Você está na página 1de 11

,

_li 'L~ '::' Revista Técnico-Científica AGROS 2008

Fungos Patogénicos das Plantas.


A Batalha Química para a Patogénese
Ricardo Boavida Ferreira

INTRODUÇÃO ampla de habitates, incluindo a filosfera apenas uma fracção diminuta destes
(a parte aérea da planta), a rizosfera (a agentes é capaz de invadir, com suces-
zona de influência do sistema radicular) so, e provocar doença, em cada hospe-
Os fungos, constituindo um e a endosfera (o sistema de transporte deiro. Se, por um lado, a virulência dos
reino relacionado, do ponto de vista interno). Ao contrário dos animais, agentes patogénicos e a susceptibili-
evolutivo, com os animais, é um grupo em que as micoses são relativamente dade dos hospedeiros variam ao longo
extraordinariamente diversificado de pouco numerosas, uma proporção con- dos seus ciclos de vida, por outro, o de-
organismos, com cerca de 250.000 siderável das doenças das plantas são senvolvimento de uma doença depende
espécies amplamente distribuídas causadas por fungos: 120 géneros de fortemente das condições ambientais,
por quase todos os ecossistemas. Os fungos, 30 tipos de vírus e oito géne- como a disponibilidade em água, a
Oomicetas, durante muito tempo con- ros de bactérias são responsáveis pe- temperatura e a moi habilidade da su-
siderados como uma classe do reino las cerca de 11.000 doenças que foram perfície vegetal. Por todos estes moti-
Fungi, são hoje classificados no reino descritas nas plantas. Deste modo, os vos, o estabelecimento de uma doença
Chromista. Juntamente com os fungos, é normalmente menos frequente do que
constituem os dois grupos mais impor- o que seria de esperar.
tantes de agentes eucariotas patogéni-
cos que atacam as plantas, tratando-se
de um exemplo biológico de evolução COMO EVOLUIRAM OS MECANIS-
convergente, na medida em que apre- MOS DE DEFESA DAS PLANTAS
sentam muitas semelhanças no que
diz respeito aos seus modos de vida.
Assim, por exemplo, ambos apresen- A presença de agentes patogénicos
tam crescimento filamentoso durante ao longo de centenas de milhões de anos
o período de crescimento vegetativo, permitiu às plantas o desenvolvimento de
produzem micélio e formam esporos uma ampla gama de ferramentas de defesa,
para reprodução sexuada e assexu- intricadas e elaboradas. Este padrão surgiu
ada. Também não é possível distinguir a partir do que se pode considerar um pro-
a resposta das plantas ao seu ataque. cesso de co-evolução do tipo ping-pong, em
Fungos e Oomicetas incluem espécies orgãos aéreos e subterrãneos das plan- que planta e agente patogénico foram suces-
biotróficas (que crescem e reproduzem tas estão contínua e permanentemente sivamente adicionando armas químicas ao
nos tecidos vivos das plantas; ex. géne- expostos a uma vasta gama de poten- longo de uma guerra perpétua. Sempre que
ros Erysiphe e Plasmopara, respectiva- ciais agentes patogénicos. Contudo, uma inovação defensiva era estabelecida no
mente), necrotróficas (que se alimentam sabendo que o estado normal de uma hospedeiro, novas maneiras de a ultrapassar
de células vegetais mortas; ex: géneros planta é o saudável, o desenvolvimen- eram desenvolvidas pelo agente patogénico.
Botrytis e Pythium) e hemibiotróficas to de uma doença requer a ocorrência Esteprocesso co-evolutivo complexo explica,
(que estabelecem inicialmente uma simultânea de um estado susceptível provavel mente, nâosócasosdeextremaespe-
relação biotrófica com o seu hospe- do hospedeiro, um estado virulento do cificidade,queseestabeleceramentremuitos
deiro, continuando a infecção após a agente patogénico e um meio ambiente agentes patogénicos e os seus hospedeiros,
morte das células deste; ex: géneros favorável. Por outras palavras, nem to- comoa ineficácia e/ou redundânciadealguns
Colletotrichum e Phytophthora). dos os agentes patogénicos podem genesdefensivos, q uefreq uentementecod ifi-
As plantas constituem um ex- atacar todas as plantas, nem uma só cam enzimas com actividades sobrepostas.
celente ecossistema para os micror- planta é susceptível à panóplia total de A existência de mecanismos de
ganismos por oferecerem uma gama agentes fitopatogénicos. Na realidade, defesa redundantes e/ou ineficazes contra o
Revista Técnico-Científica AGROS 2008

Figura 1. Estrutura da ave-
nacina A-1 e dos seus deriva-
dos desglicosilados.

Avenacina A-i

mesmo com um mecanismo de de-


fesa redundante e/ou inútil. Será,
Avenacina A-i então, de esperar que, ao longo de
monodesglicosilada muitos milhões de anos, uma planta
vulgar tenha adquirido e/ou perdido
um número de mecanismos de de-
fesa redundantes/inoperativos. É

'" importante notar que não de pode


concluir que uma dada proteína é

~0?
-, I
" ..<
inútil apenas porque não se lhe con-
o ~ ~'IM,
hece uma função óbvia. Esta proteína

H~,.ru,._ r r-: Avenacina A-i poderá não ter valor hoje, mas ter
o o <, '; bisdesglicosilada desempenhado um papel de defesa
I V ~
\;tl
<><, importante contra agentes patogéni-
cos que existiram há muito tempo.

EXEMPLOS DE
INTERACÇÕES
PLANTA/AGENTE PATOGÉNICO
Aglicona
DE
ESPECIFICIDADE
ELEVADA

ataque de agentes patogénicos levanta, a sua forma selvagem para os recursos Umexemplodeumelevadograu
desde logo,a questãodo papel que desem- disponíveis. Nestas condições, a pressão de especificidade estabelecido entre uma
penham nas plantas. Supostamente, estes selectiva eliminará, presumivelmente, a pia nta e um agente patogén ico éfornecido
mecanismos terão aparecido casualmente forma modificada da plantaea suaproteína por alguns fungos causadores de oídio.
ao longo da evol ução, o que significa que a anti-fúngica inútil. (H)A nova proteína an- Estesfungos exibem, normalmente, uma
suapresença pode serbenéfica, indiferente ti-fúngica fornece à planta uma vantagem especificidade muito grande para o hos-
ou prejudicial à planta hospedeira.Consid- selectiva relativamente à sua forma selva- pedeiro, sendo capazes de infectar apenas
eremos, por exemplo, uma mutação casual gem,permitindo-Iheter mais sucesso num um único hospedeiro, umgrupodehospe-
que induza acumulação, na planta, e ma habitat competitivo. Nestas condições, a deiros próximos do ponto de vista evolu-
proteí naanti-fúng icaem respostaaoataque planta modificada pode mesmo tornar-se a tivo ou uma família particular de plantas,
de um fungo. Se a via biossintética 'essa orma dominante nesse habitat. e incapazes de sobreviver da ausência dos
proteína consomir uma proporção - Se, no exemplo anterior, o tecidos vivos do seu hospedeiro. Quando
cativa do potencial metabólico diaptm:;a" no o mecanismo de defesa da planta um fungo responsável pelo oídio infecta
dois resultados possíveis são não consumir uma fracção consid- um conjunto de espécies relacionadas
(i) a mutação não adido erável do seu potencial assimilatório, filogeneticamente,eleapresenta,frequent-
hospedeira, a qual não a planta modificada poderá subsistir emente, raças com especialização fisl-
competi r de um modo G;~ le:fI::S=:CCO;;JO durante um longo período de tempo, ológ icaparahospedei rosúnicos,não sendo
•• \ r
\ ~ I' Revista Técnico-Científica AGROS 2008 ~L; .~.

Figura 2. Formação do ácido


cianídrico e do etilcarbamato a
partir da epi-heterodendrina.
Glucose ,..
j3-Glucosidase

Epi-heterodendrina Isobutiraldeído ciano-


-hidrina

possível a ocorrência de infecções cruzadas.


Quando identificadas, estas linhas podem ser
distinguidas como forma specialis (f.sp.) e
designadas em conformidade. Por exemplo,
Sphaerothecapannosa f.sp. rosae é o nome
atri bu ídoà raçafisiológ icado fu ngo q uecausa
o oídio da roseira (Rosa spp.) e do loureiro
(Laurus nobilis), embora a espécie em si (isto Etilcarbamato Ácido Isobutiraldeído
é, outras f.sp.) ataquem, também, o pesseg- (Uretano) cianídrico
ueiro (Prunus persica), a amendoeira (Prunus
dulcis) e o damasqueiro (Prunus armeniaca).
A saponina avenacina A-1, um
glicósido sintetizado constitutivamente, se traduz na susceptibilidade das plan- reconstitu içãoda cianogénese nacevada (Hor-
constitui outro exemplo de um grau tas de aveia ao seu ataque. Como seria deum vulgare). Aformação do apressório e do
muito elevado de especialização entre de esperar, uma mutação no gene que gancho do apressório em Blumeria graminis
planta e agente patogénico (Fig. 1). O codifica a glicosidase torna G. graminis f.sp. hordei, o agente causador do oídio da
crescimento do fungo Gaeumanno- varo avenae sensível à avenacina A-1 e, cevada, são estimulados, in vitro, pela epl-
myces graminis varo tritici, patogénico por isso, incapaz de infectar a aveia. heterodendrina (Fig. 2), um p-O-glucósido
para as raízes do trigo, é inibido pela Por outro lado, plantas transgénicas cianogénico derivado da leucina, que seacu-
avenacina A-1. Por este motivo, plantas de aveia que não formam avenacina mula especificamente na epiderme dasfolhas
de aveia (Avena sativa), que sintetizam A-1 ficam susceptíveis ao ataque de G. da cevada. A enzima (1,4)- p-O-glucana exo-
avenacina A-1, exibem resistência ao graminis varo tritici. Estas observações hidrolase,localizadanoendospermaamiláceo
ataque do fungo. No entanto, o fungo indicam que G. graminis varo tritici não dos grãos de cevada, hidrolisa in vitro a epi-
relacionado G. graminis varo avenae, é um agente patogénico para a aveia heterodendrina,comlibertaçãodeácidocianí-
patogénico para as raízes da aveia, porque não tem a capacidade de me- drico (HCN). Contudo, as folhas de cevada
produz uma glicosidase que hidrolisa a tabolizar a avenacina A-1, considerada não são cianogénicas, isto é, não possuem a
saponina, separando o resíduo hidrato como um factor de resistência a menos capacidadedelibertarcianetopornãoconter-
de carbono da aglicona (Fig. 1) e elimi- que o fungo a consiga desintoxificar. em aP-O-glucosidaseapropriada. Noentanto,
nando, assim, a toxicidade da avenaci- Admite-se que os taninos acianogénesepodeserreconstituídanascélu-
na A-1. Esta raça do fungo não é, por desempenham um papel semelhante las da epiderme das folhas da cevada, por ex-
isso, inibida pela avenacina A-1, o que nas folhas da videira (Vitis vinifera). pressão de um cONA codificante de uma 13-0-
Experiências realizadas recentemente glucosidase cianogénica do sorgo (Sorghum
nos nossos laboratórios mostraram que bicolor), o que se traduz numa redução de 35
Erysiphe necator e Plasmopara viticola, a 60% da taxa de colonização por B.graminis
os agentes patogénicos biotróficos re- f.sp. hordei. Estasobservações sugerem que,
sponsáveis pelo oídio e míldio da vid- ao longo da evolução,a perda dacianogénese
eira, respectivamente, segregam uma nas folhas da cevada permitiu ao fungo utili-
enzima nos tecidos do hospedeiro que zar a presença da epi-heterodendrina para fa-
bloqueia a actividade anti-microbiana cilitaro reconhecimento do hospedeiro e para
dos taninos. estabelecer a infecção.
Observa-se que, ocasionalmente,
algumasinteracçõesplanta-agentepatogénico
evoluiramparamecanismosfortementecom-
plexos, intricados e mesmo inesperados. Um
exemplo marcanteéfornecido peloestudoda
-
Revista Técnico-Científica AGROS 2008

fungos. Isto acontece porque um dos prlnci- oligómero que produz resposta, ao passoque
paisconstituintesdaparedecelulardosfungos o 8-mero induz uma resposta intensa.
PRINCIPAIS ARMAS UTILIZADAS é o polissacárido quitina (Fig.3), um polímero As proteínas podem, também, des-
PELAS PLANTAS NUMA CON- de N-acetil-D-glucosamina, com ligações qli- empenharumpapelimportanteaocatalisarem
FRONTAÇÃO COM UM AGENTE cosídicas do tipo ~-(1-74). As quitinases do (como é o caso, por exemplo, de numerosas
PATOGÉNICO apoplasto, ao cortarem a quitina da parede enzimas) ou participarem (como é o caso,
celular dos fungos, danificam a sua estrutura por exemplo, das proteínas dirigentes, que
e, ao mesmo tempo, libertam oligómeros de "dirigem" a estereoquímica de determinadas
Uma interacção entre uma quitina, osquais funcionam como eliciadores, reacções catalisadas por enzimas) na síntese
planta e um agente patogénico pode permitindo às plantas armar as suas defesas. de moléculas pequenascom um papeldirecto
ser comparada a uma guerra, composta Os quito-oligossacáridos assim libertados nainteracçãoplanta/agentepatogénico.Estão
por várias batalhas, cujas armas princi- estão envolvidos no oxidative burst, na fos- nesta situação as fitoalexinas, consideradas
pais são as proteínas sintetizadas por forilação de proteínas, na biossíntese de fito-
ambos os organismos. alexinas, na activação da transcrição degenes
As proteínas podem ter uma acção directa de defesa e no estímulo da divisão celular. Os
sobre o outro organismo (por exemplo, as
plantas sintetizam numerosas proteínas PR,
receptoresespecíficospelapercepçãodosqui-
to-oligossacáridosestão localizados na mem- HO
~OH
'
proteínas anti-fúngicas 1 e péptidos anti-fún-
gicos). Assim, por exemplo, as quitinases são
brana plasmática das células vegetais e apre-
sentamumaafinidadedeligaçãoqueaumenta
y OIH
proteínas PR com reconhecida função antl- com ograu de polimerizaçãodosoligómeros:
fúngica, protegendo as plantas do ataque de a quitotetraose é o comprimento mínimo de
Figura 4. Estrutura do trans-resver-
atrol (3,SA'-tri-hidroxiestilbeno).

N..Acetil-n -qlucos amina o -Glucosamina


~ ~
)
I
Quitina
OH .
HO H.AJ; W<:~H~NH.AJ;
HO· O O~~~ •.
••._"""~,._.~~_ O OH O O 0-
~ NH.Ac ~O- NHAc OH

Qurtosana
Figura 3. Estrutura da quitina,
polímero de N-acetil-D-glucosam-
ina, e da quitosana, um polímero
de D-glucosamina, ambos com
ções glicosídicas do tipo f3-{ -7
entre os monómeros.

1Existe uma sobreposição r3aáonadas com a patogenicidade (proteínas PR) e proteínas anti-fúngicas. Muitas
das 17 famílias de proteú1as = - exibem qualquer actividade anti-microbiana conhecida, ao passo entre as 13 classes de
proteínas anti-fúngicas, a :::25;~3::E.::::Jõ= :~::i-1Ia PR.
•• .-
c'>
'-
Revista Técnico-Científica AGROS 2008 .:,;:~"''''''

Figura 5. A "guerra" de proteínas, que ocorre entre a planta hospedeira e o fungo atacante, durante uma tentativa de
infecção e a via que leva à resposta de defesa da planta. Abreviaturas: PAMP- padrão molecular associado ao agente
patogénico; GIP- proteína inibidora da glucanase; PGIP- proteína inibidora da poligalacturonase; HR- resposta hiper-
sensitiva; PR-relacionada com a patogenicidade; ROS-espécies reactivas de oxigénio.

Fungo patogénico

Enzimas de degradação da
parede celular das plantas
(Galacturonases, xilanases,
glucanases, proteases]

Olígossacáridos Hídrolases que degradam a


(Eliciadores) paredecelulardos fungos
[quítinases, ~l,3-glucanases,
proteases)

Tentativa de

-,
penetração
PGIP$~
Parede celular

-
'-.. Vias de transduçâo
.~ do sinal
Resposta hipersensitiva (HR)
Síntese de fítoalexinas
Síntese de proteínas PR
Fluxos de iões
Fosforílação de proteínas
rGenes
relaciona
Núcleo j
Célula
Membrana
+ plasmátíca

dos com
Produção de ROS a defesa vegetal

como metabolitos secundários de natureza cem à família dos estilbenos dos compostos (ROS),como os aniões superóxido, os radic-
não-proteica e massa molecular baixa, que fenólicos e incluem o trans-resveratrol (Fig. ais hidroxilo e o peróxido de hidrogénio. As
são produzidas por muitas espécies de plan- 4), sintetizado pela enzima estilbeno sin- ROSsão directamente toxicas para os micró-
tas. Exibem uma enorme diversidade quími- tase, e uma série de seus derivados, de que bios, catalisam a formação de ligações cruza-
ca,apresentam actividades anti-microbianas são exemplos a 0- e a E-viniferina, o trans- e das oxidativas na parede celular no local da
e anti-fúngicas, a sua síntese é induzida por o cis-piceido e a trans- e a cis-astringina. tentativa de penetração e participam na sinal-
agentes patogénicos e por eliciadores e são ização do início de outras reacções de defesa.
sintetizadas por vias bioquímicas complexas, Outro tipo de moléculas pequenas, A base genética que determina a
como é a via do ácido chiquímico. No caso da importantesnainteracçãoplantatagentepato- especificidade raça-cultivar nalgumas inter-
videira, por exemplo, as fitoalexinas perten- génico, são as espécies reactivas de oxigénio acções planta-agente patogénico foi inicial-
Revista Técnico-Científica AGROS 2008 - •
mente proposta, em 1955, por H.H. Flor, na defesa mediada pelo jasmonato e pelo
suateoria gene-por-gene, aparti rdosestudos etileno, bem como uma resistência au-
que fez sobre a interacção entre o linho (Li- mentada ao fungo responsável pelo oí-
num usitatissimum) e o fungo Melampsora dio.
Iini.Segundo esta teoria, os genes de resistên- Uma questão primordial para
cia à doença da planta hospedeira (R)mede- a activação das defesas da planta é a
iam o reconhecimento de componentes es- percepção pronta do agentepatogé-
pecíficos derivados do agente patogénico, os nico pelo hospedeiro. Inicia-se, en-
produtos dos genes de avirulência (avr). Esta tão, uma guerra para a penetração do
interacçãogene-por-genefoi posteriormente fungo, esquematicamente ilustrada na
complementadacomomodelodoreceptor-li- Fig. 5, a qual marca a transição do seu
gando, no qual a proteína de avirulência (avr) crescimento extracelular para cresci-
se liga à proteína de resistência correspon- mento invasivo. O resultado desta com-
dente (R),a qual, por sua vez, desencadeia o plexa confrontação determina, em larga
sistema de vigilãncia da planta. No entanto, medida, o sucesso ou o insucesso da
têm-se acumulado evidências de que as pro- senciais à expressão das respostas de tentativa de patogénese.
teínas Rpoderão não ser o receptor primário defesa associadas à parede celular, du- DO CRESCIMENTO EXTRACELU-
dasproteínas avr.Sempre queestão presentes rante a tentativa de penetração de fun- LAR DO FUNGO AO CRESCIMENTO
os pares complementares dos genes Re avr, a gos patogénicos biotróficos em plantas INVASIVO.
RECONHECIMENTO E PENETRA-
interacçãoentrehospedeiroeagentepatogé- não-hospedeiras), reprimir a síntese de
proteínas componentes do citosquele-
çÃO
nicoéincompatível,oquedesencadeiaosme-
canismosdedefesadohospedeiroedetermina to ou usar qualquer outro mecanismo
resistência à doença. A falta, ou a presença de que impeça a transmissão do sinal de Parapenetraremnostecidosdohos-
formasnão-funcionais,dequalquerdosgenes reconhecimento do agente patogénico pedeiro, muitos fungos necessitam deferidas
estabelece uma interacção compatível hos- pela planta ou a expressão das defesas ou de aberturas na superfície deste. Paraout-
pedeiro-agente patogénico, trad uzindo-seno por parte do hospedeiro. ros fungos, a entrada nos tecidos dá-se natu-
estabelecimento da doença. De acordo com Aparentemente, as plantas ralmente pelos estomas, casosem que a dife-
esta terminologia, o agente patogénico diz- conseguem detectar perturbações na renciaçãodasestruturasdeinfecçãodepende,
seavirulento nas interacções incompatíveis e parede celular das suas células, pelo muitas vezes, de características topográficas
virulento nasinteracçõescompatíveis.A iden- controlo da integridade da sua estrutu- da superfície do hospedeiro, como, por ex-
ra. Para o estabelecimento de biotrofia, emplo, da altura correcta das cristas formadas
tidade ou a função bioquímica da maioria das
pelas células de guarda dos estomas.
proteínas avr permanece desconhecida. muitos fungos podem manipular este
Na generalidade dos casos, porém,
As defesas das plantas podem sistema de vigilância, subvertendo, as-
a penetração dasestrutu rasdiferenciadas dos
ser barreiras estruturais ou químicas, sim, a interligação aos sistemas de sinal-
fu ngosdá-seatravés dotecidovegeta Iintacto,
cada uma das quais se pode subdi- ização de defesa da planta. Por exem- o que implica, inevitavelmente, a passagem
vidir em constitutivas ou indutíveis. Um plo, mutantes de Arabidopsis thaliana através da cutícula e da parede celular, con-
agente patogénico tem de ultrapassar, no gene CESA3, que codifica a enzima sideradascomo a primeira linha de defesa das
com sucesso, todas estas barreiras, an- celulose sintase, exibem uma activação plantas contra a penetração dos agentes pa-
tes de conseguir estabelecer a doença, constitutiva da expressão dos genes de togénicos. Esteaspecto representa um passo
o que pode incluir a protecção das es- crítico e crucial na patogénese da maioria
truturas do fungo dos mecanismos de dos fungos biotróficose marca uma transição
dramática de estilo de vida, de crescimento
defesa do hospedeiro, a inibição das
extracelular para crescimento invasivo. A Fig.
respostas de defesa da planta que
6 ilustra os principais passos no desenvolvi-
são induzidas por eliciadores ou a su-
mento da patogénese dos fungos biotróficos
pressão das defesas da planta. Mui- Uromyces viciae-fabae e Erysiphe necator.
tas vezes, tem mesmo de modular ou Asparedes celulares das plantas são
modificar, em seu benefício, o padrão essenciamenteconstituídasporpolissacáridos
de expressão genética ou o metabolis- (celulose, hemiceluloses e pectinas) e proteí-
mo das células da planta e/ou de abolir nas. Por este motivo, muitos fungos libertam
determinados mecanismos de defesa uma gama de enzimas hidrolíticas (incluindo
do hospedeiro. Pode, por exemplo, pro- galacturonases,xilanases,glucanaseseprote-
vocar uma ruptura na ligação entre a ases),quefragmentamospolímerosdaparede
celular, facilitando a colonização das células
parede celular e a membrana plasmá'
do hospedeiro e Iibertandooligossacáridos.A
ca (as chamadas cadeias Hechtian, es-
•••
A ,..

- RevistaTécnico-Científica AGROS 2008

A
QlIitina de sac etilase
Prote"ses
__ ~-----_ ••.•••
_.. Celulases acídlcas
Pe ctina metilesterases
• Cellllases neutras

_-_I Polig"l"ctllronato
Al11inoácido p'ermease
liase

Udedosporo
Almofada de adesão

Tubo germlnativo
Apressórlo ausrério
ifa de pe etra~3o
Vesíeula s bestomaral

Figura 6. (A) Mecanismo concertado de diferenciação das estruturas de infecção e da produção de enzimas por Uromyces
viciae-fabae. A penetração ocorre atravás dos estomas (Mendgen et aI., 1996). (B) Conídio de Erysiphe necator (c), 16 h após a
inoculação de uma folha de Vitis vinifera cv. Dona Maria, onde se pode ver o apressório (a) e o tubo germinativo (g). A penetração
ocorre através da superfícia intacta da folha (Ferreira et aI., 2006).

importãnciadas proteasesé realçada pelaob- 9 e 15. Por este motivo, os OGAs são rapi- nitude. Ao limitarem a actividade das EPGs,
servaçãoquemutantesdefungospatogénicos damenteconvertidosemfragmentosmenores, as PGIPsaumentam o período de ocorrência
deficientesemproteasesperdemacapacidade biologicmente inactivos, pelas EPGs. dos OGAs,prolongando e/ou aumentando as
de induzir lesões nas plantas. Durante a for- Para aumentar o período de ex- respostas de defesa das plantas.
mação do apressório, algumas proteases ex- istência dos oligossacáridos biologicamente Apesar de sintetizarem cutinases
ibemespecificidadeparaglicoproteínasfibro- activos, as plantas libertam inibidores das e enzimas que degradam componentes da
sas, ricas em hidroxiprolina, que participam glicanases do fungo, incluindo inibidores das parede celular, os fungos que diferenciam
nafortificaçãodas paredescelu laresda planta. enzimas de degradação da pectina (poliga- apressórios melanizados, como os perten-
Os oligossacáridos libertados lacturonases, pecti na meti lesterasesepecti na centes aos géneros Magnaporthe e Colletot-
servem como uma fonte de carbono orgâ nico liases) e das hemiceluloses (endoxilanases e richum, penetram a cutícula e a parede celu-
para ofungo, massãoreconhecidos pela plan- xiloglucana endoglucanases). Por exemplo, lar essencialmente com recurso a pressão de
ta e elicitam os seus mecanismos de defesa. as proteínas inibidoras da poligalacturonase turgescência. Já foi medida, em apressórios
Deste modo, a pectina é fragmentada por en- (PGIPs)são glicoproteínas presentes no apo- de M. grisea, uma pressão de turgescência
dopoligalacturonases (EPGs)do fungo, com a plasto de muits plantas que formam com- de 8,0 MPa (80 bar; comparar com a pressão
acu mulação temporária de oligogalacturóni- plexos reversíveis e de afinidade elevada com normal de 0,2 MPa (2 bar) de um pneu típico
dos (OGAs), activos do ponto de vista de as EPGsdos fungos, reduzindo a sua activi- de automóvel), aparentemente devida a con-
elicitação e com graus de polimerização entre dadecatalítica por umaaduasordensde mag- centrações molares de glicerol. No caso de B.

grami nisf.sp.ho rdei,ad mite-seq uea penetra- plantaeumfungopatogénicoébastantemais
çãoresulta de uma acçãocombi nada deactivi- complexaqueasimplesproduçãodemolécu-
dade de celulase, presente na extremidade to lasdeataqueporpartedofungoearespostade
tubo germinal do apressório no momento da moléculasdefensivasporpartedohospedeiro.
penetração,com uma pressãodetu rgescência Porexemplo,evidênciasrecentesquestionam
de cerca de 2 a 4 MPa. Um estudo elegante a visão tradicional da parede celular como
demonstrou quea penetraçãodo boloraq uáti- uma barreira estrutural passiva, meramente
co Saprolegnia ferax é mediada por pressão constitutiva, à invasão dos agentes patogé-
deturgescência. Quandocrescidas na pressão nicos. Neste sentido, as papilas são fortifica-
de turgescência normal (0,44 MPa), as hifas ções no interior da parede celular, localizadas
de S.feraxconseguem penetrar meio deagar. nopontodepenetraçãodoagentepatogénico,
Contudo, a introdução de osmólitos no seu e consideradas como uma barreira estrutural
meio de crescimento, que reduzem a pressão indutiva. Assim, no caso dos fungos respon-
de turgescência para menos de 0,02 MPa, di- sáveis pelo oídio, tem-se considerado que as
minui a capacidade das hifas em penetrar o papilasdesempenhamumpapelimportantede
agar, mas não a de crescer em frente, na su- defesa contra o crescimento invasivo de fun-
perfície do agar. gos. No entanto, observações mais recentes
têm reveladoquealguns processos molécula-
resqueocorrem na parede celular das plantas
ESTRATÉGIAS UTILIZADAS PELOS tambémpoderãocontribuirparaapatogénese
FUNGOS PARA EVITAREM A DE- e,consequentemente,paraoestabelecimento
da doença. A calose, uma ~-1,3-D-glucana,
TECÇÃO PELO HOSPEDEIRO OU
é rapidamente sintetizada e depositada nas
PARA ESCAPAREM AOS MECAN-
paredes celulares quando a planta é atacada
ISMOS DE DEFESA DA PLANTA por um fungo patogénico. Mutantes de A.
thaliana nogenequecodificaa únicaglucana
Experiências recentes têm demon- sintaseresponsávelpelasíntesedecalosepara
strado que a interacção molecular entre uma aspapilas,exibem uma resistência aumentada
e de largo espectro aos fungos responsáveis
pelooídio,o que sugere um papel importante
da forma não mutada do gene na coloniza-
ção das células do hospedeiro pelo fungo. A
calose poderá facilita ra penetraçãodoagente
patogénico nas células do hospedeiro por um domínio de estrutura de ligação à quiti-
fornecer um colar estrutural de protecção ao na, não-catalítico e específico das plantas
intruso. A glucana também se acumula nos (ChBD). O eliciador avr4, uma proteína avr
haustórios, após a invasão bem sucedida do extracelular produzida pelo fungo Cladospo-
agentepatogéniconascélulasdohospedeiro. rium fulvum e detectada pela proteína do to-
Foi, por isso, sugerido que a glucana sintase mateiro Cf-4 LRR-RLp,protege o fungo da
participa na contenção, no local da infecção, acção das quitinases do tomateiro por conter
de eliciadores derivados do fungo, evitando, um novo tipo de ChBD. O centro de ligação
assim,a suapercepção pela planta ou proteg- para a quitina da avr4 é maior do que o do
endo o fungo invasor da acção de compostos ChBD da planta. Por isso, a avr4 liga-se ap-
anti-miaobianosproduzidospelohospedeiro. enas à quitotriose, as passo que o ChBD da
Os fungos utilizam, basicamente, planta também interactua com o monóme-
três ipos de mecanismos para evitarem a de- ro N-acetil-D- glucosamina. A ligação de
ec:çãoou a acção dos mecanismos de defesa moléculas adicionais de avr4 à quitina ocorre
do hospedeiro: (i) protecçãodasestruturasdo porinteracçõesproteína-proteínaqueexibem
fu o da acção dos mecanismos de defesa uma cooperatividade positiva. Deste modo,
a ta, (H) inibição das respostas de def- a avr4 escuda a quitina da parede celular do
esa da planta induzidas por eliciadores; (iii) fungo, protegendo-a da acção das quitinases
su;xessãodasdefesas da planta. Sãoapresen- da planta.
tcdos.seguidamente,algunsexemplosdestes Durante o crescimento invasivo
e estratégias. do fungo biotrófico responsável pela ferru-
Oataque da parede celular dos fun- gem, a quitina está exclusivamente presente
pelasquitinases constitui um importante nasparedescelularesdasestruturasexteriores
.~:Gallisimodedefesadaplanta,porqueliberta do fungo. A superfície das hifas que crescem
Cl.!=::t-OC:loómeros biologicamenteactivos(são no interior das folhas do hospedeiro contêm,
ores} e enfraquece a parede celular do em vez da quitina (molécula activa do ponto
A actividade anti-fúngica da maioria de vista de elicitação), quitosana (Fig. 3), um
Casçui"itj"nasesvegetais deriva da presença de produto da desacetilação da quitina, produ-
••• Revista Técnico-Científica AGROS 2008 ,y; ,:
clL" , ,5
~w
..••.

zidopelaactividadeenzimáticadeumaquitina
desacetilase do fungo. A observação de que
a quitosana não é activa do ponto de vista de
elicitação levou Schulze-Lefert e Panstruga a
propôr que"o lobo entra vestido de ovelha':
O agente patogénico do ta-
baco, Alternaria alternata, sintetiza e
liberta manitol, um açúcar-álcool que
faz o "quenching" das ROS, suprimindo
as defesas da planta que são mediadas
por estes agentes. Curiosamente, as
CONCLUSÃO
plantas de tabaco hospedeiras, que não
produzem manitol, respondem ao fungo
O estudo dos mecanismos mo-
pela expressão de manitol desidroge-
leculares que estão na base do estabe-
nase, uma enzima que cataboliza o man-
lecimento de uma relação patogénica
itol de origem fúngica.
entre um microrganismo e um hospe-
Durante a fase de penetração
deiro constitui, hoje, uma questão cen-
das células do hospedeiro, os fungos
tral, de importância primordial em Bio-
responsáveis pela ferrugem parecem
logia. O conhecimento detalhado dos
reduzir a aderência entre a membrana
acontecimentos, a nível molecular, que
plasmática e a parede celular, com o
têm lugar durante uma interacção plan-
objectivo de bloquear a expressão das
ta-agente patogénico, é um objectivo
respostas de defesa não-específicas da
essencial para o controlo das doenças
planta. A expressão das respostas de
no futuro e a única metodologia para o
defesa da planta associadas à parede
desenvolvimento de meios de luta efica-
celular parecem depender da aderên-
zese amigos do ambiente.
cia entra a parede celular e a membrana
plasmática. Péptidos contendo o mo-
tivo Arg-Gly- Asp (RGD), o qual interfere
com a aderência membrana plasmática-
parede celular a nível das cadeias de
Hechtian, reduzem a expressão das re-
spostas de defesa associadas à parede
celular durante a penetração de células
não-hospedeiras por fungos patogéni-
cos biotróficos. Esta redução está as-
sociada a um aumento da eficiência da
penetração do fungo. A ruptura dos mi-
crofilamentos não tem efeito nas cadeias
de Hechtian, mas mimetiza o efeito dos
péptidos RGD nas defesas da parede,o
que sugere que a expressão das defesas
associadas à parede envolvem a comu-
nicação entre a parede celular e o citos-
sol, através da membrana plasmática.
Revista Técnico-Científica AGROS 2008
~
'


Bi bl iog rafia

van den Burg, H.A., Spronk, C.A., Boeren, s., Kennedy, MA, Vissers, J.P., Vuister, G.W., de Wit, P.J. and Vervoort, J. (2004) Bind-
ing of the AVR4 elicitor of Cladosporium fulvum to chitotriose units is facilitated by positive allosteric protein-protein interactions:
the chitin-binding site ofAVR4 represents a novel binding site on the folding scaffold shared between the invertebrate and the
plant chitin-binding domain. Journal of Biological Chemistry 279: 16786-16796.

Ferreira, R.B., Monteiro, S., Freitas, R., Santos, C.N., Chen, Z., Batista, L.M., Duarte, J., Borges, A. and Teixeira, A.R. (2006) Fungal
pathogens: The battle for plant infection. Critical Reviews in Plant Sciences, 25 : 505-524.

Ferreira, R.B., Monteiro, S., Freitas, R., Santos, C.N., Chen, Z., Batista, L.M., Duarte, J., Borges, A. and Teixeira, A.R. (2007) The
role of plant defence proteins in fungal pathogenesis. Molecular Plant Pathology, 8: 677-700.

Flor, H. (1971) Current status of the gene-for-gene concept. Annual Review of Phytopathology. 9: 275-296.

Jennings, D.B., Daub, M.E., Pharr, D.M. and Williamson, J.D. (2002) Constitutive expression of a celery mannitol dehydrogenase
in tobacco enhances resistance to the mannitol-secreting fungal pathogen Alternaria alternata. Plant Journal 32: 41-49.

Mellersh, D.G., and Heath, M.C. (2001) Plasma membrane-cell wall adhesion is required for expression of plant defense respons-
es during fungal penetration. Plant Cell, 13: 413-424.

Mendgen, K., Hahn, M., and Deising, H. (1996) Morphogenesis and mechanisms of penetration by plant pathogenic fungi. Annual
Review of Phytopathology 34: 367-386.

Money, N.P.(1995) Turgor pressure and the mechanics of fungal penetration. Canadian Journal of Botany 73: S96-S 102.

Schulze-Lefert, P., and Panstruga, R. (2003) Establishment of biotrophy by parasitic fungi and reprogramming of host cells for
disease resistance. Annual Review of Phytopathology 41: 641-667.

Ricardo Boavida Ferreira


Departamento de Botânica e Blolóqka, Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lis-
boa, 1349-017 Lisboa(rbferrejra:~>d.l.Il4Jl.
Laboratório da Biologia da Doença e o S esse, Instituto de Tecnologia Química e Biológica, Universidade Nova
de Lisboa,Apartado 27, -90 Oeiras( erreira@itqb.unl.pt)

Você também pode gostar