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CAMPINA GRANDE
2018
VITÓRIA MARIA XAVIER ALBUQUERQUE
CAMPINA GRANDE
2018
É expressamente proibido a comercialização deste documento, tanto na forma impressa como eletrônica.
Sua reprodução total ou parcial é permitida exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, desde que na
reprodução figure a identificação do autor, título, instituição e ano do trabalho.
Primeiramente agradeço a Deus, por ter permitido que eu chegasse até aqui, por ter me
concedido coragem e forças para alcançar meus objetivos, e não somente por esses anos como
universitária, mas que em todos os momentos é o meu maior mestre.
Agradeço à minha mãe, Maria Tereza, ao meu pai, José de Arimateia e ao meu irmão,
Luiz Gabriel, meus maiores incentivadores, que demonstraram confiança, paciência e apoio
desde o início desta caminhada, por terem vivido esse sonho comigo. Agradeço aos meus
demais familiares pela torcida sempre positiva e por terem contribuído de forma direta e
indireta nesta trajetória.
Um agradecimento especial aos meus amigos de curso, Karen, Lorena, Kenedy, Filipe,
Gabriel, Biu, Amanda, Erycleuson, Ângelo e nosso eterno GD, que permanecerá sempre em
nossos corações. Muito obrigada amigos, vocês tornaram a caminhada mais leve e tranquila,
sempre permanecemos de mãos dadas, enfrentando os desafios postos à nossa frente, e ao
final desse ciclo não poderia ser diferente.
Aos meus demais amigos, por muito além de me apoiarem nas decisões mais
importantes da minha vida, estarem ao meu lado e entenderem os períodos em que estive
ausente.
Ao meu professor e orientador, Francisco Leite Duarte, pela colaboração neste
trabalho, e por ao longo do curso ter sido um grande incentivador e exemplo a ser seguido.
Agradeço a todos os professores, por me proporcionarem o conhecimento não apenas
racional, mas a manifestação de caráter e afetividade da educação no processo de formação
profissional, por tanto que se dedicaram, não somente por terem me ensinado, mas por terem
me feito aprender.
Por fim, aos companheiros do Rocha, Marinho e Sales Advogados e do Advocacia
David Diniz.
“O segredo ou o sigilo numa República é a
pior espécie de Tirania.”
Marcelo Artilheiro
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 07
2 O SIGILO BANCÁRIO..................................................................................... 09
2.1 O sigilo bancário no ordenamento jurídico brasileiro.................................... 09
2.2 A proteção aos direitos do contribuinte na Constituição Federal................. 11
3 EVASÃO E ELISÃO TRIBUTÁRIAS............................................................. 13
3.1 A Lei Complementar n.º 105/2001 e o dever das instituições financeiras de
prestar informações ao
Fisco..................................................................................................................... 14
3.2 A inoponibilidade do sigilo bancário ao acesso dos dados bancários pela
Receita Federal................................................................................................... 17
4 A VIRAGEM JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL........................................................................................................... 18
4.1 Da compatibilidade do acesso com o direito à intimidade, à privacidade e
à inviolabilidade de dados................................................................................. 21
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 22
REFERÊNCIAS................................................................................................. 25
7
RESUMO
O presente trabalho tem como foco a análise da possibilidade de quebra do sigilo bancário
como ferramenta ao combate da evasão e elisão tributária internacional. Busca-se verificar a
constitucionalidade da referida medida. O sigilo de dados bancários caracteriza-se como
direito fundamental do indivíduo, inviolável, protegido pelo artigo 5º da Constituição Federal.
O regramento legal acerca da obtenção das informações, resguardadas pelo sigilo bancário,
pelo Fisco está previsto nos arts. 5º e 6º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de
2001. Todavia, o Supremo Tribunal Federal ratificou a constitucionalidade do artigo 5º da LC
105/2001, norma que impõe o dever de as instituições financeiras informarem periodicamente
à Receita Federal, as operações financeiras que exorbitem valores determinados,
independentemente de autorização judicial. Verifica-se a presença de interesses contrapostos,
de um lado o direito à intimidade, privacidade e sigilo de dados, e de outro, o poder dos entes
de tributação, com o fito de promover adequada fiscalização. Para a resolução desta celeuma
se propõe a ponderação dos interesses constitucionalmente protegidos, para concluir pela
compatibilidade do acesso aos dados pelo Fisco, sem autorização judicial, com os direitos
individuais do contribuinte.
1 INTRODUÇÃO
O sigilo, seja fiscal, bancário ou qualquer outra espécie de sigilo, é tema bastante
controverso e delicado. Sabe-se que o sigilo tem como premissa proteger uma parte, de forma
que seus dados e suas informações não sejam transmitidos a outras pessoas sem o seu
consentimento, de modo a não lhe trazer transtornos e prejuízos. Em contrapartida, muitas
vezes em favor da coletividade, este direito individual é relativizado e ocorre o que se
conhece por quebra de sigilo.
Nesse sentido, resta claro, que em se tratando de sigilo, principalmente o bancário, o
qual é objeto do presente estudo, entram em conflito valores importantes e de ordem
constitucional, a saber: a intimidade, a privacidade, a inviolabilidade dos dados, e o dever de
fiscalização pela administração pública.
*
Aluna de Graduação em Direito na Universidade Estadual da Paraíba - Campus I.
E-mail: valbuquerque23@gmail.com
8
.
Tendo em vista o cenário brasileiro, marcado pelo alto índice de sonegação fiscal, seja
pelo desconhecimento da lei ou até mesmo pelo sentimento de “injustiça tributária”, que
produz como consequência a diminuição da arrecadação pelo Fisco e o desequilíbrio das
relações comerciais, aqui será analisada a possibilidade de quebra do sigilo bancário como
ferramenta para o combate à evasão e elisão tributárias fiscais, apresentando uma evolução
dos referidos institutos.
O objetivo do presente trabalho é discutir a constitucionalidade das transferências de
informações, resguardadas pelas instituições financeiras, para o Fisco sem a necessidade de
autorização judicial, sob a análise da regulamentação normativa de acesso direito aos dados
do contribuinte pela administração, com enfoque para a Lei Complementar nº 105, de 10 de
janeiro de 2001.
Dessa forma, a análise da aplicação desse dispositivo normativo, bem como os
instrumentos trazidos por ele, exercem relevante papel na garantia da efetividade da
fiscalização tributária, principalmente diante da realidade vivida no Brasil, em que as práticas
de sonegação estão enraizadas historicamente e acabaram tornando-se a regra. Será
demonstrada a validade prática da referida norma, posto que ela produz resultados concretos e
positivos na arrecadação de tributos e no combate à sonegação fiscal.
Será analisada a proteção que a Constituição Federal confere aos contribuintes atrelada
ao dever fundamental de pagar tributos, propondo-se a ponderação dos interesses
constitucionalmente protegidos, com a finalidade de combater o problema da evasão e elisão
tibutária internacional. Ademais, será demonstrado através do entendimento do Supremo
Tribunal Federal acerca da matéria, a compatibilidade do acesso às informações bancárias do
contribuinte, pelo Fisco, com o direito à intimidade, à privacidade e à inviolabilidade dos
dados.
Para o desenvolvimento do presente trabalho, a pesquisa adotada foi o estudo
bibliográfico e documental, realizado em doutrinas, artigos, legislações aplicáveis ao tema e
jurisprudência que tratam da temática. O método utilizado na abordagem, é o indutivo, haja
vista que os resultados obtidos foram constatados a partir da observação de casos concretos
que confirmam a realidade apresentada.
Ademais, estrutura-se em três capítulos, apresentando-se, no primeiro, um apanhado
geral sobre o sigilo bancário de dados, seu conceito e alcance, sua abordagem no ordenamento
jurídico brasileiro e a proteção conferida ao contribuinte na Constituição Federal. No segundo
capítulo a abordagem recai sobre os institutos da evasão e elisão tributárias fiscais,
9
2 O SIGILO BANCÁRIO
É possível que, em certos casos, os dados bancários deixem entrever aspectos da vida
privada, o que se coloca em questão, é saber se a garantia ao sigilo bancário está abrangida
pelo princípio constitucional que protege a intimidade e a vida privada, adquirindo, portanto,
status de direito fundamental individual, ou se sua previsão é de natureza infraconstitucional.
Ainda que o sigilo bancário possa ser enquadrado no âmbito do resguardo do direito à
intimidade, deve-se distinguir as informações referentes ao círculo pessoal e familiar do
indivíduo, e àquelas decorrentes de suas relações com terceiros, que normalmente são mais
numerosas.
Neste sentido, a Constituição Federal confere ao contribuinte determinadas garantias,
que visam a promover a constituição do Estado sob a forma de uma democracia de direito.
O art. 145, §1º da CRFB/88 dispõe sobre a graduação dos impostos, quando possível,
de acordo com a capacidade contributiva do contribuinte. O art. 150 estabelece as limitações
do poder de tributar, elencando em seus incisos os princípios da legalidade, isonomia,
irretroatividade da lei tributária, anterioridade, proibição de tributos com efeito de confisco e
que limitem o tráfego de pessoas.
No art. 151, o legislador buscou uniformizar o tributo em todo o território nacional,
conforme proíbe no artigo seguinte, a diferença tributária entre bens e serviços, em razão da
procedência ou destino.
Outrossim, ao lado de toda a proteção conferida ao contribuinte pela Carta Magna,
quanto à limitação tributária, verifica-se também o dever fundamental de pagar tributos,
decorrente do princípio da isonomia e da justiça fiscal.
De acordo com os artigos 150, II e 145, §1º, ambos da CRFB/88, é impossível instituir
tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, é
totalmente proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles
exercida.
A função arrecadatória dentro do limite da capacidade contributiva de cada indivíduo,
se faz necessária para a manutenção do Estado e o cumprimento de seus objetivos. O dever de
pagar tributos foi elevado à categoria de dever fundamental que não pode ser violado, pois
desestrutura todo o sistema de tributação. Grande parte dos tributos instituídos, dependem de
uma atuação do contribuinte, de declarar receitas e recolher por sua conta própria o montante
tributado.
Ademais, a sonegação tributária configura violação da norma constitucional, capaz de
desequilibrar o sistema tributário, sobrecarregando os contribuintes que cumprem com as suas
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Aos entes federados foi designada a competência para instituir e arrecadar tributos,
assim como para atuar na fiscalização do cumprimento das obrigações tributárias, como forma
de garantir a proteção da dignidade da pessoa humana e a erradicação da pobreza e da
marginalização, e redução das desigualdades sociais e regionais, objetivos previstos na
Constituição Federal.
A excessiva tributação provoca no contribuinte o sentimento de injustiça social, que o
leva ao cumprimento da norma, apenas por receio das sanções. O sentimento de rejeição as
normas tributárias leva o contribuinte à sonegação, como forma de se insurgir ante as
injustiças e corrupções praticadas pelo poder público.
Dessa forma, a evasão e a elisão são meios adotados pelo contribuinte como forma de
esquivar-se da obrigação tributária, ambas as práticas, são adotadas com o mesmo intuito de
diminuir a carga tributária.
A evasão tributária é “toda e qualquer ação ou omissão tendente a elidir, reduzir ou
retardar o cumprimento de obrigação tributária” (DÓRIA, 1977). Pode-se dizer que a evasão,
a depender dos meios empregados para se eximir do pagamento dos tributos, poderia ser lícita
ou ilícita. Já a elisão, seria sempre lícita, pois sua prática dá-se com o uso de lacunas da lei.
Outra diferença crucial entre os dois institutos, baseia-se no critério da ocorrência do
fato gerador. Se o ato ocorresse após a incidência do fator gerador, seria identificado como
evasão. Porém, se o próprio ato fosse tendente a evitar a própria incidência do fato gerador,
seria configurado como elisão.
Ives Gandra da Silva Martins afirma que “a distinção básica entre elisão e evasão
reside nos meios adotados para se fugir ao peso, sempre injusto, da carga tributária do Estado
moderno, sendo tais meios legais ou ilegais, no que se conforma a elisão e evasão fiscal”
(MARTINS, 1988).
Pelo Código Tributário Nacional, ao realizar o fato gerador, surge a obrigação
principal que tem por objeto o pagamento do tributo. Ao Fisco recai o direito à percepção de
valores, sendo, portanto considerados violadores da norma tributária, os artifícios do
contribuinte para distorcer o fato gerador ocorrido.
14
3.1 A Lei Complementar n.º 105/2001 e o dever das instituições financeiras de prestar
informações ao Fisco
15
A Lei Complementar n.º 105/2001, assim dispõe no caput do seu art. 1º, in verbis:
Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e
passivas e serviços prestados.
O art. 17, da Lei n.º 4.595/64, considera como instituições financeiras “as pessoas
jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta,
intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda
nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros”.
Outrossim, com o advento da Lei n.º 7.492/86, o conceito de instituição financeira foi
ampliado, acrescentando as que possuem como atividade típica a custódia, distribuição,
negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários. Ademais, trouxe também
como equiparação a instituição financeira, a pessoa jurídica que arrecade e gerencie seguros,
câmbio, consórcio ou qualquer tipo de poupança e a pessoa natural que pratique quaisquer
funções dentre as citadas, mesmo que por eventualidade (BRASIL, 1986).
O §1º, do art. 1º da Lei Complementar n.º 105/2001, enumera especificamente o que
pode ser considerado instituição financeira, para os efeitos da referida lei:
§ 1º São consideradas instituições financeiras, para os efeitos desta Lei
Complementar:
O que se destaca aqui não é a interceptação de dados, na verdade é o acesso aos dados
anteriormente comunicados, que por sua vez não possuem a menor capacidade de revelar algo
que viole a privacidade dos usuários (SARAIVA FILHO, 2005).
Logo, o teor das informações disponibilizadas pelas instituições financeiras à
administração tributária, não podem tratar de origem ou natureza dos gastos efetuados a partir
das operações financeiras, devendo se limitar apenas a identificação do operador e a quantia
movimentada mensalmente.
Esta transferência de dados, possibilita o controle necessário para o bom
funcionamento da fiscalização tributária, combatendo práticas ilícitas, como a evasão e a
elisão tributárias. Caso sejam observados indícios de fraude, omissões ou ilícito fiscal, a
autoridade administrativa poderá requisitar a documentação necessária para apuração dos
fatos.
Como citado anteriormente, a problemática surge ante ao fato de que a possibilidade
de acesso a informações e dados referentes a movimentações financeiras do investigado, não
autoriza o Fisco a devassar o sigilo do contribuinte de maneira generalizada e sem critérios,
mas sim que seja limitado em casos de suspeita de sonegação que já possuem processo
administrativo ou fiscal em curso (TORRES, 2012).
Quanto à hipótese prevista no parágrafo único do art. 6º, da Lei Complementar n.º
105/2001, Leandro Paulsen assevera que independentemente do caso, a transferência de dados
está amparada pela obrigação funcional dos agentes públicos de manterem o sigilo dos
documentos e informações acessados, razão pela qual sustenta-se que há uma transferência do
17
dever de conservar as informações sigilosas, não havendo, portanto, que se falar em quebra do
sigilo do contribuinte (PAULSEN, 2014).
No julgamento do Recurso Extraordinário n.º 389.808 (BRASIL, 2010), o Ministro
Dias Tófolli chamou a atenção para uma impropriedade semântica na redação dos artigos 10 e
11, da lei complementar em questão, afirmando que o legislador equivoca-se ao mencionar
um “quebra” do sigilo, quando na verdade o que ocorre é uma transferência sigilosa de
informações entre as instituições financeiras e a Receita Federal.
Desta forma, justifica-se a sobredita medida antievasiva e antielisiva, pois a sonegação
tributária viola o princípio da igualdade e provoca injustiça entre os contribuintes.
Portanto, em quaisquer das hipóteses enumeradas pela lei complementar não há que se
falar, a princípio, em “quebra” de sigilo bancário, mas sim da transferência do dever de
conservar o sigilo, que não apenas é das instituições financeiras, pois passou a ser também do
Fisco.
3.2 A inoponibilidade do sigilo bancário ao acesso dos dados bancários pela Receita
Federal
responsabilizado” (BRASIL, STF - RE: 389808 PR, Relator: Ministro Marco Aurélio Mello,
Data de Julgamento: 15/12/2010).
Seguindo a divergência principiada pelo Ministro Dias Tóffoli, a Ministra Carmem
Lúcia defendeu que não houve “agressão aos direitos fundamentais, uma vez que não está
autorizado por lei a dar a público, mas apenas a transferir para um outro órgão da
administração, para o cumprimento das finalidades da Administração Pública, aqueles dados”
(BRASIL, STF - RE: 389808 PR, Relator: Ministro Marco Aurélio Mello, Data de
Julgamento: 15/12/2010).
SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do
artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência,
às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a
quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e,
mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal.
SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta
da Republica norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-
tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte.
(STF - RE: 389808 PR, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento:
15/12/2010, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-086 DIVULG 09-05-2011
PUBLIC 10-05-2011 EMENT VOL-02518-01 PP-00218)
como forma de combate às práticas de evasão e elisão tributárias, assim como, de lavagem de
dinheiro, configurando-se como importante instrumento de cooperação internacional.
No julgamento da CR 438/BE, o Ministro Relator Luiz Fux dispôs que o STJ, com a
nova competência que lhe foi concedida pela EC 45/2004, deve se atentar às necessidades da
cooperação internacional, em especial no combate ao crime organizado transnacional, e
possibilitar aos demais Estados estrangeiros a investigação de ditas organizações criminosas,
através da concessão de exequatur de cartas rogatórias para este fim (BRASIL, STJ – CR
438/BE, Relator: Ministro Luiz Fux, Data de Julgamento: 15/08/2007).
CARTA ROGATÓRIA. DILIGÊNCIAS. BUSCA E APREENSÃO. QUEBRA DE
SIGILO BANCÁRIO. POSSIBILIDADE. CONCESSÃO DO EXEQÜATUR. 1.
Carta Rogatória encaminhada pelo Ministério das Relações Exteriores a pedido da
Embaixada da Bélgica, com o fim de verificar possível crime de lavagem de
dinheiro envolvendo empresário brasileiro descrito nestes autos, por solicitação do
juízo de instrução, do Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas, Bélgica. 2. É
cediço que: A tramitação da Carta Rogatória pela via diplomática confere
autenticidade aos documentos. 3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
pautava-se no sentido da impossibilidade de concessão de exequatur para atos
executórios e de constrição não-homologados por sentença estrangeira. 4. Com a
Emenda Constitucional 45/2004, esta Corte passou a ser competente para a
homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas
rogatórias. 5. A Resolução 9/STJ, em 04 de maio de 2005, dispõe, em seu artigo 7º,
que "as cartas rogatórias podem ter por objeto atos decisórios ou não decisórios". 6.
A Lei 9.613/98 (Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro), em seu art. 8º e parágrafo
1º, assinala a necessidade de ampla cooperação com as autoridades estrangeiras,
expressamente permite a apreensão ou sequestro de bens, direitos ou valores
oriundos de crimes antecedentes de lavagem de dinheiro, cometidos no estrangeiro.
7. Destarte, a Lei Complementar 105/2001, por sua vez, em seu art. 1º, parágrafo 4º,
dispõe que as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e
passivas e serviços prestados, sendo que a quebra de sigilo poderá ser decretada,
quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase
do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes: VIII –
lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores; IX – praticado por
organização criminosa. 8. Deveras, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional (Decreto 5.015/2004) também inclui a cooperação
judiciária para "efetuar buscas, apreensões e embargos", "fornecer informações,
elementos de prova e pareceres de peritos", "fornecer originais ou cópias certificadas
de documentos e processos pertinentes, incluindo documentos administrativos,
bancários, financeiros ou comerciais e documentos de empresas", "identificar ou
localizar os produtos do crime, bens, instrumentos ou outros elementos para fins
probatórios", "prestar qualquer outro tipo de assistência compatível com o direito
interno do Estado Parte requerido" (art. 18, parágrafo 3, letras a até i). Parágrafo 8
do art. 18 da Convenção ressalta que: "Os Estados Partes não poderão invocar o
sigilo bancário para recusar a cooperação judiciária prevista no presente Artigo". 9.
In casu, A célula de tratamento das informações financeiras (CETIF) denunciou no
dia 16 de Julho 2002 ao Escritório do Procurador Geral em Bruxelas a existência de
índices sérios de branqueamento de capitais (...) entre as pessoas envolvidas no
presente processo. 10. Princípio da efetividade do Poder Jurisdicional no novo
cenário de cooperação internacional no combate ao crime organizado transnacional.
11. Concessão integral do exequatur à carta rogatória
Assim, diante da urgente necessidade de uma atuação interligada entre os Estados para
a coerção de infrações globais em matéria tributária e fiscal, o mecanismo do
compartilhamento de informações entre membros da ordem econômica mundial se revela
como um avanço na política fiscal tanto de países emergentes como desenvolvidos, fazendo
com que o instituto ganhe destaque na comunidade internacional (BASTOS, 2014).
Cumpre destacar que, cerca de setenta países já permitem a transferência de
informações pelas instituições financeiras para a Receita, sem a necessidade de autorização
judicial, enquanto apenas dezoito países ainda resistem em permitir o acesso direto da
administração tributária. Estes Estados que se mostram intransigentes, quanto a flexibilização
do sigilo bancário, que geralmente são países de pouca influência na comunidade econômica
mundial, o fazem por ter interesse em atrair investidores que prefiram realizar movimentações
sigilosas nos bancos locais, enfraquecendo o combate efetivo contra a evasão e elisão fiscais,
a lavagem de dinheiro e até mesmo o terrorismo.
Isto posto, os tribunais superiores têm compartilhado o mesmo entendimento quanto à
fundamentação constitucional acerca da possibilidade de transferência de dados sigilosos,
bem como do seu caráter relativo diante de situações que sugerem a prática de atos ilícitos.
Enxergam na quebra do sigilo bancário, uma forma de combate às práticas de evasão e de
elisão tributárias, concebidas internamente e no exterior.
Deste modo, os direitos fundamentais não podem servir de pretexto para a prática de
atividades ilícitas, nem como argumento para se eximir de eventual responsabilização na
esfera cível ou penal. De contraponto, o Estado não pode suprimir direitos fundamentais sob o
argumento de que isto seja necessário para o desenvolvimento de suas atividades, haja vista,
que estes poderes estatais devem obedecer aos limites demarcados pela Constituição e pelas
leis.
Conforme amplamente esposado anteriormente, a Constituição Federal (BRASIL,
1988) prevê como direitos fundamentais, a intimidade e a vida privada, e a inviolabilidade de
dados, nos seus incisos X e XII, do art. 5º.
O âmbito de proteção do direito à intimidade, a que se refere o inciso X, do art. 5º da
Constituição Federal (BRASIL, 1988), é considerado por grande parte da doutrina como algo
bem próximo ao direito à privacidade, porém, é necessário distinguir esses preceitos, ao passo
que a própria Carta Magna fez a separação da intimidade das demais modalidades que
compõe a privacidade.
Apesar dos conceitos de intimidade e vida privada parecerem idênticos, estes podem
ser diferenciados pelos seus respectivos âmbitos de incidência. A intimidade possui menor
amplitude, portanto se encontra dentro do campo de proteção da vida privada, que por sua vez
é mais amplo.
Quanto à inviolabilidade de dados, o objeto protegido não são propriamente os dados,
mas sim a sua comunicação, que não pode sofrer interferência de terceiros, sob pena de
flagrante violação deste preceito fundamental. Observa-se que apenas as comunicações dos
dados encontram-se sob o manto de proteção da Constituição, de forma que os dados em si
não possuem status constitucional, pois não constituem desdobramentos da intimidade.
Resta claro, que o intuito do constituinte ao prever a inviolabilidade de dados, foi
proteger a sua comunicação da invasão de terceiros estranhos a relação, como forma de
garantir a intimidade dos sujeitos que transferiram e receberam os dados.
A interpretação lógica trazida pelo inciso XII, do art. 5º da Constituição Federal
(BRASIL, 1988) seria de que o dispositivo veda o acesso de terceiros a informações
referentes ao “ser”, mas não proíbe o acesso da Receita Federal a respeito de dados do “ter”,
que contam com rigorosa manutenção de sigilo fiscal pela administração tributária e com a
irretorquível proteção aos direitos fundamentais do contribuinte (LEAL, 2013).
Conclui-se que a transferência sigilosa de informações não objetiva violar o direito à
intimidade e à vida privada do cidadão, mas sim de garanti-los através do dever de
23
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho foi realizada uma análise dos aspectos mais relevantes sobre a
quebra do sigilo bancário, como forma de repressão às práticas de evasão e elisão fiscais,
investigando a compatibilidade da referida medida, com o ordenamento jurídico brasileiro.
Foram examinados os institutos da evasão e elisão tributária, que constituem formas
de atuação ilícitas do contribuinte. Acobertados pelo sigilo bancário, os contribuintes violam a
legislação tributária com o intuito de diminuir o recolhimento de tributos. Verificou-se que as
sobreditas práticas provocam um desequilíbrio no sistema tributário pátrio, pois violam o
princípio da isonomia e geram situação de injustiça tributária.
A proposta de quebra do sigilo bancário foi apresentada como possível forma de
controlar o problema da sonegação fiscal, uma vez que cabe ao Fisco o poder de investigação
do cumprimento da obrigação tributária.
Observou-se que existe divergência na doutrina quanto ao dispositivo constitucional
que acobertaria o sigilo de dados, se o inciso X ou o XII, do art. 5º da Constituição Federal.
Outro ponto observado, foi o conflito existente entre a norma que dispõe sobre a competência
da administração pública para fiscalizar, cobrar e executar tributos, e a proteção conferida ao
sigilo bancário, de ocultar informações.
Através da análise de precedentes do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de
Justiça, foi possível verificar a utilização da técnica de harmonização dos princípios para
permitir a quebra do sigilo bancário diante da requisição do Fisco. A ponderação de princípios
foi levantada, em razão de não haver na Constituição distinção entre suas normas,
prevalecendo o princípio da isonomia. Como regra prevalece a proteção ao sigilo bancário,
com possibilidade de quebra, em situações de exceção, garantindo ao Fisco o poder-dever de
verificar o cumprimento da obrigação tributária.
Verificou-se, ainda, a preocupação com a cooperação jurídica internacional, em
especial no combate ao crime organizado internacional, com a concessão de exequatur em
cartas rogatórias para este fim, autorizando-se a quebra do sigilo em favor de Estados
estrangeiros.
Por tudo que foi apresentado, chega-se a compreensão de que a viragem
jurisprudencial promovida pelo Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, revelou-se como
24
um avanço, ao passo que com essa medida, o Brasil evoluiu em termos de transparência fiscal
e cooperação tributária internacional, assegurados os direitos individuais dos contribuintes,
demonstrando um equilíbrio entre a eficiência da administração tributária e o respeito aos
direitos e garantias fundamentais do contribuinte.
Desta forma, o acesso às informações bancárias do contribuinte pelas autoridades
fiscais, sem necessidade de autorização judicial prévia, propicia à administração tributária
meios de aumentar a arrecadação, através de procedimentos de fiscalização mais céleres e
eficazes, sem o aumento de tributos e com melhor distribuição da carga tributária, indo ao
encontro do anseio de construção de uma sociedade justa e solidária, e obedecendo aos
princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal.
ABSTRACT
The present work focuses on the analysis of the possibility of breach of banking secrecy as a
tool to combat evasion and international tax avoidance. It seeks to verify the constitutionality
of this measure. The secrecy of banking data is characterized as a fundamental right of the
individual, inviolable, protected by article 5 of the Federal Constitution. The legal rule about
obtaining information, backed by bank secrecy, by the IRS is foreseen in the arts. 5th and 6th
of the Supplementary Law n.º 105, of January 10, 2001. However, the Supreme Federal Court
ratified the constitutionality of article 5 of the LC 105/2001, a norm that imposes the duty of
the financial institutions to periodically inform the IRS, the financial transactions that outside
determined values, Irrespective of judicial authorisation. It is verified the presence of interests
contracted, on the one hand the right to intimacy, privacy and confidentiality of data, and on
the other, the power of the taxation ones, with the aim of promoting adequate supervision. To
resolve this conclusion, it proposes the weighting of constitutionally protected interests, to
conclude by the compatibility of access to data by the tax authorities, without judicial
authorisation, with the individual rights of the taxpayer.
Keywords: Breach of bank secrecy. Evasion and tax avoidance. Constitutional protection
interests.
25
REFERÊNCIAS
BRASIL, Supremo Tribunal Federal – Recurso Extraordinário: 389808 PR, Relator: Ministro
Marco Aurélio Mello, Data de Julgamento: 15/12/2010. Órgão julgador: Tribunal Pleno.
Disponível em
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