoas perderam o emprego e 50 mil trabalhadores, na sua maioria
mulheres, tiveram de abandonar o trabalho no setor têxtil (EIRD, 2004).
► A atual crise financeira à escala mundial provocará a perda de milhares de postos de trabalho.
Em países industrializados como a Espanha, por exemplo, o desemprego atingiu os 20% e já
conheceu a sua maior contração em 40 anos 13. Os EUA registaram a maior quebra da
economia em 60 anos e outros países desenvolvidos sofreram consequências dramáticas nas
suas economias e nas suas estruturas sociais e produtivas (Alemanha, Japão, Inglaterra, França,
etc.), que terão um impacto negativo nos países mais frágeis com economias e mercados
dependentes, aumentando as vulnerabilidades e reduzindo as capacidades de resiliência face a
possíveis desastres.
► A especialização produtiva versus diversidade produtiva, a velocidade das alterações
tecnológicas e culturais, entre outros fatores, converteram-se numa ameaça para o saber
tradicional. À medida que os meios de subsistência locais vão sendo substituídos por sistemas
exógenos, melhor adaptados à procura externa que ao fortalecimento da economia local, é
muito provável que aumente a vulnerabilidade económica. O MST, o Movimento dos
Sem-Terra do Brasil, difundiu dados eloquentes que também se aplicam a outros países: a

12 EIRD, Vivir con el Riesgo, 2004.


13 Projeções da Comissão Europeia em abril de 2009.

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celulose cria um posto de trabalho por cada 185 hectares e a agricultura familiar cinco postos de trabalho por
cada dez hectares 14.

EXEMPLOS
Riscos Emergentes no Século XXI

O Programa Internacional da OCDE para o Futuro acaba de publicar um relatório que analisa as
repercussões deste desenvolvimento sobre a economia e sociedade no século XXI, enfocando
particularmente a possibilidade de sistemas maiores se tornarem mais vulneráveis no futuro.
Serviços de saúde, transporte, energia, abastecimento alimentar e em água, informação e
telecomunicação, todos são exemplos de setores com sistemas vitais suscetíveis de ser seriamente
prejudicados por um único evento catastrófico ou por uma cadeia de eventos. Tais ameaças
podem ser oriundas de fontes muito diversas, mas o relatório enfoca cinco grupos de riscos
principais – catástrofes naturais, acidentes tecnológicos (ou industriais), doenças infeciosas,
segurança alimentícia e terrorismo.

Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008

O documento é a síntese do relatório mundial do PNUD (2007-2008) sobre desenvolvimento


humano, que mostra claramente os efeitos das mudanças climáticas no mundo atual.
"O modo como atuamos hoje relativamente às mudanças climáticas acarreta consequências que perdurarão um século
ou mais. Num futuro próximo, o resultado das emissões de gases com efeito de estufa não será reversível. Os gases
retentores de calor emitidos em 2008 irão permanecer na atmosfera até 2108, e até para além disso. Por isso, as
escolhas que atualmente fazemos não afetam apenas as nossas vidas, mas mais ainda as dos nossos filhos e netos.
Isto faz das mudanças climáticas um problema único, e mais difícil do que outros desafios políticos".

2.4 Tendências da redução do risco de desastres

Antes da década de noventa do século passado, a prática em torno da redução do risco de desastres
concentrava-se sobretudo no atendimento da emergência, na resposta aos desastres e, nalguns
casos, nas medidas de preparação. A prevenção e a mitigação, ainda que pudessem ser consideradas
ações e abordagens necessárias e prudentes, não foram objeto de atenção por parte dos governos
nem da sociedade no seu conjunto. Nos países mais avançados neste âmbito, tais ações
concentravam-se principalmente na mitigação de ameaças, com medidas de engenharia estrutural
(diques, muros de contenção, reforço de construções, etc.) e com ações esporádicas de relocalização
de comunidades situadas em zonas de risco.

Ao contrário da atenção dedicada à emergência e à resposta, a prevenção e a mitigação não


dispunham de meios institucionais adequados para as promover, sustentados por uma base legal ou
normativa de apoio, nem de um consenso social que as avalizasse. Prevalecia uma visão "centrada
na emergência" ou reativa face aos desastres, em detrimento de uma política de prevenção e
redução do risco no contexto do desenvolvimento. Apesar do exposto têm-se verificado alterações
importantes na perspetiva de redução do risco de desastres a nível mundial. É possível assinalar
algumas tendências comuns nesse sentido:
• Ainda prevalece a dinâmica e a tendência institucional de atuar sobre os efeitos dos desastres
mais que sobre os fatores que produzem o risco. Vislumbra-se, no entanto, que as causas
estruturais geradoras dos desastres (a deterioração ambiental, a pobreza, as desigualdades
socioeconómicas, os padrões dos aglomerados populacionais, as mudanças climáticas, a
carência de instituições sólidas e as fragilidades de governação, etc.) começam a integrar as

14 Eduardo Galeano, 2006.

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agendas institucionais, os fóruns de debate e as recomendações dos diversos estudos e
relatórios realizados recentemente, por causa das grandes catástrofes que assolaram o planeta
nos últimos anos e dos efeitos cada vez mais notórios das mudanças climáticas nas nossas
sociedades.
• Registaram-se progressos na compreensão da eficácia da prevenção para a criação de
sociedades mais resilientes, designadamente quando se integra a redução do risco de desastres
como componente transversal das políticas públicas, dos programas e projetos associados às
diferentes dimensões do desenvolvimento. Ainda é necessário, no entanto, dar passos muito
mais decididos a nível da sensibilização e da criação de uma vontade política resoluta das
autoridades, que se manifeste em ações concretas para regulamentar e normalizar as atividades
e estabelecer mecanismos eficazes para a sua implementação; criar instituições sólidas e
eficazes; e assegurar a afetação dos recursos necessários, a promoção de capacidades, a
descentralização da gestão, etc.
• De modo muito incipiente, a segurança dos investimentos converteu-se num fator fundamental
das políticas setoriais, ainda que estas careçam de ações concretas que promovam e garantam,
nas atividades do setor público e privado, investimentos relacionados com a redução e
produção do risco de desastre.
• Na perceção do risco por parte de diversos atores sociais, apesar de continuarem a predominar
as visões tradicionais, observam-se tendências que marcam alterações importantes em termos
de relacionamento da ocorrência de desastres com os processos de desenvolvimento e
degradação ambiental, em redes municipais e comunitárias, nos organismos de cooperação, etc.
Falta, no entanto, avançar com a redução do impacto das atividades humanas, institucionais,
empresariais, financeiras e produtivas no nosso meio físico e natural para evitar a criação de
novos riscos.
• Ainda persiste uma forte concentração de poder nos organismos centrais dos estados, aliada a
grandes défices ao nível da autonomia territorial, do fortalecimento do papel das autoridades
locais e dos mecanismos de participação e boa governação. Para poder reduzir o risco de
desastres, é necessário reconsiderar seriamente os sistemas políticos, institucionais e
administrativos em que assenta o desenvolvimento da nossa sociedade.

2.5 O risco no território e a sua relação com o desenvolvimento

Como já vimos anteriormente, no quadro do desenvolvimento local entende-se por território o


espaço onde se materializa o conjunto de relações políticas, económicas, sociais e ambientais de um
determinado grupo de população com interesses, problemas e projetos comuns. Este conceito pode
abarcar desde ecossistemas pequenos ou limitados a espaços geográficos transfronteiriços. A área
de um território dependerá das relações e da interdependência existentes entre a convivência das
comunidades com os ecossistemas e as atividades desenvolvidas no espaço em questão.

As causas e os agentes sociais que geram o risco de desastres podem ter uma localização territorial
muito diferente e distante daquela em que se produzem as vulnerabilidades e se concretizam as
ameaças através de eventos que provocam desastres: a desflorestação e a urbanização nas zonas
altas das bacias hidrográficas causam inundações em zonas baixas; a descarga das barragens afeta
áreas distantes da sua origem; as decisões sobre políticas ambientais, económicas ou sociais de nível
global ou regional podem ter um impacto local e familiar, longe das instâncias onde foram tomadas
as decisões, como aquelas que provocaram a atual crise estrutural global.

Os agentes geradores do risco de desastres estão muitas vezes pouco conscientes (ou não querem
tomar consciência) dos efeitos que as suas decisões têm em territórios distantes, na vida das pessoas
e nas perturbações que provocam nos ecossistemas e no ambiente. Eis alguns exemplos: o efeito do
aquecimento global, produzido em grande parte por emissões de gases nos países industrializados, e
as suas consequências para as mudanças climáticas e para os países em desenvolvimento; a
execução de megaprojetos decididos em instâncias nacionais, como barragens, estradas, portos,
aeroportos, etc., que se refletem em transformações que tornam mais vulneráveis as atividades e as
condições dos territórios; a desflorestação da floresta tropical para a criação de gado, a produção de
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biocombustíveis ou a agricultura intensiva que diminui a biodiversidade com consequências
negativas nos ambientes envolventes globais e nas populações locais.

Os elementos que entram na criação do risco de desastres num território são diversos e foram
mencionados nos capítulos anteriores desta e de outras Unidades Didáticas. Para recordar que a
produção do risco de desastres deriva tanto de agentes endógenos como exógenos, mencionaremos
seguidamente alguns fatores macro dos processos de desenvolvimento que tiveram expressões
territoriais na produção do risco de desastres.

Eis alguns dos fatores identificados:


• Alterações na dinâmica de crescimento demográfico, nas transformações da utilização dos solos
e na distribuição da população, que são acompanhadas por níveis crescentes de exclusão social,
pobreza, concentração económica e deterioração ambiental;
• O processo de acumulação e desenvolvimento caracterizado pela sua natureza extrativa e
predadora do meio natural, com consequências catastróficas para os ecossistemas e meios de
subsistência locais;
• A expansão das zonas urbanas, a localização inadequada dos aglomerados populacionais e o
crescimento da grandes cidades, que se traduzem em condições de vulnerabilidade e se
exprimem em perigos territoriais específicos, como é o caso dos riscos urbanos
(sobrepopulação, fragilidades nos serviços básicos, acidentes, explosões, poluição causada pelo
transporte e pelas fábricas, subemprego, crescimento do setor informal, delinquência e
insegurança dos cidadãos, etc.);
• A concentração e a centralização do poder em instâncias nacionais, que se traduzem em
fragilidades nos níveis de autonomia e tomada de decisões das autoridades locais e da sociedade
civil nos territórios;
• A perda de "poder" de gestão do Estado e do património público, expresso em fragilidades de
governação dos territórios, na administração das instituições e na afetação de recursos;
• A implantação de um modelo económico e de ajustamento que implica a relocalização da
população e da produção, traduzindo-se no aparecimento de sub-regiões, áreas de influência de
novas regiões produtivas ou em alterações drásticas nos padrões de investimento e circulação
das mercadorias, padrões esses que, por sua vez, foram muito sensíveis às alterações da
importância relativa dos mercados internacionais e da própria integração regional;
• Grandes eventos ou desastres regionais que aumentaram os níveis de vulnerabilidade e
provocaram o retrocesso das economias e dos processos de desenvolvimento dos países e
territórios afetados;
• O processo de reajustamento social e político pós-guerra em certas regiões, que contribuiu para
gerar maiores níveis de vulnerabilidade social;
• Os processos migratórios, tanto do campo para a cidade como transfronteiriços, com reflexos
na distribuição populacional nas últimas décadas.

2.5.1 A redução do risco no território

Em todo o mundo, o município constituiu-se como a expressão administrativa local por excelência,
mas não a única. Outras expressões territoriais se impuseram como, por exemplo, a região, a bacia
hidrográfica, as comunidades intermunicipais (nacionais e transfronteiriças), as grandes cidades e as
suas áreas metropolitanas, etc. Estes territórios partilham ameaças e vulnerabilidades que devem ser
abordadas numa perspetiva de conjunto para que a redução do risco de desastres seja eficaz.

A primeira premissa sobre a redução territorial do risco é que a prática não pode ser divorciada
dos quadros, processos, objetivos e planeamento do desenvolvimento nos níveis nacionais,
setoriais, regionais e locais; inclusivamente, dependendo de cada realidade, também não pode ser
encarada à margem de processos mais globais. A gestão das bacias de rios com grande diversidade
de territórios que fazem parte da geografia física de áreas extensas e de diversos ecossistemas ou de
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mais que um país, como é o caso, por exemplo, do Amazonas, do Nilo, do Zambeze e de outros
grandes rios, não pode ser encarada na perspetiva de um só país/território, devendo ser uma ação
concertada entre os países que partilham o território dessas bacias.

O processo da redução do risco de desastres tem de ser necessariamente participativo e elevar os


atores locais a sujeitos ativos na análise, formulação e conceção de estratégias, na tomada de
decisões e na implementação das medidas necessárias para o efeito. A participação da sociedade
civil é um mecanismo de legitimação, coesão social e garantia de pertença, bem como a pedra
angular da apropriação do processo.

Com esta noção de redução do risco de desastres pretende-se um processo cujo impulso,
concretização e apropriação é territorial, se realiza através dos agentes locais, com as capacidades
locais e, na medida do possível, com os recursos locais. A comunidade local representa sujeitos
sociais que se relacionam, refletem ou identificam com o nível territorial no âmbito das suas tarefas
diárias, produtivas ou familiares e têm sentido de pertença a esses níveis.

Um princípio básico decorre da integração da redução do risco de desastres na gestão do


desenvolvimento nos níveis territoriais, designadamente que não é necessário criar um novo nível
institucional ou novas formas organizacionais à margem das autoridades existentes. Pelo contrário,
esta integração deve ocorrer nas formas organizacionais presentes e visar o fortalecimento do papel
das autoridades locais. São estas, por mandato ou decisão popular, que detêm a responsabilidade,
em conjunto com os atores socioeconómicos do território, de governar, gerir e administrar o
território e, por conseguinte, compete-lhes assumir também a responsabilidade da redução do risco
de desastres a nível local.

Em suma, requer-se uma entidade de coordenação eficaz, encabeçada pelas autoridades locais, que
realize o seu trabalho fundamental através de organismos dotados de funções de desenvolvimento
local que integrem o setor público e a sociedade civil, possivelmente em colaboração com o setor
privado.

Uma lição clara a retirar é que, sem a presença, o compromisso, a consciência e o


fortalecimento do papel das autoridades locais na redução do risco de desastres, as
oportunidade de êxito e sustentabilidade reduzem-se imensamente. A autoridade local
representa o nível de coesão e concertação mais adequado para mobilizar os atores do território, e
as suas qualificações no domínio do desenvolvimento local e do planeamento da utilização da terra
colocam-na numa posição privilegiada e insubstituível em termos da fórmula
desenvolvimento-risco.

2.5.2 A associação ao desenvolvimento sustentável

A redução do risco de desastres é um processo social complexo que tem por finalidade última
a redução ou a previsão e o controlo permanentes do risco na sociedade.

Os projetos sobre desastres a nível local costumam contemplar, quase sempre, a análise, a
cartografia ou a sistematização das informações sobre as ameaças e, por vezes, as vulnerabilidades.
Em muitos casos, porém, este tipo de análise assume características estáticas, sendo os fatores de
risco de desastres encarados como produtos ou circunstâncias existentes, já inscritos na localidade,
sem se analisar a história ou os processos que os explicam ou os atores sociais, com as suas
capacidades próprias, que os impulsionam, ou seja, são considerados à margem dos processos de
desenvolvimento.

Existe ainda a prática de promover uma análise separada das ameaças e vulnerabilidades sem
estabelecer com rigor a relação dinâmica entre elas e as formas como se reforçam e determinam
mutuamente (o Capítulo III desta UD analisará mais detalhadamente o tema). O risco objetivo e
subjetivo raramente é tratado e quase nunca se procura estabelecer os nexos causais entre ameaças,
vulnerabilidades e, por fim, o próprio risco, e os processos de transformação ou de
desenvolvimento previstos a que o território possa estar sujeito.

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A redução do risco de desastres a nível local não significa a execução de projetos conjunturais com
resultados específicos sobre uma determinada questão. Lamentavelmente, até à data, a maior parte
dos esforços realizados neste âmbito ocorre à margem dos processos de desenvolvimento, dos
planos e programas em execução nos territórios e com pouca ou nenhuma coordenação com as
autoridades locais. Muitos esforços respondem mais a interesses particulares institucionais e
predefinidos que a necessidades reais ou estratégicas de um determinado local. Em resultado desta
"fragmentação", o risco tende a ficar excluído do problema do desenvolvimento, como se estivesse
sujeito a processos autónomos e externos. A redução do risco a nível local, como vimos no Quadro
Teórico, é um processo contínuo, acionado a partir dos territórios pelas autoridades ou atores
fundamentais, com base em estratégias de desenvolvimento sustentadas na utilização e reforço de
capacidades e recursos endógenos e com o apoio externo necessário, à medida das suas próprias
necessidades e gestão.

A visão de sustentabilidade nos processos de redução do risco de desastres a nível local radica
justamente na passagem de uma visão conjuntural ou de um projeto concreto para um processo
contínuo de desenvolvimento que integre o risco como eixo transversal das ações, processo esse
que deve ser impulsionado pelas autoridades locais e/ou pelos atores fundamentais através de
estruturas organizacionais e institucionais próprias, a quem compete angariar e coordenar o apoio
de múltiplas instâncias organizacionais, sejam elas locais, regionais, nacionais ou internacionais, em
função de uma visão de estratégia concertada a partir das necessidade, capacidades e recursos do
território.

A importância da redução do risco de desastres no âmbito territorial adquire cada vez maior
relevância, porque, em muitas sociedades vulneráveis, não é possível promover processos de
desenvolvimento sustentável sem se considerar o efeito negativo dos desastres.

Uma gestão e uma estratégia adequadas do risco de desastres, associadas ao desenvolvimento


sustentável no âmbito territorial, têm de contemplar, entre outros, os seguintes aspetos:
• O risco de desastres manifesta-se de forma mais concreta nos níveis locais, onde os efeitos ou
impactos diretos se registam com maior exatidão.
• O nível local evidencia a verdadeira dimensão dos desastres através dos danos que provocam
nos meios de subsistência, na vida das pessoas, nos bens materiais e nos ecossistemas.
• No âmbito territorial, a população tem maior sensibilidade face ao risco e, por conseguinte,
maior consciência da necessidade de promover processos para a sua redução.
• Em muitas ocasiões, os atores locais enfrentam sozinhos a situação de emergência, a resposta e
as ações de recuperação e reconstrução pós-desastre.
• Sendo o nível local o espaço em que se concretizam os efeitos de um desastre, também deve
ser ele a concitar o repositório de conhecimentos, capacidades e recursos para a sua redução.
• Em muitos territórios, a gestão adequada da redução do risco pode ser fundamental para o
desenvolvimento integrado da sociedade, sobretudo nos casos que dependem de economias
frágeis (turismo, agricultura, pesca, etc.) e apresentam ameaças múltiplas e níveis elevados de
vulnerabilidade.
• A gestão adequada da redução do risco de desastres deve ser sustentada por um processo
participativo que reforce o papel das autoridades locais no território, o papel ativo da sociedade
civil e a concertação entre os atores, e que consolide mecanismos de coordenação eficientes e a
boa governação.
• Uma boa gestão do risco de desastres também pode contribuir para fortalecer a organização
local, ou para a desenvolver ou criar onde ainda não existe.
• É necessário compreender que, apesar dos riscos e dos desastres incidirem e se manifestarem
em determinados territórios, as suas causas podem ser alheias ao local da ocorrência das
catástrofes e podem ser a reação a políticas e decisões tomadas longe do cenário do desastre.

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• A redução do risco de desastres não pode centrar-se unicamente no desastre, devendo
impulsionar ações tendentes a melhorar de forma integrada a qualidade de vida da população e
focar-se no desenvolvimento integrado e sustentável do território.
• A perceção do risco pode ser muito diferente consoante as pessoas, o género, o rendimento
económico, o grupo social ou étnico, o poder político, etc. e, portanto, o nível de risco e as
ações para a sua redução podem variar de grupo para grupo, dependendo da sua realidade.

FATORES DE
RISCO

AMEAÇAS
• NATURAIS
ANÁLISE DAS
• SOCIONATURAIS AMEAÇAS E CONSCIÊNCIA APLICAÇÃO
• ANTROPOGÉNICAS VULNERABILIDADE DE MEDIDAS
S DE REDUÇÃO
VULNERABILIDADES
CONHECIMENTO DO RISCO DE
• ECONÓMICAS
DESASTRES
• POLÍTICO-ADMINI ANÁLISE E
STRATIVAS IDENTIFICAÇÃO DO
COMPROMISSO
• AMBIENTAIS RISCO DE
• SOCIAIS DESASTRES

EVENTO
TERRITÓRIOS POTENCIALMENTE TERRITÓRIOS E
FRÁGEIS, DESTRUTIVO COMUNIDADES
VULNERÁVEIS E SISMO MAIS SEGURAS E
INSEGUROS FURACÃO RESISTENTES
INUNDAÇÃO
ACIDENTES
POLUIÇÃO
RIESGO
RISCO
DESASTRE ACEPTABL
GERÍVEL
E

Fig. I, Cap. 2 - Processo de redução do risco de desastres no quadro do desenvolvimento local


sustentável

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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA DO INFODOC

► Estratégia Internacional para a Redução de Desastres, EIRD Informes - Redução de Desastres em


África, Plataforma Nacional das NU, 2005.

► GUHA-SAPIR, D.; HARGITT, D. e HOYOIS, P., Thirty Years of Natural Disasters, 1974-2003.
The Numbers, Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED), UCL, Bélgica,
2004.

► Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED). A adaptação às


mudanças climáticas pode atender também às metas de desenvolvimento em cidades de países em
desenvolvimento?, Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED), 2009.

► Nobre, Carlos A.; Sampaio, Gilvan; Salazar, Luis, Cenários de mudança climática para a América do
Sul para o final do século 21, Parcerias Estratégicas, 2008.

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RELATIVAMENTE A ESTE CAPÍTULO, TENHA EM


CONTA QUE…

► Existe um impacto crescente e alarmante dos desastres nos bens, economias, meios
de subsistência e ambiente do nosso planeta, mas também no sofrimento das
pessoas e na perda de vidas humanas.

► Regista-se um aumento contínuo das vulnerabilidades sociais, económicas, políticas


e ambientais, mas também da intensificação das ameaças devido a fatores humanos
como o aquecimento global e a degradação ambiental.

► Apesar dos fortes progressos registados no fortalecimento das instituições


relacionadas com os desastres e na conceção de projetos sobre a redução do risco,
continuam a prevalecer perceções e ações centradas nas situações de emergência,
na resposta e, no melhor dos casos, nas medidas de preparação.

► A cultura de prevenção, apesar de ter sido aceite no discurso institucional e de


fazer parte integrante das agendas internacionais, continua ausente ou com uma
presença ténue nas práticas institucionais e de desenvolvimento.

► Prevalece nas instituições e nas políticas territoriais a tendência para agir perante os
efeitos dos desastres e não para atuar nas causas estruturais que produzem os
riscos.

► A distribuição espacial do risco é diferenciada no território e a manifestação dos


eventos (pequenos e grandes desastres) pode ter uma origem muito distante da
área de impacto.

► Do mesmo modo que os processos de redução do risco de desastres não podem


realizar-se à margem dos processos de desenvolvimento local, também os
processos de desenvolvimento territorial não podem prescindir da redução do
risco de desastres para poderem ser sustentáveis.

► O risco de desastres manifesta-se de forma mais concreta nos territórios (onde se


pode apreciar diretamente o impacto), costumando aí existir uma maior
consciência e necessidade da sua redução.

► A gestão adequada e integrada da redução do risco de desastres nos territórios


pode ser fundamental para o desenvolvimento sustentável, o fortalecimento das
autoridades, atores, políticas e capacidades locais, bem como para criar espaços de
participação, concertação, organização e descentralização.

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3 A AVALIAÇÃO DO RISCO DE DESASTRES

O presente capítulo tem por finalidade introduzir o processo de avaliação do risco de desastres
como passo necessário e fundamento de qualquer estratégia que tenha por objetivo garantir a vida e
os bens de uma comunidade através da consolidação de territórios, programas, projetos e
estratégias resilientes perante situações adversas ou de crise. O conhecimento do risco de desastres
é a base operacional de uma cultura de prevenção.

O conteúdo deste capítulo não pretende ser exaustivo nem, de forma alguma, uma metodologia
modelo, antes procura fornecer elementos para compreender os principais passos a dar e os aspetos
a considerar num processo de avaliação do risco de desastres no quadro de contextos e estratégias
mais integrados de desenvolvimento.

A avaliação do risco deve cumprir um objetivo específico e pode estar orientada para atividades em
curso ou em fase de projeto, que exijam conhecer o grau de risco existente ou suscetível de existir
no seu desenvolvimento face a possíveis acontecimentos perigosos e fatores de vulnerabilidade,
com a finalidade de determinar e priorizar as medidas a adotar com vista a garantir a segurança de
vidas, bens e ecossistemas.

Entre outros fins, pode ser utilizada para:


• Projetos de investimento públicos ou privados em curso ou em fase de projeto
• Planos de desenvolvimento local e territorial
• Planos de ordenamento territorial
• Atividades produtivas
• Estabelecimentos, infraestruturas e edifícios
• Setores de desenvolvimento estratégicos
• A gestão de recursos naturais

Existem muitas metodologias já elaboradas e validadas na prática. Compete às autoridades e aos


atores locais, em cada processo e em cada território, encontrar os métodos mais adequados,
adaptá-los e desenvolvê-los com base nas suas próprias realidades e necessidades. Para maior
desenvolvimento sobre os temas abordados neste capítulo e ao longo da UD, consultar a literatura
recomendada.

3.1. A avaliação do risco no quadro do desenvolvimento e numa


abordagem de sustentabilidade
Em primeiro lugar, importa tomar consciência de que a avaliação do risco de desastres per se não é a
solução para o problema, mas uma ferramenta de análise que integra processos alargados de
planeamento e estratégias de desenvolvimento destinados a garantir uma maior sustentabilidade das
nossas atividades. Embora estes temas sejam tratados detalhadamente na UD3, importa recordar
que um processo integrado de planeamento estratégico territorial inclui, no mínimo, as seguintes
fases:

1. Fase de preparação Organização do processo e identificação de necessidades, capacidades,


recursos, atores, etc.; definição de responsabilidades, mecanismos de participação e
metodologia de implementação do processo. Nesta fase devem ser incluídas a perspetiva e a abordagem
do risco para as integrar no planeamento do desenvolvimento ou da atividade que se pretende realizar.

2. Fase analítica e de diagnóstico. Diagnóstico e avaliação do território, tomando em


consideração as diferentes dimensões e setores do desenvolvimento. Nesta fase produzem-se as
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informações do território adequadas e pertinentes e apresentam-se os problemas, as suas causas
e as soluções que se pretende implementar. Num processo com abordagem de risco de desastres, esta fase
corresponde à avaliação das ameaças, das vulnerabilidades e do risco em função das situações avaliadas. Um
processo integrado de desenvolvimento deve possuir um sistema de informação geográfica permanente ou aproveitar
este momento para o criar.

3. Fase de planeamento. Elaboração ou preparação do plano (estratégico, de desenvolvimento,


setorial, etc.) que definirá a missão, os objetivos, as linhas estratégicas, as prioridades e a seleção
de programas, projetos e ações de curto, médio e longo prazo, com base no consenso e na
participação dos atores e que será institucionalizado no território como instrumento de gestão
do desenvolvimento. A redução do risco de desastres (RRD) deverá estar integrada como eixo transversal
em todos os programas, projetos e setores do desenvolvimento, para que seja possível alcançar uma maior
sustentabilidade.

4. Fase de implementação. Nesta fase divulga-se o plano, promovem-se as estratégias de


execução dos programas, projetos e ações, monitorizam-se e avaliam-se constantemente as
ações para efeitos de feedback e melhoria do processo. É o momento de verificar se as ações identificadas
e propostas são adequadas ou se é necessário o seu fortalecimento, reequação ou o aditamento de novas ações para
garantir a sustentabilidade do processo de desenvolvimento.

Antes de realizar a avaliação do risco de desastres, é ainda necessário rever as abordagens sobre o
risco de desastres que vêm sendo desenvolvidas e que devem estar presentes num processo
integrado numa perspetiva de sustentabilidade. Para esse efeito devemos tomar em consideração a
necessidade de:
► Controlar e corrigir os riscos e graus de exposição acumulados, através de medidas
destinadas a reduzir a vulnerabilidade e as fragilidades existentes nas diferentes dimensões do
desenvolvimento: social, económica, política e ambiental, como, por exemplo, limitando a exposição da
comunidade aos perigos físicos existentes por meio de medidas estruturais de proteção e fortalecimento do ambiente
construído (diques, terraços, muros de contenção, estabilização de encostas, reforço de habitações e edifícios, etc.);
reduzindo as vulnerabilidades e estimulando o aumento da resiliência e a diversificação dos sistemas produtivos
perante fenómenos naturais ou antropogénicos; fortalecendo a tomada de consciência e o papel das autoridades,
bem como a concertação dos atores locais, estabelecendo mecanismos administrativos, uma afetação de recursos e
uma regulamentação territorial efetivos para a gestão do território e dos recursos naturais; melhorando as
condições de vida, criando emprego digno e reduzindo a pobreza.
► Reduzir e prevenir a criação de novos riscos no futuro, controlando os processos de
desenvolvimento através da adoção de medidas de prevenção destinadas a impedir novas
vulnerabilidades, por exemplo, através da integração da abordagem de risco como eixo transversal do
desenvolvimento e da sustentabilidade dos planos estratégicos nos projetos de investimento (em execução ou em
fase de projeto), nas políticas públicas e nas tarefas quotidianas de um território e das pessoas. A tomada de
consciência, a vontade política, a criação de capacidades, a formação de pessoal e a afetação de recursos humanos
e materiais são vitais para poder promover medidas que evitem ou minimizem a criação de novos riscos.
► Preparar-se para enfrentar a resposta e a emergência, com o fim de garantir que a
organização, os sistemas, os procedimentos, os recursos e as capacidades necessárias estejam
disponíveis e funcionem adequadamente no momento da emergência, com vista a assegurar
uma assistência eficaz à população, o resgate de vidas humanas e a recuperação e reabilitação
dos serviços básicos pós-desastre. Planos de preparação, sistemas de alerta precoce, formação e
sensibilização das autoridades e das pessoas, simulações, concertação entre os atores territoriais, organização da
população, coordenação interinstitucional e intersetorial, mitigação de possíveis efeitos das ameaças e redução das
vulnerabilidades, etc. são algumas das tarefas que se podem realizar no âmbito da preparação para uma situação
de desastre.
► Integrar uma visão evolutiva e transformadora no desenvolvimento das nossas ações e
no período pós-desastre, mediante a promoção de abordagens destinadas a encontrar novas
formas de desenvolvimento e de redução do risco de desastres para implementação nas nossas
comunidades que permitam alcançar maiores níveis de sustentabilidade. Nos processos pós-desastre,
encontrar alternativas que permitam evoluir e transformar positivamente as ações de desenvolvimento no sentido
de impedir a recriação do risco. As ações implementadas para reduzir o risco de desastres devem ser direcionadas
para contribuir e fortalecer processos de desenvolvimento em curso no território e não para se centrarem apenas

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num resultado específico. Devem ser direcionadas para a melhoria qualitativa das condições de vida da população
nas diversas dimensões do desenvolvimento. A promoção de uma tomada de consciência e a criação de vontade
política; o reforço das capacidades; o fortalecimento das autoridades locais como responsáveis da gestão do
território; a redução da pobreza, a melhoria da educação, da saúde e do ambiente são aspetos importantes a
considerar nesta abordagem. A previsão e afetação de recursos e responsabilidades, a preparação antecipada de
planos de recuperação e de reconstrução, bem como a organização e concertação dos atores, são vitais para
integrar esta visão no período pós-desastre.

3.2. Introdução à avaliação do risco de desastres


Numa perspetiva histórica, a humanidade sempre esteve envolvida na avaliação do risco. Nada está
isento de riscos, nada se consegue realizar com total segurança. Desde a simples construção de uma
habitação a grandes projetos de infraestruturas como aeroportos, estradas ou barragens, é sempre
necessário tomar em consideração os riscos a que estão expostos as suas estruturas. Mesmo quando
algo parece completamente seguro, existem sempre probabilidades de acidentes, incêndios,
explosões, poluição, inundações, chuvas torrenciais, secas, epidemias, etc.

Numa cultura de prevenção e no quadro de processos de desenvolvimento sustentáveis, as


autoridades locais, bem como a população e as estruturas estratégicas da sociedade, devem ter
conhecimento detalhado e fidedigno dos perigos existentes, das vulnerabilidades e das
circunstâncias que podem conduzir a um desastre. Esse conhecimento é um fator essencial do
desenvolvimento.

A análise do risco de desastres é uma metodologia que identifica e avalia possíveis danos e perdas
(de vidas humanas, meios de subsistência e postos de trabalho, envolventes físicas e ambientais,
etc.) perante o impacto de um fenómeno perigoso, num dado período e espaço, que apresenta
determinadas condições de vulnerabilidade. Visa analisar e conhecer o território, as suas ameaças e
vulnerabilidades.

A avaliação ou análise do risco de desastres procura oferecer segurança à população, aos seus bens,
meios de subsistência e ecossistemas através do conhecimento dos fatores que o originam para, de
forma planeada e concertada, tomar e priorizar decisões e aplicar medidas destinadas a reduzir os
fatores de vulnerabilidade através de ações de prevenção, mitigação, preparação, reabilitação e
reconstrução pós-desastre.

Requer informação sobre as características qualitativas e quantitativas do risco de desastres, bem


como dos fatores que o determinam. Constitui um instrumento fundamental para planear ou
melhorar ações de desenvolvimento, visto que, quanto mais precisa for a análise, mais eficiente
poderá ser a afetação de recursos e mais corretas serão as medidas que se adotem para a sua
redução.

Os passos mais importantes do processo são:


► Conhecimento do território: análise dos principais fatores de desenvolvimento, das
características da realidade e da história e eventos de desastres.
► Análise das ameaças: identificação da localização, natureza e intensidade e das características e
probabilidades de que um ou vários eventos físicos possam transformar-se em perigo/s para
um território.
► Análise da vulnerabilidade: determinação da existência e do grau de exposição e vulnerabilidade
de uma sociedade face a essas ameaças.
► Avaliação do risco: cálculo e avaliação de danos e perdas potenciais de acordo com a realidade,
as ameaças e as vulnerabilidades existentes no território, bem como identificação, priorização e
elaboração de alternativas destinadas à sua redução, que integrem as abordagens de
desenvolvimento.

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Figura 1:

O conceito de análise
de risco segundo o
Manual da GTZ: A
análise de risco – Uma
base para a gestão do
risco de desastres
naturais.

Fonte: GTZ 2004.

3.3. Técnicas, ferramentas e fundamentos num processo de


análise do risco
A moldura de trabalho para a avaliação do risco de desastres implica uma inter-relação estreita entre
especialistas, cientistas, autoridades locais e atores fundamentais do território. Um processo
participativo e inclusivo, no qual se integrem os principais atores sociais relacionados com os
processos de desenvolvimento local, pode ser importante para que as ações definidas sejam
assumidas pelos sujeitos do risco e, por sua vez, para garantir a sustentabilidade e eficácia dessas
ações.

Se bem que as autoridades locais ou nacionais sejam as principais responsáveis por garantir a
segurança das pessoas, dos bens e dos sistemas; por aplicar as medidas adequadas nesse sentido,
tomar iniciativas e promover processos de RRD, elas não podem ser as únicas instâncias
envolvidas. Sindicatos, investigadores, comunidades, funcionários públicos e privados, empresários,
ONG, entre outros, podem promover processos de redução dos perigos potenciais que ameaçam a
sociedade e promover iniciativas de avaliação do risco de desastres, uma vez que está em jogo a sua
segurança e o acervo das suas comunidades.

As informações obtidas através da análise técnica do risco de desastres permitem definir políticas
imparciais, determinar os recursos necessários e desenvolver ações pertinentes nesse sentido.
Quando se passa dos níveis estimados de risco de desastres para a definição de níveis "aceitáveis"
ou geríveis, importa ter em consideração um conjunto de raciocínios e de valores que subordine
essas ações a uma finalidade derradeira: a prioridade da vida humana e da proteção dos
ecossistemas que suportam a nossa existência.
O princípio da segurança humana deve prevalecer nas políticas e nas decisões que se
tomem e implementem nesse sentido.

A análise socioeconómica de custo/benefício permite destacar algumas prioridades que ajudam a


calcular os níveis de risco "aceitável"/gerível. Estas dependerão em grande medida das necessidades
definidas no território e dos interesses e capacidades concertados e desenvolvidos através do
processo.

Os principais elementos ou passos anunciados anteriormente para realizar a avaliação do risco


requerem a utilização e validação de métodos, técnicas, procedimentos e modelos, e o registo e a
análise das informações técnicas, socioeconómicas, políticas, ambientais e espaciais. Este objetivo é
geralmente alcançado através de:
► Processos de recolha de informações e dados de fontes primárias, através do estudo,
previsão, vigilância e monitorização de ameaças, através de indicadores de vulnerabilidade e de
estudos de perceção do risco, do conhecimento popular e do resgate da memória histórica dos
desastres.

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A perceção do risco de desastres tem consequências importantes para a sua redução. As ideias e a visão das
pessoas devem ser incluídas na análise da vulnerabilidade, visto que as pessoas, em razão do género, idade, grupo
social, etnia, emprego, rendimentos, acesso ao poder, conhecimentos, história, etc., podem ter um entendimento
diferente do risco e, consequentemente, das necessidades e medidas que devem ser implementadas para o reduzir.

► Processamento e registo de informações quantitativas e qualitativas, em formato escrito,


digital e oral.

► Utilização de mapas topográficos, político-administrativos ou outros sistemas gráficos


de informação.

► Elaboração de mapas simples com métodos manuais e tradicionais, bem como através da
utilização de ferramentas mais sofisticadas como os Sistemas de Informação Geográfica
(SIG), baseados em programas digitais, para a elaboração de mapas temáticos e a
microzonificação de ameaças e vulnerabilidades específicas.
Por exemplo: o uso inadequado de programas de SIG digitalizados pode ampliar a lacuna existente entre a
informação que se obtém mediante a avaliação técnica do risco e as formas como é percecionada pelas pessoas. Isso
significa que os níveis "aceitáveis de risco" podem variar consoante os pontos de vista sobre o risco objetivo
de desastres versus o risco percecionado. O bom uso de sistemas sofisticados de análise de informação dependerá
da clareza, dos níveis de participação, do acesso à informação, da formação, das capacidades técnicas locais e do
destino a dar a tal informação que os atores sociais e as autoridades locais tiverem decidido.
Se existir clareza e consciência, desde o início da avaliação do risco, sobre aquilo que se pretende alcançar com a
informação e se a sua recolha incluir mecanismos de capacitação/formação das pessoas envolvidas no processo, sem
dúvida que estas técnicas podem ser muito úteis. Até os métodos mais sofisticados, como os SIG, que utilizam
imagens de satélite e programas informáticos podem ser apropriados, se forem acessíveis e manuseados de acordo
com as necessidades locais.
É importante tomar em consideração no uso dos SIG que estes permitem não só cartografar as ameaças ou as
expressões geofísicas de um território, mas também as vulnerabilidades, bem como um conjunto de dados de
caráter social, económico, político, institucional, ambiental, etc. A cartografia das vulnerabilidades é essencial para
determinar que relações têm com as ameaças e para calcular o risco de desastres.

► Aplicação de modelos probabilísticos para certas ameaças de origem físico-natural ou


tecnológica sobre as condições geológicas e atmosféricas.
Importa tomar em consideração que, muitas vezes, estes modelos são realizados por especialistas ou cientistas, ao
passo que a avaliação da vulnerabilidade e das capacidades aplica métodos muito mais simples, como cartografias
de caráter local, em que é muito mais fácil envolver todos os atores. Independentemente de quem realiza a
avaliação, no entanto, qualquer modelo, por muito científico-técnico que seja, deve guiar-se sempre pela perceção,
saber local e memória histórica popular.

A avaliação do risco tem por objetivo central proporcionar informações objetivas e técnicas que
permitam projetar os níveis de risco de desastres num determinado território, perante um ou vários
eventos perigosos, com vista a identificar, planear e implementar as medidas adequadas destinadas à
construção de sociedades mais seguras e resilientes.

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EXEMPLOS
Avaliação das capacidades de gestão do risco de desastres - Moçambique

O presente relatório apresenta resultados referentes à avaliação institucional das capacidades de gestão
de risco de calamidade em Moçambique. É neste quadro e no âmbito do Netherlands Climate Change
Studies, Fase II do Programa de Assistência, que se insere o presente documento.

Sobre a avaliação de risco de desastres naturais e a vulnerabilidade da comunidade,


utilizando Sistemas de Informação Geográficos (disponível em inglês)

Desde a sua modesta origem, há apenas 30 anos, os Sistemas de Informação Geográficos (SIG)
converteram-se numa ferramenta poderosa de grande alcance na atual infraestrutura cibernética,
proporcionando um quadro que permite analisar e entender melhor o nosso mundo.

Aplicação da gestão do risco ao desenvolvimento rural sustentável (disponível em inglês)

Esta hiperligação permite aceder a um conjunto de documentos desenvolvidos pela GTZ para a região
de Piura, no Peru, que introduzem a redução do risco de desastres numa perspetiva integrada.
Desenvolve um conjunto de ferramentas práticas, entre elas, uma ferramenta específica para a análise
do risco.

Com base em metodologias experimentadas e lições aprendidas na prática, podem identificar-se


alguns princípios básicos e condições prévias para promover um processo de avaliação do risco a
nível local, designadamente:
• Conhecimento e gestão integrada da realidade e da história do território em que terá
lugar a análise do risco, incluindo a memória histórica dos desastres.
• Vontade e compromisso político por parte das autoridades e dos atores locais envolvidos no
processo.
• Necessidade de dispor de avaliações prévias e de dados fidedignos da envolvente
territorial, como inputs de informação, para abordar o risco na perspetiva da agenda de
desenvolvimento local.
• Responsabilidade e competências institucionais claramente definidas e um quadro legal,
organizacional e administrativo que permita e garanta um processo democrático, participativo e
de auditoria social.
• Disponibilização, afetação e gestão de recursos para a implementação das ações a adotar.
Deve existir uma possibilidade real de implementação dos resultados do processo e das
medidas propostas.
• Processo adaptado à realidade, aos valores culturais, aos recursos, aos ecossistemas e às
necessidades do território.
• O saber popular: integrar no processo as perceções, os conhecimentos e o saber das
comunidades.
• Delimitação clara e objetiva dos resultados que se pretendem obter com a avaliação, e
identificação do valor agregado que o processo, por si só, tem na redução do risco de desastres
no território.
• Definição clara do território, do metagrupo ou do setor ao qual se destina a avaliação do
risco (comunitário, territorial, edifícios, empresas, planos de investimento ou de
desenvolvimento local, etc.).
• Definição de um método de trabalho em conformidade com os objetivos delineados,
que garanta a recolha de dados precisos e concretos sobre o risco que se pretende avaliar.
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• Capacidade instalada de recursos humanos, versados na utilização de ferramentas e
metodologias de avaliação do risco.
• Sustentabilidade das propostas e ações a implementar, considerando as capacidades e os
recursos locais e o seu fortalecimento para a respetiva execução.

3.4. Análise e conhecimento do território


A maior parte das metodologias de avaliação do risco de desastres que costumam ser referidas nas
diferentes fontes bibliográficas ou programas de capacitação centra-se principalmente em três
aspetos essenciais: análise das ameaças, das vulnerabilidades e do risco no seu conjunto.
Para trabalhar no quadro do desenvolvimento e em processos integrados de redução de riscos,
seguindo os critérios e abordagens que apresentámos e integrando o conceito de evolução para
formas mais sustentáveis do desenvolvimento, consideramos indispensável partir da premissa que é
necessário um conhecimento mais profundo das condições do território, setor ou local onde se
projetará a avaliação.
O conhecimento pormenorizado das condições e realidades territoriais é a base de uma análise
fidedigna e realista das condições de risco de desastres. Não é possível uma avaliação do risco sem
conhecer as suas principais características, bem como as capacidades, as condições geográficas e as
condições do desenvolvimento em geral. O primeiro passo de um processo de avaliação deve ter
como objetivo consolidar, elaborar ou criar um sistema de informação geográfica que permita
realizar uma avaliação fidedigna do território, com acesso a todos os atores que influenciam o
desenvolvimento.

Mais do que um somatório de palavras, esta reflexão deve ser uma prioridade em qualquer
município ou território que realmente pretenda planear o desenvolvimento. Quem trabalha nesta
área sabe quão difícil é aceder a bases de dados, encontrar planos, mapas, fotografias, documentos,
estatísticas ou outras informações atualizadas que sirvam de referência, bem como também quão
maçadores podem ser os processos institucionais quando se trata de solicitar este tipo de
informação, independentemente de se tratar de organismos nacionais, regionais ou locais.

No território objeto de análise é importante conhecer as características gerais da sua envolvente,


como as características económicas, políticas, sociais, ambientais e culturais, com especial ênfase
sobre os seguintes aspetos:
• Localização e dados relevantes próprios do território, que o caracterizam e o diferenciam de
outros, como, por exemplo, os fatores de desenvolvimento, a sua idiossincrasia e a sua história;
• Características físicas, climáticas e geográficas;
• População, densidade e localização dos aglomerados humanos;
• Utilização dos solos, aptidões e potencialidades futuras;
• Recursos, capacidades e competências territoriais;
• Planos, projetos e programas estratégicos em curso e em fase de projeto;
• Atividades produtivas e recursos naturais;
• Problemas, lacunas e deficiências territoriais;
• Historial dos desastres, configuração das vulnerabilidades e aumento ou evolução das ameaças,
processos de RRD e de reconstrução anteriores, etc.;
• Valores culturais, perceções do risco, métodos tradicionais, memória histórica, etc.

Esta informação é básica para podermos efetuar uma avaliação do risco e, sobretudo, projetar as
ações destinadas à sua redução numa base territorial. Não se pode partir exclusivamente da
perspetiva do risco quando falamos de desenvolvimento, pois este tem de estar integrado num
ambiente específico e em processos reais.

Cada território ou município deve possuir o seu próprio sistema de informação como base de
análise de todas as atividades do desenvolvimento, incluindo a redução do risco de desastres, o qual
deve estar em constante revisão, atualização e avaliação. No quadro seguinte apresenta-se um
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exemplo do Sistema de Informação do Território de Genebra, como modelo de uma boa prática a
seguir e a implementar, não só para a RRD, mas também para todas as atividades do
desenvolvimento.

EXEMPLO
O Sistema de Informação do Território de Genebra (SITG) (disponível em francês)

O SITG é uma associação formada inicialmente por iniciativa de três serviços da administração de
Genebra, Suíça: os serviços de agricultura, cadastro e gestão do território. Tinha por objetivo a
partilha, o intercâmbio e a divulgação dos dados georreferenciados, em formato digital, relativos ao
território do Cantão de Genebra (municípios).

Atualmente, o SITG reúne os principais atores públicos da gestão do território, entre outros: o
Governo de Genebra 15, as cidades e os municípios de Genebra, o serviço industrial, os transportes
públicos, a Fundação de terrenos industriais, os serviços Web e de dados segundo formatos
padronizados.

Para mais informações consultar: http://etat.geneve.ch

3.5. Análise das ameaças


A avaliação das ameaças tem por objetivo conhecer a natureza, a probabilidade, a
intensidade e a distribuição espacial de uma ou várias ameaças num determinado período,
com vista a obter uma apreciação ou cálculo dos danos suscetíveis de ser provocados no
caso de se materializar um evento destrutivo.

A profundidade e o nível de análise das ameaças dependerão das particularidades e situações


específicas do local da avaliação e do alcance e uso que se pretenda dar à informação recolhida. Não
basta conhecer as características, o nível de perigo e a dimensão dos possíveis danos de um
fenómeno, é necessário analisar também a duração e intensidade prováveis do evento. O impacto
sobre a população dependerá desse conhecimento.

A análise das ameaças, por si só, já constitui um avanço no processo de planeamento e redução do risco. Permite
projetar melhores obras de engenharia, ordenar o território, potenciar o uso dos solos, evitar futuros desastres, etc.
Em zonas expostas a inundações, por exemplo, deveria limitar-se a implantação de aglomerados humanos. Deveria
realizar-se sempre uma análise das ameaças antes de construir sistemas de tratamento de águas residuais, habitações,
indústrias que utilizem materiais tóxicos ou perigosos, etc.

Existem diversas metodologias e ferramentas de avaliação das ameaças, que variam consoante o
objetivo da análise e as variáveis do trabalho.

A existência de vários critérios, métodos, técnicas ou graus de dificuldade científico-técnica para


avaliar as ameaças dificulta a escolha de um único tipo de avaliação; é necessário, no entanto,
utilizar todos os métodos disponíveis na sua análise: desde os mais simples, como o resgate da

15 A Suíça é uma confederação que reúne vinte e seis cantões ou estados com legislação própria. Genebra, Zurique, Berna, Neuchâtel e

Basileia são alguns desses cantões.

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memória histórica dos desastres, o conhecimento empírico e as técnicas tradicionais da população
local, aos métodos de combinação de variáveis mais avançados.

A análise de ameaças como as ondas de calor, as tempestades, os furacões, os sismos, as mudanças


climáticas, etc., exige técnicas sofisticadas (por exemplo, imagens de satélite), ao passo que noutras
tipologias se podem utilizar técnicas muito simples, como é o caso das inundações, dos
deslizamentos de terras, da poluição, etc., que podem ser observados com instrumentos simples,
recorrendo, inclusivamente, ao senso comum.

No caso de algumas ameaças, como as inundações, os sismos e as erupções vulcânicas, estão


disponíveis técnicas e instrumentos de avaliação e medição bem definidos, ao passo que os
parâmetros para outras ameaças de maior complexidade, como é o caso das ondas de calor, não são
tão claros nem tão precisos.

Os Sistemas de Informação Geográfica são a ferramenta preferida para a análise espacial e a


avaliação do comportamento das ameaças. O grau de dificuldade e de exigência tecnológica de um
sistema de avaliação como o SIG pode variar significativamente. Tanto se pode utilizar técnicas
sofisticadas como fotografias de satélite e complicados programas informáticos, como simples
mapas ou fotografias aéreas (disponíveis em quase todos os países) ou equipamentos e programas
informáticos simples que qualquer pessoa com aptidões básicas sabe manusear.

Competirá a cada território definir o grau de dificuldade ou a metodologia que pretende utilizar na
avaliação das ameaças em função da dimensão do estudo, bem como das necessidades, capacidades
e recursos locais.

É necessário conhecer os múltiplos efeitos de uma ou mais ameaças e tomar em consideração os


diversos elementos que, na prática, representam o risco, seja isoladamente ou em conjunto. Os SIG
costumam ser os sistemas mais adequados para a avaliação de multiameaças.

EXEMPLOS
Análise qualitativa de eventos de precipitação intensa na bacia do Gregório, São Carlos

Este artigo analisa o perfil da distribuição temporal de precipitações de média a alta intensidade na
área urbana do município de São Carlos de acordo com alguns parámetros inter-relacionados. É
abordada a caracterização de tais eventos para avaliar a relação dos mesmos com as enchentes
urbanas que causam graves consequências sociais,económicas e ambientais. O Brasil gasta
anualmente mais de U$ 1 bilhão (MCT/CGE,2001) com os impactos decorrentes de inundações
urbanas o que comprova a urgência da necessidade de tais estudos. A falta de um sistema de alerta
e prevenção de enchentes urbanas acessível à população é um dos principais fatores que
intensificam a magnitude de tais tragédias. Este trabalho tem por objetivo trazer a público uma
forma de classificação simples que caracteriza as chuvas que mais causam inundações na região. O
intuito é gerar uma espécie de senso comum na população e nos órgãos competentes com relação
a interdependência dos cenários em que é mais provável que tais catástrofes ocorram e como estas
se distribuem temporalmente.

Identificação das vulnerabilidades as mudanças climáticas no mar e precipitação intensa


nas planícies e encostas da cidade do Rio de Janeiro

As evidências apresentadas neste estudo mostram que as mudanças climáticas estão provocando
impactos cada vez mais acentuados em megacidades como a do Rio de Janeiro. Este estudo se
refere ao aumento do nível do mar associado a eventos de precipitação intensa. Segundo o IPCC
(2007), eventos extremos têm aumentado em frequência e severidade nos últimos anos. Tais
eventos têm gerado sérios problemas relativos a riscos de enchentes e inundações. Desse modo, o
Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CST/INPE), o Núcleo de Estudos de População
(NEPO/UNICAMP) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) têm desenvolvido
metodologias para identificação das áreas vulneráveis na cidade do Rio de Janeiro, através do

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“Projeto Megacidades”. O objetivo deste estudo foi a identificação das áreas vulneráveis relativas a
estes eventos através da integração de dados sobre o uso do solo, expansão urbana e avanço do
mar. Neste caso, as informações disponíveis apóiam-se nas análises realizadas através da aplicação
de técnicas de sensoriamento remoto através do uso de imagens de satélite (Landsat) e
geoprocessamento. A partir da integração destas informações foram gerados mapas relativos à
identificação das zonas de vulnerabilidade do município.

A participação comunitária na gestão de riscos e a redução de desastres

A presente monografia, voltada à área de atuação da Defesa Civil, se desenvolve sobre a


participação da comunidade, na gestão de riscos. Tema pouco desenvolvido, em função do
Sistema Nacional de Defesa Civil, até agora, ter centrado o foco na implantação e
operacionalização das Comissões Municipais de Defesa Civil, porém inicia-se uma nova fase,
onde o tema gestão de desastre, com a participação da comunidade, surge com ênfase. Neste
sentido esta monografia procura relacionar a participação da comunidade na gestão de riscos
com a redução de desastres.

Metodologias de avaliação de Riscos

Este documento pretende caracterizar as situações em que se deve avaliar os riscos profissionais,
classificar as metodologias de AR, apresentar o método de avaliação do risco de acidente por
Agentes químicos e apresentar o método integrado de avaliação de riscos.

3.5.1 Distribuição espacial das ameaças

A probabilidade de uma ameaça se converter num fenómeno destrutivo varia de um território para
outro em função das características da sua configuração e das vulnerabilidades existentes. A
utilização de ferramentas geográficas permitiu transpor os resultados das análises das ameaças para
representações gráficas sob a forma de mapas. A representação espacial tem a vantagem
fundamental de permitir aos responsáveis técnicos e políticos visualizar o comportamento do
objeto de estudo num local específico e em concordância com as condições do local ameaçado.

A clareza e a facilidade de compreensão por parte dos diferentes utilizadores são fundamentais para
a informação espacial expressa por meio de cartografia (digital ou impressa).

Cada conteúdo do mapa tem um significado. Por exemplo, num mapa podem representar-se vários
tipos de ameaça e visualizar o comportamento espacial. É necessário utilizar simbologias e
classificações simples (ameaça elevada, média ou baixa).

Exemplos:
• As zonas propensas a inundações classificam-se em geral por profundidade (elevada ou baixa),
tipo (águas tranquilas ou de alta velocidade) ou frequência.
• No caso das ameaças vulcânicas, pode definir-se o ordenamento territorial de cada zona direta
ou indiretamente ameaçada a partir da intensidade, do alcance e da frequência dos fenómenos
ou de uma combinação dos três fatores.
Para calcular a ameaça sísmica, a cidade de Cañas na Costa Rica oferece um exemplo concreto: o método de
análise foi determinado com base na definição de cenários específicos, baseados no conhecimento da sismicidade
histórica e no potencial de cada uma das falhas ou fontes selecionadas para produzir sismos. Aplicando o SIG,
os resultados obtidos proporcionam a relação entre escalas de intensidade e perceção do abalo sísmico, em valores
forte, muito forte, severamente e violentamente.
• Delimitação de áreas afetadas de forma desigual por eventos climáticos extremos como excesso
de precipitação e secas, designadamente os efeitos do ENOS (El Niño – Oscilação do Sul) na
Argentina: a análise permite projetar cenários de risco com base nas tendências de rendimento
das culturas.
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Projeto Percepção de Risco - Secretaria Executiva da Justiça e
Cidadania do Estado de Santa Catarina - Brasil
O objetivo do Projeto Percepção de Risco, a Descoberta de mm Novo Olhar” é aumentar a percepção de
risco de adolescentes e adultos frente aos desastres ocasionados por fenômenos naturais e pela ação
humana. Trata-se de uma abrangente campanha educativa para cultura de prevenção de desastres,
em desenvolvimento nos anos de 2008 e 2009, alcançando todas as escolas públicas estaduais de
Santa Catarina, comunidades em situação de vulnerabilidade social em Florianópolis, e a sociedade
em geral. O projeto é inédito no país e está orientado para referendar a participação de Santa
Catarina e do Brasil na campanha mundial, lançada em 2006 pela Estratégia Internacional para
Redução de Desastres - EIRD/ONU.

A série de animações:
http://vimeo.com/7374784

Galeria de Foros:
http://www.percepcaoderisco.sc.gov.br/?ver=fotos

Kit educativo:
http://www.percepcaoderisco.sc.gov.br/?ver=kit-educativo

Rede:
http://www.percepcaoderisco.sc.gov.br/?ver=rede

Desastres:
http://www.percepcaoderisco.sc.gov.br/?ver=desastres

Fonte: http://www.percepcaoderisco.sc.gov.br/

A escala apropriada dos mapas depende do uso que se pretende dar-lhes e da informação
disponível. O conhecimento da distribuição espacial de algumas ameaças, como sismos,
deslizamentos de terras e inundações, alcançou um nível que permite traçar mapas de variações de
perigos dentro de uma comunidade pequena. Os chamados mapas microzonais desempenham um
papel importante para a utilização dos solos urbanos. Podem basear-se num único ou em múltiplos
eventos de uma mesma ameaça, ou combinar o impacto possível dos eventos de várias ameaças
diferentes (mapas de multiameaças).

Nalgumas regiões do mundo afetadas por fenómenos naturais, em que as suas fronteiras são
variáveis como, por exemplo, no caso de zonas sujeitas a secas, desertificação ou tempestades
tropicais, constroem-se mapas de áreas mais extensas. Estes mapas, apesar de não serem muito
pormenorizados, têm a importante função de alertar as entidades de planeamento sobre as
tendências de escalas maiores, cuja informação pode ser útil para vários territórios ou países.

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3.5.2 Os passos principais da análise de ameaças

Os passos mais importantes da análise das ameaças são 16:


1. Identificação da origem (natural, socionatural ou antropogénica) e do tipo de ameaça
(geológica, hidrológica, ambiental, tecnológica, biológica, etc.).
2. Dependendo do tipo de ameaças identificado, proceder-se-á a análises separadas por
ameaça ou por grupos de ameaças.
O método de análise deve adaptar-se ao tipo de ameaças e aos dados disponíveis. Para as análises relacionadas,
por exemplo, com um sismo, são necessários instrumentos e especializações diferentes dos utilizados em caso de
desmoronamentos ou inundações.
3. Identificação e caracterização dos locais em risco no território por causa das ameaças
identificadas.
4. Identificação e determinação da probabilidade de ocorrência do fenómeno, utilizando
escalas simples como probabilidade elevada, média, baixa, etc.
5. Estimativa ou cálculo da dimensão, intensidade e recorrência do fenómeno.
6. Identificação dos fatores que influem na ameaça, como as mudanças climáticas, a
degradação ambiental, a utilização dos recursos naturais, grandes infraestruturas como
barragens, etc.
7. O último passo consiste em identificar, calcular ou quantificar a relação ou incidência das
diferentes ameaças (duas ou mais) para o aumento do perigo, num mesmo local em
simultâneo.

Por exemplo, no caso dos fenómenos hidrometeorológicos, a dimensão da inundação apresenta uma relação estreita
entre a duração da chuva e a resposta da bacia hidrográfica. Dependendo das características de drenagem da bacia, a
intensidade das chuvas pode ser mais significativa que a sua duração (inundações súbitas). Noutros casos, no entanto,
a inundação é produzida pela persistência das chuvas durante um período prolongado (temporal). As inundações e as
subidas das águas são determinadas, por um lado, pelas características específicas da bacia e, por outro lado, pelos
fatores climáticos regionais. Estes fatores, se sofrerem mudanças, podem provocar alterações na vegetação e, por
conseguinte, na drenagem em direção aos rios e lagos, o que, por fim, determina a dimensão das inundações.

Podemos concluir que a análise das ameaças descreve e avalia a probabilidade de elas se
transformarem em fenómenos perigosos para um território, num período específico, com
uma determinada intensidade e duração. Descreve o grau de perigo para as pessoas, a flora, a
fauna, as instalações, os bens, a economia e o ambiente, tomando em consideração a utilização que
se dá à terra e aos ecossistemas.

EXEMPLO
Os mapas de risco na Suíça
Retirado do quadro 2.19, Viver com o Risco, 2004.

O cantão de Berna, na Suíça, vem utilizando desde 1998 um mecanismo de planeamento que
indica as zonas de risco possíveis. São preparados mapas utilizando modelos computorizados e em
SIG, a preços acessíveis, que permitem obter um panorama geral do cantão com base num
conjunto uniforme de critérios. As zonas de risco cobrem aproximadamente 44% do território,
ocupado, na sua maior parte, por zonas não residenciais. No entanto, aproximadamente 8% dos
habitantes vive em zonas de risco.

16 Adaptado do Manual: Análisis del riesgo – una base para la gestión del riesgo de desastres naturales, GTZ, 2004.

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Os mapas indicam o seguinte:
• as zonas expostas, suscetíveis de serem afetadas por fluxos de lama, avalanchas, queda de
pedras e deslizamentos;
• os bens vulneráveis, incluindo habitações, vias férreas e todos os caminhos utilizados em
zonas residenciais;
• as zonas potenciais de impacto, em sobreposição com as zonas expostas e os bens vulneráveis;
• as florestas protetoras, que são um resguardo importante para as zonas residenciais e para as
redes de comunicação.

Uma das ameaças não incluídas no modelo, apesar de terem graves consequências sociais e
económicas, são as inundações, porque os seus efeitos dependem em grande medida da subida de
rios cuja importância é demasiado diminuta para ser incluída satisfatoriamente no modelo

Fonte: Office des forêts du Canton de Berne, Suíça, 1999.

3.6. Análise das vulnerabilidades


A análise das vulnerabilidades tem por objetivo conhecer, estudar e prever a propensão e
suscetibilidade de um sistema ou sociedade a danos ou afeções decorrentes dos efeitos de
determinados fenómenos físicos extremos.

Visa identificar os setores, bens, ecossistemas e comunidades expostos a uma ou várias ameaças, as
fragilidades que possuem e o grau de perigo que enfrentam, a dimensão possível dos danos e as
consequências que estes podem ter no desenvolvimento futuro.

A avaliação das vulnerabilidades pode fornecer o conhecimento necessário para calcular a perda ou
os danos de vidas humanas, meios de subsistência, ecossistemas e perturbações políticas e sociais
que possam resultar de um desastre. Também permite definir e concertar as ações e medidas que se
podem tomar antes, durante e após o impacto de um fenómeno físico.

A avaliação da vulnerabilidade é um complemento essencial para poder calcular o grau real de risco,
uma vez que cada tipo de ameaça atua de forma diferenciada perante diferentes elementos expostos
numa sociedade. Permite-nos, também, avaliar a possível interação de várias ameaças conjuntas face
a determinadas fragilidades e as lacunas dos processos de desenvolvimento implementados.

Se compararmos a relação entre a avaliação das ameaças e a avaliação da vulnerabilidade, verifica-se


que a análise tem sido relegada nos processos de avaliação dos perigos e só recentemente o seu
estudo começa a assumir maior importância em aspetos relacionados com a criação do risco, ou
seja, com as vulnerabilidades.

Ainda existem grandes lacunas de informação e de métodos adequados que permitam avaliações
integradas das vulnerabilidades relacionadas com as diferentes dimensões do desenvolvimento.
Aspetos como o género, por exemplo, merecem pouca consideração, apesar de os efeitos dos
desastres sobre os meios de subsistência (e também as soluções) poderem variar e ser
percecionados de forma muito diferente por homens e mulheres, devido ao facto de a divisão do
trabalho e o acesso ao poder os situar em níveis diferentes do processo produtivo. O mesmo ocorre
com a perceção, o conhecimento e a gestão do risco por parte das comunidades indígenas, que
implementaram sistemas de desenvolvimento em harmonia com o meio natural, os quais deveriam
ser integrados na análise do risco nas regiões em que habitam e considerados exemplos de boas
práticas para os sistemas de desenvolvimento atuais.

Existe, por outro lado, uma grande diferença a nível da perceção, do conhecimento e da aplicação
de estudos das vulnerabilidades entre as entidades académicas, científicas ou técnicas incumbidas de
realizar estas tarefas, bem como entre as autoridades locais e as comunidades.

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A análise da vulnerabilidade tem-se centrado nos aspetos físicos do meio construído,
principalmente nos fenómenos mais convencionais, como os sismos, furacões e inundações. Para
os analisar, utiliza-se geralmente a sobreposição das zonas de ameaça com a localização de
infraestruturas como estradas, aeroportos, edifícios públicos, etc., esquecendo a configuração destas
infraestruturas no processo de desenvolvimento, que é o principal causador de vulnerabilidades.

EXEMPLO
Vulnerabilidade social de rios urbanos no Brasil: Estudo de caso

Os rios urbanos no Brasil são sinônimos de ambientes degradados, desvalorizados e negados pela
sociedade. Esses espaços se tornaram a alternativa de acesso à habitação para uma massa de
pobres que não podem adquirir um espaço seguro na cidade. A junção de pobreza, habitação
improvisada, pouca infraestrutura, com a ocupação de espaços expostos a perigos naturais, criou
territórios de riscos e vulnerabilidades, que frequentemente coincidem com os ambientes fluviais
urbanos. O principal objetivo do artigo é elaborar uma proposta de operacionalização do conceito
de vulnerabilidade no âmbito dos rios urbanos no Brasil. Para isso, propôs-se analisar as
vulnerabilidades sociais da bacia hidrográfica do rio Maranguapinho, localizado na Região
Metropolitana de Fortaleza, Ceará, a partir da elaboração de um Índice de Vulnerabilidade Social -
IVS. Para tal, utilizaram-se métodos estatísticos de análise multivariada (análise fatorial e de
agrupamento) para analisar os dados do Censo 2000 IBGE referente aos setores censitários da
área de estudo. A elaboração de um Índice de Vulnerabilidade Social pode ser uma importante
ferramenta para orientar a implementação de políticas públicas em áreas de forte carência de
infraestrutura, serviços públicos e pobreza.

A integração das variáveis sociais, culturais, institucionais, políticas e económicas nos modelos
espaciais representou um grande desafio, porque não é fácil quantificar alguns aspetos da
vulnerabilidade socioeconómica e político-institucional, quando ela é avaliada por "peritos"
externos desligados da realidade territorial, quando predomina uma visão fisicalista e não uma visão
de desenvolvimento e quando não se envolvem os atores fundamentais de um território.

Em muitos casos, e em particular nos países menos desenvolvidos, não se dispõe de informação
com a qualidade e o nível de pormenor exigidos por estes modelos, pelo que a informação e o
conhecimento das autoridades e da população local pode ser estratégica para determinar os fatores
que integram a vulnerabilidade. Por outro lado, é preciso não esquecer que existem métodos de
baixa tecnologia bem concebidos, que podem constituir uma boa alternativa para substituir técnicas
mais sofisticadas. Um bom sistema de informação e decisão não precisa de ser complicado nem
exige grandes investimentos. Trata-se principalmente de vontade e visão de desenvolvimento.

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Vale a pena ser simples! O caso do vale de Katmandu, Nepal
Retirado de Vivir con el Riesgo, 2004.

De acordo com o método para elaborar mapas de ameaças e avaliar o risco, o Projeto de gestão do
risco de sismos no vale de Katmandu colocou a ênfase na necessidade de utilizar informação
geológica e sismológica disponível em vez de investir recursos em investigações especiais para obter
novos dados ou informações.

O único caso prévio adequado em que um país em desenvolvimento tinha simulado um cenário de
sismo foi o de Quito, no Equador. O Projeto em apreço baseou-se nessa metodologia e adaptou-o
às condições vigentes no Nepal.

Graças à utilização exclusiva de técnicas simples, o projeto foi eficiente em termos de custos e
compreensível para os não especialistas que nele participaram. Chegou-se à conclusão, por
exemplo, que os mapas simples, plastificados, que indicavam a localização dos possíveis danos das
infraestruturas, com o nome das localidades e dos rios, eram os mais adequados para persuadir os
administradores sobre as perdas que poderiam afetar as instalações críticas.
Durante o processo de avaliação das ameaças ou do risco de sismo, o grupo de investigadores
manteve contato estreito com os responsáveis pela administração dos serviços municipais
fundamentais e com os organismos de emergência. Desta forma, as diferentes instituições aceitaram
de bom grado e sem grandes reservas o cenário de sismo e a estimativa de perdas. Participaram no
processo cerca de 30 instituições e a simulação dos danos provocados por um sismo converteu-se
num excelente mecanismo para aumentar a sensibilização para o fenómeno.

Fonte: Mani Dixit e outros, Hazard Mapping and Risk assessment from the Katmandú Valley Earthquake
Risk Management Project, em Regional Workshop on Best Practices in Disaster Mitigation: Lessons Learned from
the Asian Urban Disaster. Mitigation Program and other Initiatives, Bali, Indonésia, 2002.

Existem diferentes metodologias para a análise das vulnerabilidades: algumas podem ser centradas
em aspetos mais técnico-científicos, outras em vulnerabilidades específicas face a determinadas
ameaças, algumas mais participativas e inclusivas, outras de caráter local ou nacional, etc. Para cada
caso em particular, deverá selecionar-se o método que mais se ajuste às necessidades, realidades,
possibilidades e aos recursos dos territórios.

EXEMPLO
Análise da vulnerabilidade: A experiência em povoações do Vulcão San Miguel, El
Salvador (Geólogos do Mundo) (disponível em espanhol)

Optou-se por quatro níveis para definir a vulnerabilidade: baixo, médio, moderadamente elevado e
extremamente elevado. Foram atribuídos valores numéricos de vulnerabilidade a cada um destes
níveis: entre 0 e 1: vulnerabilidade baixa; entre 1,01 e 2: vulnerabilidade média; entre 2,01 e 2,5:
vulnerabilidade moderadamente elevada; e, entre 2,51 e 3: vulnerabilidade muito elevada.
Relativamente à definição de parâmetros-critérios de vulnerabilidade, foram adotados os seguintes
indicadores quantitativos, objetivamente verificáveis:

Parâmetros físico-técnicos
• Materiais das paredes das habitações: 70% ou mais com paredes de sistemas misto e/ou adobe
melhorado; 1 ponto; entre 40% e 69%: 2 pontos; e menos de 40%: 3 pontos.
• Presença de serviços básicos como água destinada ao consumo humano, saneamento básico,
telefone e energia elétrica. Com quatro dos elementos mencionados: 1 ponto; com três ou
dois: 2 pontos; com um ou nenhum: 3 pontos
• Presença de tecnologia agrícola, maquinaria, sistemas de irrigação e drenagem. Com quatro

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dos elementos mencionados: 1 ponto; com três ou dois: 2 pontos; com um ou nenhum: 3
pontos.

Parâmetros económicos
• Níveis de pobreza extrema: 45% ou mais das famílias: 3 pontos; entre 20% e 44%: 2 pontos,
menos de 20% das famílias: 1 ponto.
• Propriedade da terra. Mais de 70% são proprietários das suas terras: 1 ponto; entre 40 e 69%:
2 pontos; menos de 40%: 3 pontos.

Parâmetros ambientais
• Combustível para cozinhar: Usam lenha 60% ou mais: 3 pontos; entre 25% e 59%: 2 pontos;
menos de 25%: 1 ponto
• Utilização dos solos: Mais de 70% de área agrícola para culturas sazonais: 3 pontos; entre 40%
e 69%: 2 pontos; menos de 40%: 1 ponto.

Parâmetros sociais
• Educação. Menos de 40% com escolaridade primária: 3 pontos; entre 40% e 69%: 2 pontos;
70% ou mais: 1 ponto.
• Organizacionais: Sem organização: 3 pontos; com ADESCO ou outra organização
desenvolvimento: 2 pontos; com Comités de Risco/Desastre: 1 ponto.
• Ideológico-culturais. 50% ou mais crê em castigo de Deus ou do fenómeno natural: 3 pontos;
entre 20% e 49%: 2 pontos; menos de 20%: 1 ponto.
• Políticos. Ausência de propostas de desenvolvimento: 3 pontos; antecedentes de
mobilizações/ações de gestão entre autoridades locais/nacionais: 2 pontos; presença de
propostas de desenvolvimento: 1 ponto.
• Institucionais oficiais. Ausência de planos municipais de gestão de riscos/emergências: 3
pontos; planos municipais de desenvolvimento: 2 pontos; planos municipais de
desenvolvimento com prevenção de riscos: 1 ponto.
• Institucionais da sociedade civil. Presença de 3 ou mais instituições de desenvolvimento: 1
ponto; presença de 1 ou 2 instituições: 2 pontos; ausência de instituições: 3 pontos.

Um dos principais resultados da aplicação da análise da vulnerabilidade residiu no aprofundamento


de conhecimentos sobre a realidade local e na produção de mais e melhor informação para apoio
de futuros processos de desenvolvimento das populações. Em função desta experiência, pode
afirmar-se que uma das formas de aumentar a pertinência e a eficácia das intervenções que visam a
redução do risco é a elaboração e difusão de ferramentas metodológicas que permitam aprofundar
a análise e compreensão da vulnerabilidade local e das opções para a sua redução.

3.6.1 As tarefas e os passos mais importantes da análise da vulnerabilidade

1. Identificação das pessoas e dos elementos potencialmente vulneráveis perante


determinados fenómenos como grupos sociais, meios de produção, edifícios, habitações,
áreas cultiváveis, águas, ecossistemas, etc. É necessário, para esse efeito, recolher dados
básicos sobe a população, locais e instalações importantes, capacidades e fragilidades da
autoproteção da sociedade, linhas de funcionamento vitais, ecossistemas, meios de
subsistência, etc.
2. Identificação dos fatores que influem ou geram vulnerabilidade relativamente a uma
ameaça ou a multiameaças de acordo com as áreas do desenvolvimento local sustentável,
designadamente:
•Fatores socioculturais: educação, formação, segurança social, perceção do risco,
questões de género, minorias, organização social, conhecimentos locais, direitos
humanos, etc.

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•Fatores económico-produtivos: oportunidades de emprego, nível socioeconómico,
pobreza, desemprego, acesso a serviços básicos e infraestruturas, meios de
subsistência, reservas económicas, fontes de financiamento, projetos em curso,
dependência da produção (monoculturas), etc.
•Fatores político-institucionais: quadro legal, estruturas de poder, acesso ao poder e
nível de participação dos cidadãos, legislação, grau de descentralização, instituições
locais, regulamentações, mecanismos de seguimento, leis, etc.
•Fatores ambientais:
a) Naturais: recursos naturais, área cultivável, degradação ambiental, águas,
vegetação, biodiversidade, estabilidade dos ecossistemas, degradação dos solos,
coberto vegetal, etc.;
b) Físico-ambientais: linhas de funcionamento vitais, utilização dos solos, edifícios
e habitações, grau de sobrepopulação, portos, estradas, pontes, aglomerados
humanos, urbanização, etc.

3. Identificação e desenvolvimento de indicadores para determinar o grau de


vulnerabilidade dos elementos e das pessoas expostas (qualidade da construção, localização
da população e edifícios vitais, qualidade e acesso à informação, ao poder e à tomada de
decisões, diversidade produtiva, etc.).

Produtos e serviços para avaliar a vulnerabilidade


Retirado de Vivir con el Riesgo, 2004.

A Unidade de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (UDSMA) da OEA e a Direção


Oceanográfica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA) criaram vários produtos e
serviços de avaliação da vulnerabilidade perante os efeitos adversos dos desastres de origem natural,
destinados a auxiliar entidades de planeamento do desenvolvimento, investigadores e
administradores de recursos e emergências costeiras na sua tarefa de redução da vulnerabilidade.
Entre estes produtos estão workshops sobre técnicas de avaliação da vulnerabilidade, uma página
Web sobre técnicas e mecanismos de avaliação da vulnerabilidade e um servidor conexo.

Seminários sobre técnicas de avaliação das vulnerabilidades (VAT)


Os seminários VAT foram concebidos como fórum de oportunidades para formar redes,
estabelecer diálogos, estudar ideias novas e a possível formação de associações para analisar e
aplicar as avaliações da vulnerabilidade. Neles participam investigadores e especialistas de
organismos governamentais, instituições académicas e do setor privado do hemisfério ocidental,
que partilham o interesse pela metodologia de avaliação da vulnerabilidade. Os profissionais
aprendem um conjunto de técnicas de avaliação do risco e da vulnerabilidade e a aplicá-las nos
planos local, estadual, nacional e regional.

Portal Web sobre técnicas e aplicações de avaliação da vulnerabilidade (VATA)


A página VATA é um centro de informação sobre investigações, iniciativas de política, conexões e
recursos relacionados com a avaliação da vulnerabilidade, para além de descrever mais de 40 casos
apresentados durante os seminários VAT. Proporciona os meios necessários para apoiar a tomada
de decisões comunitárias destinadas a proteger vidas e bens, a fim de manter a estabilidade
económica e proteger o ambiente. Um dos elementos mais importantes do portal VATA é a
ferramenta de localização de estudos de caso que permite aos utilizadores encontrar facilmente os
casos apresentados durante os seminários por localização geográfica, tipo de ameaça e zona de
ocorrência. O portal foi criado e é mantido pelo Centro de Serviços Costeiros da NOAA e pela
UDSMA da OEA. A informação é prestada em inglês.

Servidor sobre técnicas e aplicações de avaliação da vulnerabilidade (VATA)


Na sequência de um requerimento especial, o Centro de Serviços Costeiros da NOAA criou este
servidor para que os interessados no domínio da avaliação da vulnerabilidade pudessem comunicar
entre si. Este servidor permitiu prosseguir os interessantes debates suscitados nos seminários VAT.
A informação encontra-se disponível em inglês.

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A avaliação do risco das comunidades a partir da sua vulnerabilidade e da
sua capacidade de recuperação
Retirado de "Vivir con el Riesgo", 2004.

Análise dos aspetos demográficos atuais e projetados. Ameaças recentes,


condições económicas; estruturas e problemas políticos; localização geofísica;
Aspetos
condições ambientais; acesso a/distribuição de informação e conhecimentos
contextuais
tradicionais; participação da comunidade; capacidade organizacional e de gestão;
associações a outras entidades regionais/nacionais; infraestruturas e serviços
críticos.

Grupos sociais Crianças; adultos vulneráveis; pessoas economicamente desfavorecidas; pessoas


altamente com deficiência intelectual, psicológica ou física; famílias monoparentais;
vulneráveis imigrantes e visitantes em situação irregular; pessoas social e fisicamente isoladas;
doentes graves; pessoas com habitações inadequadas.

Meios de subsistência; bem-estar físico e mental; segurança; lar/habitação;


Definição de alimentação e água; serviços sanitários; laços sociais; informação; manutenção de
necessidades meios de subsistência; manutenção de valores sociais/ética.

Tendências económicas e sociais positivas; acesso a meios produtivos de


Aumento da subsistência; estruturas familiares e sociais sólidas; boa governação; redes
capacidade ou regionais/nacionais implantadas; estruturas e gestão participativa da comunidade
redução da adequadas; infraestruturas físicas e de serviços; planos e programas locais;
vulnerabilidade reservas e recursos materiais e financeiros; valores/metas partilhados pela
comunidade; capacidade de recuperação ambiental.

Mecanismos Quadros concetuais construtivos; fontes de informação que incluem: peritos


práticos de locais, reuniões de grupos interessados, dados de censos; inquéritos, programas
avaliação de extensão; registos históricos; mapas, características ambientais.

3.7. Avaliação do risco


Uma vez realizada a análise do território, das ameaças e das vulnerabilidades com base em
informações fiáveis e fidedignas e compreendida a realidade do objeto de análise, é necessário
avaliar em profundidade a verdadeira dimensão do problema e determinar os níveis de
riscos enfrentados, as possíveis consequências para o desenvolvimento da sociedade e a
vida das pessoas, bem como as ações requeridas para a sua redução.

Na determinação do risco total ou global de um território importa tomar em consideração todos os


elementos ameaçados como, por exemplo: o número de habitantes de um local, o valor das
propriedades e das infraestruturas, as atividades económicas, o meio natural, etc. numa perspetiva
das suas vulnerabilidades e ameaças específicas de cada setor.

A análise do risco toma em consideração os possíveis danos, perdas e consequências num ou vários
cenários de desastres e procura determinar a probabilidade de ocorrência e a dimensão dos danos
provocados por fenómenos naturais ou humanos extremos. Trata-se de um processo dinâmico e
contínuo que tem de se adaptar permanentemente a vulnerabilidades, ameaças e riscos diferentes e

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em mutação nos ambientes sociais. O desenvolvimento de um sistema de informação territorial
adequado permitirá realizar este processo em melhores condições.

Para finalizar o processo de avaliação de riscos, é necessário organizar, analisar e planear


cuidadosamente a utilização a dar à informação obtida nas etapas anteriores.

EXEMPLOS
Contribuição avaliação do risco sísmico

O programa SRAPOR permite a realização de rápidas avaliações de risco sísmico de aglomerados


habitacionais. A presente versão é constituída por uma base de dados de sismos, por um sistema
simplificado de informação geográfica e por um módulo de avaliação da casualidade sísmica. A
aplicação do programa é ilustrada com a análise da casualidade sísmica da cidade de Faro, Portugal.

Avaliação de metodologias de mensuração de risco e vulnerabilidade

O presente artigo avalia metodologias internacionais recentes de mapeamento de risco e de


construção de modelos preditivos de vulnerabilidade social a desastres naturais a partir de
indicadores sociodemográficos e propõe diretrizes para a sua aplicação no Brasil.

Manual: Gestão comunitária de riscos, Fórum Cidades para a Vida, UN-HABITAT


(disponível em espanhol)

O manual tem por objetivo fornecer ferramentas concetuais e metodológicas que habilitem os
diversos atores das comunidades de base a gerir os riscos nos seus respetivos âmbitos territoriais.
Coloca a ênfase na gestão urbana e nas cidades.

Em síntese, como se viu neste capítulo, a análise de risco processa-se a partir de quatro fases
fundamentais.
► Passo 1: Análise e conhecimento do território
► Passo 2: Análise da ameaça
► Passo 3: Análise da vulnerabilidade
► Passo 4: Avaliação do risco

Com base na análise das ameaças e da vulnerabilidade, aprofunda-se o processo e avança-se para a
determinação da probabilidade de ocorrência e a estimativa de danos a nível de pessoas, ambiente e
infraestruturas num dado território.

Os principais aspetos a considerar na avaliação do risco são os seguintes:


► Identificação e análise das causas que provocaram o risco no território e da raiz do
problema, bem como das possíveis relações entre uma ou várias ameaças, a vulnerabilidade e
as condições e capacidades territoriais.
► Elaboração de mapas indicativos ou cenários de risco, que permitem avaliar, calcular,
analisar e obter uma visão geral da situação e das condições de risco em que se encontra um
determinado território.

Para a elaboração de mapas de risco, utiliza-se tanto informações gráficas, o que pode ser realizado em várias
camadas sobrepostas (como, por exemplo, mapas sobre diferentes tipos de ameaças e de vulnerabilidades), bem
como informações escritas, sobretudo no que se refere a vulnerabilidades e capacidades. Existem diferentes
métodos de elaboração e deve procurar-se os mais adequados para cada situação, em função do alcance do estudo,
dos recursos disponíveis e das zonas destinatárias. A análise espacial do risco através dos mapas é um
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instrumento estratégico do planeamento e definição de prioridades. Trata-se ainda de uma ferramenta simples de
visualização gráfica, de extrema utilidade para os responsáveis técnicos e políticos.
► Quantificação dos danos esperados e das possíveis consequências dos desastres para a
população, a economia local, os ecossistemas e a comunidade no seu conjunto.
► Definição do risco "aceitável" ou gerível e das possíveis consequências sociais, económicas,
ambientais e políticas a que o território pode resistir ou que pode suportar em caso de desastre
sem comprometer a vida das pessoas e sofrer perdas irrecuperáveis ou significativas dos meios
de subsistência, instalações ou ecossistemas.
Quem define os critérios ou que critérios se utilizam para definir o risco aceitável? É um tema bastante delicado,
porque entram em jogo valores e perceções que podem ser muito desfavoráveis consoante os interesses de quem
realizar o processo. Por isso, o nível local e a participação dos atores fundamentais do território e dos diferentes
grupos sociais no processo são fundamentais para uma apreciação e estimativa adequada do risco de desastres em
consonância com a realidade do território. Muitas vezes as estimativas de peritos técnicos ou as realizadas a nível
nacional são elaboradas a partir de perceções ou interesses muito diferentes dos que são requeridos pelas
comunidades, não passando de estimativas de caráter meramente técnico e, geralmente, económico, que ignoram
outros aspetos estratégicos do desenvolvimento local.
► Avaliação das capacidades, dos pontos fortes e dos recursos disponíveis no território em
função da redução do risco de desastres para encontrar soluções e avaliar os recursos e as
capacidades que devem ser geridos e reforçados para conseguir implementar as soluções
adotadas 17.
► Procura de soluções realistas e alternativas, adaptadas à situação de cada território, em
consonância com as capacidades, os recursos, as ameaças e as vulnerabilidades existentes.
Análise de custo e benefício das ações de investimento, por exemplo, tomando em consideração e priorizando, em
primeiro lugar, a segurança das pessoas, os meios de subsistência, os ecossistemas, as infraestruturas básicas, as
linhas de funcionamento vitais, o património público, por oposição aos custos económicos e de investimento social
que possam ter.
► Definição de prioridades e de áreas de intervenção (planos, programas e projetos):
delimitar e identificar a população, os meios de subsistência, os edifícios e os pontos ou locais
mais ameaçados e vulneráveis, para definir prioridades consoante o grau de risco e a sua
importância para o desenvolvimento do território.
► Elaboração de propostas, estratégias e ações destinadas a reduzir o risco de desastres:
medidas de prevenção e mitigação, estratégias para a gestão e obtenção de recursos e reforço de
capacidades, metodologias para a incorporação da RRD nos planos e políticas de
desenvolvimento, entre outras.

Projetar, analisar e encontrar forma deste produto servir como base de futuras atividades, bem
como a sua integração nas práticas de desenvolvimento, visando sempre a sustentabilidade, são os
aspetos fundamentais da avaliação do risco. O processo deve guiar-se por uma abordagem de
conjunto e de desenvolvimento local integrado.

EXEMPLO
A análise de vulnerabilidade e capacidade

Um elevado número de métodos de avaliação do risco recorre com frequência cada vez maior a
avaliações conjuntas da vulnerabilidade e da capacidade, apesar de muitos autores considerarem
que a análise das capacidades não é uma parte integrante da avaliação das vulnerabilidades.

17 Ver quadro abaixo

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Nós consideramos que a avaliação das capacidades faz parte da análise do território e das
avaliações associadas à análise do risco como base de projeção para a procura de propostas e
medidas realistas de intervenção no âmbito da RRD. Cremos que é importante abordar o tema
nesta parte da avaliação do risco, porque grande parte da possibilidade de implementar ou não as
propostas emanadas da avaliação do risco depende das capacidades existentes.

A metodologia utilizada pela Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho


(FICV), um bom exemplo deste tipo de avaliação, assume como lógico que as vulnerabilidades
representam as fragilidades da sociedade e as capacidades os recursos de que dispõe uma
comunidade local para encarar as ameaças com vista a enfrentar e/ou reduzir o risco de desastres:

Avaliação dos pontos de vulnerabilidade ocasionados pela ação solar

Este documento avalia pontos de vulnerabilidade ocasionados pela ação solar numa icrobacia
hidrográfica no semi-árido da Paraíba, durante uma translação, de outubro de 2003 a setembro de
2004 na Estação Experimental Bacia Escola – CCA/UFPB, em São João do Cariri-PB. Definiram-
se cinco pontos de determinação em uma toposequência em que foram analisados: variáveis
meteorológicas; evapotranspiração potencial e dendrometria.

Análise da capacidade: os principais aspetos a considerar no processo 18

A análise da capacidade do território pretende identificar todos os pontos fortes,


oportunidades e recursos ao dispor das autoridades locais e das comunidades para
enfrentar as ameaças e implementar ações para reduzir o risco.

As capacidades e a boa utilização dos recursos endógenos do território fazem parte dos
fundamentos de um processo de avaliação territorial e das estratégias de redução do risco de
desastres e de desenvolvimento local. Devem ser reforçados e complementados de acordo com as
necessidades, possibilidades e ações identificadas ao longo do processo como medidas de
prevenção e de mitigação.

Para realizar este tipo de avaliação, devem identificar-se indicadores que permitam medir o grau de
capacidades em diferentes níveis e escalas geográficas. Estes indicadores podem começar pelo nível
familiar, comunitário, de bairro, municipal e territorial e, inclusivamente, estender-se a outros
âmbitos como o regional, ou nacional, consoante o caso em apreço.

Alguns dos aspetos da análise da capacidade podem ser:

1. Quadro normativo de prevenção de desastres existentes:


• Quadros normativos (leis, regulamentos, posturas municipais, códigos e normas de
construção);
• Planos de prevenção e mitigação no âmbito do desenvolvimento territorial;
• Planeamento da utilização dos solos, ordenamento territorial e desenvolvimento urbano.

2. Organização territorial e externa relacionada com o desenvolvimento local:


• Descentralização das estruturas locais e de redução de desastres;
• Organização local/territorial;

18 Fonte: FICV

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• Sociedade civil, empresa privada, setor produtivo, organizações comunais, ONG;
• Espaços de participação e gestão dos atores fundamentais;
• Organismos externos de apoio à gestão local e de desastres, acessíveis (internacionais,
nacionais, técnicos, etc.)
• Organismos externos com incidência no território.

3. Recursos e capacidades territoriais internas e externas:


• Recursos humanos, técnicos, económicos e naturais disponíveis;
• Conhecimentos territoriais;
• Financiamentos de projetos e programas;
• Agências e instâncias de cooperação e assessoria técnica;
• Investimentos, seguros, etc.

4. Ações ou medidas específicas de redução do risco de desastres:


• Planos territoriais, setoriais ou de preparação ou redução de riscos (nos domínios da saúde, da
educação, social, das infraestruturas, agrícola, industrial ou do urbanismo);
• Planos de desenvolvimento local;
• Manutenção das linhas vitais e das infraestruturas básicas;
• Sistemas de alerta precoce e de monitorização;
• Utilização de ferramentas e tecnologias sustentáveis.

EXEMPLO
Redução do Risco África (RRA) (disponível em inglês)

É um site voltado especificamente ao apoio às pessoas envolvidas no desenvolvimento de


capacidades relacionadas com a redução do risco de desastres em África.
Tem como objetivo fornecer recursos e ligações para os praticantes, profissionais e académicos
interessados em incorporar conceitos e abordagens de redução de risco nos seus programas
educacionais formais e não formais, bem como nos cursos de curta duração para o
desenvolvimento profissional contínuo.
Redução do Risco África visa também ajudar os estudantes, bem como os jovens profissionais a
encontrarem cursos relevantes de curta duração, programas académicos formais, estágios e apoio
financeiro para investigações e desenvolvimento profissional nesta área.

Importa destacar ainda que os resultados da análise de risco podem ter múltiplas utilizações e
ultrapassar em muito o âmbito do tema dos desastres.

Conhecer o risco de desastres permite tomar consciência das causas estruturais, das raízes e da
origem das vulnerabilidades. Permite identificar as lacunas existentes em áreas do conhecimento, o
que, por sua vez, cria um leque de possibilidades de melhorar a informação, a educação, a
capacitação e a investigação científica. Paralelamente, pode contribuir para reforçar o compromisso
político noutras áreas do desenvolvimento e pode fornecer uma base de sensibilização para um
conjunto de medidas relacionadas com a gestão ambiental, a economia e os aspetos sociais, a
redução da pobreza, a criação de postos de trabalho e o estabelecimento de redes e alianças entre
diferentes setores da política territorial em prol da sustentabilidade.

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Um processo adequado de avaliação e análise do risco pode ser utilizado para a identificação, o
desenvolvimento e a implementação de ações de prevenção, preparação, mitigação, reabilitação e
reconstrução pós-desastre que integrem:
• Planos estratégicos de desenvolvimento e projetos de investimento;
• Desenvolvimento de sistemas territoriais de alerta precoce;
• Planeamento de utilização dos solos e ordenamento do território;
• Desenvolvimento de regulamentações urbanas, construtivas e de implantação dos edifícios e
estabelecimento de mecanismos de controlo e seguimento para a sua implementação;
• Processos de transferência de conhecimento como ferramenta que permita aos responsáveis
políticos e técnicos a aplicação de medidas específicas e o planeamento de novos projetos e
investimentos;
• Desenvolvimento e reforço de políticas públicas de gestão ambiental, desenvolvimento
económico e social;
• Reforço do quadro institucional territorial relacionado com a redução de desastres e a gestão do
desenvolvimento;
• Integração da redução do risco de desastres como eixo transversal e mecanismo de
sustentabilidade nos planos e nas diferentes dimensões do desenvolvimento local;
• Estabelecimento de redes intermunicipais, municipais ou territórios com riscos ou interesses
comuns para criar sinergias, empreender ações conjuntas e maximizar a utilização dos recursos
locais;
• Formulação e implementação de projetos de investimento e gestão de recursos internos ou
externos;
• Mecanismos para fortalecer a cooperação e as relações entre os atores fundamentais, as
instituições públicas, privadas, internacionais e da sociedade civil na gestão do território.
• Medidas físicas e estruturais de mitigação e prevenção.

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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA DO INFODOC

► African Union; NEPAD, Programme of Action for the Implementation of the Africa Strategy for Disaster
Risk Reduction (2005 - 2010), 2004.

► Duarte Neves, Arlinda, Relatório do Perfil Temático na área das Mudanças Climáticas em Cabo Verde -
Auto - avaliação das capacidades nacionais, NCSA/DGA/PNUD/ Projeto CVI, 2006.

► Duran, Luís Rolando Kulipossa, Fidelx Pius, Relatório final do diagnóstico rápido do processo de
descentralização de gestão de risco de catástrofes em Moçambique, 2009.

► GTZ, El análisis de riesgo - Una base para la gestión de riesgo de desastres naturales, Eschborn, 2004.

► Provention Consortium e Federação Internacional da Cruz Vermelha, Herramientas para la


integración de la reducción del riesgo de desastres: notas de orientación para organizaciones del desarrollo.
Genebra, 2007.

► Z. G.; Delica-Willison, Community-Based Disaster Risk Management: Local Level Solutions to Disaster
Risks, FICV, 2005.

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RELATIVAMENTE A ESTE CAPÍTULO, TENHA EM


CONTA QUE…

► A avaliação do risco é o primeiro passo necessário e a base de qualquer estratégia séria


de redução do risco de desastres que tenha por objetivo salvaguardar a vida e os bens
de uma comunidade perante a ocorrência de um fenómeno devastador. Inclui a análise
do território, das ameaças e das vulnerabilidades, a avaliação do risco, bem como a
preparação de propostas para a sua redução.

► A análise das ameaças descreve, identifica e avalia a probabilidade de ocorrência de um


fenómeno extremo num território delimitado, num momento específico, com uma
determinada intensidade e duração, e as possíveis consequências para a população e os
seus meios de subsistência.

► Existem diferentes métodos e ferramentas para avaliar o risco. Estes podem variar
desde os conhecimentos empíricos e a memória histórica local até à utilização de
imagens por satélite e de complicados sistemas de informação geográfica (SIG)
computorizados. Todos eles podem ser usados de forma complementar e a sua
utilização dependerá do pormenor e da qualidade da informação, da utilização que se
lhe queira dar e dos recursos e capacidades instaladas no território.

► Uma forma simples e importante de compreender o risco de um território é utilizar a


informação disponível para traçar mapas de ameaças, um instrumento relevante para
avaliar o impacto potencial de um conjunto de ameaças.

► A análise da vulnerabilidade tem por objetivo conhecer, estudar e prever a propensão e


suscetibilidade de um sistema ou sociedade para enfrentar, resistir, eludir, absorver ou
sofrer danos resultantes de determinados fenómenos naturais extremos, bem como
identificar as capacidades locais para enfrentar uma situação adversa.

► A avaliação da vulnerabilidade e da capacidade é um complemento essencial da análise


das ameaças para poder calcular o grau real de risco a que está exposto um território, a
sua população e os seus bens e compreender que cada tipo de ameaça atua de forma
diferenciada perante os diferentes elementos expostos numa sociedade.

► A análise da capacidade do território pretende identificar todos os pontos fortes,


oportunidades e recursos ao dispor das autoridades locais e das comunidades para
enfrentar as ameaças e implementar ações para reduzir o risco.

► A avaliação do risco é uma ferramenta prática e eficaz de apreciação e análise da


realidade do território para tomar decisões acertadas e aplicar medidas de prevenção,
mitigação, preparação, reabilitação e reconstrução pós-desastre.

► A avaliação do risco tem por objetivo permitir antecipar os possíveis efeitos negativos
de um fenómeno nos vários âmbitos do desenvolvimento local, quer a nível social,
económico e político, quer a nível ambiental.

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► Na determinação do risco total ou global de um território importa tomar em
consideração todos os elementos ameaçados, como, por exemplo, o número de
habitantes e pessoas de um local, o valor das propriedades e das infraestruturas, as
atividades económicas, etc., devendo todos estes aspetos ser encarados na perspetiva
das suas vulnerabilidades e ameaças específicas. Trata-se de um processo dinâmico e
contínuo que tem de se adaptar permanentemente a vulnerabilidades, ameaças e riscos
diferentes e em mutação.

► Os resultados da análise de risco podem ter múltiplas utilizações que transcendem em


muito o âmbito do tema dos desastres, da identificação do risco ou do seu impacto.
Conhecer profundamente o risco permite tomar consciência das raízes e origem do
problema e do valor que a redução de desastres tem para a sociedade.

► Um processo adequado de avaliação do risco deve permitir criar os cenários de riscos,


identificar as suas causas, quantificar danos possíveis, encontrar soluções realistas,
realizar análises de custo/benefício, estabelecer prioridades, definir o risco "aceitável"
no território e sobretudo tomar medidas e implementar ações para reduzir o risco de
desastres.

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4 CASOS PRÁTICOS

Caso 1: Gerir riscos e desastres: alguns elementos práticos e


concretos para um desenvolvimento sustentável. Experiência no
leste da Guatemala 19
Os últimos anos têm sido testemunho, na América Central e, em particular, nas circunscrições
montanhosas da região oriental da Guatemala, do desenlace dramático de um processo extremo de
degradação ambiental. Trata-se de um processo lento, que agrava pouco a pouco, ano após ano, a
tradicional vulnerabilidade socioeconómica, física e política das populações rurais e que mina,
discretamente, os resultados dos projetos de desenvolvimento. Quantas nascentes de água secaram
nos últimos 4 anos no leste guatemalteco, tornando inútil e ridículo o miniaqueduto por gravidade
que tanto mudara a vida destas comunidades? Quantas colheitas se perderam? Esta evolução
colocou em perigo a disponibilidade dos recursos básicos de subsistência.

Não é, porém, a única ameaça a que a zona está exposta: furacões, chuvas torrenciais, sismos e
ventos fortes que, por sua vez, desencadeiam outros fenómenos, como inundações e deslizamentos.
Neste contexto, a exposição a uma ameaça, por pequena que seja, provoca danos e prejuízos nestas
populações que rapidamente as coloca num cenário de desastre.

Neste contexto, as estratégias de redução da vulnerabilidade não podem ser sustentáveis se não
integrarem a gestão dos riscos e dos desastres. A Ação Contra a Fome, com fundos do DIPECHO
(Programa de preparação para desastres da Direção-Geral da Ajuda Humanitária da Comissão
Europeia - ECHO), realizou um segundo projeto de gestão de riscos e desastres com as populações
dos municípios de Camotán, San Juan Ermita e Jocotán, do concelho de Chiquimula, na
Guatemala.

Aos tradicionais estudos das ameaças e vulnerabilidades das comunidades, que utilizaram uma
metodologia de cálculo quantitativo dos riscos, aos processos de sensibilização, capacitação e
organização comunitária e municipal, somaram-se atuações específicas de mitigação e preparação de
desastres, de acordo com as necessidades definidas pelas avaliações prévias: reflorestação em redor
de nascentes de água, introdução de técnicas de gestão agroflorestal, obras de drenagem, barreiras
de materiais inertes, pontes suspensas, sistemas de radiocomunicação, centros de gestão de riscos,
brigadas de proteção contra incêndios, etc.

Este artigo tem por objetivo mostrar o que se aprendeu com o projeto e poder melhorar as ações
de gestão de riscos e desastres.

Como avaliar os riscos?

Avaliar os riscos, significa estudar em conjunto as ameaças e as vulnerabilidades que afetam todos
os componentes de uma zona (pessoas, infraestruturas, serviços, etc.). Para conhecer melhor o
cenário de risco da nossa área de trabalho e, em consequência, empreender as ações necessárias
para a sua redução, foram realizados um autodiagnóstico comunitário e um estudo científico
baseado numa metodologia de cálculo quantitativo de riscos associados a diversas ameaças, que se
resume seguidamente.

19 Fonte: Revista EIRD, Nr.10, 2005: http://www.eird.org/esp/revista/No10_2005/art16.htm

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As vulnerabilidades dependem das ameaças. Se existe vulnerabilidade a uma ameaça em concreto,
por exemplo, as atividades agrícolas podem ser muito vulneráveis a furacões e inundações - ex.
Furacão Mitch - mas não a sismos. As vulnerabilidades são definidas com indicadores numéricos
ponderados, previamente estabelecidos por um grupo multidisciplinar de peritos. No contexto das
ameaças do leste guatemalteco, a estrutura das habitações constitui um indicador de vulnerabilidade.
Este indicador será definido com parâmetros referidos, por sua vez, aos elementos principais da
habitação, as paredes e o telhado. O piso e as paredes de uma casa podem ser muito vulneráveis a
inundações, o telhado a ventos fortes, o tipo de estrutura a sismos, etc. A cada um dos parâmetros
anteriores são atribuídos valores numéricos considerados consensuais por vários especialistas. O
intervalo destes valores oscila entre 1, equivalente a uma vulnerabilidade escassa, como
corresponderia a um telhado de palha em caso de sismo, e 10, que representa a vulnerabilidade
elevada desse mesmo telhado perante a ameaça de ventos fortes. Também se considera a
vulnerabilidade socioeconómica e demográfica da família que vive na habitação, perante as diversas
ameaças. Para o cálculo das vulnerabilidades utiliza-se a informação constante dos censos nacionais
em conjugação com inquéritos no terreno.

Uma vez definidas as vulnerabilidades das famílias existentes na zona de estudo, foram analisadas
em pormenor as particularidades das ameaças a que essa região se encontrava exposta. Isso
permitiu criar mapas de ameaça, nos quais foram sobrepostos os mapas de vulnerabilidade
anteriormente elaborados. A soma de ambos gerou os correspondentes mapas de risco. Segue-se a
apresentação dos respetivos mapas de vulnerabilidade, ameaça e risco face à ameaça de sismos nos
municípios de Camotán e San Juan Ermita.

Desenvolvimento

Do autodiagnóstico comunitário, efetuado durante a avaliação inicial dos riscos, destacamos a


realização comunitária participativa de mapas. Trata-se de croquis realizados por grupos
comunitários para visualizar o seu espaço comunitário, o acesso a esses recursos e as ameaças
percecionadas.

Esta atividade contribui para sensibilizar a comunidade sobre as suas condições de risco. Estes
mapas comunitários são um instrumento que as comunidades compreendem e podem utilizar para
efetuar propostas de medidas de prevenção e mitigação para implementação pelas próprias ou em
colaboração com a sua administração local. Os mapas também ajudam a identificar mecanismos de
autogestão comunitária para enfrentar os riscos a que estão expostos.

Com base neste autodiagnóstico, e como demonstração prática, foram realizadas numerosas obras
de mitigação propostas pela comunidade, como ações comunitárias que podem reduzir a
vulnerabilidade da população: obras de infraestruturas (obras de drenagem, pontes suspensas,
muros de contenção) e outras no setor agrícola (reflorestação em redor de nascentes de água,
introdução de técnicas de gestão agroflorestal, barreiras de materiais inertes). Estas últimas
sensibilizaram a população para o seu papel como atores na criação do risco.

A abordagem multidisciplinar ou o aproveitamento de sinergias para sensibilizar, organizar


e construir capacidades

A gestão de riscos é uma abordagem de desenvolvimento multidisciplinar que exige a participação


de numerosos agentes a diversos níveis.

Neste projeto foram envolvidos e corresponsabilizados atores locais, nacionais e internacionais


como a Universidade San Carlos da Guatemala, que disponibilizou estudantes para o
autodiagnóstico comunitário. As Entidades de supervisão municipal no setor da educação e o
Instituto de recursos naturais Maia Chorito (ITERNMACH) envolveram-se através dos seus alunos
dos cursos de extensão. A comunidade intermunicipal Copá Chorito, a Cruz Vermelha
Guatemalteca, as Companhias de Bombeiros Voluntários, etc. também tiveram uma participação
ativa. A Coordenadora nacional para a redução de desastres (CONRED) foi a principal contraparte
de todo o projeto.
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O número significativo de professores e estudantes locais capacitados nos temas de desastres e
riscos não só permitiu chegar a um maior número de pessoas e grupos comunitários como também
trouxe benefícios de longo prazo a nível de capacidades construídas no âmbito local e académico.

Por sua vez, os grupos comunitários organizados, capacitados e equipados em 50 comunidades


garantem a reprodutibilidade dos conteúdos e da experiência. O conhecimento que estes grupos
têm da zona, por nela residirem e pelo seu envolvimento no projeto, gera o reforço de outras
capacidades locais associadas ao tema dos desastres. Por outro lado, as pessoas que trabalharam
diretamente na organização comunitária conhecem agora melhor as dinâmicas locais.

Para além de estabelecer uma cooperação ativa entre o máximo número de instituições, o projeto
teve como premissa envolver as populações locais, melhorar o seu conhecimento sobre a
problemática dos desastres e a forma de os enfrentar, e ajudá-las a organizarem-se. Um total de
13 500 pessoas assistiram aos 350 eventos de capacitação de vária natureza e/ou reuniões
desenvolvidas no quadro do projeto. Em colaboração com as principais organizações que
trabalharam na Guatemala na gestão local de desastres nos últimos anos, foi elaborado um guia de
capacitação mais simples e eficaz para a transmissão de conhecimentos e boas práticas de
prevenção e resposta, em conformidade com as limitações enfrentadas pelas comunidades rurais,
onde vivem mais de 60% da população do país.

A utilização do material de sensibilização existente, trabalhado e desenvolvido por diferentes


organizações, como os anúncios dirigidos a estudantes (ações recomendadas para antes, durante e
depois de três ameaças, sismos, furacões e inundações) criados pela UNICEF, representou um forte
contributo para o projeto. O Gabinete regional da estratégia internacional para a redução de
desastres (EIRD) ofereceu materiais de sensibilização, o jogo didático "Riscolândia" e a publicação
infantil "Aprendamos a prevenir desastres", da qual foram distribuídos 2 000 exemplares por mais
de 50 colégios da área de intervenção.

Foram emitidos programas radiofónicos com um público estimado de 28 898 ouvintes, graças ao
apoio da rádio mais sintonizada na região Chorito, a FM Tierra. Entre os programas emitidos
destaca-se a radionovela "Tempo de furacões", uma produção interagências (OPS-EIRD-OIM-
CEPREDENAC), a radionovela infantil "Ameaças num planeta próximo" e uma série de
reportagens de divulgação sobre desastres, ambas produzidas pela Radio Nederland e pela
UNESCO. Foram ainda transmitidas mensagens sobre a proteção contra a erosão dos solos, a
promoção de técnicas de gestão agroflorestal, a proteção das florestas, o combate a incêndios, bem
como sobre a prevenção e resposta perante inundações, sismos e deslizamentos. Com o apoio de
outras instituições como a FAO-PESA, CONRED, Corpo de Paz, Cruz Vermelha Espanhola,
Comunicadores sem Fronteiras e UNICEF, foram selecionadas ilustrações e mensagens sobre a
gestão de riscos e a correta gestão ambiental sob a forma de anúncios e folhetos. O processo de
validação do material junto dessas comunidades produziu múltiplos reajustamentos que permitiram
garantir que as mensagens seriam entendidas.

Em termos de capacitação, foi imprescindível a participação de entidades especializadas nos temas


tratados, como: O Instituto técnico de recursos naturais Maia Chorito (ITERNMACH), através dos
seus alunos do curso de extensão, que capacitaram alunos de escolas e professores rurais no setor
agrícola. A Cruz Vermelha Guatemalteca realizou atividades de capacitação para professores de
escolas rurais sobre apoio psicossocial em caso de emergência e sobre segurança escolar. Também
importa referir as ações desenvolvidas em coordenação com o Instituto Nacional da Floresta
(INAB) no domínio da formação em extinção de incêndios e gestão florestal, destinadas a brigadas
comunitárias de combate a incêndios, e os equipamentos fornecidos. Os corpos de bombeiros
voluntários, a polícia nacional civil e os centros de saúde receberam capacitação no domínio da
gestão de riscos e da organização da ajuda de emergência, bem como doação de equipamentos. A
Cruz Vermelha Guatemalteca proporcionou capacitação sobre primeiros socorros.

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Os centros de gestão de riscos: um passo rumo à autonomia

Em colaboração com a comunidade intermunicipal Copán-Chortí e com os municípios de Camotán


e San Juan Ermita foram construídos ou reabilitados 15 edifícios destinados a serem utilizados
como centros de gestão de riscos (CGR), que servem uma população rural de 49 158 habitantes. Os
centros estão equipados com materiais de emergência e radiocomunicação com a mesma frequência
que a CONRED. Para além de servirem este objetivo principal, os CGR possibilitam outras ações
comunitárias por estarem sediados num espaço anexo à Unidade Técnica Rural, o que permite
realizar consultas de saúde, reuniões e ações de capacitação. Os CGR reforçam a coesão
comunitária e a cooperação com outros setores. Dispõem de um sistema de recuperação de custos
sustentável, selecionado após um processo de reflexão conjunto com as COLRED. Entre as
diferentes alternativas possíveis, optou-se por uma bicicleta desgranadora e moinho. Agora, as
famílias da região podem desgranar com maior facilidade o seu milho, por um custo de 1,00 Q por
costal. O dinheiro cobrado passa a ser gerido pela COLRED incumbida do Centro de Gestão de
Risco, que ficará a dispor de meios para garantir a sua manutenção.

Este espaço funciona como referente visual concreto, sobretudo com populações de baixo nível
educativo e isoladas, no tempo e no espaço, das instituições e serviços.
O sistema de comunicação tem um impacto claro na capacitação comunitária, baseada na gestão da
informação, porque reduz o isolamento geográfico e dota as comunidades de capacidade de atuação
em caso de emergências quotidianas, como os problemas de saúde (partos, acidentes). É nestes três
pontos, mas sobretudo no último, que as rádios exercem maior impacto, assegurando a sua
sustentabilidade.

Conclusões e recomendações

A necessidade de uma abordagem holística para avaliar os diferentes tipos de vulnerabilidades e


ameaças dificulta a sua aplicação prática no quadro de um projeto. Além do mais, a falta de um
seguimento histórico dos indicadores de vulnerabilidade pode dificultar a sua ponderação e a
utilização dos censos nacionais na definição dos parâmetros pode introduzir uma percentagem de
erro na quantificação.

Apesar de a gestão de risco ser da responsabilidade de todos os atores de uma zona, os esforços
devem centrar-se a nível local, com base na comunidade. Do ponto de vista institucional, é
imprescindível que os municípios assumam o maior compromisso possível com a gestão de riscos,
dado que as suas decisões têm a máxima repercussão na criação ou redução de riscos. Por causa do
seu papel fundamental na coordenação e liderança a nível local, os projetos integrados de gestão de
risco, como o que se apresentou neste artigo, devem esforçar-se por envolver e trabalhar de forma
coordenada com os municípios, sensibilizando autoridades e técnicos municipais em áreas tão
cruciais como o planeamento urbanístico e de infraestruturas, a prevenção de riscos, a
sensibilização da população, os sistemas de alerta, etc.

Deve evitar-se trabalhar em áreas excessivamente extensas, onde as ameaças não sejam sentidas
como tal, porque o interesse e disponibilidade das comunidades e das autoridades para se
envolverem nestes temas serão muito reduzidos.

Mais frequentemente do que seria de desejar, as tarefas de sensibilização e capacitação das


populações em risco sobre estes temas assentam em metodologias com formas e conteúdos muito
distantes da realidade cultural. Por conseguinte, é necessário integrar abordagens mais alargadas que
confiram maior importância aos aspetos sociais, religiosos e antropológicos. Por último, as
metodologias e as ferramentas devem ser práticas, simples, reprodutíveis e adaptáveis às variações
de contexto.

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PARA APROFUNDAR OS SEUS CONHECIMENTOS SOBRE ESTE CASO


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Revista EIRD Informa

Departamento de água e saneamento

Tel. +33 91 391 52 93 Fax. +33 91 391 53 01 Madrid - Espanha

Caso 2: Formulação e execução de um quadro estratégico para


a redução de vulnerabilidades e medidas de preparação para
desastres 2004 - 2008 na República Dominicana 20
A República Dominicana elaborou e tem em execução um Quadro estratégico para a redução de
vulnerabilidades e a preparação para desastres para a legislatura 2004-2008. O Quadro estratégico é
promovido por autoridades da administração central e apoiado pelo PNUD e por um conjunto de
organismos multilaterais relacionados com esta temática, como o BID, OPS e ECHO, entre outros.

A iniciativa do Quadro estratégico surge na sequência dos graves danos provocados pelo furacão
Jeanne em solo dominicano em setembro de 2004. De facto, a poucos dias da passagem do furacão
pelo país, foi solicitado ao PNUD e à Comissão Económica para a América Latina e as Caraíbas,
CEPAL, a realização de uma avaliação dos impactos socioeconómicos; imediatamente depois, o
PNUD, com o apoio de uma equipa técnica, celebrou com o Governo dominicano um acordo com
vista a analisar as causas que provocaram as perdas sofridas com a passagem do furacão e a
desenvolver compromissos de trabalho tendentes a superar as fragilidades institucionais observadas.
A reação, que se centrava inicialmente na reconstrução, foi canalizada para a redução de riscos, num
processo destinado a levar o país a aprender a lição.

A República Dominicana tem uma justificação sólida para trabalhar intensamente na redução de
riscos, como se depreende das conclusões das avaliações que a CEPAL formulou a propósito da
passagem do furacão George (1998), das inundações da região de CIBAO (2004) e do furacão
Jeanne (2004). Recentemente, o país também foi assolado por uma grandes tragédia na região de
Jimaní, na fronteira com o Haiti, e por um sismo em 2004.

A República Dominicana assistiu nos últimos anos a um aumento considerável das suas
vulnerabilidades sociais e ambientais, associadas sobretudo a processos migratórios não controlados
e de marginalidade económica. A produção de riscos na República Dominicana oferece o contraste
de uma região oriental muito dinâmica, com um desenvolvimento turístico deficientemente
planeado em termos integrados e suscetível a desastres, com o outro extremo do país, que revela
processos de deterioração ambiental, pobreza e desastres na zona fronteiriça com o Haiti.

Para tentar superar os riscos presentes e o desenvolvimento de vulnerabilidades futuras, o Quadro


estratégico RVPD tem por objetivo promover a integração da redução de riscos nos processos de
planeamento nacional, setorial e territorial do desenvolvimento e o fomento de uma cultura de
prevenção de desastres.

As possibilidades atuais do QERVPD são animadoras por várias razões. Foi criado um Comité
coordenador de alto nível, formado pela Secretaria técnica da presidência, pelo Gabinete nacional
de planeamento (ONAPLAN), pelo Gabinete do coordenador de recursos europeus (ONFED) e

20 Fonte: Revista EIRD, Nr.10, 2005: http://www.eird.org/esp/revista/No10_2005/index_No10e.htm

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pelo PNUD. Num segundo nível organizacional encontram-se nove Secretarias de Estado que
coordenam cada uma o seu comité setorial e que identificaram projetos de gestão setorial da sua
responsabilidade com componentes de redução de riscos.

O Quadro estratégico procura garantir a sua sustentabilidade política e financeira com o


funcionamento sincronizado de organismos multilaterais que acompanham as instituições nacionais
no sentido de manter uma linha de trabalho e salvaguardar a participação de atores sociais e
académicos nacionais e municipais. O QERVP procura ser um instrumento de coordenação dos
recursos de cooperação internacional, como sucede atualmente com os Fundos da União Europeia
canalizados através do ONFED.

O Quadro estratégico coloca ênfase no desenvolvimento da cultura e de quadros institucionais


adequados para a utilização suficiente e correta da informação sobre ameaças e riscos e no
desenvolvimento de processos de ordenamento territorial e urbanístico e de todas as aplicações
posteriores de natureza cultural e de planeamento deles decorrentes.

O processo de formulação do quadro estratégico caracterizou-se por uma ampla participação


institucional nacional. De facto, cerca de onze (11) secretarias de Estado, entidades associadas ao
conhecimento de riscos, ao planeamento e à gestão, e organizações não governamentais integram o
grupo de cerca de setenta (70) entidades que participam neste processo.

O quadro estratégico está estruturado nos componentes de desenvolvimento geral ou múltiplo


relacionados com os seguintes aspetos: conhecimento de riscos, desenvolvimento institucional,
ordenamento territorial, cultura da prevenção e preparação para desastres e, num segundo nível, por
temas específicos para cada setor, como: setor agropecuário, ambiente, água e saneamento,
habitação e desenvolvimento urbano, acessibilidades, turismo, energia e indústria, e educação.

O primeiro semestre do ano de 2005 foi orientado para a consolidação de comités e planos de ação
setoriais e a gestão de recursos nacionais e de cooperação com organismos multilaterais e bilaterais
para dar resposta aos diferentes componentes do Quadro estratégico. Nesta primeira fase foram
executadas ações de menor custo e impacto elevado, como a incorporação da temática no Sistema
de investimentos nacional, e concebidos sistemas de capacitação e apoio à gestão local, em
particular no domínio da regulamentação urbanística.

O PNUD desempenhou um papel de promotor e orientador técnico do trabalho nacional e de


facilitador da participação de organismos bilaterais e multilaterais, procurando em particular garantir
a sustentabilidade dos esforços e a adoção de critérios e abordagens claros da temática e do
processo a promover no país. Procura-se em particular que o país dê relevância a estas duas
abordagens que, normalmente, acabam por afetar os processos estruturais de prevenção.

Algumas das principais lições do atual processo na República Dominicana podem ser resumidas
deste modo:
• É recomendável que, a partir da avaliação dos impactos socioeconómicos setoriais (tipo
CEPAL), cada país produza processos de análise do sucedido para encontrar um quadro
explicativo dos riscos em cada setor.
• Deve procurar-se aprofundar o conhecimento dos processos de planeamento e gestão de
cada setor e encontrar neles as possibilidades reais de gestão do risco.

PARA APROFUNDAR OS SEUS CONHECIMENTOS SOBRE ESTE CASO


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Revista EIRD Informa

PNUD República Dominicana

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