Você está na página 1de 7

Eixo Temático: O amor e os conceitos básicos da psicanálise.

Rômulo Rocha Barreira

O Amor “É-terno”.

Lacan sempre demanda um pouco mais daquele que o lê, para o

acompanhar em seus movimentos de formulação de sua ética. Dessa maneira,

expressa uma dificuldade de transmissão de seu ensino, apontando a um limite

da capacidade do significante em captar a essência, do real, daquilo que ele

gostaria de dizer.

Entrementes, como não poderia dizer tudo, e por esta causa, estou

reduzido a esta vereda estreita que faz com que, a cada instante, eu

precise me guardar de deslizar de novo para o que está feito daquilo que

se disse. (Lacan 1972-1973[1985 p.53]).

Sua ferramenta para o desenvolvimento de suas formulações são

suas invenções significantes, os neologismos, de onde tira proveito da


etimologia das palavras para se valer de outro significado implícito, que

aponta a um dimensão favorável ao seu movimento de formalização.

É exatamente aí que adquirem importância os elementos

significantes que introduzo. Por mais desprovidos de conteúdo

compreensível que eu me esforce por fazê-los, através de sua notação na

relação estrutural, eles são o meio pelo qual tento manter o nível

necessário para que a compreensão não seja enganosa, ao mesmo tempo

deixando localizáveis os termos diversamente significativos com que

avançamos. (Lacan 1962-1963 [2005] p.27).

A partir do neologismo o amor "é-terno", forjado por Lacan no seminário

20 mais, ainda, podemos discutir a questão do amor em três níveis de

formulação, no que diz respeito a sua ética, no tocante ao ser humano em suas

relações com a alteridade. Seja da própria língua ou em relação a um outro ser

humano.

Primeiramente temos o nível simbólico, do semblante, amor com “terno”.

O amor no sentido de ternura, de amável, bem como também de uma vestimenta

elegante. Um "terno" que recobre o real da hiância das relações, ou melhor, da

“não-relação sexual”. Esse aspecto de semblante, que ele chama de "besteira",


no nível da identificação pelo traço unário pelo significante mestre, pela via do

gozo fálico.

Nessa via, o problema do gozo enquanto sexual é "mascarado" pelo

indivíduo, por um gozo auto-erótico, finito, assexuado, que se apresenta como

uma defesa íntima diante desse "furo" na relação entre os dois sexos, tal como

aponta Lacan com seu aforismo "a relação sexual não existe".

Esse gozo problemático promove a marca equivocada da "identificação"

dita como "exigência do Um", que encontramos na expectativa desse gozo

fálico, gozo do órgão.

Há no que concerne ao Um, uma maneira de fazer contorno de si mesmo

que não leva em conta o outro. O falo constitui, então, uma barreira que cria

uma divergência entre dois modos de gozo. (Naveau,P 2017 p 132).

Lacan atribui ao gozo fálico um aspecto de barreira, de muro, um

movimento de defesa entre os sexos. Um erro, impasse, que tenta recobrir a

impossibilidade inerente ao ser humano, que o impede de alcançar o Outro ao

nível do gozo.
Dessa maneira, ele conceitua esse impasse pelo neologismo "amuro" que

é a resposta do ser ao enigma que é o gozo sexual. O gozo do corpo do Outro

evoca um vazio, que é o desejo do Outro, angustiante, que desperta o horror.

O amuro é o que aparece em signos bizarros no corpo. São esses

caracteres sexuais que vêm do além, desse local que temos acreditado

podermos ocular no microscópio sob a forma de um gérmen [...] (Lacan

1972-1973[1985 p.13] ).

Em um segundo nível, imaginário, temos uma relação de “terno” no

sentido de “trio”. Um resto que sustenta o mito dessa imagem do "Um". Esse

"em-corpo", que é o "objeto a" arraigado nas relações primitivas, narcísicas, das

primeiras relações amorosas do sujeito com aqueles responsáveis por seus

primeiros cuidados. O “objeto a” que vem a suplantar a falta da relação sexual,

com a repetição eterna de um mesmo significado, rotineiro, onde as relações do

sujeito “gravitam” em torno.

Isso é o falo, essa objetificação que toma forma na conscientização entre

os seres de uma "ponte", de um “serviço” que é prestado a esse outro e que tem,

portanto, "valor de uso" nas relações de troca, no que toca a economia

envolvida nessas relações.


Por fim temos o terceiro nível, o real, que é onde podemos localizar a

novidade do discurso lacaniano. É o significado quanto “eterno”, no sentido de

“infinito”. Essa dimensão infinita, no sentido de uma demanda de encontrar o

real, conseguimos sempre localizar no movimento de Lacan em seus

seminários, e me atrevo a dizer que até mesmo anima a sua obra em toda a sua

extensão. É a marca de seu movimento no campo freudiano de ir sempre mais

um pouco. Essa é a dimensão do “mais além” que por exemplo nomeia o seu

vigésimo seminário “Mais, ainda”.

[...] o amor demanda o amor. Ele não deixa de demandá-lo. Ele o

demanda … mais … ainda. Mais ainda é o nome próprio dessa falha de

onde, no Outro, parte a demanda do amor.(Lacan 1972-1973 [1985

p.12-13]).

Essa é a dimensão da novidade, que mostra a faceta do amor,

desmascarando sua faceta enganosa de potência. O amor, pelo contrário, é

impotência daquele que ama, diante da demanda do grande Outro, demanda de

amor, e da dependência do reconhecimento desse Outro para a existência do

próprio ser.
Parece que é entre os analistas, entre eles especialmente que, em nome de

certas palavras-tabu com que se lambuza o seu discurso, jamais se entende o

que é a verdade ― é, a saber, a impotência.

Ali é que se edifica tudo o que concerne a verdade. Que haja amor à

fraqueza, está aí sem dúvida a essência do amor. Como já disse, o amor é dar o

que não se tem, ou seja, aquilo que poderia reparar essa fraqueza

original.(Lacan 1969-1970 [2016] p.54]).

Com isso podemos demonstrar a diferença entre o amor e a fome, o

instinto. O instinto cessa, é finito. Essa diferença é marcada pelo fato de que o

amor só sabe demandar mais amor, é uma pura falta que demanda o

“passo-de-sentido”, a troca de razão, uma infinita busca para resolver sua

questão. A questão que é o enigma do desejo do Outro. Como Lacan diz, “ o

amor é o signo de que trocamos de discurso” (1972-1973 [1985 p.27]).

A condição do encontro é, portanto, que o sujeito dividido aceite que sua

defesa contra o infinito seja perturbada pelo que, justamente, o divide, ou seja,

pelo que o surpreende. O encontro ressoa, assim, como surpresa. (Naveau,P

2017 p 124)

Bibliografia
LACAN,J.(1972-1973 [1985]). O seminário, Livro 20 : Mais, ainda. Rio

de Janeiro: Jorge Zahar.

LACAN,J.(1962-1963 [2005]). O seminário, Livro 10 : A angústia. Rio

de Janeiro: Jorge Zahar.

LACAN,J.(1969-1970 [2016]). O seminário, Livro 17 : O avesso da

psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

NAVEAU,P.(2017). O que do encontro se escreve : estudos lacanianos.

Belo horizonte : EBP Editora.

Você também pode gostar