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Estado e Democracia - Andre Singer
Estado e Democracia - Andre Singer
Capa
Folha de rosto
Sumário
Introdução: Entre esperança e medo
6. Espectros autoritários
Neoliberalismo e democracia
Origens históricas do autoritarismo
Totalitarismo: a interpretação de Hannah Arendt
A onda antidemocrática contemporânea
Notas
Referências bibliográficas
Sobre os autores
Créditos
Aos estudantes da política
Introdução: Entre esperança e medo
Antes de tudo, o poder foi dado a Carlos [Magno] pelo próprio Deus e não
pelo povo, através do pontífice romano. E, acima de tudo, se tratava de um
poder incomparavelmente mais amplo do que a antiga soberania germânica
[…], um poder de tipo substancialmente sacerdotal e carismático: o homem
elevado a esse poder não somente era colocado acima do povo de uma
forma estável e definitiva, mas também nele via-se reconhecido um direito
autônomo e estritamente pessoal ao governo.19
Então, já rematado seu juízo, [Dom Quixote] veio a dar com o mais
estranho pensamento com que jamais deu algum louco neste mundo, e foi
que lhe pareceu conveniente e necessário, tanto para o aumento de sua
honra como para o serviço de sua república, fazer-se cavaleiro andante e
sair pelo mundo com suas armas e seu cavalo em busca de aventuras […].
E a primeira coisa que fez foi limpar uma armadura dos bisavós que,
coberta de ferrugem e azinhavre, longos séculos havia que estava posta e
esquecida a um canto.52
Então arremata:
1. Cf. James C. Scott, Against the Grain: A Deep History of the Early
States, pp. 1-35.
2. Cf. Pierre Clastres, A sociedade contra o Estado: Pesquisas de
antropologia política.
3. Para uma excelente discussão a respeito do assunto, remetemos o
leitor aos dois primeiros capítulos da coletânea organizada por John Hall, Os
Estados na história. Para ângulos diversos do problema, ver James Scott,
The Art of not Being Governed: An Anarchist History of Upland Southeast
Asia; e George Woodcock (Org.), Os grandes escritos anarquistas.
4. Cf. Quentin Skinner, “The State”, pp. 91-4.
5. Para os que desejam contextualizar a longa história grega e romana,
vão aqui alguns fatos suplementares. O período arcaico grego corresponde
ao repovoamento e à urbanização da região, séculos depois do chamado
“período micênico”, que historiadores situam mais ou menos entre os
séculos XVI e XII a.C. No fim da época micênica é que teria ocorrido a
Guerra de Troia, fonte de inspiração para a Ilíada e a Odisseia. A civilização
micênica se desarticulou possivelmente em decorrência de uma grande
“invasão bárbara”, atribuída a um povo proveniente dos Bálcãs (os dórios),
ou de uma onda de imigração violenta de povos hoje chamados indo-
europeus, o que levou a um circuito de dispersão e empobrecimento.
Por volta do século IX a.C. começou uma reocupação populacional e
econômica que permitiu o estabelecimento de conglomerados urbanos. Foi
nesse momento que cresceram as cidades mais conhecidas: Esparta, Atenas,
Corinto e Tebas. Com o tempo, polis deixa de designar apenas um fenômeno
geográfico para se tornar o conceito de uma inédita estrutura de poder
comunitário — uma forma peculiar de Estado.
Em Roma, os pesquisadores identificam três fases. A monárquica, entre
meados do século VIII a.C., quando teria ocorrido a fundação da cidade, até o
final do século VI a.C., período mais ou menos equivalente ao do arcaísmo
grego. A principal autoridade de Roma nessa época era o rex, um monarca
que dirigia a cidade com o auxílio dos chefes guerreiros ligados às famílias
locais mais antigas, chamadas “patrícias” (descendentes dos “pais da pátria”).
O monarca fundador foi Rômulo, figura metade verdadeira, metade mítica (ele
e seu irmão gêmeo Remo, segundo a tradição romana, teriam sido
alimentados na infância por uma loba); por conta de uma disputa, Rômulo
teria assassinado Remo.
A segunda etapa foi a República, entre o final do século VI e o final do I a.C.,
quando se praticava um governo coletivo da cidade. A instauração da
república em Roma coincidiu com o surgimento da democracia em Atenas.
Por fim, o Império, que emerge da crise da república, com a implantação de
uma autocracia que perdura cerca de cinco séculos, foi destruído pelas
“invasões bárbaras” germânicas, as quais assinalaram a chegada da Idade
Média. Sublinhe-se que, pela convenção que adotamos, a era clássica
romana coincide com o período republicano.
Para concluir este diminuto passeio pela vastidão antiga, segundo indicam
fontes arqueológicas, Roma foi resultado do encontro de três civilizações
anteriores: a etrusca, concentrada no norte da península Itálica, a latina,
situada ao centro, e a que deriva da colonização grega no sul da Itália, por
isso chamada de “Magna Grécia”. No início, a influência maior teria sido latina
e etrusca, como sinaliza o fato de reis desse último grupo terem governado a
cidade durante parte do período monárquico. Porém, nunca deixou de haver
contato com os gregos, ainda que a hegemonia cultural e intelectual dos
conterrâneos de Aristóteles tenha sido alcançada apenas quando a República
romana decidiu estender o seu domínio à Grécia. Para mais informações,
recomenda-se a consulta a José R. Ferreira, A Grécia antiga, e Mary Beard,
SPQR: Uma história de Roma antiga.
6. Cf. Kurt Raaflaub, “City-State, Territory and Empire in Classical
Antiquity”, pp. 565-7.
7. Cf. Moses Finley, Política no mundo antigo, p. 26.
8. Para um quadro das diferentes estimativas, ver José R. Ferreira, op. cit.,
p. 104.
9. A ideia da existência de uma “classe média” na cidade antiga, que
vamos aceitar aqui, não é consensual entre os especialistas. Cf. Moses
Finley, op. cit., p. 20.
10. Ibid., pp. 78 ss.
11. Ponto realçado por Finley em Política no mundo antigo, p. 46, e
discutido com mais detalhe em A economia antiga, pp. 224-41.
12. Sobre a mudança da estratégia de guerra entre os gregos com a
introdução da infantaria hoplita e suas consequências sociais e políticas, ver
Josiah Ober, “Rules of War in Classical Greece”.
13. Cf. Moses Finley, Política no mundo antigo, p. 12.
14. Cf. Aristóteles, Política, livro IV, cap. III, pp. 125-9.
15. Ibid., livro IV, caps. VI e VII, pp. 137-40.
16. A análise dos próximos parágrafos, relacionando a política interna e a
política externa das cidades-Estado, é inspirada nas observações de
Maquiavel sobre a República Romana. Cf. Nicolau Maquiavel, Discursos
sobre a primeira década de Tito Lívio, livro I, caps. 2-6.
17. Moses Finley, Política no mundo antigo, p. 81.
18. De hóplon, o equipamento de batalha (o escudo, a lança etc.) do
soldado de infantaria.
19. Cf. José Ribeiro Ferreira, op. cit., pp. 68-9; e Kurt Raaflaub, op. cit., pp.
573-4.
20. Cf. José R. Ferreira, op. cit., pp. 58-67 e pp. 75-81; e Barry Strauss,
“The Athenian Trireme, School of Democracy”, pp. 315-20.
21. Para uma narrativa sintética dessa história, ver Mary Beard, op. cit.,
cap. 4.
22. Sobre esse processo de integração de famílias plebeias à elite
romana, ver José Manuel Roldán, La República romana, cap. XIV.
23. A observação desse nexo não era de modo algum estranha aos
grandes pensadores do tempo — a começar por Aristóteles, que fazia do
conflito entre ricos e pobres uma das chaves da análise dos regimes
políticos.
24. Cf. Moses Finley, Política no mundo antigo, pp. 74-5.
25. Sobre os nexos entre o conceito de “constituição” e a metáfora médica,
ver as referências em Heinz Mohnhaupt; Dieter Grimm, Constituição:
História do conceito desde a Antiguidade até nossos dias, pp. 13-4,
especialmente a nota 1.
26. A descrição que aqui fizemos da constituição de Esparta é muito
resumida e na certa contém lacunas. Para uma exposição mais detalhada e
evolutiva, ver Kurt von Fritz, The Theory of the Mixed Constitution in
Antiquity, pp. 96-114.
27. Cf. José R. Ferreira, op. cit., pp. 94-9.
28. Para mais detalhes sobre a estrutura de poder romana e os contrastes
com a da democracia ateniense, ver Walter Eder, “Who Rules? Power and
Participation in Athens and Rome”.
29. Jean-Pierre Vernant, As origens do pensamento grego, p. 50.
30. Cf. Fernando Savater, Política para meu filho, pp. 80-1.
31. Jean-Pierre Vernant, op. cit., p. 50, n. 11.
32. Hannah Arendt, “O que é liberdade?”. In: Entre o passado e o futuro, p.
201, grifo nosso.
33. Ibid., pp. 201-2.
34. Cf. Hannah Arendt, Sobre a revolução, pp. 36-7.
35. Cf. ibid., pp. 58-9, grifos nossos.
36. Cf. Hannah Arendt, “O que é autoridade?”. In: Entre o passado e o
futuro, p. 129.
37. Cf. ibid., p. 129. Ao utilizar a palavra “autoritária”, Arendt não está se
referindo aqui a autoritarismo.
38. Cf. Hannah Arendt, “O que é autoridade?”, op. cit., p. 162.
39. Nas diversas formas de assembleias populares que havia em Roma,
ao contrário da assembleia ateniense, o processo decisório consistia na
apresentação de candidatos ou de propostas, seguida de votação. A
discussão era feita no Senado.
40. Para uma visão alternativa do período posterior à Guerra do
Peloponeso, ver Peter J. Rhodes, “The Alleged Failure of Athens in the
Fourth Century”.
41. Para uma exposição e análise do período final da República, ver Mary
Beard, op. cit., caps. 6 e 7.
42. Santo Mazzarino, O fim do mundo antigo, p. 223.
43. Para uma defesa elegante e sintética desse ponto de vista, ver Perry
Anderson, Passagens da Antiguidade ao feudalismo, Parte I, cap. 1, seção
4.
44. Gibbon publicou sua obra entre 1776 e 1788. No Brasil, há uma edição
condensada: Edward Gibbon, Declínio e queda do Império Romano.
45. Para um exame mais detido dos advogados modernos desse campo,
antes e depois de Gibbon, remetemos mais uma vez ao livro de Santo
Mazzarino, op. cit., caps. 5 a 7.
46. “Um scholar alemão produziu recentemente uma notável e fascinante
lista de 210 explicações para a queda do Império Romano propostas ao
longo de séculos.” Bryan. The Fall of Rome and the End of Civilization, p.
33.
47. Ward-Perkins. op. cit., cap. III, discute as diferentes circunstâncias que,
possivelmente, fizeram o Império oriental sobreviver à queda do Império
Romano no Ocidente.
48. Para um interessante desenvolvimento deste ponto, ver Moses Finley,
A economia antiga, pp. 110-30.
2. As raízes do Estado moderno
"Um livro perfeito para quem quer conhecer a música clássica, mas
de alguma maneira se sente intimidado por ela." — Wall Street
Journal