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LUCIANA LAMBLET PEREIRA

História da Educação

1ª Edição

Brasília/DF - 2019
Autores
Luciana Lamblet Pereira

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e
Editoração
Sumário
Organização do Livro Didático........................................................................................................................................4

Introdução...............................................................................................................................................................................6

Capítulo 1
Por quê? E Para onde? A importância da História da Educação da/na prática docente........................9

Capítulo 2
Com toda humildade e por amor a Deus, devem aprender com perseverança: educação na Roma
Antiga e na Idade Média........................................................................................................................................... 23

Capítulo 3
O indivíduo é controlado a partir do corpo, mas para tornar dócil, também, e sobretudo, a sua
consciência: a educação no período de transição da Época Moderna..................................................... 39

Capítulo 4
Éramos um país de doutores e analfabetos: a educação entre o Brasil Imperial e
Republicano............................................................................................................................................. 53

Capítulo 5
Um imenso ponto de estrangulamento: o sistema educacional brasileiro entre as décadas de
1940 e 1970.................................................................................................................................................................. 67

Capítulo 6
É como se tivéssemos acendido a luz e uma farra estivesse acontecendo: redemocratização,
avanços e novos desafios ........................................................................................................................................ 81

Referêcias............................................................................................................................................................................. 94
Organização do Livro Didático
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e
coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros
recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também,
fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Cuidado

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

Importante

Indicado para ressaltar trechos importantes do texto.

Observe a Lei

Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem,
a fonte primária sobre um determinado assunto.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa
e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.

4
Organização do Livro Didático

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Posicionamento do autor

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

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Introdução
Prezada aluna, prezado aluno,

Neste Livro Didático, convidamos você a mergulhar nas análises e reflexões acerca da História
da Educação.

Num primeiro momento, discutiremos a importância de se pensar historicamente o


ensino, as escolas, o olhar sobre a educação. Como compreender o processo histórico que
desembocou em nosso mundo contemporâneo pode contribuir para a sua prática docente
no século XXI?

Depois seguiremos viagem pelo Egito, Grécia e Roma na Antiguidade. Observaremos como a
família e o Estado se relacionaram no processo de ensino de seus filhos. Como, para quê e para
quem ocorria a educação? Qual o propósito de se educar?

Em seguida, olharemos a Idade Média em suas complexas construções sociais, no ensino


quase que monopolizado pela Igreja Católica, na criação das Universidades, nas corporações
de ofício e no ensino cavalheiresco. Neste momento, abordaremos o método escolástico que
tanto marcou o ensino em nosso Brasil colonial.

Partindo dos conflitos e das contradições do medievo, analisaremos as transformações


advindas com a Idade Moderna: o humanismo que se contrapôs à escolástica, o método
científico que defendeu a primazia da observação, da empiria e da relação intrínseca
entre prática e teoria. Também durante este período, veremos as disputas na cristandade
e o surgimento de ordens missionárias, como a Companhia de Jesus, cuja proposta
educativa impactou na construção de nosso imaginário, na formação dos nossos grupos
dominantes e na dominação sob a cultura nativa indígena.

Discutiremos o Brasil independente e a ausência de um projeto de organização nacional da


educação. Quais impactos a falta dessa política pública ocasionou para o avanço do ensino
no país? Quais resquícios da educação colonial ainda se fizeram presentes no Império e nas
primeiras décadas da República?

Passaremos então para a relação entre processo de industrialização e avanço na organização


educacional do Brasil. Analisaremos como o crescimento das indústrias no país e,
consequentemente, da urbanização, demandou a expansão do ensino. A necessidade de
mão de obra qualificada, de ampliação dos setores administrativos e de serviços, bem como o
crescimento da classe média foram fatores fundamentais que pressionaram o Estado a pensar
políticas nacionais para a educação.

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Nasceram aí o dualismo educacional e o “ponto de estrangulamento”. A partir de determinadas
escolhas de políticas públicas na educação, o ensino brasileiro passou a se bifurcar em escolas
voltadas para as camadas empobrecidas e escolas para as classes média e alta. Além disso, há
diversos problemas que persistiram, tais como o analfabetismo, a evasão escolar, a reprovação.
Grupos reduzidos conseguiam avançar para o ensino secundário. Menos ainda conquistavam
uma vaga nas universidades do país.

Com o processo de redemocratização do Brasil, veremos os significativos avanços da


nossa estrutura educacional: a ampliação das escolas, o combate ao analfabetismo e à
evasão escolar, a ampliação das universidades e escolas técnicas, a melhoria nos índices
de qualidade. Mas, também veremos que há muito a percorrer para conseguirmos atingir
uma educação de excelência. Também há muitos desafios novos com a chegada do século
XXI. Novas e velhas questões estão presentes na educação brasileira.

Esperamos que a reflexão do processo histórico da educação contribua justamente para que
você encare essas questões e esses desafios, que o auxilie a pensar o ensino, as suas práticas
pedagógicas, a sua atuação docente e, especialmente, a função social da escola.

Vamos lá?

Objetivos

» Permitir que as reflexões acerca da História da Educação auxiliem no debate sobre


as funções sociais da escola e a atuação docente.

» Compreender as diferentes organizações educacionais, relacionando-as com a


conjuntura vigente.

» Contribuir para a percepção de que somos sujeitos históricos e fazemos parte


de um processo histórico.

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CAPÍTULO
POR QUÊ? E PARA ONDE? A
IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO DA/NA PRÁTICA DOCENTE 1
Introdução

O nosso primeiro capítulo será dividido em duas grandes partes.

Na primeira, falaremos um pouco sobre História. Por que você precisa estudar a História da
Educação para lecionar no século XXI? Qual a importância dessa disciplina para a sua prática
pedagógica? O que o século V a.C. tem a nos dizer sobre educação?

Essas são perguntas que você mesmo deve ter realizado quando iniciou a disciplina. E nós
vamos respondê-las na primeira parte deste capítulo, onde discutiremos a importância do
conhecimento histórico, as suas especificidades e finalidades na prática docente.

Na segunda parte deste Capítulo 1, iniciaremos de fato a nossa travessia discutindo


como egípcios e gregos pensaram e organizaram a educação na antiguidade. Baseados
especialmente em textos da época, vamos conhecer o olhar de diferentes sociedades sobre
a educação e os métodos de ensino.

Objetivos

» Discutir a importância da disciplina História da Educação para a prática docente.

» Contribuir para a construção do pensamento histórico do discente.

» Apresentar as principais características da educação na sociedade do Egito antigo.

» Expor as principais características da educação na Grécia antiga.

Por que estudar a História da Educação?

Já lembrava Croce: fazer história é sempre fazer história contemporânea, mas


– podemos acrescentar -, para fazer história contemporânea, temos de reler o
presente sobre o fundo do passado e de um passado reconstruído à part entière,

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CAPÍTULO 1 • Por quê? E Para onde? A importância da História da Educação da/na prática docente

isto é, inteiramente, em todas as suas possibilidades e ramificações, até mesmo


nos seus silêncios, nas repressões sofridas, nos seus atalhos interrompidos.
(CAMBI, 1999, p. 40)

Figura 1. Sankofa.

Fonte: <http://todosnegrosdomundo.com.br/memorias-da-africa-em-ferro-a-mensagem-subliminar-esculpida-em-antigos-
portoes/>. Acesso em: 5/1/2019.

Sankofa é um pássaro que faz parte da simbologia do povo Akan, situado na antiga Costa do
Ouro e atual Gana. Sua cabeça está voltada para trás e seu bico segura um ovo. A palavra, em
sua tradução literal para o português, significaria algo como “volte e pegue” e está associada ao
provérbio: “Não é tabu voltar para trás e recuperar o que você perdeu”.

Você já viu esse pássaro em algum lugar? Como você interpretaria esse símbolo? Por que um
pássaro teria sua cabeça voltada para trás? O que significaria, do ponto de vista simbólico, “volte
e pegue”?

Sankofa traz um ensinamento fundamental: a importância de nos voltarmos para o passado.


E não é uma ideia de ficarmos presos a ele. É uma defesa de que não devemos desprezá-lo se
desejamos ressignificar e compreender o presente. E, mais ainda, se desejamos construir o futuro.
A cabeça voltada para trás simboliza a necessidade de olhar para o passado para compreendermos
de que forma fomos constituídos individual e coletivamente. A necessidade de buscarmos
conhecer e resgatar a nossa ancestralidade, a nossa História e fazer disso instrumentos para nos
compreendermos melhor hoje.

Provavelmente você já ouviu que “quem vive de passado é museu”. Esta é uma ideia muito perigosa.
Negar a historicidade das relações sociais, das nossas sociedades é estorvar um caminho para
nos conhecermos melhor. É deixar carente a nossa própria identidade. Assim, Sankofa vem nos
ensinar que devemos voltar ao passado não por ele em si, mas pelo nosso presente e também
pelo nosso futuro. Não à toa, o pássaro está com um ovo na boca, que representa o que virá.

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Por quê? E Para onde? A importância da História da Educação da/na prática docente • CAPÍTULO 1

Nesse primeiro momento de nossa disciplina vamos discutir um pouco sobre o que é História,
qual a sua importância e porque devemos, enquanto professores, independente da disciplina,
conhecer a História da Educação.

Provocação

Antes de seguirmos, leia atentamente este texto do professor Jaime Pinsky, presente no livro Por que gostamos de
História (2013):

Educação em tempos de crise


História está de novo na moda. [...] O fato é que livros de história são cada vez mais lidos – inclusive romances
históricos, verdadeiro subgênero de ficção. E, mais ainda, historiadores vêm sendo procurados pelo poder público
e por empresas para ajudar em projetos estratégicos. Esses mesmos projetos para os quais já se percebeu que
economistas, por falta de instrumental, não vêm dando conta ...

A história está presente em quase todas as manifestações do ser humano. Mesmo padrões estéticos, como apreciar
pessoas mais magras ou mais robustas, gente de olho claro ou escuro, pele branca como o leite ou bronzeada pelo
sol, precisam ser percebidos em relação às variações tempo/espaço. O que é belo hoje pode ser considerado feio ou
mesmo doentio amanhã. Queiramos ou não, somo seres em parte explicados pela Biologia, em parte pela História.
A grande diferença entre seres humanos e os demais animais é que a História Natural não dá conta de nos explicar
como explica os chamados irracionais.

Veja-se o caso da educação. Educar não é natural, é histórico. Um animal é treinado, desde os seus primeiros dias
de vida, a caminhar, escavar, fugir ou caçar para sobreviver. Os pais de um ser humano frequentemente não têm a
competência para habilitá-lo no exercício de sobrevivência: eles mesmos não sabem plantar, colher, coletar, construir
abrigos ou costurar roupas. Da mesma forma como compram produtos e serviços essenciais à sua sobrevivência,
acabam “terceirizando” o processo de ensino, entregando seus filhos em idade cada vez menor a escolas, creches
e outras instituições educacionais. Cada sociedade determina como deve ser a intervenção social que deseja fazer
em seus novos membros em função de valores, crenças e padrões de comportamento que ela tenha, imagina ter ou
sonha em vir a ter.

Daí a historicidade do sistema educacional. Aquilo que uma sociedade pode julgar essencial para suas crianças e
jovens será desprezado por outra em outro lugar ou em outra época. Dirão alguns que a educação formal já não é
mais tão importante quanto foi no tempo em que informações circulavam principalmente pela palavra escrita no
papel. Hoje, as pessoas se informam pela televisão e pela internet e torna-se quase impossível para pais e educadores
“controlarem qualidade e quantidade de dados absorvidos pelos mais jovens”. Dirão, ainda, que a sociedade tornou-
se extremamente competitiva; ela “exige” acesso contínuo e intenso aos bens materiais que têm valor objetivo ou
simbólico. Como lidar com essa realidade que foge do controle dos educadores? Nisso tudo, o que pode fazer o
professor, que é o principal encarregado de passar valores de uma geração para outra? Não mentir é um bom começo,
não ser moralista, nem agir como oráculo. Cabe-lhe ajudar o aluno a compreender, com clareza, o funcionamento da
sociedade em que vivemos, com suas contradições e incoerências. Em seguida, revelar ao jovem a historicidade dos
valores, a transitoriedade de padrões de comportamento.
(PINSKY, 2013, pp. 153-155)

Um ponto central da nossa disciplina será refletir sobre o seguinte aspecto: qual é o objetivo da educação nessa
sociedade? Para que se educa? Quem se educa?

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CAPÍTULO 1 • Por quê? E Para onde? A importância da História da Educação da/na prática docente

No texto acima, Pinsky afirma que a educação não é natural, mas historicamente construída. O que deve ser
ensinado, de que maneira e a quem são escolhas e decisões demandadas pela sociedade num determinado tempo
e espaço. Ou seja, a educação não é um sistema suspenso e à parte das relações sociais. Ela está inserida em um
contexto, em uma conjuntura social e vai dialogar com ela e ser, ao mesmo tempo, produto e produtora dessa
sociedade.

Ao final, o autor acredita que as novas exigências de uma sociedade competitiva e conectada trazem novas demandas
para a educação e, consequentemente, para os professores. O que e como ensinar diante do advento da internet e
disseminação? Como a escola pode se repensar diante dessa nova conjuntura? Ela tinha a mesma função? Devemos
utilizar os mesmos métodos de ensino? A escola ainda faz sentido?

Jaime Pinsky acredita que a escola ainda tem muito a ensinar aos alunos e propõe os caminhos. Reflita sobre as
propostas do autor: você concorda com elas? Por quê?

Vamos começar então com uma pergunta básica: o que é História? Você saberia definir?
É uma ciência? Qual o objeto de pesquisa dela? Não é uma ciência? São meras narrativas
do passado?

Segundo o historiador francês Marc Bloch (2001), a História é a ciência dos seres humanos no
tempo. Portanto, é mais do que a clássica definição de uma disciplina que estuda o passado. Vamos
destrinchar a definição de Bloch a partir das três palavras centrais: ciência, homem e tempo:

1. A História é uma ciência porque possui metodologia, pesquisa, análise de fontes. A


produção de um historiador é baseada em muita leitura, em rigor ao observar as fontes,
em critérios científicos de análise. Não é ficção e não é o famoso “achismo”.

2. O objeto de pesquisa da História não é o passado. A História estuda o ser humano. É


este o foco do historiador: a humanidade, as sociedades, as relações sociais.

3. Mas este objeto, o ser humano, está situado em um determinado tempo. A maneira como
nos relacionamos varia de acordo com a temporalidade (e a espacialidade também).
Portanto, o tempo é um instrumento fundamental para escrever História.

Figura 2. Tempo: instrumento essencial da História.

Fonte: <https://br.depositphotos.com/96307658/stock-photo-hourglass-on-a-white-background.html>. Acesso em:


9/1/2019.

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Por quê? E Para onde? A importância da História da Educação da/na prática docente • CAPÍTULO 1

A ampulheta é um dos símbolos da História, ressaltando a importância do elemento tempo


para a disciplina.

O que faremos em nossa disciplina será um recorte temático: estudaremos a forma como a
educação foi pensada e organizada ao longo do tempo histórico, desde a Antiguidade até os
dias atuais.

Agora que já definimos História, cabe ainda discutirmos a questão das fontes. Como podemos
saber o que ocorria na educação do Império Romano? De onde o historiador da educação coleta
as informações sobre períodos tão longínquos e distintos dos nossos?

O historiador da educação, como o de qualquer outra temática, tem as fontes históricas como
ferramenta principal para construir o conhecimento. E o que seriam fontes? Tudo, tudo mesmo,
o que foi produzido pela humanidade. Todo e qualquer vestígio deixado pela sociedade pode ser
utilizado como fonte histórica: poesia, música, vestimentas, diários, cartas, discursos, documentos
oficiais, ou como diria Marc Bloch, tudo o que tem cheiro de ser humano.

Importante ressaltar que a fonte não é a história. A fonte é o instrumento que o historiador utiliza
para construir o conhecimento histórico. É somente a partir da análise e da crítica das fontes que
se produz história. Aqui em nossa disciplina traremos para você alguns desses vestígios, dessas
fontes para que você possa se aproximar ainda mais do tempo histórico estudado.

Vamos para um terceiro ponto a ser discutido sobre a história. Qual é a relação dessa ciência com
o passado, o presente e o futuro? Você já ouviu falar que estudamos o passado para compreender
o presente? Será essa a função da História? Você concorda com ela?

Dizer que a história nos ajuda a conhecer o passado e, portanto, compreender o presente não é
exatamente errado. Mas, digamos que seja uma afirmativa incompleta. Isso porque essa estrada
é uma via de mão dupla: ao mesmo tempo em que o conhecimento do passado nos leva a uma
melhor compreensão do presente, uma melhor compreensão do presente também nos leva
a conhecer o passado. Mas como pode isso? Pense aqui conosco: hoje, no presente, você está
estudando a história da Educação. Ou seja, você está conhecendo como as sociedades em diferentes
momentos pensaram e organizaram a educação. Mas para isso você não fará uma viagem do
tempo, você jamais poderá estar de fato nesses tempos históricos. Portanto, é necessário conhecer
o seu momento atual para saber fazer as perguntas ao passado. O que buscamos conhecer lá
atrás diz muito sobre o que buscamos para o nosso presente (talvez esse ponto fique ainda mais
evidente quando você estudar seu capítulo 6).

E o que dizer do futuro? A história pode prever o futuro? Conhecendo melhor os processos
educacionais de sociedades anteriores à nossa, você poderá prever como será a educação
brasileira nos próximos 50 anos?

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CAPÍTULO 1 • Por quê? E Para onde? A importância da História da Educação da/na prática docente

Não, a história não prevê o futuro. Então qual a sua relação com ele? Há alguma relação? Há,
sim. Vamos refletir juntos! O historiador espanhol Josep Fontana (1998) escolheu o seguinte
título para um dos seus livros: História: análise do passado e projeto social. Se, como vimos, o
conhecimento acerca de sociedades passadas nos ajuda a conhecer o presente, é somente a
partir do entendimento do nosso momento que podemos projetar (no sentido de construir
projetos) para o futuro. A luta e construção por uma educação de qualidade, democrática e justa
deve partir de um conhecimento crítico do presente que é construído também a partir de um
conhecimento crítico do passado.

Como bem disse Franco Cambi em sua História da Pedagogia (1999):

[...] compreender o presente e para nele ler as possibilidades do futuro, mesmo que
seja de um futuro a construir; a escolher; a tornar possível. [...], a focalização do
passado que anima o presente e o condiciona, como também o reconhecimento
das suas possibilidades sufocadas ou distantes ou interrompidas, e portanto das
expectativas que se projetam do passado-presente para o futuro, que estabelece
o horizonte de sentido de nossa ação, de nossas escolhas. A memória não é
absolutamente o exercício de uma fuga do presente nem uma justificação
genealógica daquilo que é, e tampouco o inventário mais ou menos sistemático
dos monumentos de um passado encerrado e definitivo que se pretende reativar
por intermédio da nostalgia: não, é a imersão na fluidez do tempo e o traçado
de seus múltiplos – e também interrompidos – itinerários, a recomposição de
um desenho que, retrospectivamente, atua sobre o hoje projetando-o para o
futuro, através da indicação de um sentido, de uma ordem ou desordem, de uma
execução possível ou não.
(CAMBI, 1999, p. 35)

Temos ainda um último ponto antes de nos voltarmos para o passado educacional de distintas
sociedades. É o último, mas tão importante quanto os demais: a história não julga, compreende.
Quando estudamos história, precisamos distinguir muito bem dois verbos: julgar e compreender.
Parece muito óbvia a diferença entre os dois. Mas, é muito comum cairmos em armadilhas,
especialmente nas do julgamento. Temos uma tendência quase natural a compararmos e a partir
daí julgarmos outras pessoas, outros projetos, outras sociedades. Mas não devemos fazer isso
dentro do conhecimento histórico. A história não é um tribunal. Não condena e não absolve,
ela compreende o processo. Ou seja, ela está o tempo todo perguntado: qual foi o caminho
percorrido para se chegar até este ponto? Portanto, atenção! Não usaremos palavras como bom,
ruim, melhor, pior, atrasado, evoluído. Estes são julgamento de valor.

É importante que você entenda que compreender os processos históricos (por mais dolorosos
que sejam, como, por exemplo, os genocídios e a escravidão) não significa legitimá-los. Significa
compreender os diversos elementos que resultaram em ações, decisões e relações sociais. Para
isso, segundo Edward Carr (1996), o historiador está sempre fazendo duas perguntas centrais: “por
quê?” e “para onde?”. A primeira diz respeito às múltiplas causas que levaram a um determinado

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Por quê? E Para onde? A importância da História da Educação da/na prática docente • CAPÍTULO 1

processo ou momento histórico. A segunda pergunta abarca os resultados e impactos que os


primeiros elementos geraram em uma determinada sociedade.

Esperamos que todo esse momento inicial da disciplina tenha contribuído para oferecer a
você instrumentos para pensar historicamente a educação, percebendo a importância deste
conhecimento para a sua prática pedagógica. Afinal, quando entrar em sala de aula haverá ali,
naquele espaço, naquelas relações, nos conteúdos, a presença deste processo histórico.

Para refletir

Quando está caminhando, você costuma observar as placas nas ruas, nos museus, teatros? O nome da sua rua
homenageia alguém? Se sim, você conhece a história dessa pessoa?

Qual era o nome da sua escola? O nome dela se relacionava de alguma maneira com o projeto pedagógico da
instituição?

Leia o texto abaixo escrito por Peter Burke e reflita sobre as questões levantadas:

O que há em um nome de rua?


Em países diferentes, pessoas têm maneiras diferentes de lembrar o passado. Para alguns, como os britânicos, o mito
da continuidade é especialmente importante, enquanto outros, como os franceses (e eu sugeriria os brasileiros),
preferem o mito da revolução. Uma maneira como são reveladas essas importantes diferenças na memória social ou
cultural é na escolha dos nomes de ruas, um detalhe minúsculo da paisagem urbana, mas certamente significativo.
Na França, ruas e praças foram batizadas e rebatizadas por motivos políticos durante a revolução, e o exemplo francês
foi amplamente seguido desde então. [...]

Num nível mais grandioso, cidades ou países inteiros têm sido rebatizados em honra de pessoas famosas. A tradição
remonta ao mundo antigo (a Alexandria de Alexandre Magno, por exemplo), mas se tornou muito mais comum a
partir do século XVIII, como nos casos de Bolívia e Colômbia, em homenagem a Bolívar e Colombo, Washington D.C.
e Jefferson City (Missouri), Leningrado e Stalingrado, Florianópolis e João Pessoa. No entanto, essa prática é ainda
mais visível no nível das ruas, permitindo a transeuntes que leiam a cidade no sentido literal, bem como metafórico,
aprender algo sobre os intelectuais da nação [...] ou sobre os políticos principais [...].

Ao lado dos nomes de heróis e vitórias nacionais, muitas ruas e praças são batizadas segundo datas significativas da
história nacional ou local. [...]

Em suma, a resposta do historiador cultural à pergunta de Shakespeare, ou, no caso, de Julieta, “O que há num
nome?” é “Mais do que se poderia imaginar”. A história se revela ao ar livre, bem como nas bibliotecas, e as ruas
podem ser lidas como livros – ao menos pelos pedestres.

(BURKE, 2009, pp. 278-282)

Por vezes pensamos na história como algo distante de nós, trancada em bibliotecas ou museus. Mas ela está em
nosso cotidiano, tanto na forma de hábitos, costumes e mentalidades, quanto nas diversas homenagens que povoam
nossa cidade em suas ruas, praças e monumentos. Os prédios, nos quais por vezes diariamente entramos e sequer
observamos a sua arquitetura pode conter muito da história da sua região.

Convido você a caminhar por sua cidade prestando atenção às homenagens, à história que ela conta pelos nomes das
ruas, dos bustos nas praças, das construções históricas. Percorra bairros antigos e novos e observe as diferenças. Vá
até o centro comercial e financeiro, sente em um banco e observe a forma como as pessoas se relacionam, se vestem,
compram e andam. Ao final desse processo, você terá construído uma bela aula de História.

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CAPÍTULO 1 • Por quê? E Para onde? A importância da História da Educação da/na prática docente

Educa teu filho um homem obediente: a educação no Egito


antigo.
Figura 3. Tumba egípcia.

Fonte: <https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2018/12/tumba-de-4-mil-anos-e-descoberta-quase-intacta-no-
egito.html>. Acesso em: 20/1/2019.

As tumbas egípcias são ótimas fontes de estudo. Elas têm representações da vida cotidiana
em família, do trabalho, do governo e também das formas de organização da educação.

As fontes mais antigas que temos sobre a educação vêm do Egito, datadas do século XXVII a.C. São
escritos que contém preceitos morais e comportamentais. Ou seja, são basicamente conselhos
de como o filho ou o discípulo deveria se portar na sociedade, numa relação pedagógica baseada
na autoridade dos mais velhos que prezava pela memorização e repetição dos ensinamentos.
Diferente dos ensinamentos curriculares como conhecemos hoje, estas primeiras fontes egípcias
são conselhos de sabedoria prática, de como agir em determinadas situações.

Vamos a alguns exemplos?

Se tu sentas com um glutão, começa a comer quando a vontade dele tiver


passado. Se bebes com um beberrão, bebe só quando o coração dele está
saciado...

Início do ensinamento feito pelo príncipe Hergedef, filho do rei, para o próprio
filho que ele educa, de nome Auibra, ao qual se seguem os habituais conselhos
ético-comportamentais:

Emenda-te perante teus olhos. Cuida para que outros não te corrijam... Cria um
lar: casa com uma mulher forte, nascerá para ti um filho macho. Constrói para
teu filho uma casa... Torna tua morada ilustre na necrópole. Procure adquirir
uma propriedade de campos que recebam a inundação...
(MANACORDA, 2010, p. 25 E[e 26)

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Por quê? E Para onde? A importância da História da Educação da/na prática docente • CAPÍTULO 1

Tais ensinamentos morais eram destinados aos grupos dominantes e, portanto, misturavam-se
também conselhos políticos, pois, cada vez mais o propósito dos ensinamentos visava formar
o homem político e, portanto, d[o orador. Assim, uma das grandes preocupações educacionais
do período era o “falar bem”, que se identificava aqui com a arte de governar:

Se a sua boca procede com palavras indignas, tu deves domá-lo em sua boca,
inteiramente... A palavra é mais difícil do que qualquer trabalho, e seu conhecedor
é aquele que sabe usá-la a propósito. São artistas aqueles que falam no conselho...
Reparem todos que são eles que aplacam a multidão, e que sem eles não se
consegue nenhuma riqueza...
(MANACORDA, 2010, p. 27)

Outra questão muito presente nas fontes do período é a obediência. Comandar e obedecer eram,
nesta lógica, duas faces da mesma moeda, pois estamos falando de um governo autocrático,
com grande concentração de poder. Portanto, muitos discursos educativos determinavam a
total obediência ao rei:

Se és um homem de qualidade, forma um filho que seja sempre a favor do rei...


Curva as costas perante o teu superior, o teu superintendente no palácio real...
É prejudicial para quem se opõe ao seu superior... É útil ouvri para um filho
que ouve, e quem ouve torna-se um homem obediente... Educa em teu filho
um homem obediente. Um filho obediente é um servidor de Hórus, o faró... Sê
absolutamente escrupuloso para com o teu superior... Age de tal modo que o
superior dele possa dizer: Como é admirável aquele que seu pai educou!
(MANACORDA, 2010, p. 28)

Mais tarde, a educação passou por um processo de institucionalização com pessoas que se
dedicavam profissionalmente aos educandos. Mas esta institucionalização não foi acompanhada
de uma ampliação da educação. Ela continuou limitada à corte e reservada aos príncipes e nobres,
já que tinha como objetivo a formação do homem que iria governar. Houve também a ascensão
e valorização da escrita, na formação de um corpo burocrático que auxiliava na governança, na
figura do escriba, que ganhou certa importância no contexto egípcio da antiguidade.

A escola se constituiu aqui em um espaço de imitação. Crianças e jovens iam a um determinado


local para imitar os adultos, para assimilar a sabedoria dos antigos. Além da escrita, do falar bem
e da transmissão de tradições, há também relatos que apontam para ensinamentos matemáticos,
geométricos, de engenharia, geografia, esportivos e militares, tais como corrida, caça, pesca e
tiro com arco.

Assim sendo, segundo Mario Manacorda (2010), a educação no Egito antigo era destinada aos
grupos sociais dominantes, aos nobres e aos funcionários e tinha dois objetivos principais: inculcar
valores ético-comportamentais e instruir profissionalmente os administradores do Estado.

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CAPÍTULO 1 • Por quê? E Para onde? A importância da História da Educação da/na prática docente

A resposta descabida trazia uma punição. o autor era mordido no polegar


pelo irene”: A educação na Grécia antiga entre o militarismo e a paideia
Figura 4. Imagem representativa da educação na Grécia Antiga.

Figura 5. Educação na Grécia Antiga.

Fonte: <https://educacaonantiguidade.files.wordpress.com/2017/01/jarro.jpg?w=768>. Acesso em: 20/1/2019.

A cerâmica é uma das fontes que podemos utilizar para conhecer as representações do ensino
na Grécia Antiga.

Em suas origens, a educação na Grécia antiga esteve baseada no que Franco Cambi chamou
de “uma pedagogia do exemplo”, ilustrada especialmente pela mitologia que deveria servir de
exemplo ético-moral.

A Grécia era dividida em cidades-Estado (pólis) e a educação variou de cidade para cidade.
Porém, de certa forma, a Grécia conseguiu manter uma determinada unidade especialmente
pelo viés de uma identidade cultural articulada e até certo ponto comum. Na construção da
comunidade da pólis três elementos eram fundamentais: as leis, os ritos e a educação. Essas
dimensões ensinavam e inspiravam comportamentos e estavam presentes em atividades como
os jogos e o teatro. Ambos com profundo valor educativo.

18
Por quê? E Para onde? A importância da História da Educação da/na prática docente • CAPÍTULO 1

Como exemplos educacionais tomemos aqui as duas cidades que mais se destacaram na
questão política e militar durante muito tempo na Grécia: Esparta e Atenas. Segundo Cambi:

Esparta e Atenas deram vida a dois ideais de educação: um baseado no


conformismo e no estatismo, outro na concepção de paideia, de formação
humana livre e nutrida de experiências diversas, sociais, mas também culturais
e antropológicas.
(CAMBI, 1999, p. 82)

Esparta era uma cidade de economia predominantemente agrária, governada por um conselho
e dois reis. Ficou conhecida na história por sua forte educação militar, onde as crianças do
sexo masculino, a partir dos sete anos, eram retiradas da tutela de suas famílias e colocadas em
escolas-ginásio para formação militar que ia até os dezesseis anos. A educação aqui era confiada
ao Estado e realizada não de forma individual, mas coletivamente nas tropas.

Saiba mais

Observe o relato de Plutarco sobre a educação espartana:

Quando uma criança nascia, o pai não tinha direito de cria-la: devia leva-la a um
lugar chamado lesche. Lá assentavam-se os Anciãos da tribo. Eles examinavam o
bebê. Se o achavam bem encorpado e robusto, eles o deixavam. Se era mal nascido e
defeituoso, jogavam-no no que se chama os Apotetos, uma abismo ao pé do Taigeto.
Julgavam que era melhor, para ele mesmo e para a cidade, não deixar viver um ente
que, desde o nascimento, não estava destinado a ser forte e saudável...

Os filhos dos espartanos não tinham por domésticos, escravos ou assalariados,


Licurgo proibira-o. Ninguém tinha permissão para criar e educar o filho a seu
gosto. Quando os meninos completavam sete anos, ele próprio os tomava sob sua
direção, arregimentava-os em tropas, submetia-os a um regulamento e a um regime
comunitário para acostumá-los a brincar e trabalhar juntos. Na chefia, a tropa punha
aquele cuja inteligência sobressaía e que se batia com mais arrojo. Este era seguido
com os olhos, suas ordens eram ouvidas e punia sem contestação. Assim sendo, a
educação era um aprendizado da obediência. [...] Ensinavam a ler e escrever apenas o
necessário. O resto da educação visava acostumá-los à obediência, torná-los duros à
adversidade e fazê-los vencer no combate. [...]

As crianças tomam tanto cuidado em não ser apanhadas quando roubam, que uma
delas, conforme se conta, depois de roubar uma raposa que tinha enrolado no seu
agasalho, se deixou arrancar o ventre pela fere que lhe cravou os dentes e as garras.
Para não ser descoberta, resistiu até a morte. [...] Assim, eles eram treinados para
apreciar o valor e interessar-se pela vida da cidade desde a meninice. Se a criança a
que se perguntava quem era um bom cidadão ou quem era indigno de estima não
sabia responder, via-se aí índice de uma alma lerda e pouco ciosa do valor. Além
disso, a resposta deveria conter sua razão e sua justificativa, condensadas numa
fórmula breve e concisa. A resposta descabida trazia uma punição. O autor era
mordido no polegar pelo irene. [...]

(PLUTARCO, 2003)

Este relato nos traz algumas reflexões: educamos para fins próprios ou para a sociedade? A criança e o jovem devem
ser educados para ocupar posições sociais e prestar sua contribuição para a sociedade?

19
CAPÍTULO 1 • Por quê? E Para onde? A importância da História da Educação da/na prática docente

Já em Atenas a educação esteve ligada ao desenvolvimento da humanidade em cada indivíduo, na


tentativa de atingir a excelência através da palavra, da leitura e da escrita, permeadas pelas ideias
de bom e belo. Ou seja, havia a perspectiva de que a educação era instrumento de amadurecimento
individual, semeando e cultivando excelências. Assim, o objetivo da educação aqui seria nutrir e
desenvolver as potencialidades humanas que não seriam naturais, mas adquiridas pelo estudo e
pelo empenho. Segundo Manacorda, esta visão trouxe à tona um grande conflito entre a excelência
por nascimento e a excelência adquirida, entre o que é inato e o que é aprendido, ou seja, entre
natureza e educação. Esta questão não deve ser separada dos conflitos sociais entre os grupos
dominantes e dominados, entre governantes e governados. Se as virtudes e excelências podem
ser adquiridas, o que legitimaria o poder?

No século VI a.C. nasceu a escola de Pitágoras que compreendia a existência de bens


transmissíveis e bens não transmissíveis. A beleza, a coragem, a saúde e a força faziam parte
deste segundo grupo. Já a propriedade e os cargos faziam parte do primeiro. Porém, quem
os transmite, os perde. Mas há um bem que pode ser transmitido sem perdê-lo: a educação,
a paideia.

Em síntese, a definição de paideia, pensamento que se tornou hegemônico e gerou frutos


posteriores, é que a educação é o desenvolvimento de um espírito que diferencia o homem da
brutalidade e o grego dos bárbaros. Era um ideal de desenvolvimento moral, em busca de um
suposto homem completo.

Para refletir

Leia atentamente o que Aristóteles pensava sobre educação:

É claro que o jovem deve aprender entre as matérias úteis aquelas indispensáveis,
não todas, porém, tendo em vista a distinção entre obras liberais e obras não liberais;
e deve, portanto, cultivar entre as obras úteis, aquelas que não tornam ignóbil a
pessoa que as cultiva. Devem ser consideradas vis todas as obras, os ofícios, as
habilidades que tornam o corpo e a inteligência dos homens livres inaptos para a
prática da virtude. Portanto, todos os ofícios que por sua natureza deterioram as
condições do corpo são considerados desprezíveis, como também todos os trabalhos
com fins lucrativos, porque tolhem a liberdade da mente e a tornam mesquinha.
Quanto às ciências liberais, interessar-se por algumas delas, dentro de certos limites,
não é indigno de um homem livre, mas ocupar-se em demasia e com excesso traz os
mesmos prejuízos.

É muito importante também considerar o fim pelo qual cada um age ou aprende: agir
em vista de si mesmo ou dos amigos ou por amor à virtude é digno de um homem
livre; mas, quem faz estas mesmas coisas para os outros, muitas vezes parecerá que
está agindo de maneira servil e mercenária. Os estudos comumente reconhecidos,
como dissemos, tendem para os dois sentidos.

(Pol., VIII, 1337 b, Apud. MANACORDA, 2010, pp. 84 e 85)

Em nossa sociedade atual, quem decide o que é útil aprender ou não? Como definir o que deve e o que não deve estar
em nossos currículos escolares? Quais saberes valorizamos e quais saberes desprezamos em nossas salas de aula?

20
Por quê? E Para onde? A importância da História da Educação da/na prática docente • CAPÍTULO 1

Com o passar dos séculos, o ensino na Grécia contou com um corpo de aprendizagem técnico
e programado, além de profissionais pagos para tal atividade.

Com o desenvolvimento da democracia em Atenas, a educação se abriu para todos os cidadãos


– e não apenas para os grupos dominantes, e nasceu a escola de escrita. Nesse processo, as
escolas se tornaram cada vez mais públicas e menos privadas, estando, portanto, sob a tutela
do Estado.

E, como era visto quem ensina? De maneira geral, os professores tinham certo grau de prestígio,
mas isto poderia variar de cidade e de condição civil do professor. Quando o mestre era alguém
escravizado, sua posição social não era equivalente aos de professores que chegaram a enriquecer
com o ofício. Em algumas regiões, o mestre era socialmente valorizado desde que não cobrasse
e não lucrasse com o ensino. Muitas vezes era tido como indigno aquele que cobrasse por
ensinamentos.

Para Cambi, três aspectos do ensino na Grécia antiga são importantes para a tradição ocidental
da educação:

1. a noção de paideia, que universalizou e tornou socialmente mais independente


e finalizado para o sujeito-pessoa o processo de formação, entendido como um
formar-se universalizando-se e desenvolvendo a própria humanitas, por meio
de um comércio estreito, constante e pessoal com a cultura e sua história; 2. a
pedagogia como teoria, tornada autônoma por referentes históricos contingentes
e destinada a universalizar e tornar rigoroso (no sentido racional) o tratado dos
problemas educativos: nasce um saber da educação no sentido próprio, com
todos os riscos de abstração, de teorismo, de normativismo que isto comporta;
3. a problematização da relação educativa, que supera o nexo pedagogo-pais
e docente–discente, relação autoritária e formalista, abstrata e geralmente
impessoal. [...]

(CAMBI, 1999, p. 102)

Assim, podemos dizer que absor vemos dos gregos (embora seja
ressignificada constantemente) a ideia de que a educação contribui
para o aprimoramento humano. Ou seja, de que, a partir do ensino e da
aprendizagem, podemos desenvolver potencialidades que não são inatas,
mas adquiridas por meio do processo educacional.

21
CAPÍTULO 1 • Por quê? E Para onde? A importância da História da Educação da/na prática docente

Sintetizando

Vimos até agora:

» A história da educação nos ajuda a conhecer o processo histórico da organização educacional ao longo do tempo e,
com isso, contribui para a melhor compreensão das questões presentes.

» Ao compreendermos de forma crítica o presente, temos instrumentos para pensar, projetar e construir um futuro
onde a educação seja de fato democrática, plural e acolhedora.

» A educação no Egito Antigo esteve limitada aos grupos dominantes, uma vez que era compreendida como uma
aprendizagem para governar. Suas características principais estavam na valorização das tradições, na obediência,
na arte do bem falar e na escrita administrativa e burocrática.

» A educação em Esparta concentrava-se na questão militar e era gerenciada pelo Estado.

» Em Atenas, o pensamento da paideia compreendia que a educação era um instrumento para desenvolver
potencialidades humanas, num caminho para a excelência do homem.

22
CAPÍTULO
COM TODA HUMILDADE E POR AMOR
A DEUS, DEVEM APRENDER COM
PERSEVERANÇA: EDUCAÇÃO NA ROMA
ANTIGA E NA IDADE MÉDIA 2
Introdução

A queda do Império Romano inaugurou a chamada Idade Média, período que até hoje olhamos
muitas vezes a partir de estereótipos. O mais conhecido deles é a Idade das Trevas.

Neste capítulo vamos apresentar as formas de aprender e ensinar da Roma Antiga e como a
educação, a partir da queda do Império, se transformou em um quase monopólio da Igreja
Católica durante a Idade Média. Como, para quê e para quem a Igreja medieval educou?

Te convido a perceber como a educação romana internalizou a paideia grega e como esta se
tornou uma paideia cristã quando a Igreja ocupou o lugar do Estado na estrutura educacional,
já que, num momento de intensas guerras, ascensão e destruição de reinos, era ela unificadora,
forte e estável.

Vamos lá?

Objetivos

» Analisar a forma como a educação no Império Romano absorveu a visão grega da


paideia.

» Apresentar os objetivos e os métodos da educação na Roma Antiga.

» Discutir a ascensão do poder da Igreja Católica na estrutura educacional durante a


passagem do Império Romano para a Idade Média.

» Compreender os diferentes espaços educacionais presentes na Idade Média: mosteiros,


universidades, corporações de ofício, educação cavalheiresca;Entender as críticas
humanistas à escolástica e sua proposta educacional.

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CAPÍTULO 2 • Com toda humildade e por amor a Deus,devem aprender com perseverança: educação na Roma Antiga e na Idade Média

Fez educar seus filhos em todas as artes segundo a


educação grega: a educação na Roma antiga

Observe a imagem a seguir:

Figura 6. A educação romana.

Fonte: <https://classicgrandtour.com/2015/12/28/inocentes/>. Acesso em: 30/1/2019.

Voltando seu olhar para a criança em sua relação com os adultos da cena, como você interpretaria o
processo educacional neste período da Roma da antiguidade? Quem primeiro acolhe essa criança?
Depois ela é passada para a responsabilidade de quem? O que você acha que era ensinado a ela?
É um menino ou uma menina? A quem se destinava a educação e para quê?

Esta peça está atualmente no Museu do Louvre, em Paris. É parte do sarcófago de M. Cornélio
Estácio. Nele podemos perceber as fases da educação na Roma antiga. Num primeiro momento,
a mãe cuida do filho e o pai apenas observa, depois, ao crescer, o pai assume a responsabilidade
sobre a criação e ensina o filho em disputas de jogos e também na aprendizagem, tomando-lhe
a lição como na última imagem.

Na Roma Aantiga, durante muito tempo, a educação na primeira infância era responsabilidade
do pater familias. Ou seja, segundo Manacorda:

[...] desde os primeiros tempos da cidade, a autonomia da educação paterna


era uma lei do estado: o pai é dono e artífice de seus filhos. De fato, a antiga
monarquia romana era uma república de patres, patrícios ou donos de terra
e das familae, isto é, dos núcleos rurais, dos quais faziam parte sob o mesmo
título as mulheres, os filhos, os escravos, os animais e qualquer outro bem. [...]
O próprio pater é a patria : a antiga lei das Doze Tábuas, do início da república
até metade do século V a.C., permite, entre outras coisas, que o pai mate os filhos
anormais, prenda, flagele, condene aos trabalhos agrícolas forçados, venda ou
mate os filhos rebeldes, mesmo quando, já adultos, ocupam cargos públicos.
Não é surpreendente, portanto, que na Roma antiga não tenha existido durante
muito tempo nenhuma forma de educação pública para a primeira infância [...]
(MANACORDA, 2010, p. 97)

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Com toda humildade e por amor a Deus,devem aprender com perseverança: educação na Roma Antiga e na Idade Média • CAPÍTULO 2

Desta forma, a criança dos grupos sociais mais abastados crescia em casa, recebendo os
cuidados da mãe ou da nutriz, desfrutando da companhia de colegas, brinquedos e das primeiras
aprendizagens. A partir dos sete anos, o pai se tornava o tutor da criança, ensinando os saberes
rudimentares, as tradições familiares, exercícios físicos e militares.

A família, portanto, exercia papel central na educação, tendo o pai o papel prioritário, servindo
também de guia e exemplo. Com o passar do tempo e a expansão de Roma, tornando-se um
império, essa educação vai gradualmente passando das mãos do pai para um pedagogo ou um
mestre, tendo como principal objetivo a formação do cidadão, do político, a preparação para a
guerra ou para paz, a legislatura e as letras.

Roma foi pouco a pouco construindo um grande império e entrando em contato com diferentes
culturas, artes, ciências e filosofias. Os gregos foram um dos muitos povos conquistados
pelos romanos. Parte considerável desta população subjugada se tornou escravo-mestre
das crianças romanas. Assim, a educação em Roma, inicialmente restrita aos ensinamentos
paternos, passou para a mão de mestres escravos, ainda no seio da família. Somente os jovens
iam para a escola.

Esse é um ponto fundamental da educação e cultura romanas: houve muita influência grega,
numa espécie de helenização do estilo de vida romano. E isto ocorreu na pedagogia também.
Você se lembra que no capítulo anterior estudamos o ideal da paideia? Este conceito entendia que
a formação humana se daria pela cultura e, portanto, o ensino servia para elevar ao máximo as
potencialidades e virtudes dos homens. A paideia é incorporada pelos romanos. Eram, portanto,
pedagogias fortemente ligadas ao saber filosófico, à retórica e à perspectiva enciclopédica do
saber. Ao ponto de Demarato de Corinto, pai do primeiro rei etrusco romano afirmar: “faz educar
seus filhos em todas as artes segundo a educação grega” (MANACORDA, 2010, p. 103).

Essa influência grega na educação romana foi amplamente debatida entre os estudiosos,
administradores e governantes romanos: até que ponto a influência grega é benéfica a Roma?
Deve-se manter a tradição ou é importante incorporar novos conhecimentos e visões de mundo?

Outro ponto de debate era o público que estas escolas deveriam atingir: a quem educar? Os
governantes mais velhos e conservadores olhavam com alarme o crescimento do número
de jovens que participavam das escolas recentemente implementadas. Isto porque, como
vimos, muito da educação era uma preparação para a vida pública, para o governo, para a
fala nos conselhos e nas assembleias. Assim, com a ascensão e consolidação do império, as
escolas foram se constituindo enquanto espaços exclusivos para determinados grupos sociais,
afastando os populares delas.

Nestas escolas, o método de ensino era a repetição e a memória, o melhor instrumento para a
aprendizagem.

25
CAPÍTULO 2 • Com toda humildade e por amor a Deus,devem aprender com perseverança: educação na Roma Antiga e na Idade Média

Aprendem de cor um grande número de versos, porque acham um sacrilégio


pôr aquelas coisas por escrito, embora para outras coisas usem as letras gregas.

Porque não querem que nem suas doutrinas sejam divulgadas, nem aquele
que estuda, confiando na escrita, acabe descuidando da memória; coisa que
acontece à maioria que, servindo-se das letras, afrouxa a diligência para aprender
a memorizar.
(MANACORDA, 2010, p. 119)

Até mesmo o ensino da escrita era mecânico: imitando incessantemente um modelo preestabelecido
pelo mestre. Somado a isso, também há relatos da utilização de castigos físicos com varas e
chicotes. Também era central na educação romana a preparação físico-militar, encarada como
um dos fundamentos da formação do cidadão.

Outra questão discutida é que a grande memorização de textos, a didática enfadonha e os


conteúdos distantes da vida diária levavam a uma visão de insignificância da escola. E isto leva
a uma pergunta central: qual a função da escola?

[...] numa sociedade que recebeu a escola de uma tradição alheia, efetivando
uma ruptura com as próprias tradições, e em que a finalidade “impudente” da
conquista de hegemonia política das massas através da cultura se revela ilusória,
nessa sociedade inevitavelmente a escola e sua cultura acabam por se fechar
em si mesmas, numa idolatria exclusiva de suas tradições estranhas e fechadas.
(MANACORDA, 2010, p. 121)

A educação também teve como função e resultado a construção de uma romanização no Império
Romano, através da língua e da literatura, mas também pelas escolas de direito, conferindo certa
unidade espiritual num espaço político tão amplo e diverso que ia do Norte Europeu, passando
pelo Oriente Próximo e chegando ao Norte da África.

Importante

Foi durante a expansão do Império Romano que surgiu uma nova religiosidade: o cristianismo. Sendo, como toda
e qualquer doutrina religiosa, uma forma de ver e sentir o mundo, organizando modos de conduta, de ser e agir no
cotidiano, o cristianismo impactou também o campo da educação. Em suas origens, o cristianismo apresentou ao
mundo uma nova concepção de homem, de família, de trabalho e de política baseada nos valores da igualdade, do
amor, da solidariedade, da colaboração, da compaixão, da tolerância e da paz. Estes eram valores que se encontravam
em franca oposição à cultura hegemônica vigente na época. É justamente a partir dessa subversão de valores a
da institucionalização do cristianismo, via Igreja Católica, que a educação começou a ser modificada no Império
Romano. O pedagogo Franco Cambi afirma que a paideia grega foi questionada e paulatinamente substituída por
uma paideia christiana.

Com a expansão da Igreja após da adoção do cristianismo como religião oficial do Império, aquela passa a organizar
e regular a educação da comunidade, tomando cada vez mais do Estado o papel de provedor e administrador de
escolas. Vamos observar algumas dessas mudanças?

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Com toda humildade e por amor a Deus,devem aprender com perseverança: educação na Roma Antiga e na Idade Média • CAPÍTULO 2

Primeiro ponto: o papel do educador, que se tornou responsável não somente pela educação intelectual, mas
também pelo crescimento espiritual do seu aluno. Este educador valorizava a formação filosófica, literária e artística
de seus discípulos, mas esta cultura tinha um objetivo: servir a Deus.

Segundo ponto: a formação de mosteiros. Esses espaços tiveram especial importância na Europa medieval com a
reprodução de textos, a preservação de manuscritos, a educação do clero. Foram importantes centros educativos e
também de debates da fé e da filosofia cristã.

Terceiro ponto: as obras de Santo Agostinho, que trouxeram a filosofia platônica para o cristianismo, especialmente
na visão da verdade e seu inatismo, e no dualismo entre corpo e alma. Santo Agostinho também influenciou na
educação cristã com sua rígida ascese, baseada no senso do pecado. Sua perspectiva pedagógica compreendia que
a ascensão a Deus estava diretamente ligada a um processo de autoeducação do indivíduo a partir do uso da sua
racionalidade para corrigir erros e pecados. Assim, o bom cristão deveria realizar, sob sua direção, o crescimento
interior educativo que o aproximasse de Deus.

Com as crises internas do Império e as invasões bárbaras, o sistema de ensino das escolas romanas
sofreu um grande baque. Num cenário de guerras e penúria, as famílias tentavam proteger seus
filhos e muitas delas optaram por uma educação estritamente familiar. Por parte dos bárbaros,
havia uma crítica à educação voltada para o dizer, para as letras e uma ênfase nos ensinamentos
ligados à função militar. A educação deveria ser, portanto, treinamento:

Todos os notáveis se reuniram, foram a Amalasunta e começaram e repreendê-la


pelo fato de que o rei não estava sendo educado numa forma justa e adequada,
segundo eles. As letras – diziam eles – não têm nada a ver com o valo, e os
ensinamentos de pessoas anciãs têm, em geral, a covardia e a permissividade
como efeito; era necessário, portanto, que um menino destinado a ser exemplo
de coragem e a adquirir grande fama se libertasse do medo dos mestres e se
exercitasse antes de tudo nas armas. Acrescentaram que nem Teodorico permitira
aos godos enviar os filhos à escola de letras humanas, antes dizia a todos que,
uma vez dominados pelo medo do chicote, nunca teriam ousado enfrentar com
coragem o perigo da espada e da lança... Portanto, querida soberana – diziam
a ela -, manda para aquele lugar esses pedagogos e põe tu mesma ao lado de
Atalarico alguns coetâneos: estes, crescendo junto com ele, o impelirão para a
coragem e a valentia segundo o uso dos bárbaros.
(MANACORDA, 2010, p. 170)

Portanto, havia neste período um embate entre os resquícios de uma educação romana (muito
influenciada pelos gregos, como vimos), a força e os valores da Igreja Católica que se colocava
cada vez mais como uma instituição que unifica e estabiliza e, por fim, as propostas bárbaras
que se faziam presentes, especialmente no que tange ao treinamento militar. Havia aí um ponto
muito interessante de convergências:

Nesta situação de destruições e de adaptações, que muda de um lugar para


outro, a cultura continua sendo tarefa dos romanos, que procuram conservar a
cultura tradicional romana. [...] É verdade que os primeiros bárbaros chegam em
território imperial já aculturados à civilização romana e a maioria já convertidos

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CAPÍTULO 2 • Com toda humildade e por amor a Deus,devem aprender com perseverança: educação na Roma Antiga e na Idade Média

ao cristianismo e há, portanto, uma mentalidade cristã comum aos velhos povos
romanizados e aos novos povos bárbaros. [...] Mas o que mais interessa aqui é que
exatamente esta sensibilidade e cultura de inspiração cristã que se inseriu entre
os romanos, antes ainda das invasões bárbaras, ao lado da cultura helênica, já
criara a situação dissociada já referida. Se é uma coisa, mas também se é outra: se
é cristão, mas ao lado da participação na catequese e na liturgia da nova religião,
se continua a educar na escola com textos de tradição clássica.
(MANACORDA, 2010, p. 136)

Neste cenário de intensas disputas ocorreu um processo conhecido como encastelamento ou


feudalização na Europa Ocidental. Frente às crises internas do Império Romano do Ocidente, sua
queda definitiva, a construção e decadência de reinos bárbaros, o continente se viu mergulhado
em guerras, violências e muita instabilidade. A população passou então a buscar proteção
nos feudos forjados e protegidos pelas casas nobres. Assim, muito da estrutura educacional
construída pelo Império Romano se esfacelou e perdeu certa organicidade. Mas, neste campo, o
que especialmente nos chama a atenção é a permanência da Igreja enquanto vínculo e unidade.
Se, como já vimos anteriormente, o Estado foi perdendo espaço no controle e organização do
ensino, com a queda do Império Romano, a Igreja Católica se tornou ainda mais senhora dos
corações e mentes. É especialmente este domínio que vamos discutir no próximo tópico.

Nas páginas sagradas encontram-se imagens, metáforas e


outras coisas do gênero: a educação na Idade Média.

Você já ouviu dizer que a Idade Média foi a Idade das Trevas? Já assistiu a algum filme ou
documentário que apresentava esse período de forma obscurantista, permeado por pessoas
ignorantes, cujas crenças nos fariam rir hoje? Já ouviu histórias que retratavam a Idade Média
como um período de doenças, fome e mortes? Provavelmente, sim. Esses estereótipos foram
construídos posteriormente por sociedades e culturas que desejavam se contrapor ao medievo.
Como todo e qualquer estereótipo, ele reduz as características de um período tão rico e complexo.

Há divergências entre os historiadores sobre a temporalidade da Idade Média, mas utilizaremos


aqui a datação mais clássica que aponta a queda do Império Romano do Ocidente como seu
início, e a queda de Constantinopla como seu fim. Ou seja, um período que vai do século V ao
século XV. Portanto, estamos falando de mil anos de história. Muita coisa aconteceu nesse período
e nos marca até hoje. Veremos, por exemplo, a fundação das universidades, tão importantes na
nossa sociedade atual. Assim, o que gostaríamos que você mantivesse em mente durante no seu
estudo é que essa época foi extremamente dinâmica e complexa, bem diferente dos estereótipos,
e, portanto, muito rica e interessante.

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Com toda humildade e por amor a Deus,devem aprender com perseverança: educação na Roma Antiga e na Idade Média • CAPÍTULO 2

Como dissemos no tópico anterior, após a queda do Império Romano do Ocidente, a Igreja se
tornou definitivamente a principal protagonista e organizadora da educação na Europa. Vamos
ver como se deu essa relação entre Igreja e educação na Idade Média?

Nos turbulentos anos de ascensão e queda de impérios bárbaros e reorganização de principados,


ducados e reinos, a Igreja se manteve forte e relativamente coesa para tomar para si a função de
reorganizar a cultura e a escola europeias.

E considerando que a Igreja já tem uma dupla estrutura organizacional, isto


é, vivendo ela em parte no meio do povo através dos bispados e das paróquias
(clero secular) e em parte longe dele nos mosteiros (clero regular), é nessa dupla
estrutura eclesial que devemos procurar os primeiros testemunhos do surgimento
de novas iniciativas da educação cristã, ao lado das remanescentes ilhas livres
de romanidade clássica.
(MANACORDA, 2010, p. 144)

A partir da citação acima, podemos perceber um primeiro desafio para a Igreja: como conciliar
a educação de ordem moral católica com a cultura e escola romanas que muito beberam dos
gregos? Houve um embate entre a Igreja e a cultura clássica. Alguns repudiavam, como o papa
Gregório I que afirmou:

Ficamos sabendo, e não podemos lembrar isso sem sentir vergonha, que a tua
fraternidade ensina a alguns a gramática; isto é muito grave, porque os louvores
de Cristo não podem estar na mesma boca com os louvores de Júpiter
(MANACORDA, 2010, p. 155)

Mas havia também aqueles que tentavam conciliar o classicismo com o cristianismo, estando
o primeiro a serviço do segundo. Ou seja, os instrumentos, os conhecimentos, as artes liberais
advindas das épocas pagãs deveriam contribuir para o conhecimento e reafirmação da fé e dos
valores cristãos. Vejamos um exemplo:

[...] não somente não devem negligenciar os estudos literários, mas, com toda
humildade e por amor a Deus, devem aprender com perseverança para poder
penetrar de forma mais fácil e correta os mistérios das escrituras. E, já que nas
páginas sagradas encontram-se imagens, metáforas e outras coisas do gênero,
evidentemente entenderá melhor seu sentido espiritual quem com maior
profundidade tiver se instruído no magistério das letras.
(MANACORDA, 2010, pp. 164-165)

A cultura clássica, portanto, foi aceita e estimulada desde que cumprisse o propósito de contribuir
para que o cristão se aproximasse mais das obras de Deus. A partir desta questão, podemos
perceber que a educação defendida pela Igreja Católica durante a Idade Média se baseou em
uma dupla preocupação: a moral e a instrução.

29
CAPÍTULO 2 • Com toda humildade e por amor a Deus,devem aprender com perseverança: educação na Roma Antiga e na Idade Média

Neste momento, existiam basicamente três tipos de escola: uma voltada para os leigos e
administrada pelo Estado; outra administrada pela Igreja situada nas paróquias e que recebia
também os leigos, ou episcopal, voltada para a formação de clérigos; e uma terceira situada
nos mosteiros. Havia uma grande preocupação por parte da Igreja relacionada à formação dos
clérigos. Pelos relatos, cartas e concílios, podemos observar que muitos eclesiásticos não tinham
os conhecimentos rudimentares da leitura e escrita.

Com a queda do Império Carolíngio, as tensões entre Império e Igreja findaram e esta última
conquistou, segundo Manacorda, o monopólio da instrução, tanto no ensino religioso quanto
no literário, tanto para leigos quanto para eclesiásticos.

Importante

Uma das principais criações da Idade Média foi a universidade. Acredita-se que sua origem esteve ligada aos mestres
livres. Esses eram clérigos ou leigos que tinham licença para ensinar e se fortaleceram especialmente a partir do
crescimento das cidades e do fortalecimento dos grupos sociais mercantis. Também entende-se que o nascimento
dessas instituições esteja vinculado aos clérigos vagantes que se reuniam para ouvir os ensinamentos dos licenciados.
Eles tinham associações, as universis, sendo, portanto, universitates. Nem sempre esses clérigos eram bem-vindos nas
cidades onde se hospedavam. Os relatos contam muitos casos de bebedeiras e arruaças que complicavam a vida dos
moradores. Artes liberais, medicina, jurisprudência e teologia foram os principais campos de ensino das primeiras
universidades.

Figura 7. Universidade de Oxford.

Fonte: <https://brasilescola.uol.com.br/historia/universidades-na-idade-media.htm>. Acesso em: 30/1/2019.

Universidade de Oxford – fundada em 1096 é a mais antiga do mundo anglófono e a segunda mais antiga da Europa.
Ainda em funcionamento, é considera uma das melhores universidades do Ocidente.

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Com toda humildade e por amor a Deus,devem aprender com perseverança: educação na Roma Antiga e na Idade Média • CAPÍTULO 2

Figura 8. Universidade de Paris.

Fonte: <https://brasilescola.uol.com.br/historia/universidades-na-idade-media.htm>. Acesso em: 30/1/2019.

Universidade de Paris – fundada em 1170 a partir de uma escola situada na Catedral de Notre-Dame. Atualmente, está
dividida em treze universidades independentes.

Aproveitando-se da expansão comercial e do desenvolvimento das cidades, essas instituições, que começaram a
partir de aulas esparsas ou em pequenos locais de ensino independentes, foram ganhando força e fôlego. Diante
dessa novidade, governantes e Igreja tentaram de certa forma controlar e regular estas novas instituições, observando
seu conteúdo e método e organizando administrativamente. É nesse momento, por exemplo, que surge a figura
do Reitor (existente até nossos dias) que deve observar a qualidade dos mestres e do ensino, bem como garantir os
currículos e métodos de ensino da universidade.

Segundo o historiador Jacques Verger, em seu verbete “Universidade” no Dicionário Analítico do Ocidente Medieval
(2017), a despeito da vigilância da Igreja Católica, as universidades medievais tinham grande autonomia e liberdade.
Cada instituição poderia elaborar seus estatutos com regras e disciplinas internas. As assembleias de mestres
decidiam os programas, os cursos, os exames e até mesmo as questões relativas às colações de grau. Era a própria
instituição que decidia pela entrada dos alunos e pela admissão de novos mestres. Outra característica interessante
da universidade medieval foi o seu caráter universalista: a partir da cultura clássica (acrescida dos conhecimentos
advindos do contato com os árabes) e do saber da revelação cristã, o ensino tinha as mesmas bases.

Isso foi possível porque tais universidades estiveram ligadas ao poder, também universalista, do papa. Era esta
autoridade que legitimava e confirmava a existência, o funcionamento e a organização das instituições universitárias
medievais.

Ainda segundo Verger, as universidades cresceram também para atender a uma demanda social cada vez mais
complexa das cidades que, como vimos, cresceram e se fortaleceram. A necessidade da formação para atuar em
diversos e complexos setores sociais pressionou para a ampliação das universidades. Eram necessários secretários,
médicos, pregadores cultos e, especialmente, juristas. Importante ressaltar, porém, que o acesso à educação
universitária era restrito aos grupos sociais que poderiam arcar com seus custos. Apenas poucos alunos recebiam
alguma ajuda de custo de ordens religiosas. A grande maioria era proveniente dos grupos mais abastados.

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CAPÍTULO 2 • Com toda humildade e por amor a Deus,devem aprender com perseverança: educação na Roma Antiga e na Idade Média

Figura 9. Universidade medieval.

Fonte: <https://brasilescola.uol.com.br/historiag/universidades-medievais.htm>. Acesso em: 30/1/2019.

Fora dos mosteiros, das escolas eclesiásticas e das universidades, esse período contou ainda
com duas importantes formas de ensino: a educação cavalheiresca e as corporações de ofício.
A primeira esteve ligada aos nobres que deveriam não apenas focar nos exercícios militares e
guerreiros, mas também na aprendizagem das “boas maneiras”, da gentileza e dos costumes.
Nesse sentido, a honra, vista a partir de uma visão comportamental da nobreza, tornou-se ideal
chave para a compreensão das relações cavalheirescas.

Nunca de conseguirá

disciplinar alguém com varas:

para quem zela de sua honra

a palavra vale quanto uma pancada.

Guardai vossa línguas:

é isto que convém ao jovem;

trancai a cadeado a porta,

para que não sai uma palavra má.

Guardai vosso olhos:

olhai à vontade os costumes

que merecem ser vosso modelos;

mas os maus costumes desprezai-os.

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Com toda humildade e por amor a Deus,devem aprender com perseverança: educação na Roma Antiga e na Idade Média • CAPÍTULO 2

Guardai vosso ouvido:

para não vos tornades tolos.

Não deis atenção às más conversas,

elas serão a vossa infâmia.

Oh, guardai-os bem esses três,

porque estão muito livres.

Línguas, olhos, ouvidos são

indisciplinados e não têm honra.

(MONACORDA, 2010, p. 197)

A educação cavalheiresca esteve voltada para a aprendizagem dos modos de se comportar na


corte, as chamadas “boas maneiras”: tocar um instrumento, compor versos, jogar xadrez, conhecer
leis, cerimonial, diplomacia e políticas. Não era uma preparação de forte cunho intelectual, mas
a preparação de pessoas para ocuparem um determinado papel na sociedade: nobres. Havia aí
um profundo desprezo pela cultura livresca e erudita e a valorização da cultura guerreira, como
as caçadas e os jogos de arma.

Já as corporações de ofício, no que tange a aprendizagem, visava juntar ciência e trabalho. Eram
associações de pessoas que exerciam o mesmo ofício, elaborando regras, estatutos e formas de
ensino. Os aprendizes tinham mestres que lhes ensinavam o ofício específico daquela corporação,
não havendo separação entre trabalhar e aprender.

Essa diferenciação pode ser assim sintetizada:

A educação das aristocracias se ritualiza, mas também se classiciza, separando-


se nitidamente da sociedade com suas lutas e suas necessidades; a popular
mergulha nessa realidade, carrega-se de realismo, articula-se em conhecimentos
técnicos (do fazer) e contrapõe-se àquela outra, separada e artificial, das classes
altas; age nos espaços abertos do social (na oficina, na praça, na festa) e não
naqueles espaços separados, dos castelos ou da cela do mosteiro. Uma sociedade
rigidamente hierárquica separa e contrapõe – hierarquizando-os – também os
modelos educativos e culturais.

(CAMBI, 1999, p. 151)

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CAPÍTULO 2 • Com toda humildade e por amor a Deus,devem aprender com perseverança: educação na Roma Antiga e na Idade Média

Saiba mais

Tendemos a associar educação apenas à escola. Ou seja, institucionalizamos o educar compreendendo que o único
espaço possível de aprendizagem é a escola. Mas, na verdade, a unidade escolar é apenas um dos muitos locais
educadores. Vejamos agora outras práticas educadoras no medievo.

Durante a Idade Média, a grande maioria da população era formada de analfabetos. Seus conhecimentos estavam
atrelados às crenças, tradições e sabedoria do senso comum. Assim, como forma de educar essa população, outras
estratégias pedagógicas foram utilizadas: o teatro, as imagens e as festas.

As festas poderiam ser pagãs, agrícolas ou religiosas e tinham cânticos, mitos, teatro, ritos. Quanto ao teatro, havia o
sacro e o popular. No teatro sacro, valores cristãos impregnavam as peças que visavam demonstrar para a população
a moral correta e virtuosa, delimitar o que é bom e o que é mau.

Figura 10. Teatro medieval.

Fonte: <https://www.todamateria.com.br/teatro-medieval/>. Acesso em: 30/1/2019.

Já no teatro popular, podemos encontrar a ironia, o deboche, a subversão da ordem, o burlesco e até mesmo o
grotesto (assim também como em muitas festas, como, por exemplo, o Carnaval). Abaixo segue um trecho de uma
peça popular do dramaturgo francês Rutebeuf, intitulada O pregão das Ervas, escrita por volta do século XIII
“Respeitáveis senhores, que me dais ouvidos
Grandes e pequenos, jovens ou vividos
Vós fostes pela sorte favorecidos
Pois ireis, agora, a verdade encontrar
Sabendo que este médico não vos pode enganar
Uma vez que por vós mesmos podeis comprovar
O poder destas ervas antes do fim
Vamos fazendo a roda em torno de mim
Sem ruído, em silêncio, é bem assim...
Eu, aqui, sou é pesquisador
E tenho servido a muito imperador
Até mesmo lá do Cairo, o senhor
Muito poderoso, ele faz questão
de me contratar todo verão
Pagando para mim um salariozão.”

Fonte: <https://www.todamateria.com.br/teatro-medieval/>. Acesso em: 30/1/2019.

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Com toda humildade e por amor a Deus,devem aprender com perseverança: educação na Roma Antiga e na Idade Média • CAPÍTULO 2

As imagens também tinham grande potencial educador, especialmente nas Igrejas. Para um público
majoritariamente analfabeto, as imagens nos vitrais cumpriam o papel de contar histórias bíblicas e ensinar a moral e
a fé cristãs aos seus fiéis frequentadores.

Você já teve a oportunidade de entrar em igrejas com vitrais? Se na sua cidade houver igrejas com vitrais, não
perca a oportunidade de ir admirá-las. São verdadeiras obras de arte e nos ajudam a perceber múltiplas formas
de comunicação e educação para além da leitura, escrita e oralidade. Abaixo, seguem dois exemplos de vitrais da
Catedral de Chartres, na França:

Figura 11. Vitral medieval.

Fonte: <https://catedraismedievais.blogspot.com/2013/04/vitrais-da-catedral-de-chartres.html>. Acesso em:


30/1/2019.

Figura 12. Vitral da Catedral de Chartres.

Fonte: <https://catedraismedievais.blogspot.com/2013/04/vitrais-da-catedral-de-chartres.html>. Acesso em:


30/1/2019.

A partir do fim do medievo, e, especialmente, no período de transição entre Idade Média e


Idade Moderna, ocorre a ascensão de uma nova classe social: a burguesia. Fortalecida no
comércio, nos transportes, nos bancos e nas manufaturas, esse grupo também demandou
ensino, educação e aprendizagem para seus filhos.

A burguesia construiu uma nova visão de mundo que foi sendo ressignificada ao longo dos
séculos e ganhando novos espaços e dimensões, mantendo uma base voltada para a laicidade
e a afirmação do homem e suas potencialidades. Muitos contratavam mestres para educarem

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CAPÍTULO 2 • Com toda humildade e por amor a Deus,devem aprender com perseverança: educação na Roma Antiga e na Idade Média

seus filhos, mediante pagamento em moedas, numa ideia de contratação de um serviço. Essa
aprendizagem esteve ligada às ideias utilitárias. Ou seja, uma educação voltada para o que seria
“produtivo”. Vejamos alguns exemplos:

Messer Giannozzo Manetti nasceu no ano de 1393... O pai..., Bernardo, mandou-o,


ainda de poucos anos, segundo o costume da cidade, a aprender a ler e a escrever;
tendo aprendido em pouco tempo quanto é necessário para ser um bom mercador,
passou-o para o ábaco e em poucos meses tornou-se tão douto naquela ciência
quanto um profissional da mesma. Aos dez anos foi posto no banco e em poucos
meses lhe foi entregue a conta da caixa. Depois que ficou, conforme o costume,
algum tempo no caixa, lhe foram entregues os livros e ficou neste exercício vários
anos. Feito isso, começou a pensar consigo mesmo se seria possível conquistar,
naquilo que estava fazendo, fama ou glória para si e sua família, mas não viu essa
possibilidade e chegou à conclusão de que o único meio para tanto era o estudo
das letras: e por isso determinou absolutamente de, proposta qualquer outra
preocupação, dedicar-se a esses assuntos. Tinha já vinte e cinco anos.

Sejam os meus filhos mandados às escolas, a fim de que saibam falar e escrever
bem segundo as letras; sejam enviados a aprender o ábaco para que saibam
ocupar-se do comércio; e, se for possível, aprendam os autores, a lógica e a
filosofia: é isto que desejo; mas não se tornem nem médicos, nem juristas, mas
só negociantes.
(MANACORDA, 2010, pp. 210-211)

Neste sentido, a educação burguesa era voltada para a especialização, para a ampliação às
diferentes camadas (veremos isto mais detidamente no capítulo 5) e pela laicidade, separando
do predomínio eclesiástico o campo educacional. Assim, mestres e escolas formaram-se à
revelia dos governantes e da Igreja, atendendo especialmente as necessidades das corporações
de ofícios e dos burgueses.

Que obra de arte é o homem – Humanismo e a crítica ao


ensino escolástico

No século XV surgiram as críticas humanistas à educação hegemônica na Idade Média. Defendia-


se um retorno aos clássicos da antiguidade greco-romana, criticava-se o uso da memória e de
metodologias repetitivas para a aprendizagem, repudiava-se a relação de submissão que se tinha
aos manuais e compêndios.

O humanismo tinha como principal característica a crença nas potencialidades do homem. Sua
educação se contrapôs às universidades e seu ensino escolástico, optando como espaço para a
criação e o debate cultural as novas academias e livre associações.

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Com toda humildade e por amor a Deus,devem aprender com perseverança: educação na Roma Antiga e na Idade Média • CAPÍTULO 2

A proposta educação humanista passou pela leitura direta dos textos, especialmente os clássicos
da antiguidade greco-romana; a ênfase na poesia; a quebra do rigor disciplinar que impunha
castigos físicos e uma rígida separação entre mestres e discípulos; e, especialmente, uma grande
variedade de áreas do saber. O homem do renascimento prezava pela multiplicidade dos saberes.
Um grande exemplo deste ideal, você deve conhecer: Leonardo da Vinci, que durante a sua
vida foi pintor, escultor, astrônomo, engenheiro, arquiteto, inventor e um grande estudioso da
anatomia humana.

Outro ponto que Da Vinci ilustrou muito bem foi o momento pelo qual a Europa passava: vemos
uma mudança de olhar sobre o conhecimento, o início da transição para uma perspectiva
metodológica e científica (que iremos trabalhar no próximo capítulo) baseada na matemática,
na mecânica, na observação e na experimentação. Veja exemplos do pensamento de Da Vinci:

Mas parece-me que essas ciências sejam vãs e cheias de erros, porque não
nasceram da experiência, mãe de toda certeza, nem levam a determinada
experiência, isto é, sua origem, meio ou fim não passam por nenhum dos cinco
sentidos...

Nenhuma investigação humana pode ser considerada verdadeira ciência se essa


não passa pelas demonstrações matemáticas. Aquele que despreza a máxima
certeza das matemáticas, apascenta-se na confusão e nunca conseguirá acabar
com a confusão das sofísticas ciência... o que não podem fazer as falsas ciências
mentais, pelas quais se aprende um eterno gritar.
(MANACORDA, 2010, p. 226)

Figura 13. O homem vitruviano.

Fonte: <https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/o-homem-vitruviano-leonardo-da-vinci/>. Acesso em:


30/1/2019.

O Homem Vitruviano, de cerca de 1492, desenhado em lápis e tinta sobre papel, Leonardo da
Vinci, Gallerie dell’Accademia, Veneza, Itália.

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CAPÍTULO 2 • Com toda humildade e por amor a Deus,devem aprender com perseverança: educação na Roma Antiga e na Idade Média

Observe que aqui, Da Vinci tenta comprovar a simetria do corpo humano, estudando as suas
proporções a partir de uma perspectiva matemática. Isto corrobora com a máxima do pensamento
renascentista: “O homem é a medida de todas as coisas”.

Porém, mais uma vez encontramos um dos questionamentos centrais da história da educação e,
portanto, da nossa disciplina: para quê e para quem se educa? A educação humanista, embora
abarcasse um universo de temáticas e disciplinas, e assinalasse para um movimento que visava
a relação teoria e prática, ainda carregava em si uma cultura livresca, uma valorização do saber
teórico, que pouco ou quase nada se relacionava com a prática e o cotidiano da grande maioria
da população. Importante ressaltar também que o movimento humanista esteve particularmente
restrito a pequenos círculos de nobres, mecenas e eclesiásticos

O interessante aqui é perceber que muitos humanistas fizeram esta autocrítica. Nicolau
Maquiavel foi um deles. Para o autor do famoso tratado O Príncipe, o saber precisava conduzir
para ações práticas. Sua obra supracitada tinha como objetivo ser um manual para os príncipes.
A história, para o autor renascentista, deveria ser uma mestra da vida. Ou seja, a partir de
experiências do passado, deveríamos aprender lições para agir no presente. Daí vemos que
há uma relação intrínseca entre o saber e o fazer. Para Maquiavel, a erudição por si só não diz
nada: aprende-se para melhor atuar em sua sociedade.

Por fim, o humanismo se afastou da ideia de um mundo construído para a expiação dos
pecados, permeada e povoada por pecadores e se aproximou de uma visão mais positiva do
ser humano. O mundo seria um lugar de desenvolvimento das potencialidades, onde o homem
pode trazer à tona o melhor de si. Uma das formas de desenvolver essas potencialidades
estaria na educação. Havia um enfoque na leitura dos clássicos e, especialmente na filosofia
moral e política. Tinha força a ideia da educação com exemplos que deveriam servir como
espelhos para as nossas ações. Assim, a educação humanista se afastou da medieval escolástica,
entendida como enciclopedista e formalista e propôs um ensino funcional, de atuação na
natureza e na cidade. Uma pedagogia mais laica e civil.

Sintetizando

Vimos até agora:

O Império Romano absorveu o ideal de paideia dos gregos, gerando, assim, uma discussão sobre manutenção da
tradição e incorporação de valores estrangeiros.

A educação romana era voltada para a preparação da vida pública, portanto, muito limitada às classes governantes.

Durante a crise do Império Romano, a Igreja Católica foi paulatinamente ocupando o lugar do Estado na organização
e controle da estrutura educacional.

Na Idade Média, organizaram-se diversos espaços educacionais, como os mosteiros, as escolas eclesiásticas e leigas,
as universidades, as corporações de ofícios e a educação cavalheiresca.

O humanismo se tornou um grande crítico da educação escolástica das Universidades e propôs um retorno aos textos
clássicos a partir de novas interpretações, da visão da potencialidade humana e da diversidade dos saberes.

38
CAPÍTULO
O INDIVÍDUO É CONTROLADO A PARTIR DO CORPO,
MAS PARA TORNAR DÓCIL, TAMBÉM, E SOBRETUDO,
A SUA CONSCIÊNCIA: A EDUCAÇÃO NO PERÍODO
DE TRANSIÇÃO DA ÉPOCA MODERNA 3
Introdução

Você já passou por um momento de transição em sua vida? As coisas parecem um


pouco confusas e instáveis, não é?

Assim também acontece com os períodos históricos. Embora toda e qualquer sociedade
esteja em movimento e não existam relações sociais paradas e completamente estáveis, há
momentos em que os movimentos se intensificam e os conflitos ficam ainda mais fortes.
São as transições: aquele período na história em que o que parecia certo e estável já não é
mais, já não corresponde a uma nova realidade, com novas demandas e novos agentes. Ao
mesmo tempo, o que está vindo de novo ainda não é muito claro e solidificado. Por isso,
essa sensação de instabilidade e insegurança: o que era estrutura está ruindo e o que será
estrutura ainda não se consolidou.

Neste capítulo vamos abordar um período de transição: a Época Moderna. Novas formas
de encarar o mundo surgiram, uma nova classe social se fortaleceu e pressionou por
espaços políticos, econômicos e culturais. O conhecimento sobre o mundo se ampliou,
novas culturas entraram em contato, gerando estranhamento e dominação.

Diante de tantas transformações, a educação não passou incólume. Porque, como vimos
em nosso primeiro capítulo, a escola, a educação e o ensino não estão soltos pairando no
ar, não são ilhas. São parte da sociedade, num movimento dialético de ser influenciado
por ela e, ao mesmo tempo, influenciá-la.

Será também neste capítulo que iniciaremos nossa história da educação no Brasil. A primeira
estrutura educacional no nosso país foi forjada a partir desse movimento que oscilou entre
defesa das tradições escolásticas e a abertura para os novos pensamentos. A Colônia foi
construída, organizada a dominada justamente durante essa transição e, portanto, sentiu

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O INDIVÍDUO É CONTROLADO A PARTIR DO CORPO, MAS PARA TORNAR DÓCIL, TAMBÉM, E SOBRETUDO, A SUA CONSCIÊNCIA:
CAPÍTULO 3 •
A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO DA ÉPOCA MODERNA

seus impactos tanto nos aspectos políticos e econômicos, quanto nas dimensões culturais
e educacionais.

Vamos encarar esse período juntos?

Objetivos

» Relacionar o período de transição com as transformações no olhar sobre a educação.

» Reconhecer as mudanças propostas pela revolução científica acerca da forma como se


produz conhecimento.

» Compreender as propostas educacionais da Companhia de Jesus e seus impactos na


organização da educação no Brasil Colonial.

» Identificar as relações entre o pensamento iluminista e os objetivos da educação no


século VXIII.

Aplicar-se-á, do ponto de vista jurídico, o adjetivo herético em oito situações


bem definidas: a transição e os embates com a tradição católica

A passagem da Idade Média para a Moderna foi um momento muito interessante, complexo
e rico da história do mundo ocidental. Um período de transição é caracterizado por
rupturas e continuidades que convivem mutuamente se influenciando e construindo novos
contextos. Assim, as estruturas de uma sociedade estão se enfraquecendo enquanto as
bases do que virá ainda não estão plenamente estabelecidas. Nesse sentido, a passagem
para a modernidade é marcada:

1. pelo enfraquecimento do sistema feudal característico da Idade Média em


detrimento do fortalecimento dos Estados nacionais e suas monarquias e cortes.
Houve um processo de racionalização e burocratização desses Estados.

2. pelo crescimento e fortalecimento econômico da burguesia e sua visão de


laicidade, individualidade, racionalidade, lucro e mercado

3. pela nova visão científica, especialmente no que diz respeito ao método científico,
numa visão matematizada do mundo.

4. pela chamada expansão marítima e pelo processo de colonização e exploração do


“Novo Mundo”.

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O INDIVÍDUO É CONTROLADO A PARTIR DO CORPO, MAS PARA TORNAR DÓCIL, TAMBÉM, E SOBRETUDO, A SUA CONSCIÊNCIA:
• CAPÍTULO 3
A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO DA ÉPOCA MODERNA

Com todas essas modificações, a visão sobre a educação também é alterada e passa a ter como
fim último a atuação do indivíduo na sociedade. Nasce a pedagogia como ciência.

O mundo moderno é atravessado por uma profunda ambiguidade: deixa-se


guiar pela ideia de liberdade, mas efetua também uma exata e constante ação de
governo; pretende libertar o homem, a sociedade e a cultura de vínculos, ordens
e limites, fazendo viver de maneira completa esta liberdade, mas, ao mesmo
tempo, tende a moldar profundamente o indivíduo segundo modelos sociais de
comportamento, tornando-o produtivo e integrado.
(CAMBI, 1999, pp. 199-200)

Para Franco Cambi, o período moderno foi marcado por essa ambiguidade: defendia
a liberdade, a queda de barreiras e limites impostos pela sociedade feudal ao mesmo
tempo que, por meio de suas instituições, pretendia controlar o indivíduo, seus corpos
e pensamentos. Assim, a construção do homem moderno foi pautada pela defesa das
liberdades, mas também pelo aprisionamento dos seus corpos (especialmente o corpo
feminino, como veremos adiante).

Ainda segundo Franco Cambi, o período conhecido como Antigo Regime foi marcado pelos
processos de civilização, racionalização e institucionalização da vida. Para o autor, há uma
espécie de pedagogização da sociedade visando organizar e controlar o comportamento.
E o que isso significa?

O indivíduo é controlado a partir do corpo, mas para tornar dócil, também, e


sobretudo, a sua consciência. E esse trabalho, complexo e minucioso, é exercido
pelas instituições educativas, que são dirigidas pelo Estado e das quais a sociedade,
agora, está provida: os hospitais (que curam e ‘endireitam’ os corpos doentes), os
manicômios (que controlam os loucos e separam a loucura da razão, livrando a
vida social do perigo da desrazão), mas sobretudo as prisões (que reabilitam para
a vida social, reeducando os sujeitos inadaptados e transviados), as escolas (que
formam todas as jovens gerações e as conformam a modelos de normalidade e
de eficiência/produtividade social, além de docilidade político-ideológica) e o
exército.
(CAMBI, 1999, p. 202)

Podemos observar, portanto, a criação e o desenvolvimento de várias instituições que visavam


educar corpos e comportamentos ao longo da chamada Idade Moderna. Para aqueles que
fugiam às regras do que era considerado normal: hospitais, manicômios e prisões. Para
os demais, a educação para a “normalidade”, para o ajuste, para a docilidade: escolas e o
exército. Esses espaços educacionais e, especialmente, a escola, se tornaram locais para a
conformidade, ou seja, para educar os indivíduos conforme as perspectivas dominantes.

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O INDIVÍDUO É CONTROLADO A PARTIR DO CORPO, MAS PARA TORNAR DÓCIL, TAMBÉM, E SOBRETUDO, A SUA CONSCIÊNCIA:
CAPÍTULO 3 •
A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO DA ÉPOCA MODERNA

Saiba mais

Figura 14. Inquisição.

Fonte: <https://www.estudopratico.com.br/caca-as-bruxas/>. Acesso em: 15/2/2019.

Você já ouviu falar das caças às bruxas? Já viu algum filme ou leu algum livro que contava a perseguição da sociedade
e da Igreja Católica às mulheres que praticavam “feitiçarias”? Já viu alguma imagem de uma mulher sendo queimada
na fogueira da Santa Inquisição?

Provavelmente sim. Essas cenas foram muito divulgadas e permearam nosso imaginário sobre bruxas, heresias,
pecado e controle. Assim, durante muito tempo, fomos ensinados a imaginar essas mulheres como pessoas cruéis
que praticavam atos criminosos, inclusive com crianças.

Porém, com o avanço dos estudos historiográficos e a possibilidade de analisar os processos judiciais e todo tipo
de fonte do período, o olhar sobre essas práticas e essas mulheres vem se modificando. Hoje, o que os historiadores
nos mostram é que o que estava por trás dessas perseguições e mortes era a disputa pelo saber e pela liberdade dos
corpos.

Muitas dessas mulheres foram julgadas e condenadas à fogueira porque tinham e praticavam um saber diferente
daquele defendido pela Igreja. Eram mulheres com conhecimentos ligados à natureza, especialmente às plantas, aos
ciclos menstruais, aos ciclos da Lua. Com isto, elas acabavam tendo um certo poder em suas comunidades, ajudavam
outras mulheres na gravidez e no parto, bem como em doenças que acometiam os moradores. Esses saberes não
eram reconhecidos pela Igreja, ao contrário, eram condenados por ela.

Veja como a Igreja Católica definia um herege:

Aplicar-se-á, do ponto de vista jurídico, o adjetivo herético em oito situações bem definidas. São heréticos:

a. Os excomungados;

b. Os simoníacos;

c. Quem se opuser à Igreja de Roma e contestar a autoridade que ela recebeu de Deus;

d. Quem cometer erros de interpretação das Sagradas Escrituras;

e. Quem criar uma nova seita ou aderir a uma seita já existente;

f. Quem não aceitar a doutrina romana no que se refere aos sacramentos;

g. Quem tiver opinião diferente da Igreja de Roma sobre um ou vários artigos de fé;

h. Quem duvidar da fé cristã.

(EYMERICH, 1993)

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O INDIVÍDUO É CONTROLADO A PARTIR DO CORPO, MAS PARA TORNAR DÓCIL, TAMBÉM, E SOBRETUDO, A SUA CONSCIÊNCIA:
• CAPÍTULO 3
A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO DA ÉPOCA MODERNA

Assim, ter outros saberes e conhecimentos, praticando-os sem a observância e autorização da instituição católica
poderia ser considerado uma heresia, passível de julgamento e condenação à morte:

A definição das mulheres como seres demoníacos e as práticas atrozes e humilhantes


a que muitas delas foram submetidas deixaram marcas indeléveis em sua psique
coletiva e em seu senso de possibilidades. De todos os pontos de vista – social,
econômico, cultural, político -, a caça às bruxas foi um momento decisivo na vida das
mulheres; [...] a caça às bruxas destruiu todo um universo de práticas femininas, de
relações coletivas e de sistemas de conhecimento que haviam sido a base do poder
das mulheres na Europa pré-capitalista, [...].

[...] Uma vez que foram derrotadas, a imagem da feminilidade construída na


‘transição’ foi descartada como uma ferramenta desnecessária, e uma nova,
domesticada, ocupou seu lugar. Embora na época da caça às bruxas as mulheres
tenham sido retratadas como seres selvagens, mentalmente débeis, de desejos
insaciáveis, rebeldes, insubordinados, incapazes de autocontrole, no século XVIII
o cânone foi revertido. Agora, as mulheres eram retratadas como seres passivos,
assexuados, mais obedientes e morais que os homens, capazes de exercer uma
influência positiva sobre eles. [...]FEDERICI, 2017)

Portanto, nesse período de transição esses saberes e práticas femininos foram sendo condenados e ligados às
práticas demoníacas. Calcula-se que entre 40 mil e 100 mil mulheres queimaram nas fogueiras da Santa Inquisição,
eliminando não somente corpos, como práticas, modos de vida e visões de mundo que se colocavam diversas ao que
era propagado pela fé católica.

Para quem quiser saber mais sobre essa disputa de poder/saber entre mulheres e Igreja indicamos, além do livro
acima citado, o filme As Bruxas de Salém (1996).

Figura 15. Cena de As Bruxas de Salém.

Fonte: <https://www.minhavisaodocinema.com.br/2017/01/critica-as-bruxas-de-salem-1996-de.html>. Acesso em:


15/2/2019.

Assim, ainda segundo Cambi, o projeto educativo da modernidade se equilibrou entre a defesa
da liberdade e a prática do domínio, pois educava-se para a conformidade e, ao mesmo tempo,
para a emancipação. esse era o seu maior desafio, já que era sua maior contradição.

Para isto, uma nova escola foi construída na Idade Moderna. Ela teve como objetivo
não somente ensinar conhecimentos, mas também comportamentos de forma didática,
racionalizando os saberes a partir da disciplina, da conformação e da repressão. O maior
exemplo disso foi a força e centralidade que o exame (a famosa prova ou avaliação) recebeu.

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O INDIVÍDUO É CONTROLADO A PARTIR DO CORPO, MAS PARA TORNAR DÓCIL, TAMBÉM, E SOBRETUDO, A SUA CONSCIÊNCIA:
CAPÍTULO 3 •
A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO DA ÉPOCA MODERNA

A ideia de produtividade e eficiência esteve intrínseca nas metodologias avaliativas da


modernidade. Era exatamente neste momento que o controle e a disciplina mais agiam
sobre o sujeito.

Em síntese, a partir do século XVI as técnicas educativas e escolares tornaram-se mais disciplinadoras
dos corpos. Era uma escola que por meio da racionalidade e da vigilância instruía, planificava
e controlava o indivíduo.

Importante

Entre os séculos XVI e XVII, a Europa vivenciou a chamada Revolução Científica. Tendo início no campo da física e da
astronomia, este movimento foi muito importante porque influenciou diretamente a nossa forma de ver o mundo e
de fazer ciência. Por isso, é fundamental discutirmos um pouco este movimento, ok?

Esse foi um processo histórico cujas origens se encontram no século XV que, como vimos no capítulo anterior, foi o
período em que a forma de conhecimento escolástico já vinha sendo questionado. Mas o empurrão definitivo foi a
expansão ultramarina. A descoberta de novas civilizações, culturas e modos de viver; a comprovação da esfericidade
da Terra; e a queda de crenças míticas e mágicas que rondavam os mistérios do além-mar impulsionaram a ciência
moderna. Para um novo mundo, era necessário construir um novo saber.

Um dos pontos centrais deste movimento foi a mudança no olhar sobre a natureza e a relação dela com a
humanidade. Para estes revolucionários da ciência, homem e natureza não eram a mesma coisa orgânica e
qualitativa. A natureza passava a ser vista como algo exterior ao homem, passível de ser observada, testada,
experimentada e estudada pelo sujeito do conhecimento. A natureza foi, assim, matematizada.

Sendo exterior ao homem, esta natureza, vista enquanto máquina, tem mecanismos próprios, fenômenos autônomos
e independentes dos homens. Caberia, portanto, a esses desvendar seu funcionamento. Mas como isso deveria
ocorrer?

A resposta esteve no chamado método experimental que aproximava teoria e prática. Empirismo, observação,
repetição, comparação. Para uma teoria científica ser validada ela precisa ser verificada. Há aí a presença forte da
ideia de investigação.

Veja a estrutura deste método, que utilizamos até os dias de hoje:

Figura 16. Método científico.

Fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A9todo_cient%C3%ADfico>. Acesso em: 15/2/2019.

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• CAPÍTULO 3
A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO DA ÉPOCA MODERNA

Todo esse movimento e forma de olhar o mundo e a ciência não ocorreu de forma linear e pacífica. Muitos desses
cientistas tiveram de enfrentar os tribunais da Santa Inquisição da Igreja Católica, pois suas descobertas iam de
encontro às visões pregadas pela instituição. Alguns foram queimados na fogueira, outros receberam penas de
reclusão e silêncio, muitos livros foram proibidos de circular e pessoas foram incriminadas por lerem, divulgarem ou
por apenas possuírem as obras em suas casas.

Interessante notar que esses cientistas, tais como Galileu Galilei e Descartes, eram religiosos, acreditavam em Deus
e não propunham uma vida distanciada dos preceitos divinos. Eles acreditavam que a ciência deveria se basear em
fatos, em observação e não na suposta autoridade de textos antigos ou nos sentimentos. Para eles, razão e fé não
eram antagônicos, mas ocupavam espaços diferentes na construção do conhecimento. A discussão sobre o divino
não deveria ocupar à física, mas à metafísica. Assim, para esses cientistas, Deus criara a natureza e a sua ordem, cabia
agora aos homens, de maneira racional, compreender a sua lógica e funcionamento. A imanência era a natureza,
enquanto Deus era a transcendência.

Para que você compreenda melhor esse clima de transformações do pensamento e de perseguições às ideias,
sugerimos a peça de teatro escrita por Bertold Brecht, intitulada Vida de Galileu e o livro organizado pelo historiador
Luiz Carlos Soares intitulado Da Revolução Científica à Big (Business) Science, lançado em 2001 e publicado pelas
editoras Hucitec e edUFF.

Para a formação integral do homem cristão: a Companhia


de Jesus e a primeira estrutura educacional no Brasil

A Reforma e a Contrarreforma (também conhecida como Reforma Católica) foram dois momentos
importantes para a nossa história da educação. Reformadores como Lutero e Calvino defendiam a
ampliação da educação e a necessidade do estado na garantia da escolarização. Ambos entendiam
que a educação estava intrinsecamente ligada ao cumprimento dos deveres sociais.

Defendendo uma ligação mais direta entre o fiel e as escrituras bíblicas, os reformadores colocavam
como primordial o conhecimento e a capacidade da leitura.

Saiba mais

Veja a Carta de Lutero de 1524 onde defende a necessidade do cristão se educar. Este ato estaria, segundo o autor, em
conformidade com os desejos de Deus.

Aos conselheiros de todas as cidades da nação alemã, para que instituam e


mantenham escolas cristãs:

Caros Senhores, cada ano gasta-se tanto em espingardas, estradas, caminhos, diques
e tantas outras coisas desse tipo, para das a uma cidade paz e conforto; mas por
que não se investe muito mais ou pelo menos o mesmo para a juventude pobre e
necessitada, de modo que possam surgir entre eles um ou dois homens capazes, que
se tornem mestres de escola?

[...]

Mas a prosperidade, a saúde e a melhor força de uma cidade consiste em ter muitos
cidadãos instruídos, cultos, racionais, honestos e bem-educados, capazes de
acumular tesouros e riquezas, conservá-los e usá-los bem...

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O INDIVÍDUO É CONTROLADO A PARTIR DO CORPO, MAS PARA TORNAR DÓCIL, TAMBÉM, E SOBRETUDO, A SUA CONSCIÊNCIA:
CAPÍTULO 3 •
A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO DA ÉPOCA MODERNA

E neste ponto os professores nos propõem, para nossa vergonha, um grande desafio,
eles que antigamente, especialmente os gregos e romanos, sem saber que isto
agradava a Deus, instruíam e educavam seus filhos e filhas com tanto empenho
que se tornavam realmente hábeis: tanto que me envergonho de nossos cristãos
e especialmente de nós, alemães, quando penso que somos verdadeiros caras de
pau ou bestas, pois, contudo, ousamos dizer: ‘Bah! para que nos servem escolas, a
não ser para formar padres?’. Não obstante sabemos ou deveríamos saber o quanto
é necessário, útil e agradável a Deus que um príncipe, senhor ou conselheiro seja
instruído e capaz de viver cristãmente segundo sua condição. [...]

(Manacorda, 2010, p. 241)

A Igreja Católica por sua vez, frente à ruptura cristã e os avanços dos reformadores, discutiu ainda
mais veementemente o seu papel educativo. Uma série de congregações religiosas foi criada
tendo como um dos principais princípios norteadores a função de educar, segundo os preceitos
católicos. Muitos eclesiásticos foram preparados para o papel de educador. Tal educação visava
a formação do “bom cristão” em sua moral e atitudes.

Para a fé católica, a salvação e a redenção dos pecados se dão também pelas obras. Para que o
fiel se afaste dos instintos de cometer pecados, seria necessária uma educação para a formação
deste “bom cristão”. Assim, o meio e o fim do ensino seriam a disciplina, a obediência e os bons
hábitos.

O elemento mais importante da pedagogia da Contrarreforma, porém, aquele


que terá sucessivos desenvolvimento na história educativa da Europa, é fornecido
pela sua capacidade de dar vida a novas instituições escolares ligadas ao modelo
do colégio/internato e a currículos formativos que se referem, em parte, à
tradição pedagógica do humanismo. Dizemos em parte porque, na elaboração
das congregações pós-tridentinas, os elementos de derivação humanística são
encaixados em formas organizativas rígidas, perdendo desse modo o papel
de ruptura em relação ao passado e o caráter de liberação e de exaltação do
homem que são aspectos típicos das experiências educativas dos “mestres”
renascentistas. [...], afirma-se a tendência a instituir colégios para a formação
dos jovens dos grupos dirigentes e para a elaboração de programas de estudos
com esse objetivo, mas rigidamente inspirados numa visão retórico-gramatical
da cultura humanística.
(CAMBI, 1999, pp. 258-259)

Um dos exemplos principais dessa perspectiva é a ordem religiosa dos jesuítas. Fundada em 1540
por Inácio de Loyola, a Companhia de Jesus foi estruturada dentro de uma rígida hierarquia,
inspirada pela experiência militar de seu fundador. A ordem jesuítica era missionária e pretendia,
a partir da educação, espalhar as crenças e os valores católicos. Assim, a educação era vista como
um instrumento da fé, com um fim ético e religioso, na construção do “bom cristão”.

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• CAPÍTULO 3
A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO DA ÉPOCA MODERNA

O Ratio atque institutio studiorum Societatis Jesu foi o documento que marcou as diretrizes
organizacionais e didáticas das escolas jesuíticas. Ali dizia-se que o objetivo da educação era
formar a consciência cristã, orientando para a obediência total às autoridades civis e religiosas,
já que esta era compreendida como uma das principais virtudes cristãs. Os métodos defendidos
pelo Ratio eram o praelectio e o concertatio. O primeiro consistia na leitura de um texto e depois
na explicação e observação de algumas partes. O segundo dizia respeito à disputa suscitada
pelo docente que fazia perguntas aos alunos que concorriam entre si. Muitas tarefas escritas e
repetições eram estimuladas pelo documento.

Assim, segundo Otaíza Romanelli (2014), a Companhia de Jesus materializava o espírito da


Contrarreforma, pois:

a. foi instituída a partir de uma reação ao pensamento crítico que se consolidava na Europa,
tendo como origem o humanismo e se fortalecendo com os novos olhares científicos;

b. valorizava o método escolástico de ensino, ressaltando a autoridade e verdade dos textos;

c. tinha forte relação com concepções dogmáticas sejam elas do saber ou da fé.

Figura 17. Catequese.

Fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Benedito_Calixto_-_Anchieta_e_N%C3%B3brega_na_cabana_de_
Pindobu%C3%A7u.jpg>. Acesso em: 15/2/2019.

A tela acima é de Benedito Calixto (1853-1927) e mostra Anchieta e Nóbrega na cabana de


Pindobuçu, retrato de um momento da catequização dos índios.

Com o objetivo de melhor organizar, administrar, controlar e povoar a colônia portuguesa,


D. João III instaurou em 1548 o Governo Geral, juntamente com uma série de medidas
político-administrativas. Dentre essas, ressaltamos a ênfase na conversão dos indígenas ao
catolicismo utilizando da catequese e da instrução. Assim, juntamente com a chegada do
primeiro Governador Geral do Brasil, Tomé de Souza, aportaram aqui padres para expandir
a fé católica e organizar o primeiro plano educacional da colônia.

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CAPÍTULO 3 •
A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO DA ÉPOCA MODERNA

Tal função coube especialmente aos jesuítas que, como vimos anteriormente, tinham como um
dos seus objetivos a propagação da fé e da moral cristã por meio da educação. Tal planejamento
educacional foi elaborado pelo padre Manoel da Nóbrega e visava, além da catequese dos
indígenas, a educação dos filhos dos colonos que aqui residiam.

O que podemos perceber desse processo é que a educação jesuítica no Brasil colonial se
diferenciou a partir de três grupos sociais distintos: aos indígenas, a educação ficou restrita
à catequese. Sua cultura, religiosidade, linguagem, formas de vida e de ver o mundo foram
completamente rechaçadas pelos padres católicos. O pouco que fora ensinado aos indígenas era
estabelecido a partir da visão de mundo e cultura europeias. Às mulheres livres, brancas e filhas
de colonos, a educação ficou restrita à aprendizagem das boas maneiras e prendas domésticas,
habilitando-as apenas a serem “boas esposas” e “boas mães”. Aos homens livres, brancos e filhos
de colonos os colégios jesuítas forneceram instrumentos de educação formal para ocupar cargos
administrativos, bem como para o trabalho intelectual e a formação para se tornar clérigo. Ainda
não havia faculdades no Brasil, portanto, os filhos dos grupos mais abastados iam para a Europa,
especialmente para Portugal estudar em Coimbra.

Segundo Otaíza Romanelli (2014), o branco colonizador precisou se distinguir não somente por
suas riquezas materiais e seu poderio político, mas também a partir da cultura, mostrando-se
detentor dos bens culturais europeus. Assim, a educação no Brasil nasceu também como forma
de distinção social e de valorização da cultura europeia em detrimento da cultura nativa da terra
e daquelas que aqui chegaram com os negros escravizados. Quanto ainda hoje somos permeados
por essa visão hierarquizada do saber? Quanto dos nossos currículos não é fruto de culturas
europeias e o quanto temos de outras culturas formando a nossa aprendizagem?

Os jesuítas adotavam o método escolástico medieval e, portanto, seu ensino era marcado por
grande rigidez, tanto no que tange à disciplina, quanto à forma de pensar. Lembre-se que, para
a escolástica, não há livre interpretação dos textos e o aluno deve compreendê-los em sua forma
supostamente genuína, enquanto verdade absoluta. As leituras e até mesmo as perguntas eram
rigorosamente controladas. Para garantir a permanência dessa metodologia, os jesuítas eram
também extremamente rígidos na formação dos professores, garantindo que esses trabalhassem
a partir dos pressupostos da escolástica e da fé cristã. Segundo Maria Luisa Ribeiro:

É por isso que dedicavam especial atenção ao preparo dos professores – que
somente se tornam aptos após os 30 anos -, selecionavam cuidadosamente os
livros e exerciam rigoroso controle sobre as questões a serem suscitadas pelos
professores, especialmente em filosofia e teologia. Um trecho de uma das regras
do Ratio diz o seguinte: “Se alguns forem amigos de novidades ou de espírito
demasiado livre devem ser afastados sem hesitação do serviço docente”.
(RIBEIRO, 2011, p. 14)

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• CAPÍTULO 3
A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO DA ÉPOCA MODERNA

Assim, o ensino jesuítico no Brasil colonial era rigidamente controlado para que não se afastasse
dos preceitos da Igreja Católica e nem mesmo do método escolástico. Lembre-se que, como
dissemos anteriormente, no século XVI iniciou-se a chamada Revolução Científica na Europa,
filha das críticas humanistas à escolástica, que propôs uma nova forma do saber baseada na
metodologia, na observação, na experimentação e, portanto, no questionamento, quebrando
toda e qualquer fonte de autoridade a priori e defendendo a necessidade de comprovação, de
relação entre teoria e prática como critério de verdade. Foi para manter afastadas estas influências
que os jesuítas se organizaram e controlaram a educação no Brasil.

Em fins do século XVII e início do século XVIII, diversos setores portugueses questionaram o
poder e a influência dos jesuítas na colônia. Este movimento esteve ligado a um processo que
visava modernizar a administração portuguesa, bem como as instituições de ensino, na esteira
do avanço das ciências e do iluminismo na Europa, e também do declínio econômico português
frente à expansão inglesa.

Coube ao Marquês de Pombal, ministro de D. José I, realizar as formas que, mais tarde, ficaram
conhecidas como reformas pombalinas. O objetivo seria modernizar e reorganizar a política
administrativa da coroa portuguesa. Uma das decisões tomadas foi a expulsão, em 1759, da
Companhia de Jesus do Brasil e de Portugal, reorganizando a educação a partir de um ensino
financiado pelo Estado e à serviço dele.

Criou-se o cargo de diretor geral dos estudos, proibiu-se o estabelecimento de qualquer tipo
de ensino sem a licença deste diretor e comissários foram designados para realizar um estudo
sobre as condições das escolas e dos professores. O ensino secundário passou a ser realizado a
partir de aulas régias, ou seja, aulas avulsas, e contemplava latim, grego, filosofia e retórica. Como
funcionavam essas aulas? Ficava a cargo dos professores organizarem os locais de ensino e, após
ministrarem as aulas, solicitavam ao governo o pagamento. Para aqueles que desejavam e podiam
cursar uma faculdade, a saída continuava sendo o Atlântico para estudar nas universidades
europeias.

Importante

Para pensarmos a História da Educação no Brasil, escolhemos adotar enquanto suporte para nosso olhar, a
perspectiva teórica da professora Otaíza de Oliveira Romanelli (2014). A partir de décadas de estudos e pesquisas, a
autora chegou a três constatações teóricas que aqui iremos adotar e gostaríamos que você refletisse sobre elas. Vamos
lá?

Primeira constatação teórica: A forma como a economia caminha em uma determinada conjuntura, irá interferir
na organização do ensino. Isto se dá especialmente porque a organização econômica pode ou não demandar
determinados recursos humanos.

Segunda constatação teórica: A herança cultural hegemônica influencia os valores e as escolhas daqueles que
procuram a escola. Assim, há uma relação de mão dupla entre o conteúdo da escola e as demandas/objetivos dos
grupos dominantes.

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CAPÍTULO 3 •
A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO DA ÉPOCA MODERNA

Terceira constatação teórica: A organização do ensino está diretamente relacionada com a forma como o poder se
organiza.

Assim, segundo Romanelli:

Cada fase da história do ensino brasileiro vai refletir a interligação desses fatores:
a herança cultural, atuando sobre os valores procurados na escola pela demanda
social de educação, e o poder político, refletindo o jogo antagônico de forças
conservadoras e modernizadoras, com o predomínio das primeiras, acabaram por
orientar a expansão do ensino e por controlar a organização do sistema educacional
de forma bastante defasada em relação às novas e crescentes necessidades do
desenvolvimento econômico, este cada vez mais carente de recursos humanos.
(ROMANELLI, 2014, p. 19).

Isto quer dizer que, como já discutimos em nosso primeiro capítulo, ao estudarmos a educação, precisamos ter em
mente o contexto geral no qual a escola e o ensino estão inseridos. As escolhas e demandas educacionais, a legislação
e a forma de se ver o ensino não são elementos apartados da sociedade. A forma como a estrutura da educação está
organizada diz muito das disputas, conflitos, poderes e olhares da sociedade na qual ela está inserida. Assim, a escola
deve ser vista como produto e produtora da sociedade.

Neste sentido, a partir das propostas teóricas de Romanelli, a economia brasileira e suas demandas, a cultura
e objetivos dos grupos dominantes locais, bem como as formas de poder no país são peças fundamentais para
compreendermos a história da educação no Brasil.

Escolas nas quais se mostrassem a eles os exercícios, as práticas,


os deveres, as virtudes do seu Estado, a fim de que aprendessem a
agir com mais reconhecimento: Iluminismo e educação

Nos séculos XVII e XVIII, a burguesia ganhou mais força e se articulou na construção de um
mundo que derrubou as barreiras políticas, econômicas e culturais que estorvavam o seu
desenvolvimento. Foi neste período que iniciaram as revoluções burguesas.

Segundo Cambi, este foi o momento em que, por um lado, a educação se especializou cada vez
mais atendendo às demandas das novas manufaturas e fábricas que necessitavam de mão de obra
especializada e técnica. Por outro lado, as escolas foram tomando forma com classes organizadas
por idade, com currículos, programas e métodos universalizados. A competição entre os alunos
era particularmente estimulada.

A educação passou a ser vista como um instrumento para a virtude. Um homem educado
seria um homem que podia servir à civilização, ao seu Estado e à sua sociedade. Seguindo os
preceitos da burguesia, houve uma grande valorização do indivíduo em sua autonomia, em
seu esforço pessoal e empenho para o desenvolvimento pessoal visto como instrumento para
o desenvolvimento social:

Agora é o indivíduo que é posto como protagonista do imaginário e da ação


educativa. Trata-se de formar um sujeito autônomo, problemático, consciente,
empenhado na construção de si e do seu mundo exterior (valores, ideais, estilo

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• CAPÍTULO 3
A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO DA ÉPOCA MODERNA

de vida), assim como do seu papel no mundo social, que depende, agora, de uma
escolha e que não deve ser aceito como um destino.
(CAMBI, 1999, pp. 311-312)

Foi também nesta época que tivemos a construção da figura do intelectual e a sua projeção na
sociedade. Ele começa a ser visto como uma espécie de “educador da sociedade civil”. Através
de jornais, clubes literários, panfletos e livros, os intelectuais expunham suas visões acerca da
política, da economia e da cultura de sua época, influenciando pensamentos e ações. Ao longo
desse processo, eles se tornaram figuras que tanto encantavam quanto geravam receio por parte
das autoridades. Muitos foram presos ou censurados. E, desde então, todo e qualquer governo
autoritário persegue intelectuais que ousam defender a liberdade de expressão e criticar ações
governamentais.

Enfim, para concluir, podemos afirmar que:

No século XVIII [...] à educação é delegada a função de homologar classes e grupos


sociais, de recuperar todos os cidadãos para a produtividade social, de construir
em cada homem a consciência do cidadão, de promover uma emancipação
(sobretudo intelectual) que tende a tornar-se universal (libertando os homens de
preconceitos, tradições acríticas, fés impostas, crenças irracionais). A educação
se torna cada vez mais nitidamente uma (ou a?) chave mestra da vida social,
enquanto constitui o elemento que a consolida como tal e manifesta seus mais
autênticos objetivos: das vida a um sujeito humano socializado e civilizado, ativo
e responsável, habitante da “cidade” e capaz de assimilar e também renovar as
leis do Estado que manifestam o conteúdo ético da sua vida de homem cidadão.
(CAMBI, 1999, p. 326)

Com o advento do Iluminismo, a educação passou a ser vista como instrumento de transformação,
de progresso e de evolução. Herdeiros do humanismo e da revolução científica, os intelectuais
iluministas defendiam a razão enquanto instrumento para o desenvolvimento das sociedades.
Por isso, a educação era para eles um fator fundamental para o progresso social. Somente uma
sociedade educada levaria a um país civilizado. Muitos intelectuais defendiam uma educação
universal, sem restrições de classes sociais ou gênero. Seria esse indivíduo, educado e civilizado,
capaz de ser um verdadeiro cidadão e contribuir para a o desenvolvimento da nação?

Saiba mais

Você já viu uma enciclopédia? Já abriu e leu seus verbetes? Sabe a origem dela e qual o seu objetivo?

Um dos maiores símbolos do Iluminismo foi a enciclopédia, que tinha como objetivo principal a classificação do
saber. Os autores pretendiam que ali se concentrasse todo o saber de uma época baseado na razão, no método e,
especialmente, na filosofia. Era um conhecimento sistematizado, pautado em definições e conceitos.

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O INDIVÍDUO É CONTROLADO A PARTIR DO CORPO, MAS PARA TORNAR DÓCIL, TAMBÉM, E SOBRETUDO, A SUA CONSCIÊNCIA:
CAPÍTULO 3 •
A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO DA ÉPOCA MODERNA

Nos dias atuais, falar de um ensino enciclopédico é, geralmente, criticar de forma negativa uma visão de educação,
especialmente por ser pouco crítica, não partir de uma construção coletiva do conhecimento, mas de respostas
prontas e sistematizadas, muitas vezes pautadas na famosa “decoreba”. Porém, na época em que foi impressa, a
Enciclopédia causou grande polêmica, pois afrontava poderes estabelecidos.
Veja o que ela significou para a sociedade da época:
[...] um fato fundamental que se tornou evidente para as autoridades francesas tão
logo o primeiro volume da primeira edição chegou às mãos dos assinantes: a obra
era perigosa. [...] a obra registrava o conhecimento segundo os princípios filosóficos
expostos por D’Alembert no Discurso Preliminar. Embora reconhecesse formalmente
a autoridade da Igreja, D’Alembert deixava claro que o conhecimento provinha dos
sentidos, e não de Roma ou da Revelação. O grande agente ordenador era a razão,
que combinava as informações dos sentidos, trabalhando com as faculdades irmãs,
memória e imaginação. Assim, tudo o que o homem conhecia derivava do mundo
que o cercava e do funcionamento de sua própria mente. [...] Diderot e D’Alembert
haviam destronado a antiga rainha das ciências, reordenando o universo cognitivo e
nele realocando o homem, deixando a divindade do lado de fora.
Eles sabiam que era arriscado intrometer-se na concepção do universo, e por isso
disfarçaram com subterfúgios, ironia e falsos protestos de ortodoxia. [...], pois os
enciclopedistas identificaram sua filosofia com o próprio conhecimento – ou melhor,
com o conhecimento válido, aquele que derivava dos sentidos e das faculdades
mentais, em oposição ao do tipo fornecido pela Igreja e o Estado. O conhecimento
tradicional, insinuavam eles, não passava de preconceito e superstição. [...]
A Enciclopédia foi incluída no Index [lista de livros proibidos da Igreja católica]
em 5 de março de 1759, juntamente com De l’espirit, e em 3 de setembro o papa
Clemente XII ordenou que todos os católicos que a possuíam mandassem queimá-la
por um padre, sob pena de excomunhão. Era a condenação máxima para uma obra.
A Enciclopédia incorreu na ira das mais importantes autoridades do Antigo Regime
e, apesar disso, sobreviveu. Sua permanência marca um momento decisivo do
Iluminismo e da história dos livros em geral.(DARNTON, Robert. O Iluminismo como
negócio. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, pp. 17 -22)

Veja agora o que dizia o Verbete Educação na Enciclopédia:


É evidente que para cada ordem de cidadãos num Estado há um tipo de educação próprio: educação para os filhos
dos soberanos, educação para os filhos dos grandes, para os filhos dos magistrados etc., educação para as crianças
dos campos, onde, como existem escolas para aprender as verdades religiosas, deveriam também existir escolas nas
quais se mostrassem a eles os exercícios, as práticas, os deveres, as virtudes do seu Estado, a fim de que aprendessem
a agir com mais reconhecimento.(MANACORDA, 2010, p. 295)

Sintetizando

Vimos até agora:

O período de transição gerou embates acerca das visões de educação, conhecimento, saber e metodologia. Enquanto
a Igreja pretendia manter seu monopólio sobre a estrutura educacional, outros conhecimentos e novas demandas
abriram espaços para um novo olhar sobre a educação.

Com a ascensão da burguesia, o indivíduo se tornou protagonista do processo educacional, que passou a ser visto
como instrumento do desenvolvimento da sociedade e base para o progresso e prática cidadã.

Na esteira da Reforma Católica, foi criada a Companhia de Jesus, uma ordem que via na educação um caminho
missionário para o ensino e a construção do “bom cristão”. Esta Companhia foi responsável por organizar a primeira
estrutura educacional do Brasil, focando na catequese dos indígenas e na educação dos filhos mais abastados dos
colonos.

52
CAPÍTULO
ÉRAMOS UM PAÍS DE DOUTORES E
ANALFABETOS: A EDUCAÇÃO ENTRE O
BRASIL IMPERIAL E REPUBLICANO 4
Introdução

Neste capítulo convido você a conhecer um dos principais debates educacionais da história
do país: a proposta dos escolanovistas. Uma perspectiva diferente do que conhecíamos tentou
pressionar o governo a adotar as suas concepções e estimulou um intenso debate com seus
opositores. Embora toda essa polêmica tenha ocorrido na década de 1930, ainda hoje temos
impactos dessas concepções em nosso sistema educacional.

Porém, antes de chegarmos aos quentes embates político-pedagógicos que cercaram os


escolanovistas, vamos passar pelo Brasil Imperial, conhecer os relatos de uma professora alemã e
suas experiências educando crianças brasileiras. Vamos discutir a falta de diretrizes e organização
da estrutura escolar básica no país e as suas consequências.

Já no período republicano, observaremos como a descentralização permaneceu uma tônica


quanto às questões educacionais. Porém, um novo elemento surgiu: o avanço do processo
de industrialização e urbanização. Esses movimentos geraram a necessidade de mão de obra
qualificada tanto para operar o maquinário, quanto para trabalhar nos setores de serviços e
administrativos. Também fez crescer a classe média que pressionou pelo direito à escolarização,
até porque muitas vezes a compreendia como uma forma de ascensão social.

Um período dinâmico para o país e, consequentemente, para a nossa história da educação.


Vamos lá?

Objetivos

» Compreender a dinâmica educacional no Brasil Imperial, marcada pela ausência de


diretrizes nacionais e pela seletividade dos educandos.

» Relacionar o avanço da industrialização com as demandas e políticas públicas de


educação.

» Discutir as perspectivas educacionais dos escolanovistas.

» Discutir os embates entre os escolanovistas e os educadores tradicionais católicos.

53
CAPÍTULO 4 • Éramos um país de doutores e analfabetos: a educação entre o Brasil Imperial e Republicano

Fazem tudo o que digo, aprendem tudo o que lhes dou para resolver e assim mesmo
irritam-me inexplicavelmente: a educação no Brasil Imperial

O século XIX iniciou-se na Europa de forma turbulenta. As tropas napoleônicas ocupavam cada
vez mais territórios, derrubando tronos e levando os ideais da Revolução Francesa que criticavam
o tripé do Antigo Regime: a monarquia absolutista, o mercantilismo e a sociedade de corte.

Para não perder o trono português, a Coroa decidiu enviar uma carta a Napoleão afirmando ser
Portugal uma aliada da França e que, portanto, romperia ligações com a Inglaterra. O imperador
francês acreditou e a rainha D. Maria, juntamente com o príncipe D. João VI, pode articular com
os ingleses a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, protegendo assim, monarcas e nobres,
bem como o território do Reino.

Como não poderia deixar de ser, a chegada da Corte aqui no Brasil trouxe profundas alterações
na sociedade. Afinal, era o governo da metrópole que se instalava aqui. Era preciso construir todo
um aparato administrativo, como ministérios e estabelecimentos diversos para que houvesse
governança.

Sendo agora sede da Coroa portuguesa, as transformações também ocorreram no campo


intelectual e educacional. Foram criados a Imprensa Régia, o Jardim Botânico, a Biblioteca Pública,
o Museu Nacional, o primeiro jornal e a primeira revista do Brasil. Para a formação de oficiais e
engenheiros civis e militares, foram criadas as academias da Marinha e Real Militar. No campo
da medicina forma fundados os cursos de cirurgia na Bahia e no Rio de Janeiro. Diversos cursos
com perspectiva profissionalizante foram também instalados aqui, tais como os de agricultura,
química, economia, serralheria e desenho técnico.

Essa ampliação de espaços educacionais não desembocou em uma mudança na estrutura


organizacional da educação no país. Muito menos levou a um projeto de educação nacional,
afinal, até 1822, estávamos ligados à Coroa Portuguesa, seja enquanto colônia, seja como Reino
Unido a Portugal e Algarves.

Após o processo de independência e autonomia política, em 1824 foi outorgada a nossa primeira
Constituição. No que tange à educação, a falta de uma perspectiva de organização nacional da
estrutura educacional era clara e permeou a nossa história até a década de 1940. Ou seja, não havia
um projeto nacional de Estado para a educação. Tanto no Império quanto na Primeira República,
as ações no campo educacional foram pensadas, organizadas e administradas a partir das cidades
ou províncias (estados). Esse caráter descentralizador das políticas educacionais dialogava
com os embates entre centralização e descentralização que marcaram o período imperial e o
republicano em suas primeiras décadas. Os poderes locais, geralmente representados por famílias
proprietárias de terras, viam com desconfiança o poder central e temiam o enfraquecimento de
suas influências locais.

54
Éramos um país de doutores e analfabetos: a educação entre o Brasil Imperial e Republicano • CAPÍTULO 4

Assim, embora a Constituição de 1824 proibisse as Assembleias Legislativas de deliberarem


sobre assuntos de interesse geral da nação, o Ato Adicional de 1834 declarou que às Assembleias
Legislativas Provinciais competia legislar sobre a instrução pública e seus estabelecimentos,
promovendo-as. A lei apenas retirava desta competência, as faculdades e academias. Isto nos faz
crer que o ensino nos níveis elementar e secundário não era visto como assunto geral da nação.

Desta forma, cada Província organizou, promoveu (ou não) a instrução em sua localidade. No
nível elementar, houve uma preocupação na formação de professores e encontramos a fundação
das primeiras escolas normais, de nível secundário.

Já este segundo nível era lecionado, geralmente, a partir de aulas avulsas (as chamadas aulas
régias do período colonial) e particulares. Os liceus, por exemplo, criados na tentativa de organizar
este ensino acabaram se tornando apenas o prédio onde tais aulas ocorriam.

Maria Luisa Ribeiro (2011) nos aponta uma característica muito importante da educação no
Império, que de certo modo marcou a nossa história educacional: o ensino não era aliado à
pesquisa. Não havia um incentivo ao desenvolvimento científico conjugado às aulas teóricas e
livrescas das faculdades e academias.

Importante

Ina von Binzen passou três anos no Brasil, nas províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo. A professora alemã educou
crianças de famílias abastadas proprietárias de terras e escravos e em um colégio de moças. Durante a sua estadia no
país, escreveu constantes cartas para a sua amiga Grete. São exatamente estas cartas que temos acesso, pois foram
publicadas na Alemanha em 1887, tornando-se umas das principais fontes para estudos acerca da educação no país
na segunda metade do século XIX.

Figura 18.

Fonte: <https://www.correioims.com.br/perfil/ina-von-binzer/>. Acesso em: 20/2/2019.

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CAPÍTULO 4 • Éramos um país de doutores e analfabetos: a educação entre o Brasil Imperial e Republicano

É, sem dúvida, um elemento rico para nossos estudos, mas é importante estarmos atentos que estas cartas são a
visão de uma alemã sobre o Brasil. Ou seja, o olhar de alguém com uma cultura muito diversa da nossa, carregada de
estereótipos e preconceitos próprios de estrangeiros que se encontram em uma experiência tão diversa da sua.

Vamos a alguns trechos dessas cartas?

A segunda desilusão vai ser para vocês minha viagem do Rio de Janeiro até
cá: não lhes poderei contar nenhum assalto dos indígenas, nem mesmo uma
luta contra os tigres, quando no mínimo vocês esperavam uma descrição das
cobras gigantes. Tendo chegado até cá sem incidentes, reconheço de antemão
a inferioridade em que me encontro diante de vocês, comparando-me a
outros viajantes dos trópicos. [...]

O Dr. Rameiro veio buscar-me. Não sei porque o chamam de ‘doutor’ e


duvido muito que ele próprio saiba encontrar a razão desse tratamento. A
única explicação verossímil seria a de que todo o brasileiro bem colocado
na vida já nasce com direito a esse título, e por um lado pareceria uma falta
de modéstia; por outro seria estúpido exigir que eles o fossem conquistar à
custa de estudos tão difíceis quanto desnecessários. (Fazenda São Francisco,
27 de maio de 1881)
Nesse primeiro trecho, podemos notar duas características muito interessantes: a primeira diz respeito ao imaginário
exótico que os estrangeiros, especialmente europeus, tinham do Brasil. Ao não se deparar com animais selvagens,
Ina sentiu-se até um pouco frustrada por não poder contar aventuras a sua amiga. O segundo ponto diz respeito
ao “doutor” que aqui não está ligado ao título acadêmico conferido após a defesa da tese de doutorado. Até bem
pouco tempo no país, todo e qualquer homem que tivesse um lugar de poder na sociedade era chamado de doutor.
O interessante é a professora alemã ressaltar ser desnecessário o estudo para galgar determinadas posições sociais.
Vemos aí um paradoxo, o uso de um título acadêmico e, ao mesmo tempo, o desprezo pelos estudos.

Você sabe quem afundei hoje nas profundezas mais profundas de minha mala? O
nosso Bormann, ou melhor, suas quarenta cartas pedagógicas que não têm aqui a
menor utilidade. E confiava tanto nelas! Durante a viagem, quando me assaltava
o receio de não chegar a um entendimento com os meus alunos brasileiros,
lembravam-me sempre do livrinho prestimoso, entre meus apetrechos de viagem,
e sentia-me logo mais calma, dizendo-me ‘Faça assim!’... E agora? Grete: creio que o
próprio Bormann não saberia muitas vezes como agir aqui... Sinto-me desnorteada
entre tantas coisas inatingíveis mas patentes e sempre presentes!

Esta abençoada família tem doze filhos e sete deles sob meu punho pedagógico.
Às sete horas da manhã, começa. Chegam primeiro ‘as grandes’ e tomam aula de
alemão. [...] A aparência das três lembra-me sempre da Santa Inquisição, com os
juízes em volta da mesa redonda que, na certa, não se mostrariam mais carrancudos
nem mais frios. Considero-me bastante patife, pois lastimo o pedido que lhes fiz para
serem pontuais. Atravessamos penosamente a aula de alemão, sempre com auxílio do
francês que ainda é o melhor recurso, porque, quando começam a falar alemão, não
entendo patavina.

Sinto-me salva, mas meio esgotada, quando, às oito horas, chegam ‘os pequenos’.
Mesmo malcriados, ao menos são crianças e somente a mais velha já tem qualquer
coisa da Santa Inquisição. [...] Fazem tudo o que digo, aprendem tudo o que lhes dou
para resolver e assim mesmo irritam-me inexplicavelmente.

(São Francisco, 9 de junho de 1881)

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Éramos um país de doutores e analfabetos: a educação entre o Brasil Imperial e Republicano • CAPÍTULO 4

Aqui temos outra questão muito importante: o uso dos manuais pedagógicos. A professora alemã afirmou que as
instruções contidas em seu livro em nada a ajudaram no ato de lecionar. Podemos concluir que isso acontece porque:
1) a relação entre professor e aluno é dinâmica, dificilmente se repete, porque estamos tratando de subjetividades;
2) como transplantar ensinamentos metodológicos para uma cultura tão diversa? Ao longo do nosso livro, veremos
que esse foi um grande problema na questão educacional do país: a tentativa de trazer para o Brasil propostas
estrangeiras que não necessariamente se adequavam às múltiplas realidades do país.

[...] um colégio é um liceu de moças, com pensionato; tenho que lecionar para quatro
classes, iniciando as filhas deste país nos segredos das línguas alemã e inglesa; além
disso darei algumas aulas de piano. Ach! Grete! Ambas as línguas permanecerão
sempre um livro fechado a sete chaves para minhas alunas, pois é estranho como
aprendem pouco comigo, especialmente o alemão. Não pude descobrir ainda se é
culpa minha ou delas. Talvez isso se explique pela diferença das raças germânica
e romana, pois o francês aprendem até dormindo e as francesas obtêm resultados
muito melhores do que eu, em suas classes. [...]

Como há poucas salas disponíveis, dou minhas lições, em geral, com outra
professora, no mesmo cômodo: enquanto, de um lado, declamam poesias
portuguesas, tendo do outro lado explicar às minhas ‘donas’ desatentas as
complicadas declinações da língua alemã. [...]

[...] As melhores famílias não mandam absolutamente as filhas para colégios, e


devido a isso esta sociedade é, em geral, a menos educada ou a mais selvagem que
se pode encontrar; exaltam-se, gritam e chegam não raras vezes a ficar com o rosto
enrubescido como cerejas. Nessas ocasiões, nossa francesa mais moça, Mlle. Serôt,
prende-as dentro de um armário vazio até se acalmarem. [...]

Até agora não pude descobrir um programa de estudo e muito menos um horário;
por enquanto, tudo me causa a impressão de caos num deserto. [...](Rio de Janeiro, 12
de fevereiro de 1882)

Neste trecho em que Ina apresenta sua experiência em um liceu de moças, a total ausência de organização escolar,
especialmente no que tange ao currículo, é evidente. Como vimos, não havia uma diretriz nacional e as instituições
e províncias acabavam decidindo currículos e metodologias. Observe que o currículo girava em torno das línguas
estrangeiras, da literatura e da música. Isto estava relacionado ao papel da mulher na sociedade que deveria ser
educada para o lar.

Importante também percebermos que a professora alemã ressalta que as filhas mais abastadas não frequentavam
escolas. Parte delas recebia uma educação muito elementar dentro da própria casa a partir de professoras e
preceptoras, como a própria Ina. Percebe-se, a partir do olhar da autora das cartas, uma defasagem grande entre a
educação brasileira e a europeia. Embora, como já discutimos anteriormente, nosso ensino tenha sido diretamente
influenciado pelo olhar europeu, nossa dinâmica e nossa sociedade tinham outras relações e modos de vida. Esse
pode ser um elemento para explicar essa defasagem.

Este ponto fica evidente no trecho abaixo em que Ina faz duras críticas ao conhecimento dos brasileiros:

É verdade mesmo: São Paulo é o melhor lugar do Brasil para educadoras, tanto a
capital como toda a província, porque os moços da nova geração namoram a ciência
e dão-se ares de erudição e filosofia. Somos uma cidade universitária! Mas não pense
em Bonn ou Heidelberg, pois a academia daqui não é senão uma Faculdade de
Direito. No interior da província há um seminário onde se preparam padres (esqueci
o nome do lugar), aqui, formam-se advogados e, no Rio de Janeiro, os discípulos de
Escapulário, os doutores par excelence.

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CAPÍTULO 4 • Éramos um país de doutores e analfabetos: a educação entre o Brasil Imperial e Republicano

Os brasileiros dão ótimos advogados, podendo dessa forma aproveitar seu talento
declamatório. Dão a vida por falar, mesmo quando é para não dizer nada. [...] Tudo é
exterior, tudo gesticulação e meia cultura. O fraseado pomposo, a eloquência enfática
já são por si próprios falsos e teatrais; mas se você tirar a prova real, se indagar sobre
qualquer assunto, não se revelam capazes de fornecer a informação desejada.

Há pessoas na alta direção do Partido Republicano que não conhecem a história


nem a constituição do país nem muito menos a das outras nações. Há outros, que se
dizem partidários do sistema filosófico do espiritual Comte, mas não compreendem
os seus mais elementares ensinamentos. Alguns dão opinião sobre línguas
estrangeiras, mas não sabem explicar nenhuma regra da sua própria. Querem possuir
sem demora todas as novidades no terreno da técnica, mas os engenheiros para a
montagem vêm da Europa; quando estes se retiram, se por acaso se parte uma das
peças das máquinas, nenhum nacional sabe consertá-la. [...](São Paulo, 5 de abril de
1882)

Por fim, gostaríamos de convidar você à leitura prazerosa e enriquecedora do livro de Ina. Todas as cartas estão
reunidas em:

BINZEN, Ina von. Os meus romanos: alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil. São Paulo: Paz e Terra,
2017.

Fugiam à realidade concreta, e passavam a criá-la através da ação


educativa da lei: a educação na Primeira República

Em fins do século XIX, o Império passou por uma forte crise que culminou na Proclamação
da República. As consequências da Guerra do Paraguai, a intensificação dos movimentos de
resistência à escravidão e abolicionistas, o crescimento do pensamento republicano, bem como
o embate com a Igreja Católica foram cruciais para o fim do regime imperial no país.

Assim, em 15 de novembro de 1889 era proclama a República no Brasil. Porém, este movimento
não era homogêneo, tendo distintos projetos republicanos, o que ficou evidente nas tensões e
conflitos que marcaram a chamada Primeira República.

Maria Luisa Ribeiro, pautada em Reis Filho, nos traz duas excelentes reflexões para pensarmos
a educação na República, quais sejam:

1. Proclamada a partir de influências europeias republicanas, liberais e positivistas, seus


defensores traziam bandeiras que visavam colocar o Brasil nos caminhos do “progresso”:
a laicização e secularização das instituições, como o Estado, as escolas, o casamento e
os cemitérios; o fim dos privilégios da aristocracia; e a forte crença de que a educação
seria o instrumento fundamental para resolver os principais atrasos do país. Com isto,
ao pensar a educação, muitos desses legisladores apostaram na força da lei. Inspiraram-
see em modelos estrangeiros e legislaram no Brasil sem levar em consideração as nossas
especificidades, nossa historicidade, enfim, nossa realidade:

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Éramos um país de doutores e analfabetos: a educação entre o Brasil Imperial e Republicano • CAPÍTULO 4

Fugiam à realidade concreta, e passavam a cria-la através da ação educativa da


lei. Data de então este distanciamento gritante entre o Brasil legal e o Brasil real,
que na República senão até os nossos dias, sempre implicou em dois mundos
diferentes e às vezes incomunicáveis, o Brasil oficial e a realidade observável.
(REIS Filho apud RIBEIRO, 2011, P. 47)

2. A forma como a dinâmica escolar foi pensada, dava ao ensino secundário um caráter não
formativo, mas preparatório. Ou seja, ele não formava com bases humanas e científicas,
ele preparava o aluno para o ensino superior, uma espécie de porta de entrada para a
universidade para grupos mais abastados.

Na Constituição de 1891, foi instalada a dualidade da organização escolar no País: cabia à


União somente legislar sobre o ensino superior, devendo também, mas não unicamente,
promover instituições de ensino secundário. Já aos estados, caberia a organização dos
sistemas escolares.

Figura 19. Educação primária na Primeira República.

Fonte: <http://conhecerahistoria12.blogspot.com/2011/10/da-monarquia-republica-5-de-outubro-de.html>. Acesso em:


20/2/2019.

Com o desenvolvimento das indústrias e crescimento das cidades, o alto grau de analfabetismo no
país passou a constituir um forte problema para este desenvolvimento. Como podemos observar
na tabela abaixo, em 1890, 85% da população brasileira era analfabeta. Isso é uma contradição
para a ideia de República, já que ela preconiza a participação ativa dos cidadãos nas decisões
da comunidade, na governança e no seu desenvolvimento.

Tabela 1. Analfabetismo no Brasil. Índices de analfabetismo da população brasileira para pessoas de todas as idades.

Especificação 1890 1900 1920


Total 14.333.915 17.388.434 30.635.605
Sabem ler e escrever 2.120.559 4.448.681 7.493.357
Não sabem ler e escrever 12.213.356 12.939.753 23.142.248
% de analfabetos 85 75 75

Fonte: Riberio (2011, p. 60).

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CAPÍTULO 4 • Éramos um país de doutores e analfabetos: a educação entre o Brasil Imperial e Republicano

Os novos postos de trabalho nas fábricas, nas administrações e departamentos demandavam


leitura e escrita a uma população majoritariamente analfabeta. Assim, na tentativa de suprir
essa carência advinda do estágio econômico que o Brasil passava, os governos republicanos
iniciaram políticas públicas de expansão do ensino. Foi nesse processo que se deu uma das
marcas da estrutura educacional do país. Segundo Ribeiro: a complexa relação entre quantidade
e qualidade, ou, de outra forma, o dilema entre atender menos e melhor ou atender mais e pior.
Vejamos como a autora expressa essa problemática a partir da citação abaixo:

Já então as transformações econômicas e sociais do país e a tomada de


consciência de nosso atraso em matéria de educação atuam no sentido da
contínua expansão do ensino primário. Porém, aquela tomada de consciência, em
muitos administradores, processa-se na direção de abaixar o nível de aspiração
com referência à duração e qualidade da escolaridade – seria melhor dar 4 ou
3 anos de escola a muitos, alfabetizando-os, do que um ensino mais longo e de
melhor nível a poucos; e a expansão dificulta os problemas de aperfeiçoamento
da organização, e acentua a repetência e evasão escolar, que se mede por números
como os seguinte: de 1.100.129 alunos que ingressaram na 1ª série em 1945,
somente 90.657 conseguem ser aprovados na 3ª série em 1947, e aprovados na
4ª série, em 1948, 54.297.
(SILVA apud RIBEIRO, 2011, p. 63)

Este exemplo pode nos fazer refletir sobre como o sistema educacional reflete e reproduz as
divisões sociais. As escolas secundárias eram predominantemente pagas e, portanto, somente
os grupos sociais com melhores condições financeiras podiam arcar com os custos escolares dos
filhos. Com a expansão do ensino profissionalizante, essa distinção social se agravou, enraizando
aquilo que ficou conhecido como o dualismo da educação brasileira: uma educação voltada
para as classes média e mais abastada e outra educação voltada para os grupos marginalizados.

Ao lado desta realidade, criou-se uma cultura bacharelesca. Ou seja, a crença entre as camadas
superiores de que a universidade era o caminho certeiro dos seus filhos. Eles deveriam ter um
diploma de “doutor” de qualquer forma, como meio de ascensão social, respeitabilidade e
capital simbólico. Como ressalta Ribeiro (2011), citando Basbaum: “Éramos um país de doutores
e analfabetos”.

A Primeira República caracterizou-se, portanto, em termos de políticas públicas para a educação,


por reformas pontuais. Por vezes uma derrubava a outra numa total falta de planejamento nacional.
A organização escolar ficou a cargo dos estados que desenvolveram sistemas quantitativa e
qualitativamente diferenciados. Vejamos a situação do estado de São Paulo, o mais rico do país
naquele momento:

As poucas escolas públicas existentes nas cidades eram frequentadas pelos filhos
das famílias de classe média. Os ricos contratavam preceptores, geralmente
estrangeiros, que ministravam aos seus filhos o ensino em casa, ou os mandavam
a alguns poucos colégios particulares, leigos ou religiosos, funcionando nas
principais capitais, em regime de internato ou semi-internato. Muitos desses

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Éramos um país de doutores e analfabetos: a educação entre o Brasil Imperial e Republicano • CAPÍTULO 4

colégios adquiriram grande notoriedade. Em todo o vasto interior do país havia


algumas precárias escolinhas rurais, em cuja maioria trabalhavam professores
sem qualquer formação profissional, que atendiam as populações dispersas
em imensas áreas: eram as substitutas das antigas aulas, instituídas pelas
reformas pombalinas, após a expulsão dos jesuítas, em 1763.
(LEMME apud GHIRALDELLI JR., 2006, p. 36)

Na década de 1920, assistimos no Brasil a dois movimentos denominados “entusiasmo pela


educação” e “otimismo pela educação”. O primeiro partia da crença de que a disseminação da
educação escolar levaria o país ao desenvolvimento semelhante às nações mais poderosas do
mundo. Já o segundo, dizia respeito à crença em determinadas concepções pedagógicas que
trariam o verdadeiro caminho para a formação escolar do Brasil. Mais uma vez, legisladores e
pensadores da educação caíam no erro de pensar a educação a partir de modelos estrangeiros,
sem levar em consideração os diversos contextos brasileiros e sem compreender que a educação
por si só não é capaz de transformar uma sociedade e não consegue ser um polo estanque das
demais dimensões sociais, como se a escola fosse a salvação da nação (RIBEIRO, 2011, p. 74).

Vivíamos uma época posterior à Primeira Guerra Mundial, em que os Estados Unidos se projetavam
enquanto potência econômica e também enquanto estilo de vida. Era o American Way of Life
tão internalizado por nós brasileiros. Esta influência estadunidense também se fez presente na
literatura educacional, sendo absorvido pelo movimento ligado ao otimismo pedagógico. Assim,
não bastaria apenas abrir escolas, era preciso repensar a pedagogia, os métodos, a relação entre
ensino e aprendizagem, as formas de avaliação e incorporação da psicopedagogia. Muitos desses
entusiastas leram as obras do filósofo norte-americano John Dewey e sua pedagogia da “escola
nova”, tornando-se, assim, os escolanovistas.

A educação varia sempre em função de uma concepção de vida:


debates educacionais na década de 1930
A década de 1930 viu, pela primeira vez na história do país, a produção industrial superar a
produção agrícola. O país se industrializava, se urbanizava e, com isso, houve o crescimento das
migrações do campo para as cidades, o desenvolvimento dos setores de serviço e ampliação dos
setores médios. Ou seja, houve o crescimento da demanda por educação.
Figura 20. Operários de Tarsila do Amaral.

Fonte: <http://www.historialivre.com/brasil/economiarv.htm>. Acesso em: 20/2/2019.

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CAPÍTULO 4 • Éramos um país de doutores e analfabetos: a educação entre o Brasil Imperial e Republicano

O quadro da figura 20 é denominado “Operários” (1933) pintado por Tarsila do Amaral, e


ilustra bem este momento de industrialização do país. Repare nas feições dos operários.
Que sensação passam?

Este contexto se mostrou evidente na fala do Governo Provisório, que tomara o poder a partir de
um golpe, em outubro de 1930. Durante toda a década de 1920, diversos movimentos ressaltavam
o problema do atraso e do arcaísmo brasileiros, dirigindo fortes críticas ao coronelismo, às
oligarquias tradicionais e à ausência de um estado mais centralizado e administrador. O
tenentismo, a Semana de Arte Moderna e a fundação do Partido Comunista foram alguns desses
movimentos contestatórios.

O item 3 do programa do Governo Provisório ressaltava a necessidade da difusão do ensino


público, especialmente técnico-profissional. O novo governo apontava para uma organização
nacional da educação no país. Pela primeira vez, via-se a tentativa de estabelecer uma estrutura
de ensino a partir de diretrizes da União.

Segundo Otaíza Romanelli (2014), esta crescente industrialização levou a uma quebra
de equilíbrio entre o que era oferecido em termos educacionais e as demandas da
população. Isso gerou uma tensão e diversos conflitos sobre como, para quê e para quem
expandir o ensino no Brasil, como veremos a seguir. A autora ainda afirma que, como
nosso desenvolvimento industrial foi baseado na importação de tecnologias, o ensino
cumpriu o papel de treinar e qualificar a mão de obra, mas não o de produzir pesquisa
e desenvolvimento científico:

O que se verificou, a partir daí, foi o fato de a expansão do sistema escolar,


inevitável, ter-se processado de forma atropelada, improvisada, agindo o
Estado mais com vistas ao atendimento das pressões do momento do que
propriamente com vistas a uma política nacional de educação. É por isso que
cresceu a distribuição de oportunidades educacionais, mas esse crescimento
não se fez de forma satisfatória, nem em relação à quantidade, nem em relação
à qualidades.

O tipo de escola que passou a expandir-se foi o mesmo que até então educara
as elites e essa expansão, obedecendo, como já se disse, às pressões da
demanda e controlada pelas elites, jamais ocorreu de forma que se tornasse
universal e gratuita a escola elementar e adequado e suficiente o ensino
médio superior.

(ROMANELLI, 2014, p. 65)

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Éramos um país de doutores e analfabetos: a educação entre o Brasil Imperial e Republicano • CAPÍTULO 4

A tese de Romanelli pode ser evidenciada no gráfico abaixo:

Tabela 2. Índices relativos à alfabetização.


Especificação 1900 1920 1940 1950 1960 1970
População total 17.438.434 30.635.605 41.236.315 51.944.397 70.119.071 94.501.554
Densidade
2,06 3,62 4,88 6,14 8,39 11,18
demográfica
Renda per capita
55 90 180 - 236 -
em dólares
% de população 10 16 31 36 46 56

% de analfabetos
65,3 69,9 56,2 50,0 39,5 33,1
(de 15 anos e mais)

Fonte: Romanelli (2014, p. 66).

Observe que quanto mais a sociedade brasileira foi se urbanizando, menor o índice de
analfabetismo. Isso porque uma sociedade capitalista industrial traz uma nova dinâmica que
demanda especialização de mão de obra tanto para as suas indústrias quanto para as áreas que
contribuem para o seu êxito: como o comércio e o setor de serviços.

Assim, ainda segundo Romanelli (2014), dois fatores essenciais viabilizam a formação e
concretização de um sistema educacional:

1. Coerência interna: os objetivos de cada nível de escolaridade e a articulação entre


eles, havendo uma independência dos objetivos de cada nível, mas também uma
interdependência que os comunique.

2. Coerência externa: o sistema de ensino deve, de alguma forma, se adequar às exigências


sócio-político-econômico-culturais nas qual está inserido. Gerando e absorvendo ao
mesmo tempo as consequências e os impactos do que foi produzido pelo sistema. Ou
seja, o sistema educacional precisa responder ao seu contexto.

A década de 1930 foi muito rica no que tange aos debates educacionais do país. Dois grandes
grupos se formaram e dentro deles, algumas ramificações. Um grande grupo de viés tradicional
era capitaneado pelos educadores católicos que defendiam a importância da família na educação,
o ensino privado, a separação entre os sexos no ambiente escolar e a subordinação da escola à
doutrina católica. Já o segundo grande grupo, defendia uma escola laica, pública e universal e
a responsabilidade do Estado sobre o sistema de ensino. Ambos tinham em comum a crítica ao
monopólio do Estado sobre a educação.

Assim, a Associação Brasileira de Educação (ABE), criada em 1924, organizou-se em sua V


Conferência Nacional de Educação com o propósito de oferecer ao Governo Provisório e à
Assembleia Constituinte uma proposta de Plano Nacional de Educação. Daí nasceu o famoso
“Manifesto de 1932” ou o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”.

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CAPÍTULO 4 • Éramos um país de doutores e analfabetos: a educação entre o Brasil Imperial e Republicano

Importante

Paulo Ghiraldelli Jr. é um grande estudioso da História da Educação no Brasil. Escreveu inúmeros artigos e livros
sobre esta temática. Vejamos como o autor nos apresenta o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova em seu livro
História da educação brasileira (2006, pp. 41-47):

O ‘Manifesto de 1932’ foi redigido por Fernando de Azevedo e, apesar de representar


tendências diversas de pensamento – como as do filósofo John Dewey e a do
sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917) entre outros – compunha uma
autêntica e sistematizada concepção pedagógica, indo da filosofia da educação até
formulações pedagógico-didáticas, passando pela política educacional.

[...] O mal, diz o texto, está na insuficiência dos planos de governo. Faltaria a eles
uma filosofia da educação e, mais, uma visão científica dos problemas educacionais.
[...] Portanto, segundo o documento de 1932, a nova filosofia da educação deveria
adaptar a escola à modernidade e, para tal, teria de aplicar sobre os problemas
educacionais de toda ordem os métodos científicos.

[...]

O documento de 1932 toma como ponto de partida a premissa de que a ‘educação


varia sempre em função de uma ‘concepção de vida’, refletindo, em cada época, a
filosofia predominante que é determinada, a seu turno, pela estrutura da sociedade’.
[...] o ideal a ser alcançado pela educação varia segundo cada época, [...]

[...] A ‘educação nova’ – não artificial, pois estaria sobre as bases das novas tendências
sociais – deveria colocar as finalidades da educação ‘para além dos limites das classes’
e, para tal, preparar-se para formar a ‘hierarquia democrática’ através da ‘hierarquia
das capacidades’ ‘recrutadas em todos os grupos sociais’.

A ‘educação nova deveria ser pragmática’, na medida em que não devia servir aos
interesses de classes e sim aos ‘interesses do indivíduo’.

[...] assumiria uma educação a partir de um ‘caráter biológico’ na medida em que


reconheceria ‘ a todo o indivíduo o direito a ser educado até onde o permitisse as suas
aptidões naturais, independente de razões de ordem econômica e social’.

Partindo da observação da família e do Estado, como instituições às quais caberia


a tarefa educativa, o Manifesto explica que a família deixa de ser um ‘centro de
produção’ e se torna um ‘centro de consumo’. Assim, ela se distanciaria, enquanto
grupo, do trabalho, e com isso delegaria ao Estado a função de promover a educação
pública. [...]

Também a laicidade, a gratuidade, a obrigatoriedade e a co-educação dos sexos, no


texto do Manifesto, aparecem como derivadas do ‘direito biológico’ à educação. A
laicidade está colocada para expulsar o ‘dogmatismo sectário’ do ambiente escolar,
dado que a personalidade do educando seria desrespeitada se a escola viesse a ser
utilizada como ‘instrumento de propaganda de seitas e doutrinas’. [...]

Buscando a unidade da função educacional, o Manifesto arrola algumas medidas


necessárias para tal: seleção dos alunos na sua aptidão natural, supressão de
instituições criadoras de diferenças sobre base econômica, a incorporação dos
estudos do magistério à universidade, a equiparação de mestres e professores em
remuneração e trabalho, a correlação e a continuidade do ensino em todos os seus
graus.

[...]

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Éramos um país de doutores e analfabetos: a educação entre o Brasil Imperial e Republicano • CAPÍTULO 4

O ponto de honra da ‘educação nova’, no texto de 1932, se consubstancia na ideia


de que o professor tem de conhecer o educando, [...] A ‘nova doutrina’ entende que
o educando não pode ser ‘modelado exteriormente’; deve, sim, obedecer às leis de
desenvolvimento da criança que indicariam que ela ‘cresce de dentro pra fora’. [...]

[...] conclui que a solução ‘para o problema educacional das massas rurais e do
elemento trabalhador das cidades e dos centros industriais’ está na ‘extensão da
escola do trabalho educativo e da escola do trabalho profissionalizante’ [...]

Segundo Otaíza Romanelli, o cerne do debate entre os reformadores e o grupo tradicional católico
esteve ligado aos embates entre ensino público e ensino privado. Tanto as classes médias em
desenvolvimento, quanto as classes populares em crescimento nas cidades demandavam e
pressionavam por educação. A primeira, pelo acesso ao ensino secundário e superior, a segunda
pelo acesso ao ensino primário. Diante deste desequilíbrio, os reformadores entenderam que era
hora do Estado assumir essa responsabilidade, até porque grande parte do ensino secundário
no Brasil ainda se encontrava nas mãos de escolas católicas particulares que não absorviam as
demandas. A ala católica contra-atacou a defesa dos reformadores temerosa de que o Estado
monopolizasse o ensino. Mas esta não era a proposta em questão. Os reformadores sabiam muito
bem que o Estado não tinha condições de arcar com todo esse sistema e não desejavam isso.
O que defendiam era o direito de todos à educação. E isto só poderia ser realizado se o Estado
assegurasse esse direito, especialmente às camadas empobrecidas.

A Constituição de 1934 refletiu esse conflito de propostas. De um lado, atendeu aos educadores
católicos, de outro, incorporou algumas das ideias dos escolanovistas. No geral, a nova Carta
Magna pode ser considerada um avanço no que tange à organização educacional: afirmou ser
competência da União fixar um plano nacional de educação, coordenando e fiscalizando sua
execução no país; aos estados competia organizar seus sistemas educacionais respeitando as
diretrizes nacionais; compreendia a educação enquanto direito de todos; instituiu liberdade
de ensino e de cátedra, a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino; também criou fundos de
educação visando bolsas de estudo.

Assim, os resultados nestes anos 1930 foram satisfatórios em alguns pontos e insatisfatórios
em outros. Houve uma significativa ampliação das unidades escolares, das matrículas e do
número de professores. Esse processo também foi acompanhado por uma melhoria no campo
administrativo das escolas. Porém, os grandes problemas qualitativos não foram solucionados,
embora os índices tenham melhorado:

1. Altos índices de reprovação e de seletividade (a grande maioria parava seus estudos no


nível elementar), como podemos observar da tabela abaixo:

65
CAPÍTULO 4 • Éramos um país de doutores e analfabetos: a educação entre o Brasil Imperial e Republicano

Tabela 3. Aprovação.

Anos Matrícula Aprovações Taxas Graus


1932 2.071.437 831.223 40%
Elementar
1936 2.750.014 1.153.212 42%
1932 56.208 40.000 72%
Médio
1936 107.649 85.103 79%
1932 21.526 19.876 92%
Superior
1936 26.732 22.439 84%

Fonte: Ribeiro (2011, p. 91).

2. E, o que marcou a educação brasileira: o seu dualismo. Os alunos advindos das classes
trabalhadoras, com menos recursos, quando seguiam seus estudos, iam para as escolas
profissionalizantes, enquanto os filhos dos grupos da classe média ou alta seguiam o
caminho do ensino secundário.

Sintetizando

Vimos até agora:

O Brasil Imperial permaneceu sem uma política nacional de educação, deixando a cargo das províncias organizar os
sistemas primário e secundário.

A industrialização e a urbanização trouxeram novas demandas para a educação do país, já que necessitavam de mão
de obra qualificada para as máquinas e os setores administrativos e de serviço. A crescente classe média cobrava sua
entrada no ensino secundário e, portanto, a construção e organização de mais escolas deste nível. Já as classes menos
abastadas pressionavam pelo ensino primário com o fim de conseguir se inserir nesse novo mercado de trabalho
industrial.

As políticas públicas educacionais geraram o que ficou conhecido como o dualismo educacional, ou seja, a criação
de escolas voltadas para as camadas mais abastadas da população e a criação das escolas profissionalizantes, cujo o
público se encontrava nas camadas empobrecidas.

66
CAPÍTULO
UM IMENSO PONTO DE
ESTRANGULAMENTO: O SISTEMA
EDUCACIONAL BRASILEIRO ENTRE AS
DÉCADAS DE 1940 E 1970 5
Introdução

Você está tendo a oportunidade de cursar uma graduação. Ainda hoje isso é um privilégio para
poucos. A grande maioria não tem condições de prosseguir nos estudos. Imagine décadas atrás!
Se você perguntar para familiares mais velhos, poderá perceber que a ideia de universidade era
um sonho distante, ou, possivelmente, nem era um sonho.

Somente nos anos 2000 tivemos o fortalecimento de diversas políticas públicas para a expansão
do ensino superior e pudemos acompanhar a primeira geração graduanda de muitas famílias
de classe média, média baixa e baixa nos bancos universitários.

Mas, entre as décadas 1940 e 1970, a realidade era outra. Poderemos observar, neste capítulo, o
quanto o sistema educacional brasileiro era seletivo, construindo o que a autora Otaíza Romanelli
chamou de “ponto de estrangulamento”: a grande maioria da população não passava do ensino
primário, quando muito, o concluía.

Vamos acompanhar o aprofundamento do dualismo educacional brasileiro a partir da Constituição


de 1937, da Reforma Capanema e da formação do Senai/Senac. Abordaremos os debates em torno
da reforma educacional, que duraram treze anos entre muitos conflitos pedagógicos e disputas
de interesses. Também veremos a constante tentativa das políticas públicas e movimentos sociais
na árdua tarefa de erradicar o analfabetismo no Brasil.

Enfim, traremos dados para que você se aproxime da realidade educacional brasileira dessas
décadas e possa compreender melhor os desafios que docentes e discentes têm enfrentado até
os dias atuais.

Vamos lá?

67
CAPÍTULO 5 • Um imenso ponto de estrangulamento: o sistema educacional brasileiro entre as décadas de 1940 e 1970

Objetivos

» Conhecer as propostas educacionais da década de 1940 que aprofundaram e estimularam


o dualismo educacional brasileiro.

» Apresentar os embates pedagógicos e políticos que permearam por treze anos as


discussões da reforma geral da educação no país entre 1948 e 1961.

» Analisar as causas do sistema educacional brasileiro se constituir um ponto de


estrangulamento, com altos índices de reprovação e evasão escolar, além da falta de
possibilidade de continuidade nos estudos.

O ensino secundário se destina à preparação das


individualidades condutoras: a Reforma Capanema

A Constituição de 1934 não durou muito. Com o golpe do Estado Novo proferido por Getúlio
Vargas em 1937, centralizando o executivo, censurando intelectuais e periódicos, fechando
partidos políticos e instaurando um governo autoritário, uma nova Constituição foi outorgada.

No campo educacional, a legislação confirmou a perspectiva dualista do ensino brasileiro. Em


seu artigo 129, afirmava que o ensino profissional se destinava às “classes menos favorecidas e
é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado”. Importante ressaltarmos que, durante
o governo Vargas, estabeleceu-se uma política nacional de industrialização. O Estado tomou
para si a tutela e organização deste processo, especialmente a partir das indústrias de base.
Neste sentido, havia uma demanda crescente e urgente de mão de obra mais qualificada para a
indústria. Para atender a esse imperativo, o Estado se esforçou na construção e concepção dessas
escolas profissionalizantes, voltadas, é claro, para as camadas empobrecidas.

Mais do que pela Constituição, este período da história da educação do país ficou marcado
pelas Leis Orgânicas de Ensino, também chamadas de Reforma Capanema, em homenagem
ao ministro da educação, Gustavo Capanema. Essas leis eram formadas por uma série de
decretos-leis emitidos entre os anos de 1942-1946, ou seja, terminaram quando o Estado Novo
já havia findado e a democracia se restabelecia. De qualquer forma, essas reformas marcaram
indelevelmente a educação no país.

A organização do ensino ocorreu de forma bifurcada, onde as escolas secundárias eram


destinadas às “elites condutoras” e as escolas profissionalizantes aos demais setores da
população. Ou seja, a própria lei já demarcava os grupos sociais e seus respectivos espaços
educacionais, estabelecendo, de forma orgânica, o nosso dualismo educacional. Vejamos o
que o próprio ministro Capanema declarou à época:

68
Um imenso ponto de estrangulamento: o sistema educacional brasileiro entre as décadas de 1940 e 1970 • CAPÍTULO 5

O ensino secundário se destina à preparação das individualidades condutoras,


isto é, dos homens que deverão assumir as responsabilidades maiores dentro
da sociedade e da nação, dos homens portadores das concepções e atitudes
espirituais que é preciso infundir nas massas, que é preciso tornar habituais
entre o povo [...]

O estabelecimento de ensino secundário tomará o cuidado especial na


educação moral e cívica de seus alunos, buscando neles formar, como base
do patriotismo, a compreensão da continuidade histórica do povo brasileiro,
de seu problemas e desígnios, de sua missão em meio aos povos (art.22) [...]

Deverão ser desenvolvidas nos adolescentes os elementos essenciais da


moralidade: o espírito de disciplina, a dedicação aos ideais e a consciência
da responsabilidade. Os responsáveis pela educação moral e cívica da
adolescência terão ainda em mira que é finalidade do ensino secundário
formar as individualidades condutoras, pelo que força desenvolver nos alunos
a capacidade de iniciativa e de decisão e todos os atributos fortes da vontade.
(CAPANEMA apud RIBEIRO, 2011, p. 114)

O currículo do ensino primário dispunha das seguintes disciplinas: Leitura e linguagem oral e
escrita; Iniciação à Matemática; Geografia e História do Brasil; Conhecimentos gerais aplicados
à vida social, Educação para a saúde e para o trabalho; Desenho e trabalhos manuais; Canto
orfeônico e Educação física. Já o ensino secundário para as futuras “elites condutoras”, nas palavras
de Capanema, recebiam uma educação de base humanística e enciclopédica, com grandes
quantidades de avaliações. O ensino profissionalizante foi dividido em quatro modalidades:
Industrial, Comercial, Agrícola e Normal.

Apesar de todos os esforços do governo para atender às demandas de mão de obra da crescente
industrialização do Brasil, as escolas profissionalizantes públicas não deram conta de enviar
ao mercado de trabalho esses profissionais. Com o objetivo de sanar esse desequilíbrio, foram
criados em parceria com a Confederação Nacional das Indústrias e a Confederação Nacional
do Comércio, as escolas do Senai e do Senac, respectivamente. Tais escolas eram voltadas para
estudantes das classes econômicas mais baixas, muitos recebiam um salário para estudar e
treinavam dentro das próprias empresas. O início da construção do “Ssistema S” coroou o
dualismo educacional brasileiro.

69
CAPÍTULO 5 • Um imenso ponto de estrangulamento: o sistema educacional brasileiro entre as décadas de 1940 e 1970

Importante

Figura 21. Logomarca atual do Senai.

Fonte: <http://www.portaldaindustria.com.br/senai/>. Acesso em: 25/2/2019.

Para atender às demandas dos crescentes setores da indústria e do comércio, o governo forjou um sistema de ensino
paralelo ao oficial: aquilo que mais tarde ficou conhecido como “Sistema S”.

Aliado à Confederação Nacional das Indústrias, criou pelo decreto-lei número 4.048, de 22 de Janeiro de 1942, o
Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários, mais tarde renomeado de Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial, o Senai. O objetivo do Senai era organizar e administrar escolas de aprendizagem industrial para preparar
menores para o trabalho nas indústrias. A lei também facultava o direito de oferecer formação e continuação aos
trabalhadores de suas unidades fabris. A Confederação seria responsável pela organização e direção do Senai e a sua
manutenção viria a partir da contribuição das indústrias filiadas.

Outros dois decretos-lei foram lançados pelo governo para fomentar o Senai. O primeiro estipulava a obrigação por
parte das indústrias filiadas à Confederação de empregar os aprendizes menores numa proporção de 8% em relação
ao número de operários da empresa. Além de matriculá-los nos cursos do Senai, a lei exigia que a prioridade fosse
dada aos filhos e irmãos de seus empregados. O segundo decreto-lei ampliou a atuação do Senai para os setores dos
transportes, comunicações e pesca.

Seguindo a mesma estrutura, foi criado, em 1946, o Senac, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, ligado à
Confederação Nacional do Comércio. Ele tinha os mesmos objetivos e fins do serviço anterior.

Os cursos ministrados pelo Senai e Senac voltaram-se especialmente para os de rápida aprendizagem, diferenciando-
se daqueles oferecidos pelo sistema oficial de ensino. Assim, seu foco e seu público eram adolescentes das classes
mais baixas que tinham urgência em conseguir emprego e não poderiam esperar por processos mais demorados
de aprendizagem como no ensino secundário. Outro público que procurava o Senai e o Senac era o de jovens que
há tempo já estavam fora das cadeiras escolares e que precisavam se especializar para se qualificar e melhorar a sua
remuneração.

Fica evidente que esse sistema paralelo de ensino era voltado para as camadas populares da sociedade, alimentando
o dualismo educacional brasileiro. Assim, os grupos mais abastados direcionavam seus filhos para as escolas
secundárias que possibilitariam o acesso às universidades, enquanto as camadas menos abastadas direcionavam
seus filhos para uma aprendizagem mais rápida e voltada para o trabalho.

Romanelli afirma que, após onze anos de vigência das Leis Orgânicas, podemos chegar à conclusão
de que as leis têm pouca influência na transformação da realidade educacional brasileira. As
disparidades regionais, o alto índice de não escolarização, a insuficiência em atender as demandas
da industrialização, bem como a falta de continuidade nos estudos demonstram que não bastam
leis se as condições reais e materiais não existirem.

70
Um imenso ponto de estrangulamento: o sistema educacional brasileiro entre as décadas de 1940 e 1970 • CAPÍTULO 5

Ali estavam recorrendo à escrita em folhas secas com tinta


extraída de sementes: educação brasileira entre as décadas de
1940-1970

O fim do Estado Novo trouxe consigo ventos democráticos e liberais. Isso se refletiu na Constituição
de 1946, como podemos observar em seus artigos destinados à educação, tais como:

Art. 166 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve
inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana.

Art. 167 – O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos poderes públicos
e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem.

A Carta Magna propunha uma relação equilibrada entre a União e os estados e municípios.
Embora abrisse para certa autonomia organizacional e pedagógica, não deixava de reafirmar a
obrigatoriedade em cumprir com as diretrizes nacionais estabelecidas pela União.

Entre as décadas de 1950 e 1960, o índice de alfabetização conheceu um grande progresso. Isto
porque, a partir de 1947, foram instaladas as classes de ensino supletivo, nos horários vespertino
e noturno, possibilitando que trabalhadores pudessem estudar.

Tabela 4. Matrículas no ensino supletivo. Evolução da matrícula no ensino supletivo para a população não
alfabetizada, de mais de 14 anos.

Anos Matrículas Índice


1945 138.562 100
1950 707.934 510
1955 520.196 375
1959 484.498 349

Fonte: Romanelli (2014, p. 67).

Inspirado pelos novos tempos liberais e democráticos, Clemente Mariani, o Ministro da Educação,
constituiu em 1948 uma comissão com o objetivo de propor uma reforma geral no sistema de
ensino do país. Iniciou-se, então, um novo embate ideológico entre os que defendiam distintas
formas organizacionais. Foram treze anos de idas e vindas, de discussões e debates intensos,
reformulações e adendos. Somente em 1961 a lei foi votada e aprovada.

Num primeiro momento, as discussões giraram em torno do debate entre centralização e


descentralização. Muitos desses embates partiam de distintas interpretações acerca da Constituição,
das responsabilidades que cabiam à União e das responsabilidades que cabiam aos estados.

Muitos educadores herdeiros de linhas mais progressistas não viam com bons olhos a centralização
da educação, devido às disparidades regionais brasileiras, e acreditavam que realidades distintas
exigiam procedimentos pedagógicos e organizacionais distintos. Os educadores tradicionais
católicos também advogavam contrariamente à centralização por temerem um afastamento do

71
CAPÍTULO 5 • Um imenso ponto de estrangulamento: o sistema educacional brasileiro entre as décadas de 1940 e 1970

ensino de viés cristão e a utilização das escolas como instrumento de propagação de ideologias
estatais que se afastassem da Igreja.

Para refletir

As disparidades regionais ainda são uma grande questão para a organização das políticas públicas de educação no
Brasil. Um país de tamanho continental e diferentes processos sócio-histórico-regionais precisa pensar a organização
escolar a partir dessas diferenças.

O filme Pro dia nascer feliz (2005) é um documentário nacional que visita realidades escolares diversas. Nele,
conhecemos estudantes do interior do Brasil que não têm unidades escolares em suas cidades e precisam viajar
quilômetros para completar o Ensino Médio. Somos apresentados ao cotidiano violento das escolas da periferia
das grandes cidades e como isto impacta na relação entre docentes e discentes e, por consequência, no processo
ensino-aprendizagem. Também assistimos às entrevistas com professores e alunos que sofrem com depressão e o
desestímulo nas salas de aulas. Além disso, somos convidados a entrar em uma das escolas frequentadas pelas elites
paulistanas e conhecermos seu cotidiano, a visão dos alunos sobre a escola e sua condição privilegiada.

Enfim, é um ótimo documentário para compreender que, no Brasil, devemos pensar em escolas no plural mesmo,
porque são realidades muito complexas e distintas. A nossa crítica ao filme é que ele aponta os problemas, sem
apontar para uma perspectiva, ou seja, jogou para nós essa tarefa.

Então convido você a assistir e refletir sobre soluções e práticas possíveis para, de fato, o dia nascer feliz.

Figura 22. Cena do filme Pro dia nascer feliz em que assistimos a um conselho de classe numa escola da
periferia da Baixada Fluminense.

Fonte: <http://passapalavra.info/2010/02/19335/>. Acesso em: 25/2/2019.

Foi a partir do substitutivo proposto pelo deputado Carlos Lacerda que o debate realmente
esquentou e polemizou em torno da interpretação sobre a liberdade de ensino. Novamente a
questão esbarrava nas disputas entre ensino privado e ensino público. Temendo a expansão do
ensino público enquanto uma ameaça aos seus negócios, o substitutivo de Lacerda propunha que
o Estado aplicasse recursos na rede privada de ensino e que houvesse paridade de representantes
entre essas duas redes nos conselhos de educação nacional e regionais.

72
Um imenso ponto de estrangulamento: o sistema educacional brasileiro entre as décadas de 1940 e 1970 • CAPÍTULO 5

Estas propostas geraram um movimento contrário denominado Campanha em Defesa da Escola


Pública, liderado por educadores que assinaram o “Manifesto de 1932”, bem como por novas
lideranças intelectuais, estudantes e líderes sindicais.

Ao final, houve vitórias e derrotas de ambas as partes. A obrigatoriedade escolar do ensino


primário foi abandonada, ao mesmo tempo em que as escolas particulares não puderam fugir
da fiscalização do governo. Conquistou-se uma descentralização no que tange ao currículo:

Art. 2o - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola.

Parágrafo único – à família cabe escolher o gênero de educação que deve dar a
seus filhos

Art. 3o - O direito à educação é assegurado:

I – Pela obrigação do poder público e pela liberdade da iniciativa particular de


ministrarem o ensino em todos os graus, na forma da lei em vigor;

II – Pela obrigação do Estado de fornecer recursos indispensáveis para que a


família e, na falta desta, os demais membros da sociedade se desobriguem dos
encargos da educação, quando provada a insuficiência de meios, de modo que
sejam asseguradas iguais oportunidades a todos

Art. 4o - É assegurado a todos, na forma da lei, o direito de transmitir seus


conhecimentos.

Art. 5o - São assegurados aos estabelecimentos de ensino público e particulares,


legalmente autorizados, adequada representação nos Conselhos Estaduais de
Educação e o reconhecimento, para todos os fins, dos estudos neles realizados.

Como vimos no capítulo anterior, a pressão por aumento da escolarização esteve associada à
industrialização, ao crescimento demográfico das cidades, ao surgimento de novos postos de
trabalho nos setores de serviços e administrativos. Isso nos leva também a pensar na desigualdade
educacional entre campo e cidade. Segundo dados apresentados por Otaíza Romanelli, o
quantitativo da população em idade escolar que não frequentava a escola era muito maior na
zona rural. Das crianças no campo entre 7 e 11 anos, 75% não frequentavam a escola em 1964,
enquanto na cidade esse percentual era de 24%. Na década de 1970, essa realidade teve uma
pequena melhora, mas os números continuaram alarmantes: cerca de 64% da população rural
entre 7 e 14 anos não frequentava a escola.

O analfabetismo permaneceu sendo um grande problema na sociedade brasileira. Segundo


Maria Luisa Ribeiro, em 1960, 39,4% da população brasileira de 15 anos e mais era analfabeta. Em
1970, totalizava-se 33,6%. Porém, se olharmos os números absolutos, veremos que o número de
analfabetos aumentou de 15.815.903 para 18.146.977. Ou seja, em dez anos tínhamos 2.331.074
pessoas analfabetas a mais.

73
CAPÍTULO 5 • Um imenso ponto de estrangulamento: o sistema educacional brasileiro entre as décadas de 1940 e 1970

A sociedade brasileira, nos últimos 20 anos trocou sua base econômica agrícola
pela industrial. As exigências de melhor preparo de mão de obra acentuam-se.
Quando a simples alfabetização já não basta, não conseguimos sequer oferece-la
a mais de 25 milhões de brasileiros! Ora, na sociedade industrial a cultura letrada
não é apenas condição de ajustamento social, mas também de sobrevivência
individual. As grandes massas rurais que a partir de 1960 migraram para as
cidades [...], aí permaneceram analfabetas, formando o colossal contingente de
marginalizados na periferia das metrópoles.
(REIS FILHOS apud RIBEIRO, 2011. pp. 124-125)

Saiba mais

Maria Luisa Ribeiro nos lembra que, durante a década de 1960, surgiram os chamados movimentos de educação
popular. Alternativos aos sistemas oficiais de ensino, tais movimentos procuravam atingir as camadas mais pobres da
sociedade, trabalhando não somente conteúdos da aprendizagem formal, mas também arte e questões cotidianas.

Vamos ver alguns exemplos desses movimentos?

Os Centros Populares de Cultura (CPC) originaram-se da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1961. Com
linguagem popular, os jovens montavam peças de teatro em praças, universidades e sindicatos, cujos temas tratavam
de situações imediatas e cotidianas. Os CPCs também promoveram diversos cursos (cinema, teatro, artes plásticas,
filosofia), exposições que discutiam temas sociais e econômicos (reforma agrária, Petrobrás, remessa de lucros etc),
lançaram periódicos, realizaram festivais de música, publicaram cordéis e chegaram inclusive a construir um teatro
na sede da UNE.

Figura 23. Capa do disco gravado pelo CPC.

Fonte: <https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/Centro_Popular_de_Cultura>.
Acesso em: 25/2/2019.

Os Movimentos de Cultura Popular (MCP) originaram-se no Recife e tinham por objetivos o diálogo com o homem
comum do povo e o estímulo à capacidade de criação deste sujeito. A partir da arte, pretendia-se chegar à análise
da realidade social brasileira de forma crítica e construtiva. Também desenvolveram atividades relacionadas à
alfabetização e à educação de base, com o apoio dos governos de Pernambuco e Rio Grande do Norte.

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Um imenso ponto de estrangulamento: o sistema educacional brasileiro entre as décadas de 1940 e 1970 • CAPÍTULO 5

Um terceiro movimento apontado pela autora foi o Movimento de Educação de Base (MEB), também construído
em 1961, mas ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e à União. O MEB funcionava a partir de
sistemas de escolas radiofônicas, com presença de monitores. Visava à educação de base das camadas mais pobres
e de áreas geograficamente defasadas de unidades escolares. A metodologia era voltada para discussões de temas da
atualidade conjugando conteúdo, com análise crítica da realidade vivenciada. O sucesso do MEB foi estrondoso: em
1961, 38.734 alunos concluíram o curso; em 1962 foram 108.571; e no ano seguinte 111.066.

Veja o depoimento de um dos jovens atuantes no projeto MEB:

Um pequeno grupo de minha geração viveu o fascínio histórico da elaboração de


um projeto global alternativo de mudança social para o Brasil, dando os primeiros
passos para tentar concretizá-lo. Trabalhando com paixão, doando-se integralmente,
adiando gratificações próprias da juventude em função dos objetivos traçados,
ousamos construir um mundo novo.

Sob o influxo das ideias debatidas na época pelos vários grupos sociais, sob a pressão
das práticas da Ação Católica, assimilando as reflexões teológicas do exterior,
internalizando e redefinindo temas do humanismo integral e do personalismo,
respirando algumas proposições do socialismo, segmentos gradativos de leigos
e representantes do clero e dos religiosos passaram a exigir mais do testemunho
cristão, da atuação da Igreja, do compromisso com a mudança social. Estruturaram-
se, então, diferentes visões de mundo e perspectivas de ação, divergentes
concepções sobre a missão da Igreja no temporal, no seio das instituições, dos
grupos e movimentos católicos (PDC – Partido Democrático Cristão, Ação Católica,
sindicalismo rural e no próprio MEB), nas relações entre clero e laicato, entre clero
e hierarquia. Toda esta constelação de elementos tendia para o nascimento da
chamada “Igreja Popular”, na qual o povo irrompe com presença mais efetiva dentro
da instituição [...] Iam germinando as primeiras elaborações da teologia da libertação.
A voz e as ações de setores significativos da Igreja pendiam para o lado dos pobres,
dos dominados, deslegitimando paulatinamente a influência da Igreja vis-à-vis ao
Estado depois de 1964.

Nesta realidade originou-se o MEB. (WANDERLEY, 1984.

Figura 24. Uma das sedes do MEB.

Fonte: <http://www4.pucsp.br/cedic/meb/o-meb.html>. Acesso em: 25/2/2019.

Para saber mais sobre o MEB, indicamos o rico arquivo online: <http://www4.pucsp.br/cedic/meb/o-meb.html>.

Infelizmente, com o golpe civil-militar de 1964, a educação popular sofreu um revés, já que muitas dessas
instituições, professores e intelectuais foram proibidos, silenciados, presos e exilados.

75
CAPÍTULO 5 • Um imenso ponto de estrangulamento: o sistema educacional brasileiro entre as décadas de 1940 e 1970

Otaíza Romanelli (2014) nos mostra como o sistema educacional brasileiro se constituiu
enquanto “um imenso ponto de estrangulamento”. Isso porque, quanto mais se avançava
na escolarização, menor o quantitativo de alunos. Isto se fazia evidente na análise da
autora sobre os vestibulares. A demanda era muito maior que a oferta, ou seja, o sistema
educacional superior brasileiro absorvia apenas uma pequena parcela dos alunos que
podiam e queriam cursar uma universidade.

Em 1957, apenas 36% dos candidatos obtiveram uma vaga, enquanto que em 1964 somente
46% conseguiram entrar no curso superior. Isto nos mostra como o nosso ensino superior era
deficitário, pois sabemos que era uma minoria que conseguia concluir o ensino secundário e
aspirar a uma vaga nas universidades do país.

Observe o gráfico abaixo e veja o quanto ele vai afunilando conforme se aproxima do
ensino superior, demonstrando o caráter seletivo da nossa educação e o seu “ponto de
estrangulamento”:

Gráfico 1. Rendimento do sistema educacional brasileiro de 1961/1972.

Fonte: Romanelli (2014, p. 96).

76
Um imenso ponto de estrangulamento: o sistema educacional brasileiro entre as décadas de 1940 e 1970 • CAPÍTULO 5

Saiba mais

Um acontecimento muito importante para a educação brasileira ocorreu na década de 1960 com a criação da
Universidade de Brasília capitaneada por seu primeiro reitor, Darcy Ribeiro, que afirmava que a UnB deveria ser leal:

Aos valores e padrões internacionais da ciência e da cultura – mediante o


qual se procuraria corrigir a farsa dos graus e títulos universitários nacional e
internacionalmente desprestigiados – e [...] ao povo brasileiro e à sua Nação,
expressando assim o compromisso de vincular a Universidade à busca de soluções
para os problemas nacionais, à luta do povo brasileiro para levar seu processo
histórico aos efetivos caminhos da independência e emancipação.

(RIBEIRO apud RIBEIRO, 2011, p. 136)

A partir das propostas de Darcy Ribeiro, Maria Luisa Ribeiro conclui que o grande objetivo da criação da Universidade
de Brasília não era romper com o “atraso” frente às universidades europeias e estadunidenses, mas romper com o
anacronismo das universidades brasileiras diante da própria realidade da sociedade brasileira. Assim, a proposta era
a construção de uma universidade que olhasse para as questões nacionais com o objetivo de contribuir para sanar
seus problemas e déficits, aliando ensino e pesquisa.

Segundo a autora, dois fatores foram fundamentais para o processo de seletividade escolar:

O primeiro diz respeito à realidade social, econômica e cultural do aluno. Para muitas crianças e
jovens brasileiros, manter-se na escola era uma luta diária. Isso porque suas famílias tinham baixa
renda e não conseguiam arcar com material escolar e boa alimentação, fatores fundamentais
para o sucesso acadêmico. Além disso, muitos deles precisavam abandonar a escola para
ajudar na renda da família e entrar no mercado de trabalho muito cedo, impossibilitando o
desenvolvimento escolar.

O segundo fator diz respeito à estrutura escolar que, na visão da autora era extremamente arcaica
e resistia à modernização. Para Romanelli, o currículo escolar estava apartado da realidade social
do aluno, tornando a escola um lugar pouco atrativo. Somado a isso, ainda havia a persistência
de métodos tradicionais de ensino e avaliação. Ao prezar a memória e a retenção de inúmeros
conhecimentos em detrimento do raciocínio crítico, a própria escola contribuiu para a reprovação
e a evasão escolar. Além disso, as unidades escolares brasileiras muitas vezes apresentavam
precárias condições materiais e de equipamentos e grandes percentagens de professores mal
preparados.

Para exemplificar as difíceis condições das escolas brasileiras, Romanelli (2014, p. 97) transcreve
alguns relatos que foram disponibilizados pela Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,de 1966:

O Prof. Voltaire pinto Ribeiro, de Roraima, informava então que, ‘se fossem pensar
em condições higiênicas e pedagógicas, não haveria uma só escola na zona rural’

77
CAPÍTULO 5 • Um imenso ponto de estrangulamento: o sistema educacional brasileiro entre as décadas de 1940 e 1970

A Diretora da Divisão de Educação do Amapá referia que ‘os professores primários


moram na escola, pescam o seu sustento após o período de aulas e normalmente
são transferidos de local, no fim do ano, porque não têm como pagar seus débitos’

A Diretora da Divisão de Educação de Rondônia mencionava que ‘as suas escolas,


sem a menor condição, são do tipo ‘tapiris’, isto é, ‘quatro esteios de madeira
cobertas de palha’; contou ainda que ‘há crianças que navegam quarenta minutos
para chegar à escola, arriscando a vida em temporais; que a escola não dispõe
nem de carteiras, nem de mesas’

A Diretora de Educação do Amapá narrou sua visita a uma das escolas da margem
do Rio Oiapoque, onde ‘foi informada de que os alunos não haviam realizado as
provas por falta de papel e lápis, e que ali estavam recorrendo à escrita em folhas
secas com tinta extraída de sementes.

Assim conclui a autora:

Um dos aspectos que mais evidenciam a falta de coerência interna do sistema


educacional brasileiro é o seu baixo rendimento, o qual se mede por sua capacidade
de assegurar o acesso da população escolar do nível elementar de ensino aos níveis
médio e superior. O alto grau de seletividade do sistema, “peneirando” a maior
parte da população que nele ingresse, no decorrer da vida escolar, faz com que
exista enorme descompasso entre os diferentes níveis e, sob alguns aspectos,
num mesmo nível, entre as várias séries que o compõem.

É assim, pois, que vivemos um grande paradoxo: ao mesmo tempo que o


crescimento da demanda efetiva de educação pressiona o sistema, para que este
abra amplamente suas portas a uma massa, dia a dia mais numerosa, ele se fecha
em si mesmo, acolhendo apenas parte da população e, depois, selecionando
ainda mais essa parte privilegiada, através de um mecanismo que faz com que,
de cada 1.000 alunos admitidos à 1ª série primária, em 1960, apenas 56 tenham
conseguido ingresso no ensino superior, em 1971, conforme dados do Ministério
da Educação e Cultura.”
(ROMANELLI, 2014, p. 91)

Tabela 5. Matrículas escolares.

Fonte: Romanelli (2014, p. 92).

78
Um imenso ponto de estrangulamento: o sistema educacional brasileiro entre as décadas de 1940 e 1970 • CAPÍTULO 5

Outro ponto complexo tratado pela autora é o custo da educação no Brasil. Pelo alto índice de
evasão e reprovação, a escola brasileira se tornou onerosa. Em 1959, a taxa de rendimento no
ensino primário era de 53,31%, já que 14,47% dos alunos evadiam e 37,65% eram reprovados.
Dez anos depois, houve um avanço de apenas 12%.

Neste sentido, Romanelli conclui apontando que ao lado da expansão da oferta de vagas houve
a aceleração da seletividade, perpetuando as desigualdades sociais, mantendo os bens culturais
concentrados nas mãos de poucos. Isto pode ser exemplificado na tabela abaixo, que demonstra
que, quanto mais alta a renda, maior a participação no processo seletivo do vestibular.

Tabela 6. Dados dos vestibulandos. Distribuição das classes sociais no Grande Rio, participação na renda total
e na população do vestibular, em 1964.

Porcentagem sobre a Participação na renda Participação na população


Classes
população total total do vestibular
Alta 7% 22% 59%
Média 23% 36% 36,6%
Baixa 70% 42% 7,5%

Fonte: Romanelli (2014, p. 108).

Para Maria Luisa Ribeiro, as propostas educacionais que permearam os governos militares
do período ditatorial carregaram um viés tecnicista. Ou seja, projetos como o Movimento
Brasileiro de Alfabetização (Mobral) e a Reforma Universitária visaram a formação para o
“reprodutivismo”, visando meramente a participação dos sujeitos envolvidos na vida econômica
do país, estabelecendo uma relação direta entre educação e produção.

Sobre os resultados do Mobral, Daniel Barros , aponta:

Durante uma Comissão Parlamentar de Inquérito instalada em 1975 para investigar


os gastos da iniciativa, concluiu-se que boa parte dos indivíduos que se formavam
no Mobral não continuavam praticando a escrita e a leitura, e muitos perdiam
a habilidade que haviam adquirido. Os números também eram inflados – os
militares falaram em 9 milhões de alfabetizados pelo Mobral, mas o número
verdadeiro foi 2 milhões até 1985, quando o programa foi extinto.
(BARROS, 2018, p. 50)

O Mobral visava alfabetizar a população adulta a partir de uma visão funcional e utilitária.
Já a Reforma Universitária visava ampliar as vagas no ensino superior, que ocorreu de
duas formas básicas: com a reformulação interna (departamentalização, matrícula
por disciplina, curso básico, institucionalização da pós-graduação) que gerou poucos
custos para a União; e com o incentivo às faculdades privadas que viram um grande
boom neste período.

79
CAPÍTULO 5 • Um imenso ponto de estrangulamento: o sistema educacional brasileiro entre as décadas de 1940 e 1970

Sintetizando

Vimos até aqui:

A Constituição de 1937, a Reforma Capanema e a criação do Senai/Senac contribuíram para o aumento do dualismo
educacional brasileiro a partir das suas políticas públicas que destinavam o ensino profissionalizante às camadas
empobrecidas.

Durante treze anos, uma reforma geral da educação foi discutida por parlamentares e intelectuais, gerando um
intenso embate entre os defensores da educação pública e os defensores do ensino privado.

Os dados mostraram que o sistema escolar brasileiro tinha um alto índice de seletividade, naquilo que Otaíza
Romanelli chamou de “ponto de estrangulamento”. Isso significa dizer que a grande maioria dos alunos que entrava
no ensino primário não concluía o secundário e muito menos conseguia cursar uma universidade.

Essa seletividade era causada por dois grandes fatores: a realidade socioeconômica do aluno, que muitas vezes
não permitia que desse prosseguimento aos estudos por falta de alimentação, material escolar ou necessidade
de complementar a renda familiar, e também pela forma como o ensino se estruturava em aulas que pouco se
relacionavam com o cotidiano, exigindo memorização e retenção de inúmeros conhecimentos pouco aplicáveis à
realidade discente.

80
CAPÍTULO
É COMO SE TIVÉSSEMOS ACENDIDO
A LUZ E UMA FARRA ESTIVESSE
ACONTECENDO: REDEMOCRATIZAÇÃO,
AVANÇOS E NOVOS DESAFIOS 6
Introdução

Chegamos na reta final da nossa disciplina e, com este capítulo, pretendemos lançar algumas
questões acerca do cenário atual da nossa educação. Tanto no que tange aos nossos avanços
após o fim da ditadura militar, quanto aos desafios que nos aguardam no século XXI.

Portanto, aqui veremos como os governos democráticos atuaram no campo educacional brasileiro:
a ampliação das vagas escolares, a distribuição de material didático e merendas, os exames
nacionais para analisar a qualidade do ensino, os investimentos nas universidades e no campo
da pesquisa. Veremos que avançamos bastante, mas que ainda há muito para percorrermos.

Depois propomos a você uma reflexão sobre decolonizar o pensamento e a prática pedagógica
multiculturalista. Como construir uma sala de aula que valorize e reconheça a diversidade? Qual
a importância desta prática em nossos tempos atuais?

Antes de passarmos para o conteúdo de fato, gostaria de propor duas reflexões:

1. O historiador Tony Judt em seu livro O século esquecido traz reflexões muito importantes.
O tema central discute o perigo de esquecermos as questões do século XX. Acreditamos
estar vivendo uma nova era, onde tudo parece ser completamente novo. Porém, o
autor nos mostra que nem tudo é tão novo assim, que algumas questões ainda não
foram resolvidas e permanecem perigosamente em nossas sociedades. Isso serve para
pensarmos também acerca do nosso sistema de ensino. Mudamos totalmente? Ou ainda
carregamos permanências que estorvam o nosso avanço qualitativo?

2. A segunda reflexão que gostaríamos de propor está relacionada às imagens abaixo. Na


primeira, a ideia de uma escola que reprime, que adequa, que disciplina mesmo que seja
a partir da violência física. Na segunda, um ensino que acolhe, que abraça. A professora
ali é quase uma mãe. Essa mudança de paradigma influenciou o nosso imaginário e
tendemos a ver a educação como a solução para todos os males sociais. Se, de fato, não
há transformação sem a educação, também não haverá uma educação transformadora
sem uma sociedade que assim caminhe. Espero que nesses seis capítulos, tenha ficado

81
CAPÍTULO 6• É como se tivéssemos acendido a luz e uma farra estivesse acontecendo: redemocratização,avanços e novos desafios

evidente para você que a escola não anda em separado do restante da sociedade. Uma
mudança na educação exige uma mudança social e vice e versa.

Figura 25. Sinete da escola de Gramáticas de Lowth: “Quem poupa a vara odeia a criança”.

Fonte: <http://aulanaopresencial.blogspot.com/2016/08/empirismo-inatismo-e-educacao.html>. Acesso em: 12/3/2019.

Figura 26. Quadro “Professora Republicana”, 1793.

Fonte: <http://aulanaopresencial.blogspot.com/2016/08/empirismo-inatismo-e-educacao.html>. Acesso em: 12/3/2019.

Objetivos

» Apresentar as políticas públicas realizadas no período abordado que possibilitaram o


avanço do sistema educacional brasileiro.

» Perceber a importância dos estudos e análises qualitativos.

» Discutir a importância dos movimentos decolonial e multicultural para os desafios do


professor do século XXI.

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É como se tivéssemos acendido a luz e uma farra estivesse acontecendo: redemocratização,avanços e novos desafios • CAPÍTULO 6

Antigamente, na verdade, era pior: redemocratização e os


avanços do nosso sistema educacional

O nosso processo de redemocratização veio acompanhado de um amplo debate nacional,


de reorganização dos movimentos sociais e da Constituição de 1988. Chamada “Constituição
Cidadã”, ela incorporou, pela primeira vez na história do país, demandas das minorias, como
os indígenas e os negros. É considerada a nossa constituição mais democrática e progressista
e construída a partir de amplos setores da sociedade. Como já discutido anteriormente, só isso
não basta, mas já um grande passo:

Na Carta Magna de 1988, a educação não veio contemplada apenas no seu local
próprio, no tópico específico destinada a ela, mas apareceu também espalhada
em outros tópicos. Assim, no título sobre direitos e garantias fundamentais, a
Educação apareceu como um direito social, junto da saúde, do trabalho, do lazer,
da segurança, da previdência social, da proteção à maternidade e à infância, da
assistência aos desamparados (artigo 6o). Também no capítulo sobre a família,
a criança, o adolescente e o idoso, a Educação foi incluída. A Constituição
determinou ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente o direito à Educação como uma prioridade em relação a outros
direitos.

No lugar próprio da Educação na Constituição, ela ficou ali mencionada como algo
que deveria visar o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania
e sua qualificação para o trabalho. Notou-se, também, o que foi considerado
por analistas como “de arrojada inovação em termos jurídicos”: “O acesso ao
ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo” (art. 208, VII § 1o). Em
consequência, “o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público,
ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente
(idem, § 2o). Para efetivar esse direito, a Constituição criou o instrumento do
mandado de injunção (art. 5o, LXXI), a ser concedido sempre que “a falta de norma
reguladora tome inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Com
isso, prefeitos e governadores poderiam ser responsabilizados pela inexistência
do ensino obrigatório, sofrendo as sanções jurídicas.
(GHIRALDELLI, 2006, pp. 169-170)

Portanto, diferente do que ficou em nosso imaginário, a década de 1980 não foi a “década perdida”.
Se, do ponto de vista econômico, o país sofreu com diversas crises inflacionárias, planos que não
deram certo e desemprego, do ponto de vista institucional e social, fizemos grandes avanços.
As instituições democráticas se fortaleceram e os movimentos sociais conseguiram espaços e
atuações até então muito distantes. Avançamos, mas ainda há muito o que construir. E isso inclui
o nosso sistema educacional.

83
CAPÍTULO 6• É como se tivéssemos acendido a luz e uma farra estivesse acontecendo: redemocratização,avanços e novos desafios

Figura 27. Momento em que a Constituição de 1988 foi promulgada.

Fonte: <https://www.ufrgs.br/humanista/2018/10/05/legado-30-anos-constituicao-cidada-1988/>. Acesso em: 12/3/2019.

Darcy Ribeiro foi um dos grandes nomes do pensamento da educação brasileira. Herdeiro e
influenciado pelos ideais da Escola Nova, Ribeiro publicou em 1984 o livro Nossa escola é uma
calamidade, onde listava os principais erros pedagógicos que marcaram a educação em nosso
país. Seriam eles, segundo Ghiraldelli:

1. verbalismo;

2. decoreba;

3. exclusão de todo fazimento e expressividade;

4. ordem;

5. mandonismo;

6. não admissão de avaliação do trabalho docente;

7. descuido com os alunos com dificuldade de aprendizagem;

8. uma pauta normal e exigência para todos, ainda que a imensa maioria dos alunos não
acompanhem essa pauta;

9. professora não educadora, mas sim uma técnica que vai à escola derramar instruções
sobre os alunos;

10. o aprendizado é feito de oitiva pelo rádio e televendo.

Baseado nessas críticas, Darcy Ribeiro propôs e ajudou a implementar, no estado do Rio de
Janeiro, os Centros Integrados de Educação Popular (CIEP), popularmente chamados de
“Brizolões”, alcunha em referência ao governador da época, Leonel Brizola. Voltados para a

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É como se tivéssemos acendido a luz e uma farra estivesse acontecendo: redemocratização,avanços e novos desafios • CAPÍTULO 6

população carente, os CIEPs tinham ensino integral, uma vasta área de lazer e esportes, com
uma estrutura arquitetônica diferenciada. O projeto não foi implementado totalmente, pois o
Partido Democrático Trabalhista (PDT) foi derrotado nas eleições seguintes.

Hoje, sabemos que os CIEPs não se tornaram referência de ensino popular. Seu projeto inicial foi
completamente abandonado, inclusive a ideia de ensino integral. Porém, a sua contribuição geral,
segundo Paulo Ghiraldelli (2005) foi trazer para o cenário político e social a pauta da educação.
Além de contribuir para as teorias acerca da escola de tempo integral.

Outro avanço que tivemos neste início de redemocratização foi a regulamentação da “Emenda
Calmon”, que destinava 13% dos recursos da União para a Educação. Desta forma, o Ministério
da Educação passou a ser o segundo maior orçamento entre todos os ministérios. Outro ponto
positivo que tivemos na gestão do Ministro Marco Maciel, no governo José Sarney, foi a distribuição
dos livros didáticos e a ampliação da merenda escolar. Lembre-se que discutimos no capítulo
anterior que um dos motivos da evasão era a falta de material escolar e o problema da alimentação
dos alunos. Entre 1985 e 1986, foram distribuídos 80 milhões de livros didáticos e a merenda se
estendeu para o período das férias escolares. Porém, com a saída de Marco Maciel do cargo e o
fracasso do Plano Cruzado, os avanços das políticas educacionais pararam por aí.

Não cabia à Constituição legislar de forma específica sobre a educação. Portanto, ela determinou
a elaboração de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Novamente, depois
de amplos debates, foi aprovada e se tornou lei (Lei 9.394/96). Em relação à Constituição, ela
avançou em alguns pontos e recuou em outros. Segundo Paulo Ghiraldelli, a LDB recuou em
relação à Constituição ao afirmar que “o acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo”,
retirando o caráter “gratuito”, como aparece na Carta Magna. Porém os avanços foram importantes.
Citemos alguns, a partir da análise do referido autor:

1. No campo do ensino superior, a LDB fixou que cada professor deve destinar no mínimo
oito horas semanais para as aulas. Isto foi importante porque muitos professores se
voltavam mais para a pesquisa, negligenciando a sala de aula.

2. A LDB não estipulou o que deve ou não ser ensinado nas escolas, apenas indicou que
deveria existir um núcleo comum de conteúdos a serem abordados.

3. No campo financeiro-administrativo, a LDB fixou prazos para que União, os estados e


os municípios repassem os recursos para a educação. A não obediência a esses prazos
seria considerada crime, estando as autoridades comprometidas.

Os governos de Fernando Henrique Cardoso também trouxeram alguns avanços na área


educacional. Com a inflação controlada a partir do Plano Real, implementado quando era Ministro
da Fazenda, FHC repensou o orçamento relativo à educação e instituiu o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). O FUNDEF,

85
CAPÍTULO 6• É como se tivéssemos acendido a luz e uma farra estivesse acontecendo: redemocratização,avanços e novos desafios

aliado aos avanços econômicos do período, conseguiu resultados expressivos. Cerca de 96% das
crianças em idade escolar referente ao ensino fundamental I frequentavam a escola. Poderíamos
afirmar que atingimos a universalização da primeira etapa do ensino fundamental.

Saiba mais

O que é o FUNDEF?

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF)


foi instituído pela Emenda Constitucional no 14, de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei no 9.424, de 24 de
dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto no 2.264, de junho de 1997. O FUNDEF foi implantado, nacionalmente, em
1o de janeiro de 1998, quando passou a vigorar a nova sistemática de redistribuição dos recursos destinados ao Ensino
Fundamental.

A maior inovação do FUNDEF consiste na mudança da estrutura de financiamento do Ensino Fundamental no País
(1ª a 8ª séries do antigo 1o grau), ao subvincular a esse nível de ensino uma parcela dos recursos constitucionalmente
destinados à educação. A Constituição de 1988 vincula 25% das receitas dos estados e municípios à educação. Com
a Emenda Constitucional no 14/96, 60% desses recursos (o que representa 15% da arrecadação global de estados e
municípios) ficam reservados ao Ensino Fundamental. Além disso, a CF introduz novos critérios de distribuição e
utilização de 15% dos principais impostos de estados e municípios, promovendo a sua partilha de recursos entre o
Governo Estadual e seus municípios, de acordo com o número de alunos atendidos em cada rede de ensino.

Fonte: Site do Ministério da Educação - <http://mecsrv04.mec.gov.br/sef/fundef/

funf.shtm>.

Outro ponto marcante do governo FHC foi a instituição de provas periódicas e padronizadas
com o objetivo de medir o desempenho dos estudantes. Essa era uma das principais bandeiras
do seu Ministro da Educação, Paulo Renato Souza:

O seu interesse por produzir estatísticas sobre a qualidade da educação no Brasil


foi central para virar uma chave na forma como o governo federal encarava o
ensino básico: finalmente, haveria políticas mais voltadas para a qualidade da
educação básica do que apenas para o acesso.
(BARROS, 2018, p. 69)

Assim sendo, a equipe do MEC e a do Inep (órgão responsável pelas avaliações governamentais)
colocaram em prática as ideias do Ministro acerca dos exames gerais:

Em 1995, a equipe do MEC fez uma nova edição do Saeb de um jeito completamente
diferente. Maria Helena [diretora do Inep] chamou a Fundação Cesgranrio, que
concentra os maiores especialistas em avaliação no Brasil, como o estatístico
Ruben Klein, e eles elaboraram uma nova versão da prova, que passou a ser
aplicada na 4ª e na 8ª série, a cada dois anos, para uma amostra de escolas
públicas. O teste avaliava competências em português e matemática. A grande
inovação foi o uso da Teoria de Resposta ao Item para estabelecer as questões.
Por essa metodologia, os resultados da prova de 1995 poderiam ser comparados
aos das edições seguintes. Ou seja, pela primeira vez o Brasil poderia começar

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É como se tivéssemos acendido a luz e uma farra estivesse acontecendo: redemocratização,avanços e novos desafios • CAPÍTULO 6

a medir a qualidade da sua educação básica ao longo do tempo e saber se ela


aumentava, diminuía ou continuava na mesma. Durante os oito anos em que
Paulo Renato foi ministro, sua equipe conseguiu pôr de pé alguns dos mais
importantes programas para melhorar o ensino fundamental público que o Brasil
tinha visto até então – além do Saeb, veio o Exame Nacional do Ensino Médio,
Enem, e os Parâmetros Curriculares Nacionais [...] Entretanto, esse período foi
sombrio para as universidades públicas, que ficaram muito sucateadas.
(BARROS, 2018, p. 70)

Os governos de Luís Inácio Lula da Silva ampliaram algumas das medidas de FHC e criaram outras
mais. O sistema de provas nacionais e internacionais permaneceu, apontado para a melhoria da
qualidade da educação. Diferente do governo FHC, Lula apostou na ampliação das universidades
públicas, tanto no campo do ensino como no da pesquisa. Diversos campi foram inaugurados,
especialmente nas regiões historicamente relegadas: interior do Nordeste e Centro-Oeste e
programas de bolsas do governo para universidades privadas foram distribuídas. Houve também
a ampliação do número de bolsas de pesquisa nacionais e internacionais. Além disso, o governo
apostou nos Institutos Federais, ou seja, na melhoria e ampliação das escolas técnicas federais.

Como podemos observar a seguir, o Brasil avançou nas notas do Pisa, especialmente na
competência da Matemática:

Gráfico 2. Notas do Brasil no Pisa.

Fonte: Barros (2018, p. 73).

Porém, o que este gráfico também nos mostra é que esses avanços não foram contínuos. Perceba
que há crescimentos e decréscimos, o que nos aponta ainda para uma instabilidade nesse processo
de avanço educacional. O Brasil é um dos últimos colocados no ranking dos países participantes.
Em 2009, o Brasil ocupou a 57ª posição entre 65 países; em 2012, caiu uma posição. Já em 2015,
dentre os 70 países participantes, o Brasil ocupou a 66ª posição no ranking.

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CAPÍTULO 6• É como se tivéssemos acendido a luz e uma farra estivesse acontecendo: redemocratização,avanços e novos desafios

Obviamente as avaliações não dizem tudo, mas apontam para alguns problemas. Neste sentido,
embora possamos perceber os avanços do sistema de ensino brasileiro desde a década de 1980,
ainda não dá para comemorar, pois muito ainda precisa ser feito. Há disparidades regionais,
baixos salários dos professores, péssimas condições materiais de ensino e metodologias muito
tradicionais que destoam da realidade do aluno:

As melhorias na educação brasileira nos últimos anos precisam ser encaradas


como apenas o primeiro passo. Klein diz que é como se tivéssemos acendido a
luz e uma farra estivesse acontecendo. Rapidamente as pessoas se ajeitam e dão
uma pequena organizada no recinto. Mas, para ficar bom mesmo, será preciso
mais trabalho. Com a transparência, houve um rearranjo para melhorar os
aspectos mais fáceis relativos à escola pública – pegamos os frutos mais baixos
da árvore, para usar outra metáfora. Mas os dados revelam que há um risco de
termos estabilizado cedo demais, com uma educação pública ainda mais precária.
(BARROS, 2018, p. 76)

Saiba mais

O que é o Pisa?

O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), ou Programme for International Student Assessment,
é uma iniciativa de avaliação comparada, aplicada de forma amostral a estudantes matriculados a partir do 7o ano
do ensino fundamental na faixa etária dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica
obrigatória na maioria dos países.

O Pisa é coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com o apoio de uma
coordenação nacional em cada país participante. No Brasil, a coordenação do Pisa é responsabilidade do Inep.

Para que serve?

O objetivo do Pisa é produzir indicadores que contribuam para a discussão da


qualidade da educação nos países participantes, de modo a subsidiar políticas de
melhoria do ensino básico. A avaliação procura verificar até que ponto as escolas de
cada país participante estão preparando seus jovens para exercer o papel de cidadãos
na sociedade contemporânea.

As avaliações do Pisa acontecem a cada três anos e abrangem três áreas do


conhecimento – Leitura, Matemática e Ciências – havendo, a cada edição do
programa, maior ênfase em cada uma dessas áreas. [...]

Além de observar tais competências, o Pisa coleta informações para a elaboração


de indicadores contextuais que possibilitam relacionar o desempenho dos alunos
a variáveis demográficas, socioeconômicas e educacionais. Essas informações são
coletadas por meio da aplicação de questionários específicos para os alunos, para os
professores e para as escolas.

Os resultados desse estudo podem ser utilizados pelos governos dos países
envolvidos como instrumento de trabalho na definição e refinamento de políticas
educativas, tornando mais efetiva a formação dos jovens para a vida futura e para a
participação ativa na sociedade.

Fonte: Site do Inep - <http://portal.inep.gov.br/web/guest/pisa>.

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É como se tivéssemos acendido a luz e uma farra estivesse acontecendo: redemocratização,avanços e novos desafios • CAPÍTULO 6

Os alunos também me ensinaram que é preciso praticar a


compaixão nesses novos contextos de aprendizado: decolonizar o
pensamento e os desafios do multiculturalismo.

Durante os debates em nossos capítulos, vimos que muito da nossa educação foi forjada a partir
da influência europeia e depois norte-americana. Isso quer dizer que a forma como enxergamos
o mundo e, portanto, o que consideramos como saber legítimo ou não, foi construída a partir da
relação de dominação desses espaços sobre o nosso território e/ou nossa economia.

Portanto, um dos grandes desafios da educação para o século XXI é decolonizar o nosso
pensamento, ou seja, integrar o nosso ensino ao movimento decolonial. Sim, o termo é esse
mesmo. Não estamos falando aqui de descolonizar. Esse processo já ocorreu. O que devemos
caminhar agora não é para desfazermos o colonialismo, mas sim, superá-lo em seu amplo sentido,
inclusive o que permanece em termos de pensamento, saberes e educação.

Superar não quer dizer negar ou rechaçar. Não defendemos jogar fora as influências culturais
hegemônicas europeias ou norte-americanas, mas apenas repensarmos as nossas relações com
elas e nos abrirmos para outros olhares, culturas e saberes. Para essa proposta vamos discutir
agora a ideia de multiculturalismo.

Nas décadas de 1950 e 1960, expandiram-se nas universidades estadunidenses os chamados


“Estudos Culturais” que, especialmente através dos professores afro-americanos, travaram um
intenso diálogo com os movimentos negros. Esses, por sua vez, já haviam levantado a bandeira de
valorização da ancestralidade, da cultura negra e africana, se contrapondo à cultura hegemônica
branca que separa civilização e barbárie, superiores e inferiores, evoluídos e não evoluídos.

Desse encontro da academia com os movimentos sociais, surgiu a concepção de multiculturalismo


que pode ser assim definida:

Movimento teórico e como prática social que contesta preconceitos e


discriminações a indivíduos e grupos culturais historicamente submetidos a
processos de rejeição ou silenciamento por sua condição de pertencimento
identitário distinto dos padrões definidos como válidos e aceitáveis, seja no
espaço escolar ou no contexto social mais amplo. O argumento central é o de
que pensar e viver no mundo atual passa pelo reconhecimento da pluralidade e
diversidade de sujeitos e de culturas com base no respeito e tolerância recíproca,
concebendo as diferenças culturais não como sinônimo de inferioridade ou
desigualdade, mas equivalente a plural e diverso.
(BRANDIN; SILVA, 2008, p. 51)

Vamos analisar detidamente esse conceito?

O primeiro ponto a ser ressaltado: o multiculturalismo é tanto uma teoria, quanto uma prática.
Uma coisa está indissociada da outra. O ponto central desta teoria/prática é o combate às
discriminações e ao silenciamento, simplesmente por pertencer a algum grupo que foge aos
padrões dominantes. A questão do silenciamento é muito debatida hoje entre os professores
brasileiros. Quando olhamos a bibliografia de nossos cursos e disciplinas, quantos são autores

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CAPÍTULO 6• É como se tivéssemos acendido a luz e uma farra estivesse acontecendo: redemocratização,avanços e novos desafios

ou autoras negras? Quantos intelectuais africanos e asiáticos conhecemos? Quando falamos de


“literatura universal”, a qual literatura estamos nos referindo? Num país onde, entre 1990 e 2010,
72% dos livros publicados por autores nacionais foram escritos por homens brancos de classe
média, onde estão as mulheres autoras? Vejamos a lista dos livros obrigatórios nos vestibulares:
não havia uma só mulher, nem um só negro (no máximo, Lima Barreto e Machado de Assis,
cujas condições raciais eram solenemente ignoradas nas análises de suas obras). Hoje, com o
movimento multiculturalista, nossos alunos têm acesso aos livros de autores como Carolina
Maria de Jesus, Maria Firmina dos Reis e Pepetela.

O terceiro ponto fundamental para observamos nessa definição de multiculturalismo é a sua


defesa da diversidade. Isto não significa simplesmente aceitar o diferente, conviver com ele. Mais
do que isso, uma postura multiculturalista exige que valorizemos e reconheçamos a diversidade
como algo positivo e constitutivo da nossa humanidade. E isto deve se refletir em nossas práticas
pedagógicas.

Assim, na prática da sala de aula, o multiculturalismo deve seguir o

sentido político-cultural de se educar as atuais e as novas gerações a partir de uma


visão multicultural crítica, que leve em conta, no processo formativo dos sujeitos,
a necessidade e importância de se reconhecer, valorizar e acolher identidades
plurais sem representar ameaças ou quaisquer formas de naturalização do
preconceito e desrespeito à vida humana, independente de sexo, cor, gênero, credo,
etnia, nacionalidade. Busca-se, com isso, superar mecanismos discriminatórios
ou silenciadores da diversidade cultural, em nome de uma sociedade baseada
na justiça social.
(BRANDIN; SILVA, 2008, p. 51)

Nesse sentido, em nossa prática pedagógica, devemos estimular a quebra da percepção que
compreende o diferente como ameaça, como inferior, como errado. Precisamos incorporar em
nossos currículos e práticas curriculares a valorização e o reconhecimento das identidades plurais.
Dentro desta lógica, há de se traçar estratégias para pensar como, quais e porque determinados
discursos são desautorizados e silenciados.

Como esse movimento se desdobra em nosso país?

Aqui no Brasil há uma rica literatura que discute essa questão. Sueli Carneiro escreveu diversos
textos que trabalham com a questão racial Brasileira. Foi ela quem disseminou e desenvolveu
no país o termo epistemicídio. Segundo a autora, além dos negros (especialmente periféricos)
serem o grupo social mais assassinados, também é o mais silenciado (especialmente as mulheres
negras). O que ela quer dizer quando afirma isso? Raramente a pessoa negra é vista como
autoridade em um debate, a sua fala é sucessivamente invalidada, desconsiderada e silenciada.
Um exemplo prático disso: intelectuais negros e negras se organizaram para construir editoras
para conseguirem publicar sua literatura, seus artigos, teses e dissertações – editoras “Selo Negro
Edições” e “Malê Editora” ilustram essa questão. Quantos professores negros ou negras você
teve? Quando intelectuais são chamados à televisão para analisar e opinar algum tema, quantos

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deles são negros ou negras? Assim, o epistemicídio é o assassinato em massa da produção do


conhecimento, da fala e dos saberes de pessoas negras.

Nas palavras da própria Sueli Carneiro:

[...] É fenômeno que ocorre pelo rebaixamento da autoestima que o racismo


e a discriminação provocam no cotidiano escolar; pela negação aos negros da
condição de sujeitos de conhecimento, por meio da desvalorização, negação ou
ocultamento das contribuições do Continente Africano e da diáspora africana
ao patrimônio cultural da humanidade; pela imposição do embranquecimento
cultural e pela produção do fracasso e evasão escolar. A esses processos
denominamos epistemicídio.
(CARNEIRO, 2011, pp. 92 e 93)

Um importante agente, portanto, da discussão decolonial, multicultural na educação é o


movimento negro. Segundo Nilma Gomes, o movimento negro é, por definição, um agente
educador, porque é produtor de saberes e sistematizador de conhecimentos sobre a questão
racial no país:

[...] muito do que sabemos e do que tem sido desvelado sobre o papel da
negra e do negro no Brasil, as estratégias de conhecimento desenvolvidas pela
população negra, os conhecimentos sobre as relações raciais e as questões da
diáspora africana, que hoje fazem parte das preocupações teóricas das diversas
disciplinas das ciências humanas e sociais, só passaram a receber o devido
valor epistemológico e político devido à forte atuação do Movimento Negro.
Esse movimento social trouxe as discussões sobre racismo, discriminação
racial, desigualdade racial, crítica à democracia racial, gênero, juventude, ações
afirmativas, igualdade racial, africanidades, saúde da população negra, educação
das relações étnico-racias, intolerância religiosa contra as religiões afro-brasileiras,
violência, questões quilombolas e antirracismo para o cerne das discussões
teóricas e epistemológicas das Ciências Humanas, Sociais, Jurídicas e da Saúde,
indagando, inclusive, as produções das teorias raciais do século XIX disseminadas
na teoria e no imaginário social e pedagógico.
(GOMES, 2017, p. 17)

Figura. 28. Movimento Negro Unificafo.

Fonte: <http://mnu.org.br/.> Acesso em: 12/3/2019.

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CAPÍTULO 6• É como se tivéssemos acendido a luz e uma farra estivesse acontecendo: redemocratização,avanços e novos desafios

Saiba mais

Para ampliar a discussão sobre as disputas epistemológicas, sugiro a Aula Magna do professor Boaventura de Souza
Santos, intitulada “Epistemologias do Sul: Desafios Teóricos e Metodológicos”, disponível na plataforma YouTube
<https://www.youtube.com/watch?v=q75xWUBI8aY&t=27s>.

Por fim, o que gostaríamos de ressaltar é que abrir espaço para novas escutas e novas olhares é
completamente enriquecedor. Lembre-se que na sua sala de aula haverá alunos e alunas diversos:
raças, etnias, credos, sexualidades, portadores de necessidades especiais.... enfim, você não irá
lecionar para espelhos que refletirão a sua imagem. Escutar essas múltiplas experiências, assim
como apresentar aos alunos a riqueza da nossa diversidade humana contribuirá para uma aula
crítica, cidadã e de qualidade.

Importante

Ouvir argumentos que se contraponham à nossa visão de mundo pode ser doloroso. Determinadas questões
alcançam lugares muito delicados da nossa subjetividade, das nossas certezas. Por isso, há de se ter calma, respeito e
paciência diante da resistência do outro.

A educadora afro-americana Bell Hooks nos traz uma reflexão muito interessante. Espero que ajude você a lidar com
esses embates em sala de aula:

Os alunos também me ensinaram que é preciso praticar a compaixão nesses novos


contextos de aprendizado. Não me esqueço do dia em que um aluno entrou na aula
e me disse: ‘Nós fazemos seu curso. Aprendemos a olhar o mundo de um ponto de
vista crítico, que leva em conta a raça, o sexo e a classe social. E não conseguimos
mais curtir a vida’. Olhando para o resto da turma, vi alguns alunos de todas as raças,
etnias e preferências sexuais balançando a cabeça em sinal de assentimento. E vi pela
primeira vez que pode haver, e geralmente há, uma certa dor envolvida no abandono
das velhas formas de pensar e saber e no aprendizado de outras formas. Respeito
essa dor. E agora, quando ensino, trato de reconhece-la, ou seja, ensino a mudança
de paradigmas e falo sobre o desconforto que ela pode causar. Os alunos brancos que
aprendem a pensar de maneira mais crítica sobre questões de raça e racismo vão para
a casa nas férias e, de repente, veem seus pais sob outra luz. Podem reconhecer neles
um pensamento retrógrado, racista e assim por diante, e podem se magoar pelo fato
de a nova maneira de conhecer ter criado um distanciamento onde antes não havia
nenhum. Muitas vezes, quando os alunos voltam de férias ou feriados, peço que nos
contem como as ideias aprendidas ou trabalhadas na sala de aula impactaram sua
experiência lá fora. Isso lhes dá tanto a oportunidade de saber que as experiências
difíceis acontecem com todo o mundo quanto a prática de integrar teoria e práxis:
modos de conhecer e hábitos de ser. Praticamos não só o questionamento das ideias
como também o dos hábitos de ser. Por meio desse processo, construímos uma
comunidade.(HOOKS, 2017, pp. 60 -61)

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Sintetizando

Vimos até aqui:

Embora, em nosso imaginário, a década de 1980 tenha ficado conhecida como a “década perdida”, houve
significativos avanços, inclusive no campo educacional, como o aumento dos recursos da União para a Educação, a
Constituição Cidadã, a ampliação da distribuição de livros didáticos e da merenda escolar.

As políticas públicas de educação dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, associadas à
estabilidade econômica do período, possibilitaram importantes avanços na educação. Atingimos a universalização
do ensino fundamental I, foram criadas avaliações para instrumentalizar a análise da qualidade do ensino no país,
houve a ampliação das vagas nas universidades e nos institutos técnicos federais.

Porém, o salto quantitativo não foi acompanhado de perto do salto qualitativo. Embora os exames apontem para
uma melhoria na qualidade do ensino no Brasil, ainda há muito para caminharmos, até porque esses avanços não se
mostraram estáveis.

O século XXI propõe muitos desafios para os educadores. Um deles é o processo de decolonizar os saberes e
pensamentos, construindo um espaço escolar multiculturalista. O multiculturalismo é tanto uma teoria quanto uma
prática que visa estimular, reconhecer e valorizar a diversidade humana.

O movimento negro brasileiro é um movimento educador, pois, a partir dele, novas e importantes questões teóricas,
conceituais temáticas e metodológicas foram incorporadas às ciências humanas.

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