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Coleção Biblioteconomia e

Gestão de Unidades de Infonnação


serie Didáticos - n. i

Fundamentos de
Biblioteconomia e
Ciência da Informação

Mariza Russo

Rio de Janeiro, 2010


BIBLIOTECAS
[=]e-papers
FESPST

íí
o conhecimento e o processo de
comunicação^

"Uma pessoapara compreender tem de se transfor


mar" (Antoine de Saint-Exupéry).

Adistinção^ entre os conceitos de dado, informação e conheci


mento e de fundamental importância para entender o processo de
COMUNICAÇÃO.
Para Angeloni (2003), dotar dados, informações e conheci
mentos de significados não é um processo tão simples como pa
rece. Características individuais, que formam o modelo mental
de cada pessoa, interferem na codificação/decodificação desses
elementos, acarretando muitas vezes distorções individuais que
poderão ocasionar problemas no processo de comunicação.
A autora pondera sobre a visão de Davenport (1988), de que
uma das características da informação consiste na dificuldade de
sua transferência com absoluta fidelidade, e, sendo o conheci
mento a informação dotada de valor, consequentemente, a trans
missão é ainda mais difícil.
No seu estudo, Angeloni (Id.) ainda ressalta as considerações
que Lago (2001?), Pereira e Fonseca (1997) e Davenport (1998)
entendem como relevantes para amenizar as distorções no pro
cesso de comunicação:
• existem diferenças entre o que se quer dizer e o que realmen
te se diz; entre o que se diz e o que os outros ouvem; entre o
que as pessoas ouvem e o que entendem; entre o que enten
dem e lembram; entre o que lembram e retransmitem;

6. Elaborado com base em diversos documentos, principalmente, no de: ANGELO


NI, Maria Tefezinha. Elementos intervenientes na tomada de decisão. Ciência da
Informação, Brasília,DF, v.32, n.l, jan./ábr. 2003.

O conhecimento e o processo de comunicação


• as pessoas só escutam aquilo que querem e como querem,
de acordo com suas próprias experiências; paradigmas epré-
julgamentos;
• existem informações que os indivíduos não percebem e nao
veem; informações que veem e não ligam; informações que
veem enão entendpip ou não decodificam; mformações que
veem e não usam; informações que procuram; informações
que adivinham;
o estado de espírito e o humor das pessoas podem afetar a
maneira como as mesmas lidam com a informação.

Angeloni (Id.) destaca aopinião de Pereira eFonseca (1997,


p. 226) que afirmam que:

Aapreensão da informação éuma função cognitiva


superior que se processa no âmbito da linguagem.
Sempre que quisermos apreender mais informa
ções do contexto em que estamos inseridos, temos
que ampliar as nossas habilidades perceptivas, por
que onosso modo de viver nos induz alun estreita
mento perceptivo eauma visão de mundo restrita
e fragmentada e que as necessidades das pessoa
em relação à informação mudam constantemente
porque apercepção, além de ser individual, écon
tingente.

Com isso, aautora conclui que, neste processo, omaior desa


fio não é o deobter os dados, as informações e os conhecimentos,
mas sim aaceitação de que, no processo de codificação/deco "
cação, as distorções ocorrem eque se deve estar atento aeste fato
para procurar amenizá-las.
O exemplo, a seguir, üustra a interferência das pessoas na
codificação, decodificação edistorção na transformação do dado
eminformação e da informação em conhecimento.
Diferentes pessoas diante de um mesmo fato ten
dem a interpretá-lo de acordo com seus modelos
mentais, que as levam a percebê-lo de forma dife
rente: um carro BMW, último tipo, conversível, zero
quilômetro, totalmente destruído em um acidente.

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no qual o motorista bateu em uma árvore centenária
derrubando-a, Este fato pode ser codificado, deco
dificado e distorcido daseguinte maneira: algumas
pessoas serão levadas a decodificar as informações
baseadas emseus valores materiais: "Logo umcarro
tão caro! Será que ele está segurado?" Enquanto ou
tras pessoas, com valores humanos mais aguçados,
terão seufoco no ser humano: "Seráque o acidente
resultou em feridos?" Outras pessoas com interes
sesecológicos ainda terão suas atençõesvoltadasao
destino da árvore centenária: "Logo nesta árvore!
Não poderia ter sido em uma outra BMW?"7

Autores de renome na área de administração, como Daven-


port (1998), Nonaka e Takeuchi (1997), Stewait (1998) e Sveiby
(1998^, são unanimes em apontar que os conceitos de dado, in
formação e conhecimento estão estritamente relacionados com
sua utilidade no processo decisório e ligados ao conceito de co
municação.
Segundo Ferreira (2008), o ato da comunicação corresponde
ao processo de emissão, transmissão e recepção de mensagens
por meio de métodos e/ou processos convencionados.
Angeloni (2003) descreve o processo de comunicação como
uma sequênda de acontecimentos no qual dados, informações e
conhecimentos sãotransmitidos de um emissor para um receptor.
-O processo de comunicação - seja na sociedade como um
todo, em grupos sociais em particular, assim como na interação
entre dois indivíduos - sofre influência do modelo proposto por
Aristóteles, desde a Antigüidade (Figura 2).
Figura 2 - Processo de Comunicação de Aristóteles

A pessoa 0 discurso A pessoa


que fala que profere que ouve

QUEM O QUÊ AQUÉM

FONTE: BONINI, 2003.

7. FONTE: ANGELONI, 2003.

Oconhecimento e o processode comunicação


o modelo de Aristóteles influenciou o que Luongo Medina
(1991) discute em seu estudo e que se baseia em um emissor,
que envia a mensagem; um receptor, que recebe a mensagem e um
CANAL, por onde a mensagem - ou a informação - é veiculada (Fi
gura 3).
1I
Figura 3 - Processo de Comunicação

/Canaly/
Emissor Í011BIIQQE100C1Í Receptor
[l\^sagem
FONTE: Adaptado de LUONGO MEDINA. 1991. '

Este processo, denominado por Vidcery (1973) como trans


ferência DA INFORMAÇÃO, ocoiTe em um contexto'Social —o meio am
biente - o qual estásujeito a barreiras, que porsuavez interferem
diretamente no seu fluxo.
Para Luongo Medina (1991), o emissor temo pâpelsocial de
gerador, processador da informação; e o indivíduo que emite a
mensagem queespera serrecebida poroutro —o receptor. Este e o
que recebe a informação, o qual pode sofrer influências que o le
vema reter ou a distorcer a mensagem, dificultando o processo de
comunicação (como preconceitos, motivação, autoridade etc.). O
canal consiste no meio de transporte da mensagem do emissor
para o receptor. O canal pode se configurar em uma conversa
pessoal (face a face, por telefone etc.), em um registro impresso
(enviado pelo correio), êm uma manifestação artística (pintura,
escultura, gravura) ou em um registro eletrônico (e-mail, diats).
Neste processo, Luongo Medina (Id.) ainda focaliza a mídia,
como o registro da informação/mensagem feito geralmente em
linguagem natural - escrita ou falada, imagens visuais, sons etc.
Acombinação destes formatos dá origem aos diferentes tipos de
mídias como o livro, a revista, o filme, a fotografia, o disco, entre
outros. O autor também destaca, no processo de comunicação,
a questão da barreira que se constitui em um fator que dificul
ta o tráfego da informação entre emissor e receptor. Tais barrei
ras podem se apresentar como: incapacidade das pessoas ao se

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expressarem; relutância em divulgar dados; linguagem especia
lizada de grupos de trabalho, de arte, dos esportes, das religiões
etc; idiomas diferentes; simbologias. Estas barreiras podem difi
cultar o processo de comunicação e, portanto,~ã transferência da
informação.
Um dos modelos de comunicação mais influentes é o que
foi desenvolvido, em 1949, por C. E. Shannon e W. Weaver. Este
modelo - também conhecido como "teoria da informação" - foi
concebido como um modelo matemático de transmissão de sinais
elétricos - um conjunto de informações quantificáveis que transi
tava de um lugar para outro.
Os conceitos de emissor, receptor, código, sinal, codificação,
DEcoDiFicAÇÃo, são derlvados deste modelo e utilizados em muitos
estudos sobre o processo de comunicação (Figura 4).
Esses dois cientistas introduziram, ainda, o conceito de ruí
do - que se constitui em uma fonte de interferência - ou seja, em
tudo aquilo que possa atrapalhar o entendimento da informação
a ser transmitida (FIGUEIREDO, 2005).

Figura 4 - Processo de Comunicação de Shannon e Weaver


Sinal
Sinal recebido

Fonte de Trans Receptor Destino


informação missor

Fonte de
interferência

FONTE: http://www.celsmael.com.br/oratoria/oratorla020.htm

Para Ferreira (2008), ruído é qualquer fonte de erro ou de


perda de fidelidade na transmissão e recepção de mensagens.
O modelo de Shannon e Weaver (1962) - em uma visão sim
plista - se constitui de um processo em que o emissor comunica
uma mensagem ao receptor, tendo servido, ainda, para influen
ciar a explicação teórica da Ciência da Informação, quando da
criação desta ciência, na década de 1960.

o conhecimentoe o processo de comunicação


Le Coadic (2004) ressalta, no entanto, que se incorreu em
um engano conceituai ao se considerar análogos os conceitos de
informação da teoria matemática da transmissão de sinais elétri
cos e o do processo de comunicação humana, na medida em que
este sofre influências! do homem, com suas diferenças de inter
pretação (codificação e decodificação), que ocorrem de forma tão
comum neste processo.
Com base na análise do modelo de Shannon e Weaver, Le
Coadic (Id., p. 11) enuncia seu conceito de comunicação como
"o processo intermediário que permite a troca de informações en
tre as pessoas". Frente a toda esta discussão, o autor apresenta
as conclusões de Escarpit de que "a comunicação é lun ato, um
processo, um mecanismo, e que a informação é um produto, uma
substância, uma matéria" (ESCARPIT, 1990 apud LE COADIC,
2004). • .
Por outro lado, a sociedade em que se vive hoje exige que o
homem se integre ao dinamismo de seu cotidianOi sob pena de
se tomar um marginal, podendo até ser hostilizado. O processo
de comvmicação humana, então, é um dos meios que o homem
utiliza para conseguir esta integração.
Nunes (1973) ressalta a especificação de David C. Berlo so
breosingredientes do processo de comunicação, tais como;
• Quem- transmissor da comunicação;
• Por que —motivo ou objetivo da comunicação;
" Mensagem —o que é transmitido;
• Estilo - forma, medida da comunicação;
• Canal - meio empregado para a comunicação;
• Com quem - receptor da comunicação.

Um exemplo - também criado por Berlo - é citado porNimes


(Id.) para explicar o significado e a importância dos ingredientes
acima, utilizados para apresentar uma situação comum de comu
nicação:

Duas pessoas conversando. Suponha que seja a


manhã de sexta-feira. Joe e Mary encontram-se
no café local. Há umpiqueníque marcado para do-
niingo à tarde. De repente, Joe sente queMary é a
moça que deve levar ao piqueníque. Resolve con-

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vidá-la. Joe está, pois, pronto para agir como fonte
de comunicação - tem o objetivo de fazer com que
Mary concorde em acompanhá-lo no domingo. Joe
precisa criar uma mensagem. Seu sistema nervoso
central ordena ao seu mecanismo vocal que cons
trua uma mensagem para exprimir o objetivo. O
mecanismo vocal, servindo como codificador, pro
duz esta mensagem: "Mary, quer ir comigo ao pi-
quenique, domingo?" A mensagem é transmitida
por ondas sonoras, através do ar, para que Mary
a receba. É este o canal. O mecanismo auditivo de
Mary é o decodificador. Ela ouve a mensagem de
Joe, decodifica-a em impulso nervoso e a remete
ao sistema nervoso central, que responde a men
sagem.

Com base no que se viu, neste tópico, pode-se concluir que


no processo de comunicação toma-se importante buscar a apre
ensão da informação e que para isso as pessoas devem procurar
ampliar suas habilidades perceptivas, para se situar de maneira
correta dentro do ambiente informacional. O desafio consiste em
buscar amenizar as distorções que ocorrem nesse processo para
que este obtenha o êxito esperado na comunicação.

Referencias
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28 o conhecimento e o processo de comunicação


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