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SEIXAL

Seixal paga a funcionários para


trabalharem para Festa do Avante!. E
perdeu acção contra jornalista que o
noticiou
Revista Visão revelou que trabalhadores recebiam horas extra para recolher lixo e orientar
trânsito relacionado com evento comunista. Tribunal da Relação diz que autarquia escondeu
informação que até “podia ter afastado qualquer suspeita de relações promíscuas”.

Ana Henriques
16 de Março de 2022, 20:54

“A notícia é de relevante interesse publico”, concluiu o Tribunal


DIOGO VENTURA
A Câmara do Seixal perdeu em tribunal uma acção que tinha posto contra a revista Visão
na sequência de um artigo publicado em 2019
(https://www.publico.pt/2019/01/31/politica/noticia/camara-seixal-paga-funcionarios-
autarquia-festa-avante-1860147) a revelar que pagava horas extraordinárias a funcionários
seus para trabalharem para a Festa do Avante! (https://www.publico.pt/festa-do-avante)

Em causa estão serviços que vão desde a recolha de lixo no interior do recinto até à
orientação do trânsito em seu redor, passando pela desmatação de terrenos na zona
envolvente. Há muito governada pelo PCP, a autarquia alegou na altura tratar-se de
apoios que, além de aprovados por unanimidade por todas as forças políticas
representadas no executivo, eram igualmente facultados a outras instituições que
organizavam eventos no concelho. Mas recusou-se a explicar quanto gastava neste apoio
logístico anual.

Da autoria do jornalista Octávio Lousada Oliveira, que transitou recentemente da


direcção do semanário Novo para a assessoria de imprensa da Iniciativa Liberal, a notícia
(https://visao.sapo.pt/atualidade/politica/2019-01-30-Camara-do-Seixal-paga-horas-
extraordinarias-aos-funcionarios-para-fazerem-turnos-na-Festa-do-Avante/) intitulada
“Câmara paga ‘voluntários’ do Avante!” fez o Ministério Público desencadear um
inquérito para apurar a legalidade desta despesa pública.

Já a Câmara do Seixal accionou judicialmente a revista, acusando-a de ter cometido o


crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva. Dizia a autarquia que o artigo
lhe imputava “a prática de ilegalidades, deturpando factos de forma tendenciosa e
utilizando uma linguagem sensacionalista” que visava “provocar o escândalo para
conseguir vender maior número de exemplares”.

“Não se está, apenas, perante expressões ingénuas ou puras de prolação de factos


inverídicos, mas também perante uma formulação acintosa de juízos ofensivos da
credibilidade, do prestígio ou da confiança”, argumentava ainda o município liderado
por Joaquim Santos, que falava ainda em “agressão gratuita”. Depois de analisar o
assunto, o Ministério Público decidiu arquivar a queixa, mas a autarquia não se
conformou e pediu a abertura de instrução do processo. Perante nova recusa, desta vez
do tribunal, a autarquia apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que mandou fazer
o pré-julgamento do caso. No final do qual o juiz encarregado da instrução decidiu que o
processo devia mesmo ser arquivado.

“A notícia é de relevante interesse público”, concluiu. “Pelo menos até ao ano de 2017 a
força partidária CDU governou o município do Seixal em maioria absoluta, sendo
evidente a relação politico-partidária entre quem tem governado o município e o partido
politico que faz a sua rentrée politica na festa do Avante! e que tem lugar na quinta da
Atalaia, cujos terrenos são pertença do PCP”, enquadrou o magistrado, acrescentando
que o assunto dizia respeito “a dinheiro dos portugueses que é gasto por aqueles que
sendo eleitos o gerem no interesse destes”. E afinal de contas, assinalou também, a
Câmara do Seixal nunca desmentiu ter afectado meios logísticos dos munícipes e
funcionários seus ao evento, nem tão pouco ter pago horas extras pelo desempenho
desse serviço.

PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS  PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS

Mentiras e insinuações da "Visão" para atacar a Festa do "Avante!"


Com o título escolhido, a Visão procura fazer crer que a Câmara Municipal do Seixal coloca os seus trabalhadores a fazer
turnos no funcionamento da Festa do . Mais, insinua despudoradamente que seria a autarquia a fazer a Festa do Avante!
Ler o artigo no pcp.pt >

“A noticia não relata inverdades quanto à afectação de meios dos munícipes. A


divergência [com a autarquia] resulta de alguns trechos de opinião extraídos dos factos
relatados ao jornalista” por três funcionários que lhe prestaram declarações sob
anonimato, expressando a sua discordância perante esta prática, escreveu o mesmo
magistrado.

Porém, a autarquia recorreu uma vez mais. A decisão judicial que deverá pôr fim à
contenda de forma definitiva foi proferida no início deste mês pelo Tribunal da Relação
de Lisboa. Que, citando jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos,
refere que o direito a informar sobre questões de interesse geral parece apenas estar
condicionado pela obrigação dos jornalistas de agirem de boa-fé, com base em factos
exactos. “De outro modo, poder-se-ia, ao sobrevalorizar a honra ou o prestígio das
pessoas singulares ou colectivas, converter o sistema de justiça penal num mecanismo
autocrático de intimidação e retaliação, numa forma camuflada de censura e mesmo de
auto-censura, ao invés de um garante dos direitos, liberdades e garantias”, escrevem as
desembargadoras Cristina Almeida Sousa e Florbela Sebastião Silva.

Que acusam ainda a autarquia de falta de transparência: “Tudo o este texto faz é colocar
questões que, além de pertinentes, dada a opacidade nos critérios de recrutamento dos
trabalhadores e no pagamento de horas extraordinárias”. E “foi a própria Câmara do
Seixal que optou por não lhes responder, não obstante lhe ter sido dada a oportunidade
de responder a questões muito concretas, cujas respostas até poderiam ter afastado
qualquer dúvida ou suspeita de relações promíscuas com o Jornal Avante! e organização
da respectiva festa, bem como acerca do rigor e do acerto das contas e dos gastos”.

Contactada pelo PÚBLICO, a autarquia não prestou quaisquer esclarecimentos sobre o


assunto. Já o advogado que representou a Visão neste caso, Ricardo Correia Afonso,
mostra-se satisfeito com a prevalência dada à liberdade de informação pela justiça
portuguesa, com manda o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que se faça neste tipo
de litígios. Já o ex-jornalista Octávio Lousada Oliveira salienta a forma como esta câmara
tornou os apoios à Festa do Avante
(https://www.publico.pt/2021/08/09/politica/noticia/pcp-explica-prejuizo-festa-avante-
pandemia-campanha-desferida-evento-1973573)! inescrutináveis, ao recusar-se a divulgar
quanto tem gasto com o evento e quais os critérios que usa para seleccionar os
trabalhadores para esta missão. “Houve quem me dissesse que era dada primazia aos
que tinham cartão de militante”, recorda este habitante do concelho do Seixal. Para o
assessor da Iniciativa Liberal, a decisão do Tribunal da Relação “é uma lição em matéria
de transparência que vai muito para além da Câmara do Seixal e deste evento”,
estendendo-se a todos os organismos públicos que se recusam a prestar contas.

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