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UNIDADE I - INTRODUÇÃO AO DIREITO

AULA 2 - A ORDEM JURÍDICA: FONTES E PRINCÍPIOS

INTRODUÇÃO

Você estudou na aula anterior, que a expressão Direito é polissêmica, na


medida em que apresenta vários sentidos. Nesta aula é examinada a noção relacionada
à ordem jurídica - compreendida como o conjunto de normas que se ajustam entre si e
formam um todo harmônico e coerente de preceitos. Segundo NADER, "conhecer o
Direito é conhecer as normas jurídicas em seu encadeamento lógico e sistemático"1.

A expressão ordem jurídica por vezes também é utilizada como sinônimo de


ordenamento jurídico. Importa, aqui, perceber que independentemente do termo
utilizado, o Direito (ordem jurídica ou ordenamento) se sustenta sobre diversos tipos de
documentos (leis, decretos, medidas provisórias etc.), que se articulam de modo que um
não invalide o que determina outro.

Em geral, as normas jurídicas determinam o nosso comportamento, ou seja,


esclarecem a nós, destinatários delas, como e quando agir, e com isso limitam a nossa
liberdade individual. Em consequência, a esfera de atuação do Direito é muito
específica. Lembre que na aula passada você estudou as outras esferas normativas,
como a moral, a religião, os usos sociais que atuam junto com as normas jurídicas, com
o intuito de promover relações sociais mais amistosas.

Através das normas jurídicas o Estado também regula a sua própria organização.
Assim, resumidamente, pode-se dizer que a norma jurídica é a conduta exigida ou o
modelo imposto de organização social/estatal (normas de organização). É importante
ressaltar a utilização das expressões lei, regra e norma jurídica como sinônimos. No
entanto, há autores2 que acentuam a distinção entre norma jurídica e lei, observando que
a norma é gênero do qual a lei é espécie, pois esta é apenas uma das formas de
manifestação das normas, que também são produzidas pelo Direito Costumeiro e pela
Jurisprudência.

1
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2017. p. 83.
2
Por todos DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva Jur
Editora, 2019. p. 109
FONTES DO DIREITO

A expressão fontes formais do Direito refere às formas através das quais as


normas jurídicas se manifestam e tornam-se conhecidas. Diz respeito ao ato de criação
do Direito, a introdução no ordenamento jurídico de normas jurídicas novas. Para os
países que seguem a tradição romano-germânica, como o Brasil, a principal forma de
manifestação é o Direito escrito, que se expressa através das leis, sendo o costume
considerado uma fonte suplementar. Para os ordenamentos jurídicos filiados ao sistema
anglo-americano, como é o caso da Inglaterra e dos EUA, a jurisprudência constitui
importante forma de expressão do Direito.

Apesar de certa controvérsia doutrinária, prevalece o entendimento que a


jurisprudência (decisões judiciais) em nosso país, não deve ser considerada fonte
formal, pois apenas revela o Direito preexistente. Os juízes ao julgar os processos
submetidos à apreciação do Poder Judiciário interpretam e aplicam uma lei que já existe
ou alguma outra fonte distinta desta. Se os juízes "criassem" o Direito (inovando a
ordem jurídica) haveria uma intromissão arbitrária na área de competência do Poder
Legislativo, ferindo a harmonia que deve existir entre as funções do Estado, assegurada
através da clássica separação entre os Poderes.

LEI: SUA PREVALÊNCIA (FONTE DIRETA)

O sistema jurídico brasileiro demonstra seu normativismo quando aponta que a


lei prevalece sobre as demais fontes. Por isso, a doutrina jurídica tradicional identifica a
lei como fonte primária, considerando como fontes subsidiárias ou secundárias: a
analogia, os costumes e os princípios gerais do direito3. Isto decorre da redação do
artigo 4o da Lei de Introdução às Normas do Direito (LINDB)4 que estabelece: " Quando
a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito".

Uma primeira questão que merece destaque na redação do artigo 4 o da LINDB é


a primazia da lei e a necessidade de compreender as lacunas nela existentes. Lacunas
são as referidas omissões, os vazios normativos, pois, por mais bem planejadas, não é
3
SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: Saraiva Educação, 2018,
p.61.
4
Esta lei está disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm
possível e nem desejado, que as leis disciplinem toda a grande variedade de
acontecimentos sociais. A dinâmica da vida traz situações novas. Assim, as lacunas são
inerentes às codificações, já que muitas situações escapam aos parâmetros legais. Além
disso, não se pode esquecer o disposto no art. 5º da Constituição Federal de 1988
(CF/1988): “Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em
virtude de lei”.

Nesta direção, na falta da lei, o intérprete e aplicador da norma (normalmente o


juiz) deve recorrer aos demais elementos de integração do Direito (fontes), quais sejam:
a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Em razão desses recursos, é
possível afirmar que a ordem jurídica é completa, ou seja, haverá sempre uma resposta
para os conflitos ou demandas que surgem no meio social e são levados ao Poder
Judiciário na forma dos processos, ainda que a solução não seja encontrada na lei
propriamente dita. Trata-se do que a doutrina jurídica convencionou chamar de:
"postulado da plenitude da ordem jurídica". A seguir, você vai estudar cada uma das
fontes do Direito.

Não há consenso sobre a origem etimológica do vocábulo lei, mas as


preferências recaem nos seguintes verbos: legere (ler), porque era costume a reunião em
praça pública para a leitura das leis que lá eram afixadas; ligare (ligar), em razão da
bilateralidade - uma das características do Direito. A lei une duas pessoas, garantindo
direitos a uma e estabelecendo deveres a outra; eligere (escolher), pois o legislador
elege (escolhe) entre variados enunciados possíveis, um para ser a lei. Escolhe o que
demanda regulamentação através de lei, inclusive.

Nos dias atuais, pode-se dizer que a Lei: "é ato do Poder Legislativo, que
estabelece normas de acordo com os interesses sociais. A sua fonte material é
representada pelos próprios fatos e valores que a sociedade oferece"5.

Algumas expressões são de uso corrente e interessam à introdução ao estudo do


Direito, tais como:

1) - Lei em sentido estrito e Lei em sentido amplo;

5
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2017. p 146.
A expressão Lei em sentido estrito corresponde à lei (preceito comum)
emanada do Poder Legislativo, no âmbito de sua competência, de acordo com o artigo
59 da CF/1988.

Lei em sentido amplo indica todo o direito escrito (o jus scriptum). É uma
referência genérica que abrange a lei em sentido estrito (a elaborada pelo Poder
Legislativo) e todas as outras formas normativas oriundas de outros poderes, como o
decreto, o regulamento, a portaria etc., que, embora não se caracterizem como leis
stricto sensu – já que não emanam do Poder Legislativo –, integram as normas que
compõem o ordenamento jurídico. Por exemplo, os atos normais de competência dos
Chefes do executivo - Presidente da República, Governador de Estado e Prefeito -, são
baixados mediante simples decretos. A validade destes não exige apreciação do Poder
Legislativo.

2) - Lei Substantiva e Lei Adjetiva

Lei substantiva também chamada de lei material, é a aquela composta pelas


normas de conduta social que definem os direitos e os deveres dos cidadãos. São
encontradas nas principais codificações, como o Código Civil e o Código Penal.

Lei adjetiva também designada de lei formal, é o conjunto de regras que


definem os procedimentos a serem observados no andamento das questões forenses. São
exemplos as leis que estão nos Códigos de Processo Civil e de Processo Penal.

Assim, no Código Civil de 2002 (CC/2002)6, estão os artigos que definem quem
são os credores e devedores da prestação de alimentos, o fundamento, etc. No Código
de Processo Civil de 2015 (CPC/2015)7 estão os artigos que tratam da ação de
alimentos, dos prazos e demais regras processuais. Segundo a doutrina jurídica, a lei
substantiva é principal, porque deve ser conhecida por todos, enquanto a adjetiva é de
natureza instrumental e seu conhecimento interessa apenas aos juízes, advogados e
demais pessoas e órgãos que desempenham a função essencial de administração da
justiça.

6
O Código Civil de 2002 (CC/2002) está disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
7
O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/015) está disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
3) - Lei de Ordem Pública e de Interesse Privado

Esta classificação guarda correlação com a divisão do direito em público e


privado. Nesta direção, são de ordem pública as que disciplinam os fatos de maior
relevância ao bem-estar da coletividade, por isso reúnem preceitos de importância
fundamental ao equilíbrio e à segurança da sociedade. Assim, prevalecem
independentemente da vontade das pessoas. Pertencem a esta categoria: normas
constitucionais, administrativas, penais, processuais, as referentes à segurança e à
organização judiciária; as que dispõem sobre a capacidade das pessoas e direitos da
personalidade, por exemplo.

São de ordem privada ou de interesse privado as que têm por objetivo regular
interesses particulares, por isso comportam renúncia ou transações. A título ilustrativo
podemos apontar a maior parte dos dispositivos que regulam os contratos no CC/2002.

Características da lei

Algumas características da lei se confundem com as notas identificadoras do


próprio Direito. Assim, além da forma escrita, como você estudou na aula anterior
quando o Direito com a Moral foram confrontados, de forma resumida, pode-se dizer
que também são características da lei:

a) - a generalidade - a lei alcança a todos indistintamente.

b) - a imperatividade - a lei não traz apenas um conselho, ao contrário, traz uma


ordem. Impõe um comando ao regular a relação entre dois sujeitos, atribuindo direitos a
um deles e deveres ao outro. Por isso, diz-se que a lei tem estrutura imperativo-
atributiva. A obrigatoriedade da lei decorre do caráter imperativo. Por isso, é destacada
a importância do artigo 3o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
(LINDB) para o equilíbrio social: "ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que
não a conhece". A análise deste artigo será retomada na próxima aula.

c) - a constitucionalidade - segundo a pirâmide das leis, a Constituição está no topo,


devendo as demais leis a ela se subordinarem. Logo, a legalidade da lei está na sua
conformidade com a Constituição.

No direito moderno, com a divisão das funções do Estado exercidas por poderes
distintos, a competência de ditar a lei (o poder de criar direitos e obrigações) é
normalmente conferida ao Poder Legislativo, cujos membros são eleitos pela vontade
popular.

ANALOGIA: UMA DAS FORMAS DE SUPRIR LACUNAS

O vocábulo analogia deriva do grego ana logon, que significa segundo a razão.
É a percepção de uma similitude de valores que justificam uma solução justa dentro do
sistema jurídico. Na analogia há uma identidade de razão8.

A analogia inspira-se na igualdade de tratamento de situações semelhantes.


"Consiste na aplicação da lei a casos por ela não regulados, nos quais há identidade de
razão ou semelhança de motivo". Para alguns doutrinadores não é exatamente uma fonte
formal, porque não cria uma lei, apenas conduz o seu intérprete (no caso o aplicador do
Direito, normalmente o juiz) ao seu encontro. "É uma técnica jurídica empregada
somente quando a ordem jurídica não oferece uma regra específica para determinada
matéria de fato"9.

O fundamento da analogia está na necessidade de harmonia e coerência ao


sistema jurídico. Considerando que o aplicador do Direito está vinculado ao próprio
sistema (ordenamento jurídico), fica excluída a possibilidade de tratamento diferente a
situações basicamente semelhantes, uniformizando-se decisões, e assim, impedindo na
prática, a injustiça.

São requisitos para o uso da analogia: a) - lacuna na lei; b)- semelhança de


hipóteses; c) - a mesma razão de decidir.

É o que encontramos na seguinte situação: há uma lei que diz que o condômino
que administra as áreas comuns do prédio que pertencem a todos, sem oposição dos
outros se presume representante comum (de todos). Esta lei pode ser utilizada por
meio de analogia para o caso de usufruto instituído simultaneamente a mais de uma
pessoa, como é o caso de um casal, separado judicialmente. Em virtude da analogia
com a situação do condomínio onde todos são coproprietários, presume-se que é

8
OLIVEIRA, José Maria Leoni Lopes de. Introdução ao Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora,
2006. p. 237.
9
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2017. p 195.
representante comum do bem em usufruto aquele (o ex-marido ou a ex-esposa) que
administra o bem sem oposição do outro.

OS COSTUMES

Atualmente, os costumes apresentam pouca expressividade no ordenamento


jurídico brasileiro, na medida em que o Direito escrito absorveu a quase totalidade das
normas consuetudinárias criadas para atender demandas sociais e suprir as leis. Uma
vez escrita, a norma deixa de ser costumeira (oral) para incorporar-se à categoria de
direito codificado. Além disso, é crescente a produção legislativa, não dando espaço ao
surgimento de manifestações espontâneas pela própria sociedade, de forma lenta e
muitas vezes inconsciente, como ocorria em passado mais remoto.

Da comparação entre a lei e o costume, constata-se que este é uma criação mais
legítima e autêntica do Direito, já que produto voluntário das relações cotidianas. De
outro lado, não atende aos anseios de segurança jurídica, como o faz a lei (direito
codificado), em especial, em Estados de dimensões continentais, nos quais comumente
encontrávamos diversidade de usos e costumes.

De modo geral, os costumes podem ser definidos como uma prática reiterada e
constante percebida no meio social. Há dois elementos constitutivos nos costumes: a) -
o elemento externo: que é a repetição ou reiteração de atos por um longo tempo, em
fórmula única (uniformidade), através do uso geral e constante pelos membros da
sociedade. Vale lembrar que o costume não é um fato isolado, mas uma prática que
surge forma lenta; b)- o elemento interno: a convicção de sua necessidade. Trata-se da
certeza de que a observância daquela prática costumeira é necessária e obrigatória para
disciplinar de forma adequada condutas individuais10.

Algumas observações importantes em relação ao costume: 1) - não assume força


vinculante se for contrário à lei, ou seja, não terá caráter obrigatório. Em outras
palavras, não se admite o chamado costume contra legem. 2) - a alegação de que uma
determinada lei não é observada/cumprida, "não pegou", não serve para afastar o seu
caráter obrigatório. Uma lei somente deixa de ter validade quando é revogada por

10
SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
p. 81.
outra. Logo, nenhum costume tem força bastante para revogar uma lei. 3) - em relação
à lei vigora o brocardo "iura novit curia", que significa: "a lei o juiz conhece", pois é
publicada no Diário Oficial. Mas, os costumes que se revelam através de fatos, e
normalmente são regionais, precisam ser provados11.

Quanto ao surgimento do costume, quase todas as sociedades primitivas


adotaram normas de comportamento geradas pelo próprio povo. O Código Hamurabi e a
lei das XII tábuas foram, em grande parte, compilações dos costumes. No entanto, não
devemos imaginar que os costumes foram sempre criados espontaneamente de forma
democrática. Ao contrário, em algumas sociedades primitivas, nas quais o modelo
patriarcal vigorava, os costumes dependiam da aprovação do chefe autocrático e até
mesmo eram por ele determinados.

Um exemplo no Direito brasileiro. Em certas localidades do interior do Brasil, é


tido como costume que a compra e a venda de cabeças de gado possam ser celebradas
por meio de contrato verbal (sem a necessidade de contratos escritos). Sendo assim, ao
longo dos anos, os conflitos que surgiram envolvendo compradores e vendedores de
gado deram origem a argumentações de advogados e a sentenças judiciais que acabaram
por conferir à prática um caráter de costume. Repare, no entanto, que nessas
negociações é um costume que o pagamento pelas cabeças de gado seja efetuado apenas
após a venda. Sendo assim, um comprador que se sinta pressionado a pagar pelo gado
no momento da compra poderá alegar em seu favor que os demais clientes daquele
vendedor conseguiram um crédito. Nesse caso, o comprador estará se referindo a um
costume, não previsto pela lei, e provavelmente não será forçado a efetuar seu
pagamento no ato da compra12.

Além de previstos no artigo 4º da LINDB, os costumes também são


mencionados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que estabelece que os
dissídios trabalhistas devem ser resolvidos de acordo com os usos e os costumes, na
falta de disposições legais ou contratuais.

11
OLIVEIRA, José Maria Leoni Lopes de. Introdução ao Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora,
2006, p. 173.
12
PAULA FILHO, Afrânio Faustino de. Instituições de Direito Público e Privado. Cederj. mimeo Vol 1
p. 35.
PRINCÍPIOS E REGRAS

O ordenamento jurídico é composto por princípios e regras, aqueles mais


importantes do que estas, atualmente. Os princípios incorporam as exigências de justiça
e de valores éticos que contribuem e conferem coerência interna e estrutura harmônica a
todo o sistema jurídico. Segundo Daniel Sarmento, são por definição mandamentos
nucleares de um sistema, por isso, violar um princípio é mais grave do que transgredir
uma regra13.

Os princípios pairam sobre toda a organização jurídica. Além disso, eventual


conflito entre princípios ou direitos fundamentais são solucionados através do princípio
da proporcionalidade, que prepondera sobre o da estrita legalidade. Somente a análise
do caso concreto pode indicar o direito que deve prevalecer. Por exemplo, em uma ação
de investigação de paternidade, de um lado há o direito do suposto pai à integridade
física, à privacidade, ao direito de não fazer prova contra si mesmo; de outro lado, há o
direito da criança de saber sobre a sua origem, história pessoal e não menos importante,
caso confirmada a paternidade através do exame de DNA, a criança passa a ser titular de
vários direitos, tais como: o uso do sobrenome, os alimentos, o direito à sucessão. Neste
caso concreto prevalece o interesse (direitos) da criança.

Em relação às regras, eventual conflito deve ser resolvido através dos critérios
hierárquico (Lei superior prevalece sobre lei inferior); cronológico (lei posterior revoga
lei anterior); ou de especialidade (lei especial afasta lei geral), conforme veremos na
próxima aula.

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

A Constituição Federal de 1988 é conhecida como uma carta de princípios. "Os


princípios constitucionais foram convertidos em alicerce normativo sobre o qual se
assenta todo o edifício jurídico do sistema constitucional, impactando toda a forma de
interpretação não somente da lei, mas do ordenamento jurídico como um todo"14.

13
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003.
14
BONAVIDES, PAULO. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2015 p. 340.
São princípios constitucionais de alta carga valorativa o da dignidade da pessoa
humana, da razoabilidade, da proporcionalidade que conduzem à ideia de justiça e
apresentam compatibilidade com a atual realidade advinda com o pós-positivismo
jurídico, isto é, com a necessidade de que as decisões não busquem unicamente a estrita
legalidade, mas que utilizem a lei em cotejo com outros valores que conduzem a
decisões justas por serem razoáveis. São exemplos também o princípio da igualdade,
segundo o qual homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição. E o da legalidade, que dispõe: ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Os princípios constitucionais não se confundem com os princípios gerais de


direito. Diante de uma lacuna da lei, deverá o juiz se valer da analogia, não havendo
norma que possa ser aplicada analogicamente, o julgador se valerá dos costumes e, por
fim, não havendo costume que se aplique ao caso, será a decisão baseada nos princípios
gerais do Direito. Ora, a se aceitar a ideia de que esse princípios gerais são os princípios
constitucionais, ter-se-ia de admitir que os princípios constitucionais são aplicados em
último lugar, depois da lei e das demais fontes de integração das lacunas. Isto, porém,
não corresponde à verdade. Os princípios constitucionais devem ser aplicados em
primeiro lugar (e não em último), o que decorre da supremacia das normas
constitucionais sobre as demais normas jurídicas15.

PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

Os princípios gerais do Direito são uma expressão introduzida no mundo


jurídico pelos partidários do Direito Natural, que admitiam a existência de princípios
oriundos da própria natureza, sendo, em razão disto, eternos e universais, comuns a
todos os povos. Você viu na aula passada que o Direito Natural é anterior a qualquer
ordenamento.

Atualmente, entende-se por princípios gerais de direito aquelas regras que,


embora não estejam escritas, encontram-se presentes em todo o sistema, informando-o.
São ideias basilares e fundamentais do Direito, que lhe dão apoio e coerência, que são
respaldadas pelo ideal de Justiça, de liberdade, igualdade, democracia, dignidade, etc.

15
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Editora Atlas, 2020.
São enunciados normativos, de valor muitas vezes universal que orientam a
compreensão do ordenamento jurídico no tocante à elaboração, aplicação, integração,
alteração (derrogação16) ou supressão (ab-rogação 17) das normas. Assim, o legislador
não encontrando solução na analogia e nos costumes, por exemplo, para preenchimento
de lacuna presente na lei, vai buscá-la nos princípios gerais do Direito, sendo estes
constituídos de regras que se encontram na consciência dos povos e podem ser
universalmente aceitas, mesmo não escritas.

Na verdade, em sua grande maioria, os princípios gerais de Direito estão


implícitos, sendo extraídos da própria legislação pelo método indutivo, como por
exemplo, o princípio que proíbe o locupletamento (enriquecimento) sem causa; o que
estabelece que ninguém pode tirar proveito da própria malícia; o que diz que todo dano
causado por dolo ou culpa deve ser reparado, etc.

Após a análise das fontes do Direito, passa-se ao exame de uma questão


importante sobre o ordenamento jurídico: a hierarquia das leis.

A HIERARQUIA DAS LEIS

A ideia de hierarquia denota uma relação de subordinação entre membros de


um grupo com graus sucessivos de poderes, de situação e de responsabilidades. No que
diz respeito às leis, é de conhecimento geral que a Constituição é a lei principal de um
país, à qual todas as outras estão submetidas, em ordem decrescente de importância.
Desta forma, o processo Legislativo estabelecido na CF/1988, no art. 59, compreende a
elaboração de:

- Emendas à Constituição - têm a mesma natureza e importância da Constituição, na


medida em que a inovam, quer modificando, quer editando novos preceitos
obrigatórios. A Emenda Constitucional no 103, de 2019, instituiu a chamada reforma da
previdência, alterou a redação de vários artigos da CF/1988 que versavam sobre o
sistema de Previdência Social, é um exemplo recente.

- Lei Complementar - é aquela que complementa ou explica melhor o texto


constitucional. Sua aprovação exige o quórum qualificado do art. 69 da CF/88, ou seja,
16
derrogação é a revogação parcial de lei. Apenas alguns dispositivos perdem a vigência (validade).
17
ab-rogação é a revogação total da lei. A lei em sua integralidade perde a vigência.
o voto da maioria absoluta18 nas duas casas do Congresso Nacional, o que lhe dá maior
força hierárquica do que as outras leis, exceção feita, é claro, à própria Constituição. É
muito utilizada no setor tributário, por ser o veículo próprio das normas gerais de
Direito Tributário previstas no art. 146, III, da CF/1988 que visa dispor sobre conflitos
de competência entre as entidades políticas e regular as limitações constitucionais ao
poder de tributar. É mediante lei complementar que a União poderá decretar
empréstimos compulsórios (art. 148, I e II CF/88) e em determinadas hipóteses,
conceder isenção de impostos (art. 155, XII), por exemplo. A lei ordinária, o decreto-lei
e a lei delegada sujeitam-se à lei complementar, sob pena de invalidação, caso ocorra
eventual contradição (conflito).

- Lei ordinária - corresponde à maior parte das leis elaboradas pelo Poder Legislativo
da União, dos Estados e Municípios. A aprovação da lei ordinária requer maioria
simples19.

- Lei delegada - É uma lei equiparada à lei ordinária. A competência para a sua
elaboração é do Presidente da República, desde que haja pedido e delegação expressa do
Congresso Nacional para elaborar a lei. A delegação é efetivada por resolução, na qual
conste o conteúdo juntamente com os termos do exercício desta atribuição. Conforme
art. 68, § 1o da CF/1988, tem restrições e não pode ter como seu objeto, por exemplo, as
seguintes matérias: a) atos de competência exclusiva do Congresso Nacional; b) matéria
reservada a lei complementar; c) legislação sobre planos plurianuais; d) diretrizes
orçamentárias e orçamentos; e) - temas relacionados com a organização do Judiciário e
do Ministério Público; f) - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos,
eleitorais.

- Medidas provisórias - estão no mesmo patamar hierárquico das leis ordinárias,


embora não sejam leis. São normas expedidas pelo Presidente da República, no
exercício de competência constitucional (art. 84, XXVI, CF/1988). Em caso de
relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias,
com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional (art. 62, CF/
1988). Perderão a eficácia (validade) se não forem convertidas em leis ordinárias, dentro
de certo prazo.
18
A maioria absoluta é alcançada a partir do primeiro número inteiro acima da metade de uma
assembléia, ou seja, do número total de congressistas.
19
Maioria simples implica na exigência de maior número de votos, dos que estejam presentes no plenário,
da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ou seja, mais da metade dos parlamentares presentes.
- Decretos legislativos - são normas aprovadas por maioria simples pelo Congresso,
sobre matéria de sua exclusiva competência, tais como: ratificação de tratados e
convenções internacionais, julgamentos de contas do Presidente da República, autorizar
referendo e convocar plebiscito, dentre outros elencados no vasto elenco do art. 49
CF/1988.

- Resoluções - são deliberações do Congresso Nacional ou de uma das casas legislativas


sobre assuntos de seu peculiar interesse, como por exemplo, a licença ou perda do cargo
de um deputado ou senador. Têm força de lei ordinária.

DO PROCESSO LEGISLATIVO

O processo de formação das leis é definido como: o conjunto de atos


preordenados visando à criação de normas de Direito. É composto pelas seguintes fases:

a) - iniciativa das leis: essa iniciativa pode ser geral ou reservada. Segundo dispõe o
art. 61, caput, da CF/1988: "a iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a
qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do
Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos
Tribunais Superiores, ao Procurador Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos
casos previstos nesta Constituição". Percebe-se, assim, que a iniciativa geral diz
respeito exclusivamente às leis complementares e ordinárias, que nos interessam
particularmente no último caso, por constituírem a maioria da nossa legislação.

A iniciativa reservada compete:1) - ao Presidente da República em relação às matérias


elencadas no art. 61, § 1º da CF/1988; 2) - à Câmara os Deputados e ao Senado Federal
nas hipóteses previstas nos art. 51, IV, e 52, VIII da CF/1988; 3) - aos Tribunais quanto
às matérias descritas no art. 96, II, b, da CF/1988.

b) - exame do projeto de lei nas comissões permanentes: no Congresso Nacional,


assim como nas suas casas, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados, há diversas
comissões (comissões parlamentares) permanentes ou temporárias, com atribuições
previstas no respectivo regimento ou no ato que resultar de sua criação (caput do art. 58
da CF/1988). Cabe a elas apreciar um projeto de lei tanto em relação à sua forma
(verificar a constitucionalidade), quanto ao seu conteúdo (verificar os aspectos materiais
do projeto apresentado).

c) - Discussão e votação: passado pelo crivo das comissões o projeto de lei deverá ir ao
plenário para discussão e votação, pois como o nosso regime é bicameral, é
indispensável a aprovação pelas duas casas.

d) - Revisão do projeto: o projeto pode ser apresentado em qualquer uma das casas.
Normalmente é apresentado na Câmara (exceto quando o projeto é apresentado por
Senador ou comissão do Senado), funcionando o Senado como casa revisora e vice-
versa. Se a casa revisora aprová-lo, deverá ser encaminhado à Presidência da República
para as etapas seguintes: a sanção, a promulgação e a publicação; se a casa revisora o
rejeitar, será arquivado; se a casa revisora apresentar emenda, retornará à casa de
origem para nova apreciação. Não admitida a emenda, o projeto será arquivado.

Percebe-se da leitura do art. 65, § único, que a CF/1988 atribuiu preponderância


à Casa Legislativa revisora no encaminhamento do processo legislativo, já que pode
arquivar o projeto sem ouvir a Casa onde foi apresentado e teve início.

e) - Sanção e Veto - Sanção é o ato de aquiescência (concordância) do Presidente da


República com o projeto de lei aprovado no Congresso Nacional (art. 66 da CF/1988).
Pode ser expressa, quando o Presidente da República assina o projeto sancionando-o;
diz-se tácita, quando o Presidente não assina e conforme o parágrafo 3 o do art. 66
decorrido o "prazo de 15 dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção".

Por isso, afirmamos que o veto é sempre expresso, embora possa ser total ou
parcial. Veto é o ato pelo qual o Presidente da República considerada o projeto, no todo
ou parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetando-o total ou
parcialmente, no prazo de 15 dias úteis contados da data do recebimento, e comunicará,
dentro de 48 horas, ao presidente do Senado o motivo do veto (art. 66, § 1º).

f)- Promulgação: consiste na declaração formal de existência da lei. É ato


normalmente praticado pelo Presidente da República, mas pode ser realizado pelo
Presidente do Senado em duas hipóteses: no caso de sanção tácita e no caso de rejeição
de veto. Em ambos os casos, se o Presidente da República não promulga a lei em
quarenta e oito horas.
g) - Publicação: É indispensável para que todos tenham conhecimento da lei. É o
complemento da promulgação e, normalmente, a lei entra em vigor a partir da data em
que é publicada. No entanto, de acordo com o art. 1º da Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro (LINDB), caso não inicie a vigência na data da publicação, ou outra
data determinada no próprio ato normativo, a lei começa a vigorar em todo o país
quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada".

DA APRESENTAÇÃO FORMAL E MATERIAL DO ATO LEGISLATIVO

Denomina-se de Técnica Legislativa duas ordens de estudo: o processo regular


de formação das leis, o processo Legislativo, analisado acima; e a apresentação formal e
material do ato legislativo (qualquer espécie de lei), que diz respeito aos procedimentos
e orientações para a distribuição dos assuntos e da redação do ato legislativo.

A apresentação formal, diz respeito à estrutura do ato, ou seja, as partes que o


compõem. Em geral são as seguintes: preâmbulo, corpo ou texto, disposições
complementares, cláusulas de vigência e revogação, fecho, assinatura e referenda.
Resumidamente, preâmbulo é a toda parte anterior às disposições normativas (tudo o
que vem antes do art. 1o de qualquer lei pertence ao preâmbulo). No caso da CF/1988, é
o conjunto de enunciados formulado pelo legislador constituinte originário, situado na
parte preliminar do texto constitucional, que veicula a promulgação, a origem, as
justificativas, os objetivos, os valores e os ideais de uma Constituição, servindo de
parâmetro interpretativo para a compreensão do significado das suas prescrições
normativas e solução dos problemas de natureza constitucional. O mesmo vale para
qualquer outra lei: toda a parte anterior às disposições normativas pertence ao
preâmbulo.

O corpo ou texto é a parte substancial do ato, onde são encontradas as normas


que disciplinam o nosso agir, que atribuem direitos e impõem deveres.

As cláusulas de vigência e revogação encerram o ato legislativo. A primeira diz


em que data a lei se tornará obrigatória; a segunda consiste na referência que a lei faz às
leis que perderão a vigência (obrigatoriedade) em razão desta nova lei. Tais cláusulas
não são obrigatórias porque em relação à vigência, conforme já destacado, há a regra
geral do art. 1o da LINDB.
No que diz respeito à revogação, a regra do art. 2o da LINDB estabelece: " Não
se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou
revogue. E o § 1o complementa: "A lei posterior revoga a anterior quando
expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule
inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".

O fecho é a indicação do local e da data da assinatura, bem como os anos que


são passados da independência e da proclamação da República.

A Referenda, no plano federal, é a assinatura dos Ministros de Estado, como


uma espécie de corresponsabilidade pela edição do ato. Fecho, assinatura e referenda,
por óbvio, encerram o ato normativo.

A apresentação material consiste na distribuição do conteúdo normativo de


uma lei em artigos, parágrafos, incisos e alíneas. Esta divisão confere ordem lógica às
leis.

Artigo - é a unidade básica do dispositivo legal, por isso não deve apresentar mais do
que um assunto, enunciando assim uma regra jurídica. Na doutrina jurídica é comum
encontrarmos a expressão caput do artigo. Trata-se de um termo em latim que
significa "cabeça". É utilizado em textos legislativos para se referir à parte principal de
um artigo. Os nove primeiros artigos de uma lei são numerados pela sequência ordinal:
art.1o, art. 2o, ..... art. 9o, os que se seguem a este último, pelos números cardinais: art.
10, art. 11, art. 12 e assim sucessivamente. Os artigos dividem-se em parágrafos, incisos
(ou itens) e alíneas (ou letras).

Parágrafo - é a imediata divisão de um artigo, sua finalidade é a de explicar ou abrir


uma exceção ao caput do artigo. Seu símbolo é §, exceto quando o artigo apresentar
apenas um parágrafo, oportunidade em que deve ser escrito por extenso: parágrafo
único. O critério de numeração dos parágrafos é igual ao dos artigos.

Inciso - também denominado item, é o elemento estrutural da lei que divide o artigo ou
o parágrafo, atuando de forma a discriminar hipóteses, quando o assunto tratado não
pode ser condensado nem constituir parágrafos. É expresso em algarismos romanos (I,
II, III, IV etc.).
Alínea ou letra - é outro elemento estrutural da lei, consiste numa das subdivisões do
artigo, assinalada por uma letra, destacada por intermédio de um parêntesis, assim: a),
b), c), e assim por diante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta aula você estudou as fontes do Direito: a analogia, os costumes e os


princípios gerais de direito, considerados os meios pelos quais o Direito se manifesta.
Desta forma, o ordenamento jurídico apresenta-se estruturado de modo a proporcionar
solução a todos os casos concretos que possam vir a ocorrer e demandam decisão do
Poder Judiciário. Surge desta noção o postulado da plenitude da ordem jurídica.

O ordenamento jurídico é composto por várias espécies normativas. Se todas as


pessoas agissem conforme ditam as normas jurídicas, a sociedade seria mais
organizada, com muito mais harmonia e bem-estar social. O problema é que nem todos
seguem as normas jurídicas espontaneamente.

Para facilitar a fixação das espécies normativas (emendas à constituição, leis


complementares, ordinárias, etc) sugere-se o exame do capítulo intitulado "do processo
legislativo, que inicia no art. 59 e termina no art. 69 da CF/1988. É oportuno realizar a
leitura, analisando o aspecto formal e material da Constituição.

Na próxima aula você estudará os aspectos mais relevantes da Lei de Introdução


às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que contém o conjunto de normas cujo
objetivo é disciplinar as próprias normas jurídicas, por isso é chamada de sobredireito.

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